Sunday, September 13, 2009

De Visita à Freguesia de Lameiras (Pinhel)

Nos dias 3 e 4 de Setembro de 2009 fiz, acompanhado pela minha irmã Lídia Matias, uma visita relâmpago à Freguesia de Lameiras, concelho de Pinhel, da qual fazem parte Vendada e Barregão, visita que se desenvolveu em várias etapas.

Primeira etapa: Lameiras (Sede)

Ao chegarmos a Lameiras, seguimos, imediatamente, para o Calvário e fiquei de boca aberta ao encarar com o monumento, presentemente, diferente do que conheci, poucos anos antes. O Calvário, antes de 2006, era constituído por um pedestal formado por quatro degraus graníticos e três cruzes assentes em três pedras de tamanho e formas diferentes, contendo, cada uma delas, imagens gravadas uma das quais (a do lado esquerdo) possuía (e ainda possui) uma inscrição que diz e diz LI.GAIV, estando o seu conjunto no topo da pequena elevação que todos conheciam por "Santo". Entre os Calvário e os muros das hortas que lhe ficam atrás não havia praticamente espaço algum, de jeito, dificultando a passagem a grandes aglomerados de pessoas.
Calvário, antes de 2006

Foto de 2003


Actualmente apresenta-se de uma forma muito mais complexa e melhor ordenada, pois, além do pedestal formado por quatro degraus, assenta num estrado mais alargado com mais dois degraus e rebordo de pouquena altura, estrado este que se encontra ladeado por floreiras que descem em socalcos para acompanharem o declive do terreno. Tudo feito em pedra, a condizer com a Terra em que se encontra inserido.


Calvário depois de 2006


Foto de 3 de Setembro 2009

Enquanto as três cruzes continuam sobre um pedestal composto por quatro degraus e sobre as pedras originais, conservando-se a substância do Calvário, o conjunto no seu todo, avançou alguns metros, deixando, atrás, espaço mais que suficiente para se circular, o que veio facilitar a passagem das Procissões que se organizam à volta da Aldeia em dias festivos.

Nova perspectiva

O Largo foi todo calcetado e o Calvário foi enquadrado por duas alas de oliveiras, por uma floreira granítica, ao centro, e por um fontanário, também granítico, que assinala a entrada para todo o recinto sagrado.


Uma terceira perspectiva

Fotos de 3 de Setembro 2009


Enquanto medíamos as pedras da base das três cruzes e eu fazia algumas fotografias, acercou-se de nós um Senhor, ainda jovem, que eu não conhecia lá muito bem, mas cujas feições me faziam lembrar as dos seus pais. Dirigiu-se a nós, perguntando se precisávamos dos seus préstimos, ao que eu lhe respondi, imediatamente, de modo afirmativo. Fizemos as devidas apresentações pelas quais vim a saber que se chamava Caros Franco (filho da Sra. Rosalina) e que era, desde 2005, o Presidente da Junta da Freguesia de Lameiras.

Tal encontro, veio mesmo a propósito. Ninguém melhor do que ele me poderia fornecer dados que eu buscava sobre a nossa Freguesia. Em primeiro lugar deu-me a conhecer que os melhoramentos operados no Calvário e Santo tinham sido introduzidos no princípio do seu madato (2005/2006) como Presidente da Junta.

Presentemente verifiquei que havia uma grande azáfama no intuito de se concluirem outras obras, pertencentes à Freguesia. Mas estes melhoramentos que estavam em curso na Sede da Freguesia tinham o seu prolongamento natural nas outras aldeias anexas, como vim a verificar, pouco depois, por exemplo na Vendada, onde os trabalhos andavam à volta da Igreja e das ruas.

Quando lhe perguntei se conhecia alguns sítios onde havia sepulturas rupestres, foi peremptório em falar-me das que existiam nas cercanias da Capela de Nossa Senhora da Broa, na Vendada, e fez questão em nos acompnahar até lá para podermos vê-las e fotografá-las.

Segunda etapa: Vendada

Não só se prontificou, como também nos levou na sua própria viatura. Partimos, então, rapidamente, e verifiquei, logo ao chegámos, que também na Vendada, as obras de melhoramentos estavam em curso, abrangendo sobretudo os muros da Igreja e a rua principal.

Houve um caso curioso que presenciei, embora me não fosse de todo desconecido nem estranho, foi o cemitério à volta da Igreja. Era costume muito antigo, de facto, servir, quer o adro, quer a própria igreja, para enterramento dos mortos. Ali, na Vendada, seguiu-se esse costume até há bem pouco tempo, como se pode verificar pela fotografia que apresento, já de seguida, embora hoje, já exista um cemitério novo, à saída da Aldeia, do lado esquerdo de quem segue em direcção a Lameiras (Sede).

Igreja de Vendada

Foto de 3 de Setembro 2009



O Adro a servir de Cemitério

Fotos de 3 de Setembro 2009

Chegados à Senhora da Broa, quatro particularidades chamaram a minha atenção: os melhoramentos em curso relativos à Capela; limpeza, à sua volta; várias sepulturas rupestres escavadas num lajedo de dimensões consideráveis e, finalmente, o Pinoco que se encontra em frente da Capela.

Capela da Senhora da Broa

Foto de 3 de Setembro 2009

Olhando bem para a fotografia, aqui apresentada, vemos um caramoiço, ou montículo, feito em pedra miúda, no topo do qual se encontra um pequeno pinoco ou pedra adelgaçada, curta e erecta. Este está sempre levantado, em direcção ao céu. Quando as chuvas teimam em não descer à terra para regar os campos, os habitantes de Vendada e redondezas dirigem-se à Senhora da Broa para pedir ajuda e deitam o pinoco para baixo, como que a dizer: "se não nos auxiliares, mandando a chuva, o pinoco continuará tombado" o que equivale a dizer que a beleza e estrutura normal da Capela ficaria danificada até a chva voltar.





São histórias que se contam, passam de geração em geração e se acreditam como verdadeiras. A confirmar essa crença, correm boatos de que se conhecem exemplos claros que comprovam alguns factos milagrosos dessa natureza, ali operados!

Nas costas da Capela da Senhora da Broa encontra-se um grande lajedo sobre o qual foram escavadas algumas sepulturas rupestres, cerca de seis, todas viradas a Norte. É possível que existam mais algumas, mas, até à data, ainda não foram descobertas. Eu, ainda dei uma olhadela, em redor, mas nada descobri. Será preciso mais tempo, mais paciência e material apropriado para desbravar o giestal.

Dupla sepultura rupestre na Senhora da Broa

Foto de 3 de Setembro 2009

As sepulturas que aqui se encontram são de planta ovulada, rectangular ou trapezoidal, o que demonstra certa antigidade, devendo, portanto, pertencer aos tempos mais remotos da Idade Média.

A sul da Povoação ergue-se um belo Cruzeiro que foi levantado em 1940, como se lê na inscrição que se encontra no seu sopé e que foi levantado para comemorar a Restauração da Independência, ocorrida em 1640.

Cruzeiro de Vendada

Foto de 3 de Setembro 2009

Onde, hoje se vê o mosaico de Nossa Senhora Imaculada existe uma espécie de Nicho onde, possivelmente, se encontraria uma imagem diferente daquela que hoje ali se vê ou uma inscrição. Em seu lugar, no entanto, foi colado o mosaico que ali se pode ver e que tem os seguintes dizeres: Do lado direito tem a data de "1646"; ao centro existe a Imagem de Nossa Senhora, circundada pela inscrição "Virgem Imaculada Senhora Nossa"; do lado esquerdo tem a data de "1946" e por baixo tem a inscrição "HÁ TRÊS SÉCULOS VOS PROCLAMÁMOS PADROEIRA", com esta disposição:


VIRGEM IMACULADA SENHORA NOSSA
1646 ------------Imagem ------- -----1946
HÁ TRÊS SÉCULOS VOS PROCLAMÁMOS PADROEIRA


Trata-se de datas muito importantes para a Nação Portuguesa, uma vez que o ano de 1646, foi o ano em que o nosso Rei, D. João IV, depôs a coroa do Reino aos pés de Nossa Senhora no Santuário de Vila Viçosa, depois da restauração de Portugal, ocorrida em 1640. Assim, aquele azulejo tem, não só a data do ano em que Maria foi coroada Rainha de Portugal (1646), mas também a data em que ele ali foi colocado (1946), comemorando o dia em que a Virgem Imaculada foi proclamada Padroeira de Portugal.

Por esta última data tem-se a certeza de que o mosaico é do mesmo ano, o que é mais plausível, ou posterior a 1946. Isto vem colocar-nos numa época de euforia nacional, porquanto em 1940 teve lugar a Exposição do Mundo Português, inaugurada em 23 de Junho de 1940 pelo Presidente da República, Marechal António Óscar de Fragoso Carmona, sendo acompanhado pelo Presidente do Conselho, Dr. António de Oliveira Salazar e pelo Ministro das Obras Públicas, Eng. Duarte Pacheco. Esta mesma exposição tinha sido, de certo modo, preparada pela Exposição Colonial de 1930, realizada no Porto.

No dia seguinte regressámos, à Senhora da Broa, para fazer novas fotografias após o que, o Sr. Carlos nos levou até ao Marco que separa a Freguesia de Lameiras da Freguesia do Lamegal .

Marco divisório dos limites das fregusias de Lameiras e Lamegal respectivamente

Foto de 4 de Setembro de 2009

Neste Marco, as cinco quinas, parecem ter sofrido pequenas mutilações, o que poderá ter acontecido por acaso, devido ao desgaste do tempo, ou a trabalhos agrícolas, visto o Marco se encontrar num terreno arável.

Terceira etapa: Tavano

Deixando o Barregão para a parte da tarde, depois de termos visitado a Rogenda, tomámos o rumo para o Tavano, a fim de visitarmos, aí, uma suposta Sepultura Rupestre. Antes, porém, fomos à Casa Mortuária no intuito de passarmos uns momentos a acompanhar o velório do Sr. Mário Santa, marido da Sra. Adelaide Pereira.

Ao passarmos pelo Forno da Aldeia pedi para fazermos uma curta paragem, a fim de fotografar o belo Cruzeiro que ali se encontra e que tem, na base, uma inscrição composta por números.

Forno comunitário remodelado nos anos 70 com um Cruzeiro muito antigo

Foto de 4 de Setembro de 2009

Inscrição na base do cruzeiro



Foto de 4 de Setembro de 2009

A data que se lê na base deste cruzeiro parece ser a de 689. Talvez sejamos induzidos a pensar que existe o número 1 antes do número 8, mas, se analisarmos bem, aquilo que nos parece um 1, não é nada mais do que a continuação do risco inferior que continua do lado direito para cima de modo a fazer o rectângulo que contém a inscrição, tendo o seu oposto no lado esquerdo superior.

A ser admitida a data de 689, estaríamos nos finais do período Visigótico (624-711) e a nove anos antes de Rodrigo ser eleito como último monarca dos Visigodos. Estaríamos também no período após o Concílio de Toledo (XI), iniciado a 7 de Novembro de 675 e terminado no ano 681. Pouco depois, porém, em 711, teria lugar a invasão da Península Ibérica pelas tropas muçulmanas, após a derrota dos Visigodos na batalha de Guadalupe.

Teria o Cruzeiro de Lameiras sido erguido em memória do Concílio Toletano no qual se tratou do Símbolo da Fé Católica, especialmente do Mistério da Santíssima Trindade, da Incarnação , da Redenção e da sorte do homem após a sua morte (cf. nn 525-541 do Enchiridion Symbolorum et Declarationum de rebus fidei et morum, de Denzinger-Schönmetzer, Roma, Herder, 1965, pp. 175-180).

Tomámos, de seguida, a direcção da pedreira do Tavano a qual se encontra do lado esquerdo, a cerca de 300 metros da Quinta do mesmo nome, se rumarmos em direcção a Pinhel e passarmos pela Povoação, chamada Malta. À entrada vê-se logo o distintivo dessa pedreira, assim como a cor da pedra que ali se explora e o culto que se tem pelas cruzes. Repare-se bem neste exemplar, apresentado pela fotografia que vem a seguir. Em cima do bloco de pedra, foi colocada a parte superior de uma cruz, virada ao contrário, sem sabermos a razão desta particularidade!


Entrada para a Pedreira

Foto de 4 de Setembro de 2009

Andados mais alguns metros, fomos dar com um monumento rupestre que, à primeira vista, dá a sensação de ser um Lagar com o seu pio. Na verdade, no estado em que se encontra, parece mais um lagar do que uma sepultura. Poderia, no entanto, ter sido, anteriormente, uma sepultura que tivesse sido adaptada a lagar com a adição do pio que, por sua vez (e admitida a última hipótese), teria sido escavado na continuação do mesmo bloco granítico. Devido a a uma mancha de carvalhotos e giestas que envolvem o monumento, não consegui fotografá-lo convenientemente.

Lagar com o orifício para o pio



Fotos de 4 de Setembro de 2009

Nota-se, perfeitmente, que o monumento apresenta uma planta perfeitamente ovular o que quer dizer que ele partence aos primeiros tempos da Idade Medieval, pois, segundo consta, as seplturas mais antigas seriam exclusivamente de planta ovulada rectangular ou trapezoidal: Posteriormente ter-e-á caminhado para o antropoforfismo, com a delineação da cabeça, cotinuando, contudo, a utilização de plantas simples (CD-ROM de Fornos de Algodres, Patrimnio Arqueológico de Fornos de Algodres, Inventáirio - Centro de Intepretação Hstórico e Arqueológico de Fornos de Algodres, 2005).


Quinta etapa: Brregão

Depois de várias horas na Rogenda (da qual já falámos no Blogue 2 e que constituiria a quarta etapa), rumámos ao Barregão, para, em seguida, chegarmos ao Lamegal. No Barregão fotografei o cruzeiro que se encontra à entrada de quem chega de Freixedas. Este Cruzeiro encontra-se precisamente na confluência do caminho vindo de Freixedas e do caminho que dá para a Vendada pelo lado do Arco. Encontra-se, portanto numa bifurcação, ao seja, na confluência do caminho que vem de freixedas e do que vem do Arco. Ora, segundo o sentir e crendice populares a sua lucalização tem a ver com o mundo dos espíritos e das feiticeiras.

Primeiro aspecto de Cruzeiro do Barregão

Segundo aspecto com a data de 1940

Fotos de 4 de Setembro de 2009

Não sei se ainda hoje se acredita, mas, em tempos idos, acreditava-se que os cruzeiros eram colocados nas encruzilhadas ou bifurcações para exorcizar as bruxas e os lobisomens. Dizem que, quando alguém se sentia perseguido pelas feiticeiras se depenava uma galinha e se lançavam as suas penas ao vento junto desses cruzeiros para despistá-las e enganá-las.

De seguida fomos ver a fonte que, embora tenha pouca beleza, merece uma maior atenção quanto aos arranjos da sua entrada e da sua porta.

Fonte do Barregão

Prestou bons serviços antes de haver água canalizada e, além do mais, possui uma inscrição gravada no seu lintel e que mostra a data de 1866, como se pode descortinar através desta foto que pode ser ampliada, para uma melhor visualização.

Inscrição com data de 1866

Fotos de 4 de Setembro de 2009

Existe, também, uma pequena Igreja, onde os fiéis se juntam para o culto a qual já deve ter muitos anos, senão séculos. Não tive a oportunidade de verificar se ali se encontrava alguma inscrição. Fiquei, no entanto, com a ideia de procurar sabê-lo numa uma outra melhor oportunidade.


Igreja do Barregão

Foto de 2004

Terminada esta curta visita ao Barregão, demos por terminado o nosso percurso pelos limites da Freguesia de Lameiras que bem nos fez reviver tempos passados, há mais de meio século. Não se detenham, porém, a querer esmiuçar os anos decorridos para ver se conseguem descobrir a minha idade, pois essa já pouco interessa a quem já viveu bastante e sempre soube aproveitar do que a vida de belo contém. Para já, convido-os a terem paciência até lerem a visita que fizemos ao Lamegal.

Saturday, September 12, 2009

Uma visita de saudade à Rogenda

"Rogenda" é o nome dado, entre os habitantes da Freguesia de Lameiras a uma região que se situa entre as freguesias de Freixedas, Lameiras e Souropires todas pertencentes ao Concelho de Pinhel, Distrito da Guarda. E encontra-se a cerca de 3 km da Malta do lado esquerdo da Estrada Nacional, indo da Guarda para Pinhel. Saindo, para um caminho que dá para a Quinta da Rogenda e prédios circundantes, dá-se com uma entrada para uma propriedade que, nos anos 50, pertencia ao Sr. Horácio Beirão, sendo tratada durante alguns anos pelo Sr. António Matias, mais conhecido por António Germano.

Essa propriedade, nesses anos (e antes) podia dividir-se em quatro grandes parcelas: a primeira, a da entrada era constituída por um Pinhal e terreno lavradio; o segundo era constituído por uma grande extensão de enormes afloramentos graníticos; a terceira, depois de grande esforço tinha sido transformada em terreno apropriado para o cultivo de batata, hortaliça e legumes ou para trigo ou pomar, se o proprietário o desejasse; o quarto era constituído também por uma grande extensão de Rochas, igualmente graníticas e terreno baldio, onde cresciam apenas giestas, silvas e alguns pinheiros, aqui e ali.

O segundo quarto dessa extensa propriedade – parte granítica – começou a ser explorada por um grupo de pedreiros naturais de Alcains, com a finalidade de proporcionarem material de construção a belos edifícios da cidade da Guarda, entre os quais se contam a estátua de D. Sancho, a Casa de Santa Zita, o Tribunal e outros.
Para serem auxiliados nos seus trabalhos e para se sentirem integrados na sociedade oriunda do Concelho, o chefe desse grupo convidou alguns pedreiros de Lameiras, entre os quais esteve desde o início o Sr. António Matias, e o autor destas linhas, entre os 11/13 anos de idade, sendo-lhe consignado o ofício de cozinheiro (ou seja, o de recolher lenha, ir à fonte, deitar água nas panelas, deitar-lhe o fogo, olhar pela sua cozedura) e de distribuidor do material de pedreiro que consistia em reunir os picos, cinzéis, escopros; levá-los à forja para serem aguçados e temperados e redistribui-los pelos seus respectivos proprietários.

Sobre o muro da antiga forja

Foto de Setembro 2009


Nessa altura, essa parte da propriedade revestia-se de grandíssimos e multiformes penedos, entre os quais foi construída uma casa para habitação dos pedreiros de Alcains, e uma forja, onde, desventuradamente queimei uma das mãos por tê-la colocado sobre um pico que se encontrava sobre a safra e sobre a qual incidia o sol tornando-o invisível.

Lídia Matias em frente à casa dos pedreiros de Alcaíns

Foto de 3 de Setembro de 2009

Lembro-me, ainda que tais penedos – afloramentos de granito – classificado com granito cinza em Pinhel apresentavam várias formas às quais dava pouco ou nenhum sentido especial, assim como o restante pessoal que ali trabalhava. Mas sempre me causaram certa admiração algumas formas que me faziam lembrar figuras humanas ou de animais, algumas formas circulares e semicirculares que via sobre algumas rochas que percorria a saltitar, cheio ainda de juventude. Sempre encontrei estranha a existência de um engenho que me parecia um lagar de vinho com o seu pio adjacente.

Os anos rodaram, os pedreiros sucederam-se, e o negócio da pedra continuou com altos e baixos, exactamente como o que me aconteceu a mim, pois se foi em 1953 que deixei aquele emprego e com ele o meu País, só regressei a esse mesmo lugar, e como em visita de saudade, em 2002, 2004 e, por último em 2009, desta última vez, acompanhado pela minha irmã Lídia, para também ela matar saudades.

Quando ali regressei, a extracção da pedra tinha-se deslocado para a quarta e última parte da propriedade da Rogenda. Porque razão tal aconteceu, não sei, não investiguei, nem tenho a intenção de o fazer.

Na ânsia de reviver tempos passados e de rever imagens antigas, lanço-me à procura daquilo de que ainda me lembrava. Percorro todos os lugares que posso, salto de rocha em rocha, mas já com muita dificuldade devido ao peso dos anos que me envelhecem e consigo reencontrar, pelo menos parte dessas imagens anteriores. Estou falando da primeira e segunda visitas, as de 2002 e 2004. Pelo menos as rochas cujas imagens me ficaram melhor gravadas na memória ainda se encontravam no seu devido lugar e intactas. Delas, sem dúvida, fiz um registo fotográfico que ainda possuo e conservo com todo o zelo.

Mas na terceira visita, a de 4 de Setembro de 2009, a minha perplexidade foi ao auge! Após várias rondas pelo local apropriado, não consegui encontrar o monumento que era mais visível e que tocava mais a gente agrária e vinícola da região Pinhel. O antigo Lagar e Pio rupestres deixaram de se encontrar no sítio em que sempre os conheci. Terão sido destruídos, ou transladados para outro lugar? Eis a minha questão. Por tudo o que pude constatar, desapareceram, não resistindo à extracção indiscriminada do granito.

Ficaram, no entanto, um número reduzido de rochedos que possuem covinhas gravadas e outros cujas características morfológicas insólitas e enigmáticas me fazem mergulhar num mundo de sonho e de mistério. É certo que as covinhas gravadas nas rochas (algumas das quais podem ser naturais) constituem, ainda hoje, um mistério. Pouco se sabe acerca da sua origem e da sua finalidade. Assim, relativamente às que encontrei na Rogenda, não poderei dar senão um palpite e, mais tarde evidentemente.

Este vasto território encontra-se insuficientemente prospectado. Até ao momento, identificámos algumas rochas de carácter dolménico (rocha antropomórfica, Rocha ofídica (em forma de cabeça de serpente), Rocha em forma de cabeça de orca e rochas com covinhas) . Estes monumentos encontram-se ainda em bom estado e todos na região que circunda a casa dos pedreiros de Alcains, construída nos anos 1950-1951.

Nessa altura, uma extensão de cerca de 1000 metros quadrados, estava coberta por enormes afloramentos graníticos que, pouco a pouco, foram rebentados. Entre esta parcela e outra mais a poente encontra-se um terreno de cultivo (hoje abandonado). Logo a seguir a este terrenos existia outra extensão de rochedos, menos agigantados os quais nunca foram explorados pelos Pedreiros de Alcains, pelo menos segundo me consta.

Nesta última área encontrei e pude fotografar um Lagar com o seu Pio respectivo, ambos escavados numa rocha rasa que se encontrava praticamente à flor do solo. Passados 5 anos, isto é a 4 de Setembro de 2009, ali me desloquei novamente, mas já não encontrei esses dois representantes do passado. Terá sido devido à minha imperícia e cansaço ou terá mesmo sido destruída pela pedreira que ali funcionou durante vários anos, mas inactiva no momento desta minha visita? Gostaria de ter uma confirmação.

Lagar e Pio num único monólito

Foto de 2002

No entanto e, felizmente, alguma coisa ainda ficou intacta. Nas proximidades desta casa, dos pedreiros de Alcains existem ainda:

- Um Monólito a Leste em forma ovular com duas covinhas (Logo à entrada da área, seguindo o trilho central da propriedade);

- Dois núcleos de rochas com covinhas, a Norte;

- Um dos núcleos, situado a cerca de 10 metros, a norte da casa, é constituído por um painel principal com 6 ou 7 covinhas;


- Um outro núcleo, a Sul, é constituído apenas por uma figura composta de duas pocinhas circulares ligadas entre si por um estreito canal, o que talvez possa entrar na categoria de “copos e anéis).



O segundo núcleo é também composto por afloramentos diversos e mais distantes entre si e em relação à casa, como, por exemplo:

- Vários monólitos gravados com covinhas de diferentes formas





- Um Monólito-móvel, ou talvez um menir fálico, em forma de Serpente:


- Um outro em forma de Orca ou de golfinho:


Dois monólito em forma de cabeça humana:


- uma, deitada de nuca para baixo, a Nascente da casa;



- e outra, a Poente da casa, com o lado esquerdo enconstado,



Em conclusão direi que todas as covinhas dos diversos rochedos possuem diâmetro e profundidade muito variadas, destacando-se, em alguns casos, uma ou várias covinhas de grandes dimensões, entre as quais algumas parecem ter sido ocasionadas pela erosão.

Por outro lado, todos esses painéis gravados com covinhas encontram-se ao ar livre tendo como suporte rochas graníticas. Todas, à excepção de uma, são gravadas em afloramentos ou monólitos-blocos móveis. É, pois de encarar a hipótese de se tratar de um recinto muito apropriado à “ litolatria”.

Oxalá que o pouco que ainda existe, seja preservado para recreação de quantos nos sucederem!

José dos Montes hermínios

LAMEIRAS NOS MEUS TEMPOS DE MENINO E MOÇO


"A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.Quando se vê, já são seis horas!Quando se vê, já é sexta-feira...Quando se vê, já terminou o ano...Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.Quando se vê, já se passaram 50 anos!Agora é tarde demais para ser reprovado.Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.Desta forma, eu digo: Não deixe de fazer algo que gosta, devido à falta de tempo, pois a única falta que terá, será desse tempo que infelizmente não voltará mais".
Mário Quintana


Introdução

O nome "Lameiras" pode aplicar-se a várias localidades distintas e pertencentes a diferentes concelho. Para nomear apenas algumas, temos, por exemplo:
Lameiras, Freguesia de Antas (S. Tiago), uma das cinco que constituem o núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão;
Lameiras do Concelho de Sátão, distrito de Viseu;
Lameiras do Concelho de Santa Comba Dão
Lameiras da freguesia de Terrugem, Concelho de Sintra, Distrito de Lisboa
Lameiras do Concelho de Pinhel, Distrito da Guarda.
O meu estudo circunscreve-se a esta última localidade que se estende por uma área de 16,77 km² de área, possuindo 396 habitantes, segundo a Censo de 2001. Com uma densidade de 23,6 hab/km², esta freguesia é constituída por três Povoados a saber: Lameiras, Barregão e a Vendada.

O nome "Lameiras", assim como os seus congéneres "lamas" e "lameiro" poderão ter uma origem pré-romana e pré-céltica, vindo a significar terrenos húmidos devido a uma certa intensidade de pluviosidade e de retenção das águas nos terrenos. Assim o entendem José Cunha Oliveira [online] [Consult. 05-08-09] Disponível em (http://toponimialusitana.blogspot.com/2008/03/lama-lamas-lameiras.html. Por seu lado Machado (1977, vol. III, p. 378 faz derivar "Lameira" de "Lama" e esta do lat. "Lama" com o significado de "charco, pântano, lodaçal, atoleiro", atribuindo-lhe uma origem ligúrica[1]. Seja como for há sempre uma relação com a humidade que se encontram em terrenos cuja característica principal é a humidade dos terrenos.
Efectivamente, quem conhece essa aldeia, compreende satisfatoriamente que se trata de uma freguesia onde existe bastante água e onde os seus campos, situados entre a Ribeira das Córgas e a Ribeira da Pega possuem muita água, produzindo abundantemente hortaliças, legumes, erva e fenos, sobretudo no Coche e Janalvo.
Esta aldeia deve ser muito antiga, pois já "(...) em finais do século XVI formava um Curato da apresentação do reitor de S. Martinho de Pinhel, cujo Orago era Nossa Senhora da Consolação, sendo, então, dirigida pelo Pe Cristóvão Velho" que nessa altura pagava de colheita 274 réis, segundo testemunha o autor da artigo "Pinhel, Turismo as Freguesias – Lameiras" ([online] [Cônsul. 08-08-09] Disponível em http://www.cm-pinhel.pt/turismo/ asfreguesias/ Paginas/lameiras.aspx/ (ANAFRE). O mesmo autor diz haver na freguesia, à data, 86 fogos, pessoas de comunhão 190 e menores, 54.

Relativamente ao recheio ou Ornamentação da paróquia noticia o mesmo autor que havia:
"(…) um cálice de prata bom que terá 4.000 reis, uma coroa para a imagem de nossa Senhora; três cruzes de latão; quatro vestimentas (…) sobressaindo uma cruz boa de prata de 12.000 reis (…) uma custódia que terá 13.000 reis, um palio vermelho (…) uma alâmpada e uma arca (…) uma grade de ferro no arco do cruzeiro (…). É uma das poucas freguesias do concelho que conserva as cruzes dos Passos ou da Via-Sacra, tendo algumas sido restauradas em 1940".

Nos Fundos e Colecções de PT/ADGRD/PPNH16 referentes à Paróquia de Lameiras (Pinhel) existe, "(...)documentação (originais) proveniente da Conservatória do Registo Civil de Pinhel e incorporada no Arquivo Distrital em 20 de Outubro de 1992 e 21 de Abril de 1998. Também os duplicados foram incorporados na Arquivo em 2 de Novembro de 1992 e a 30 de Junho de 1994, provenientes da Conservatória do Registo Civil da Guarda" [online] [Consult. 05-08-09] http://www.adguarda.pt/loja/produto_%20detalhe.asp?productid=342&departmentid=64. Por aqui se vê que já em 1636 a Paróquia de Lameiras se encontrava organizada relativamente aos Assentos de Baptismo de 1654 – 1897, Registos de Casamentos de 1638-1911 e Registos de Óbitos de 1636-1911.
Sobre a questão dos Assentos de Baptismo e Registo de Óbitos leia-se o que o que eu próprio escrevi na minha tese de doutoramento: "Assinale-se, porém, que o Registo paroquial dos baptismos, em Vila do Conde, começou, somente, em 1535, encontrando-se no entanto assinados por sacerdotes sem designação do cargo. Em Lisboa os Registos foram estabelecidos a 25 de Agosto de 1536 no Sínodo diocesano que foi presidido pelo Cardeal Infante D. Henrique, enquanto os de Braga foram impostos nas Constituições diocesanas de 1537, constituições essas que foram aprovadas, no Sínodo de 16 de Setembro, do mesmo ano, adicionando também os Registos para os Óbitos. Mais tarde, o Concílio de Trento ampliou-o para os casamentos e generalizou-o em toda a Igreja Romana (Sess. XXIV, cap. I e II, de reforma Matrimonii)". (Matias, 2009, p. 70).

1 – Pertinência do estudo

O estudo que me propus realizar parece-me de certa importância. A partir de uma fonte derrubada fui levado a descobrir, não apenas valor artístico e histórico, não só deste monumento, mas também de outros que fazem parte integrante do património arqueológico e cultural dessa aldeia que, para além de curiosidades e reminiscências do passado, constituem os alicerces de nosso presente, fazendo, portanto, parte da identidade de todo o Lameirense.

É, pois, sobre este património que me debruçarei para nele ler e ouvir, talvez, canções de embalar, contos de príncipes e princesas encantados, ou, quem sabe, a voz longínqua de cronistas ou de historiadores que outros materiais de escrita não usaram senão o granito dessa mesma Região Beirã!

Tendo em vista este trabalho fiz, a partir de 2001 até hoje:
· o levantamento da maior parte do conjunto físico da Aldeia;
· a oferta de alguns quadros relativos à Aldeia para serem expostos na Sala de Convívio ou no Gabinete da Junta de Freguesia;
· através do preenchimento de um inquérito elaborado para o efeito convidei a população a manifestar-se a favor ou contra a recuperação da fonte soterrada e a favor ou contra o conhecimento e preservação do património ainda existente;
· sondei várias pessoas residentes e não de modo a conhecer os seus anseios relativamente à questão da valorização do património histórico de Lameiras, tendo encontrado grande entusiasmo não só relativamente à Fonte do Barroqueiro ( dita também Fonte do Mergulho[2]) .
Senti, igualmente a necessidade de buscar, conhecer e analisar atentamente tudo o que ali existe a fim de comunicar aos outros as riquezas que ainda restam e de os convidar a todos para que zelem ciosamente pelo que ainda existe e se esforcem por recuperar o que ainda pode ser recuperado.
Para que os meus leitores possam fazer uma pequena ideia de quão importante é esta aldeia beirã basta apresentar-lhes sumariamente e, por enquanto sem imagens, a existência de:
- uma série de "Alminhas" que culmina por capelas, envolvidas em lendas curiosas,
- o "Senhor da Assomada", um crucifixo envolvido em lendas mágico-religiosas;
- uma "Estela" ou pedra tumular intrigante, conhecida sob o nome de "Pedra das Almas" à qual se veio juntar em 2003, se não estou em erro, uma outra de carácter claramente cristão;
- três pedras, ornadas com formas e imagens intrigantes, também elas acompanhadas de lendas estranhas e de histórias contemporâneas empolgantes;
- uma pedra com a inscrição LI.GAIV, o que é insólito;
- um série de cruzes e/ou cruzeiros, colocados nas encruzilhadas, e/ou em sítios nevrálgicos, sinais de um cristianismo que se vive à mistura com a crença e apego à feitiçaria e na existência de lobisomens;
- uma fonte no Largo do Cruzeiro, onde, segundo a tradição e eu próprio conheci, se encontrava uma Pedra com a Imagem de uma Senhora com o filho ao colo, de um lado e uma figura enigmática, em forma de peregrino, com capuz sobre a cabeça, do outro;
- um Cruzeiro, memorial de Restauração da Independência de Portugal;
- e, para culminar, a Fonte Românica (ou Romana) com um menir fálico, à entrada, o que parece servir de ponte e ligação entre um mundo "mágico-religioso", dito "pagão" e o mundo religioso cristão, ou seja: de uma fonte que teria sido considerada morada de uma divindade, talvez "Poséidon" e/0u "Gaio", possuidor de grandes santuários na Fenícia e na Grécia, passou a servir uma população cristianizada, mas, nem por isso, completamente despida das antigas práticas religiosas anteriores à introdução do Cristianismo.

Estas e outras particularidades existentes na aldeia de Lameiras despertaram em mim o interesse pelo aprofundamento das questões relativas ao seu património histórico. Sou levado a crer que, por detrás delas, se encontra a cultura greco-romana, misturada com a cultura médio oriental, ou seja fénico-hebraica, e egípcia. E, de facto, se algumas pedras estão ligadas à história mais recente, outras há que, possivelmente, talvez sejam sinais de um passado bem longínquo, pois que apresentam indícios de culturas praticamente desconhecidas actualmente.

Tais registos enigmáticos parecem situar-me num contexto cultural próprio que é composto de várias facetas sucessivas as quais vão deixando rastos indeléveis, mas cuja decifração se torna, frequentemente, difícil e, em muitos casos, impossível, sendo necessário aceitar a existência de um contexto muito mais alargado, como aquele que conhecemos sob o nome sucessão e coexistência de "Multi-interculturas".

Dentro da cultura[3] geral de um país ou de um continente, existe uma que é partícula e especial a cada povoação porque nesta se desenvolve de maneira própria e um tanto diferente da do seu vizinho. Ela continua viva, não somente no sentido afectivo, intelectual e físico, mas também no sentido estético e artístico, quando é a assimilação e o envolvimento de valores que provêm de grupos vindos do exterior e quando, à assimilação, se vêm adicionar novas formas que são engendradas pela força criativa não só do intelecto, da força física e moral, mas também do engenho e da arte das gerações que ali se sucedem ininterruptamente.

Por isso, quando falo de "cultura de um Povoado", entendo que esta é constituída por tudo aquilo em que se alicerça o seu presente, ou seja, tudo aquilo que se foi acumulando insensivelmente, desde os seus alvores, ainda que o significado original se tenha perdido, modificado ou misturado com significações posteriores.
Importa, pois, não destruir nada se, e quando se desconhece o seu valor ou significado; importa conservar e acarinhar tudo o que faz parte do espólio que nos foi legado pelos nossos Maiores, esperando que, um dia, se tenha melhor informação e se saiba, então, apreciar melhor os sentidos e os valores, até então, desconhecidos e, talvez, nunca sonhados.

Uma coisa é certa: nunca se podem subtrair esses elementos à cultura presente de cada Povoação ou de cada indivíduo de hoje, porque eles fazem parte integrante da sua própria essência. Nenhuma cultura se criou de um dia para o outro. O seu aparecimento e instalação foram sempre a conclusão de um certa interdependência. Foi, efectivamente, do entrelaçar e da miscigenação de muitos povos, raças, religiões ou crenças que emergiram as diversas Povoações de que é constituído o nosso País e se forjaram as Culturas e Religiões que formam a nossa actual conjuntura sócio-cultural e político-religiosa.

Neste sentido "Educar para a Cidadania" inclui a tarefa de consciencializar cada indivíduo - e não só as Instituições Públicas - de modo a exercer a obrigação de zelar pelo património cultural que lhe foi legado pelos seus antepassados, pois, nesse mesmo, tem ele parte da sua própria essência e, por consequência, parte da essência do Grupo a que pertence. Desconhecer esta lei natural é viver inconscientemente; conhecê-la e não aplicá-la é renegar as suas próprias origens; é aniquilar-se a si mesmo.

Daí a necessidade de ser fomentada em todos os membros da Comunidade a ânsia de se cultivarem e de se educarem no que respeita os valores culturais que eles mesmos representam, na certeza de que, desenvolvendo uma busca contínua e séria de tudo aquilo que constitui a substância essencial dos procedimentos do seu grupo e de si próprios, estarão a pôr em prática a obrigação de verdadeiros cidadãos.

A pergunta de partida é a seguinte: A freguesia de Lameiras do concelho de Pinhel possuirá alguma coisa de relevante que interesse ao público em geral e à comunidade científica, em particular ?

Convencido de que as pedras também têm algo para nos contar e, partindo da tal fonte românica[4] dessa aldeia beirã[5]de que já falámos, hoje soterrada, depois de lhe terem derrubado acidentalmente (segundo dizem alguns) a sua cobertura em arco (a partir do arranque), comecei a interessar-me pelo património desse torrão serrano de modo torná-lo conhecido, valorizado, amado e conservado pelo grupo humano que a ele se encontra ligado. Uma primeira preocupação minha foi alertar os que mais de perto se encontravam envolvidos no assunto, de modo a que, não só conhecessem e preservassem os valores culturais que ainda se encontravam em bom estado, mas restaurassem, igualmente, o que foi danificado e recuperassem o que já tinha sido danificado, perdido ou destruído.

A educação a este respeito torna-se útil, necessária e urgente, pois até 1997 nunca me passara pela cabeça poder ali existir algo que fosse considerado valioso ou histórico. Muito embora ali tivesse nascido, dali me ausentei, em 1953, vindo a regressar (e só de visita) em 1966[6]. E, entre esta data e 1997 as minhas idas à Terra não passavam de visitas rápidas, faltando-me sempre o tempo, a disposição e o interesse para a examinar com olhos de pesquisador, no intuito de nela encontrar indicadores de uma cultura própria e rica.
Com efeito, foi em 1997 que dei conta de que ali se conservava um verdadeiro tesouro. E, por absurdo que pareça, foi precisamente o desmoronamento dessa fonte românica (ou romana) que me levou a olhar para a minha aldeia com outro interesse, começando por considerá-la como um verdadeiro museu recheado de objectos de arte e de documentos históricos de valor incalculável.

Já ninguém se lembrava da Fonte do Barroqueiro, nem eu próprio. Mas uma fotografia que tinha tirado em 1966/67, reencontrada, por acaso, numa gaveta do Dr. Messias Coelho, revolucionou todas as minhas memórias e verifiquei que essa fonte tinha sido destruída, em parte, e soterrada nos anos 70.

Recuando no tempo (em que, à luz da candeia e ao calor do cepo de carvalho, de freixo ou da giesta negral, jorravam, da boca de nossos pais e avós, histórias encantadoras e que na altura nos enlevavam como se entrássemos a fazer parte dum mundo de fadas e de divindades bucólicas), comecei a "re-ouvir", a "re-ver" e a reavaliar, tanto essas histórias, quanto os locais onde as tinha visto e ouvido, entre os quais sobressaía, de facto, essa fonte bucólica, onde os moços esperavam pelas moças e as mães passavam a mão direita sobre o falo que ali se encontrava bem erguido. Ali, inocentes, os mais novatos, corriam, descalços ou com sapatos rotos, atrás de uma bola de farrapos.

Embalado por estas memórias, quis escutar, primeiro, a voz dos mais antigos da aldeia que me contaram histórias de encantar sobre determinadas pedras que eles afirmam estarem envolvidas em lendas muito antigas. A fazer parte desse misticismo parece estar um crucifixo monolítico a cujos pés se encontra uma cabeça humana e a que se dá o nome de "Senhor da Assomada" ou "Somada" [7], Cruzeiros, Estelas, Fontes, Alminhas, Capelas, Lagares e Covinhas, Copos e Aneis (?) e Pegadas em rochas graníticas, como já referi.

Entre a multiplicidade de testemunhos que me vinham à memória acerca de grupos humanos diversos e distintos quanto à maneira de pensar, saber, rezar e manobrar, aliados à existência de Sepulturas Rupestres (em Vascoveiro e Vendada), de Lagares e Covinhas (em Lameiras - sede) e de uma Anta (em Pêra do Moço) levaram-me a fazer recuar a cultura da minha aldeia talvez a alguns milénios anteriores à era cristã e julguei que ela se puderia ligar, possivelmente, à cultura dos povos vindos não apenas de Roma ou Grécia, mas também do Sueste da Ásia, dos Cananeus, dos Fenícios, dos Egípcios e dos Hebreus (?!).

Tais factos, levaram-me, não só a pensar na possibilidade de aprofundar as minhas recordações pessoais, mas também a proceder a um estudo mais alargado que fosse capaz de ligar o presente ao passado, através das inter-relações que poderei descortinar por detrás dos indicadores que se conservam em todos esses documentos consignados em linguagem granítica.

Em primeiro lugar procedi e continuarei a proceder a um levantamento fotográfico exaustivo de tudo aquilo que considero possuir características de "monumentos", tomando por esta classificação toda e qualquer "Obra escultórica ou arquitectónica que, assinalando comemorativamente um acontecimento relevante ou homenageando uma figura de destaque, se destina a divulgá-los e a perpetuá-los na memória colectiva", segundo a definição do "Dicionário da Academia das Ciências" (2001, Vol. II, p. 2522) .

Será objecto da minha investigação, por conseguinte, toda a estrutura construída pela mão humana e que tem como objectivo significar e imortalizar algo simbolicamente, comemorar acontecimentos importantes da comunidade ou homenagear figuras ilustres, aliando a estes objectivos o aspecto artístico que, ao fim e ao cabo, termina por embelezar os locais respectivos, em particular, e a própria aldeia, em geral.

Após o levantamento toponímico e iconográfico, além da experiência e memória pessoais, utilizei o questionário e a entrevista (em Dezembro de 2001) em alguns casos, sirvo-me de monografias, sobretudo quando tento descobrir a significação ou simbologia dos monumentos que são motivo especial do meu estudo.

Na ilustração do texto utilizo, de uma maneira geral, as fotografias da minha própria autoria que, por este mesmo facto, não levam a identificação do autor, deixando esta somente para as que não me pertencem.
6 – Perspectiva sociocultural actual

Camilière (1989, p. 25) dizia que "a cultura é a configuração, mais ou menos ligada pela lógica oriunda dum modelo de significações adquiridas - as mais persistentes e partilhadas -, que os membros de um grupo, a par da sua afiliação a este mesmo, são levados, por um lado, a distribuir de modo prevalecente a partir dos estímulos provenientes do meio ambiente ou deles mesmos, e, por outro lado, sob o ponto de vista atitudinal, conduzem a, representações e comportamentos, cuja reprodução eles tendem a assegurar através dos tempos"[8].

Questionando-se sobre a natureza do modelo ou forma que se encontra subjacente a toda a cultura, o autor parece sintetizá-lo numa "(...) estrutura sem sujeito, transcendente, mais ou menos independente do tempo e das determinações históricas" (Idem, p. 26). A sua resposta deixa entrever a impossibilidade de identificar a sua origem e essência, admitindo, porém, que será suficiente encontrar certos indicadores que nos permitam não confundir uma determinada cultura com outra qualquer.

Estes indicadores são muito importantes, pois eles constituem os traços distintivos de uma determinada cultura uma vez que estes mesmos traços são a sua característica própria e quase exclusiva, e eles são diferentes dos de todas as outras culturas. Podem apresentar certas semelhanças, mas possuem sempre algo de inconfundível, o que determina a diferença e institui, necessariamente, a identidade própria de cada uma delas.

Aceitando esta particularidade de cultura, interroguei-me sobre o material onde tais modelos e tais indicadores poderão encontrar-se. Frequentemente pensa-se que eles se encontram, quer na tradição oral, quer em pergaminhos, papiros, tabuinhas ou, mais recentemente, em documentação escrita ou fotográfica. Que dizer, no entanto, de inscrições dispersas ou de imagens e símbolos, esculpidos na pedra, tanto nas que se encontram em descampados, como naquelas que estão dentro das povoações?

O presente tema poderia ser constituído por três partes, sendo a primeira dedicada ao aspecto físico, a segunda ao estudo dos monumentos (gravuras, imagens e inscrições), procurando descortinar a sua origem e significação, assim como o tempo e os habitantes que lhes deram origem, e a terceira trataria da educação para a cidadania e para utilidade e necessidade de conhecer, estimar e conservar o património cultural.
Assim:

Na primeira parte será descrever, por um lado, a Geografia de Lameiras, tanto sob o aspecto físico, como humano, e por outro, fazer uma reflexão sobre as suas tradições e contradições;

Na segunda parte apresentarei os seus Monumentos e a sua simbologia, sobressaindo as três pedras do Cruzeiro do Santo; o Senhor da Assomada; as Alminhas ; os Lagares rupestres e a Fonte do Barroqueiro;

na terceira faremos um estudo sobre a necessidade de uma educação que dê ao nosso povo conhecimentos suficientes para que possam distinguir, estimar e conservar tudo o que faz parte de um património cultural que, pelo facto de pertencer a uma comunidade humana, faz parte de património mundial.

Se partirmos da hipótese apresentada por Pierre Bourdieu (1989) segundo a qual são duas as formas e inseparáveis sob as quais existe a sociedade, sendo uma as instituições, isto é, "(...) monumentos, livros, instrumentos, etc. e outra as disposições adquiridas, as maneiras de ser ou de fazer que se encarnam nos corpos socializados (...)" , ou seja, os indivíduos, "tout court", então os indivíduos são inseparáveis da sociedade em que vivem e cada um, biologicamente tomado, não é mais do que um actor social porque é um indivíduo socializado. Assim sendo, ao estudarmos os testemunhos materiais de um Povoado – neste caso os de Lameiras – estamos a estudar os seus indivíduos; estamos a ressuscitar e a reescrever a sua HISTÓRIA.
José dos Montes Hermínios

[1] A Ligúria (em italiano Liguria) é uma região do noroeste da Itália com 1,7 milhões de habitantes e 5 410 km² sendo Génova a sua capital.
[2] Assim chamada por nela se mergulharem os cântaros e caldeiros para os encher de água.
[3] A cultura pode ser definida como “...o conjunto das produções materiais e não materiais dum grupo humano nas suas relações com a natureza e com os grupos, criações que têm para ele – ou para a maioria dos seus membros – um sentido próprio, derivado da sua história que está no seu fieri actual, sentido que não é partilhado por nenhum outro grupo” Tradução feita sobre Le Thanh Khoi, L’ Éducation: Cultures et Sociétés, Paris, Publications de la Sorbonne, 1991, p.39.
[4] Enriquecida, sob o ponto de vista arquitectónico, com um Menir ou monumento fálico.
[5] Sobre a origem das palavras “Beira” e “Beirão” existem cinco opiniões diversas: a 1ª considera que tais designações provêm de “Berones”, nome por que eram conhecidos os remotos habitantes do norte hispânico e aos quais se refere Estrabo nas suas relações geográficas; a 2ª sustenta que esse termo não passa de uma “corrupção da palavra medieval ‘barones’, derivada do germânico ber, bar, var (=senhor, guerreiro, homem esforçado e cioso da vida livre), concordando com o carácter e com as virtudes de intrepidez e gosto da independência, tanto dos seus habitantes primitivos, no dizer de Políbio e Deodoro, como dos invasores bárbaros, como dos homens rudes da reconquista cristã”; a 3ª julga que por “Beira” se deve entender zona fronteiriça ou estremenha; a 4ª explica que o nome vem da expressão - “Somos das beiras”, expressão que faz referência oculta à serra da Estrela, sendo o equivalente elíptico da expressão: - “Somos das proximidades e pendores da grande Serra” , ou , - “Somos das abas ou beiras da Serra”; a 5ª tem a ver com a aparência agreste e inóspita da região e pressupõe ter origem na palavra árabe Berryah ou Berriah, nome por que era conhecida uma região particularmente inóspita da Arábia, o que significaria que o nome “Beira” teria a sua origem no período da ocupação árabe (Cf. Guia de Portugal, Biblioteca Nacional de Lisboa vol. III, p. 18s;
[6] Teria sido nesse ano que a fotografei, sem nunca mais ter visto a fotografia respectiva, mas que, fortuitamente ficou com meu irmão Dr. Messias Matias Coelho.
[7] Como indicam as iniciais N.S.S. cravadas na porta metálica da capela do Belo ( se o serralheiro e pedreiro não se enganaram quando fizeram o melhoramento da mesma) e cujo significado passa por ser “ Acção de assomar; Cume, cabeço ou viso do monte” (cf. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, feito sobre o plano de F.J. CALDAS AULETE, LISBOA, 1848, VOL. I, p.316; Há quem escreva Senhor da Assumada, mas creio que o termo apropriado é Assomada, pois o termo Assomada deriva do verbo Assomar (do lat-. Assumare, de summus (o mais alto) que significa: Subir a um ponto elevado, alto … com o intuito de ver ou de ser visto (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, (2001. Lisboa: Ed. Verbo., Vol. I, p. 393). Além disso, em bom português não existe o verbo Assumar , nem o particípio verbal Assumada.

[8] La culture est la configuration, plus ou moins liée par la logique issue d’un modèle des significations acquises les plus persistantes et partagées que les membres d’un groupe, de par leur affiliation a ce groupe, d’une part sont amenés à distribuer de façon prévalente sur les stimuli issus de l’environnement ou d’eux-mêmes, induisant à leur égard des attitudes, représentations et comportements, et dont ils tendent à assurer la reproduction à travers le temps