Sunday, October 4, 2009

De visita a Lamegal

Visita ao Lamegal

No dia 4 de Setembro fomos, também, à Freguesia do Lamegal. Chegando à praça do Pelourinho começámos a admirar o que havia de mais importante, ou, pelo menos, aquilo que assim nos pareceu.
O primeiro memorial que despertou o meu interesse foi, sem dúvida, o Pelourinho que apresenta uma pequena inclinação, dando a sensação de ameaçar vir a sofrer uma derrocada, mas já está assim, há muito tempo, dizem alguns.

A existência deste memorial numa povoação que hoje não passa de Freguesia, foi sede de concelho até inícios de século XIX, constituído, em 1801, por uma freguesia, apenas, com 441 habitantes. Hoje, porém, e, segundo o censo de 2001 não vai além de 360 habitantes distribuídos pela área total de 21,69 km2.

As Inquirições Gerais de D. Dinis, ordenadas em 1284 (e em 1290), para serem aplicadas à Beira e ao Além Douro, além de outras freguesias, referem a do Lamegal como sendo a mais honrosa em todo o concelho de Pinhel (fls. 2 v).

Igualmente aparece a freguesia do Lamegal no Catálogo das Igrejas do Reino, organizado em 1320, cujas décimas seriam cobradas pelo rei, por um prazo de três anos, a fim de ser financiada uma incursão ao Norte de África e, assim , impedir uma eventual invasão muçulmana. A sua Igreja ficou a pagar a taxa de 40 libras [online] [Consult. 20-09-09] Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Lamegal.


Pelourinho de Lamegal



Cravado num rochedo, ergue-se o Pelourinho, esguio, junto à antiga Casa das Sessões, antiga sede Camarária, no largo Central e perto da Igreja Paroquial, terminando com uma peça com a base quadrada sobre o qual assenta uma espécie de boné, de topo arredondado, dando a sensação de estarmos perante a forma de um prepúcio o que lhe confere a forma de falo. Nesta hipótese, este pelourinho, talvez, nos faça recuar, a tempos muito remotos e manifeste, ao mesmo tempo, uma certa relação com religiões pré-cristãs que habitaram estas terras beirãs. Ao fundo encontra-se uma data incompleta, vendo-se apenas os seguintes caracteres: (I I), impossibilitando, por isso, a leitura e atribuição de qualquer data ou nome concretos.

Topo do Pelourinho

Fotos de 4 de Setembro de 2009


Esta configuração é muito original e não encontra rival que se lhe assemelhe em vilas e cidades, por mim conhecidas, nas redondezas.

Igreja Paroquial do Lamegal

Um outro memorial é o Cruzeiro que se encontra do lado direito da Igreja Paroquial e que conserva, no sopé, uma inscrição com a data de 1940, recordando o terceiro centenário da Restauração da Independência de Portugal.

Pelos vistos semelhante memorial vamos encontrar nas freguesias e anexas circunvizinhas, por exemplo na Vendada, Barregão e Lameiras, como já tive a ocasião de mostrar, em artigos anteriores.

Foto de 4 de Setembro de 2009

Igreja de Santa Maria do Lamegal ou Igreja de Nossa Senhora da Assunção é a Igreja Matriz e foi edificada em uma só nave. O seu altar-mor é em talha dourada, encontrando-se enriquecido com a imagem de Nossa Senhora da Assunção, no tecto; as imagens de Jesus Crucificado, estando este ladeado à sua direita pela imagem de São José e à sua esquerda pela imagem de São Sebastião. E ainda, na capela-mor encontra-se o seu tecto todo pintado, com as imagens de Nossa Senhora da Assunção, dos quatro Evangelistas (São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João) e dos dez Apóstolos (São Pedro, São Tiago, São Bartolomeu, São Paulo, São Felipe, São Tomé, São Judas , São Tadeu e São Matias).

Digna, igualmente, de admiração e apreço é a sua bela ponte de cantaria que todos chamam "Romana" ou "ponte Romanujos", mas que foi mandada construir pelo nosso rei D. Dinis para ligar as margens da Ribeira da Pega e permitir o acesso à ex-vila de Lamegal, como se encontra no artigo do site da Freguesia de Lamegal <http://www.terralusa.net/index.php?site=51&sec=part5>.

Os seus arcos e tabuleiro conservam-se em muitíssimo bom estado, honrando, desta forma, tanto a perícia dos seus construtores, como o civismo das inúmeras gerações que a têm utilizado.


Os Arcos centrais da dita "Ponte Romana"

Tabuleiro da Ponte, dita "Romana"


Fotos de 4 de Setembro de 2009


Encontro abençoado


Ao procurar dirigir-me à Ponte Romana, encontrámos, por ali perto, uma Senhora, chamada Emília com a qual a minha irmã Lídia travou conversa animada. Era a esposa do Sr. Manuel Gama. Depois de nos ter sido apresentado o seu marido, viemos a reconhecê-lo como sendo já nosso conhecido de há longos anos, pois tinha desempenhado o ofício de distribuidor do correio nas freguesias de Lamegal e Lameiras.


Dª Emília, Sr. Manuel Gama e Dª Lídia Matias

Enquanto a minha irmã se deteve a conversar com a Dª Emília, eu fui apreciar e fotografar a ponte romana, após o que regressei para junto delas, encontrando-se, já ali presente, o Sr. Manuel Gama.

Depois das respectivas e devidas apresentações pespegámos numa cavaqueira amena, recordando algumas peripécias dos tempos passados. A determinada altura, e vendo no alto de um monte uma pedra esguia e bem alta, perguntei-lhe o que seria. Ao que ele me respondeu tratar-se da Forca da aldeia, ou seja, a pedra onde executavam os malfeitores.

- Isto é o que aqui se diz e sempre ouvi como sendo tradição muito antiga, diz-me o Sr. Manuel, sendo corroborado pela sua esposa.


Foto de 4 de Setembro de 2009

Efectivamente, no artigo Património e Turismo (Monumentos e locais de interesse) do site de Lamegal http://www.terralusa.net/index.php?site=51&sec=part5 tinha já encontrado esta notícia relativa à Forca:

Sobranceiro à povoação

existe um outeiro bastante alto denominado “Outeiro da Forca” ou “Faustina”.

É tradição oral que ali se elevava o terrível instrumento da pena capital.
No cimo do outeiro existe actualmente uma pedra tosca, em forma de coluna e paralela à mesma teria estado erecta uma outra coluna semelhante.

Seriam, como se supõe, os dois pilares sobre os quis assentavam (sic)

a trave da forca das justiças.

Determinado a aproveitar a oportunidade de poder vê-la, de perto, e de fotografá-la, decidi pôr-me a monte. Entretanto a Dª Emília advertiu-me de que era bastante arriscado, uma vez que não havia caminho em condições, e estava tudo cheio de mato e silvas. Havia a possibilidade de seguir, a direito ou a corta-mato pelo monte acima, mas isso só para quem conhecesse e dominasse bem o terreno. Por isso, ela pediu ao marido para me acompanhar, o que ele fez, de boa vontade.


Atravessando, primeiramente a ponte que chamam de Romana , cortámos à esquerda para fazer alguns metros por um caminho velho, metendo-nos, de seguida, à esquerda para começarmos a subida, por entre o matagal.

Uma vez chegados à pedra, dita Pedra da Forca ou Faustina, fiquei surpreendido, ao contemplar esse espécimen! O local é elevado, pedregoso e solitário! No entanto, dele se avista o belo conjunto da freguesia, sobressaindo, evidentemente, as habitações, os vinhedos e as hortas. Daqui, sobranceira, esta Pedra Alçada seria vista, ao longe, por toda a população e faria recordar os seus benefícios e os seus pedidos de adoração.

Mas essa coluna ou pedra que ali se encontra e que tem sido conhecida como a Forca, onde eram supliciados os malfeitores, talvez seja, antes, um dos vários exemplares que se conhecem de uma Pedra Alçada, simbolizando, de preferência, o santuário do deus da fertilidade, adequando-se a sua estrutura e substância ao local onde foi erigida e à função para a qual teria sido destinada: a bênçao do povoado e dos seus respectivos campos de cultivo.

Um aspecto da Pedra sobranceira à Povoação do Lamegal


Outro aspecto em sentido contrário

Fotos de 4 de Setembro de 2009

Efectivamente essa pedra, conhecida sob o nome de Forca, apresenta todas as características de um monumento muito antigo que teria funcionado como uma Pedra Alçada, ou Falo, ( do lat. Phallus , vindo do grego Phallós que é a representação figurada do órgão sexual masculino, venerada como símbolo da fecundidade e da força produtiva da Nartureza ou utilizada como amuleto Dic. da Língua portugues da Academia das Ciências de Lisboa (2001, Vol I, p 1685). Este símbolo poderá ser comparado, funcionalmente, aos menires de outras regiões portuguesas, como por exemplo, ao menir da Lavajo, em Alcoutim, distrito de Faro:


Menires de Lavajo (Alcoutim, Faro)

Fonte:
http://www.cm-alcoutim.pt/portal_autarquico/alcoutim/v_pt-PT/menu_turista/cultura/patrimonio_cultural/menir_do_lavajo/

ou à Pedra Alçada de Santiago Maior, freguesia do concelho do Alandroal, distrito de Évora utilizando-se, em cada caso, o material próprio da região respectiva.


Pedra Alçada de Santiago Maior

Fonte: http://www.cm-alandroal.pt/en/conteudos/municipality/history/pedra+alcadasantiago+maior.htm


Sem querer retirar, ao articulista desta passagem, a verdade funcional posterior da pedra do Outeiro da Forca”, pelas característica com que se apresenta a mesma e depois de a ter examinado atentamente, estou convencido tratar-se, antes, de um monumento fálico antiquíssimo o qual poderá encontrar, possivelmente, no pelourinho uma réplica posterior.

A corroborar esta minha convicção está, junto a essa Pedra Alçada, uma rocha rasteira na qual foi cavada uma pia, ou poça, circular, que, talvez, tivesse servido para as abluções rituais ou para libações com a finalidade religiosa ou ritual em honra do deus da fertilidade.

Pia cavada na rocha

Foto de 4 de Setembro de 2009

Ablução que vem do latim ablutio (gr. Έκπλυσις) com o significado de lavagem, é um ritual que se encontra em muitas religiões, por exemplo no judaísmo e islamismo e, de modo especial, nas religiões primitivas. No cristianismo encontra-se sob a forma do baptismo, tendo por finalidade a purificação do ser humano (cf. o livro do Levítico, capítulos 6,28; 11, 32-36; 15, 22; 19 e o Evangelho de S. Marcos, capítulo 7,4). As abluções são, normalmente, utilizadas para se obter a purificação de manchas que se adquiriram por contacto com os mortos, por relações sexuais ou por outros motivos considerados imundos, purificação essa que era considerada necessária, sobretudo, antes de se oferecer um sacrifício à divindade. As abluções podem ser feitas com sangue, água e areia.

As libações, por sua vez, consistiam, normalmente, no derrame dos produtos que eram mais abundantes na região, como: o vinho, o azeite e o leite. Tal prática era seguida entre os Romanos e os Gregos, para não falar, já, de outros povos mais antigos. Faziam parte das oferendas ou ofertas que se faziam, antigamente, aos deuses. Estas ofertas rituais que incluíam objectos, acções, pensamentos e palavras, resumiam-se a quatro categorias: libações, sacrifícios, primícias e votivas.

Surpreendido com este achado, retomámos a nossa caminhada, monte abaixo e, agora, em direcção aos Lamegais Velhos, como o Sr. Manuel me disse.

- Assim, explicou ele, chamamos nós à primitiva aldeia a qual teria mudado para o sítio actual devido à abundância de formigas que incomodavam pessoas e animais.

Por entre mato, vinhas e aradas (estas últimas praticamente abandonadas, por não haver quem as trate), chegámos aos Lamegais Velhos (nome pelo qual é recordada a povoação primitiva) depois de termos passado, à beirinha da Tapada das Almas, que é um terreno cuja venda dos seus produtos reverte em benefício do sufrágio das Almas do Purgatório, sendo, por isso, entregue à Igreja, como bem o explicou o Sr. Manuel.

A continuação desta descida, tinha por fim visitarmos uma sepultura rupestre que se encontra, mais ou menos, no local onde, antigamente, se encontrava a primitiva aldeia do Lamegal, como íamos dizendo. Apesar da hora em que ali chegámos não ser a melhor para fotografar, fiz esta imagem ensombrada que mal dá para nos certificarmos do exemplar, mas que nos deixa a vontade de ali regressar, em melhor altura e melhor posição do disco solar.

Sepultura rupestre em Lamegais Velhos

Foto de 4 de Setembro 2009

Sr. Manuel, perguntei eu, não conhece, por aqui, nenhum outro local que tenha mais sepulturas escavadas nas rochas?

- Se conheço? Conheço, sim Senhor, mas estão precisamente do lado oposto a este onde nos encontramos. Encontram-se na "Fontanada" que ainda fica um bocado longe.

- Hoje, já não teremos muito tempo para ir vê-las, atalhei eu. Ficarão, no entanto, para outra altura.

- Quando quiser, acrescentou o Sr. Manuel.

- Cá estarei para o acompanhar.

Enquanto regressávamos à aldeia o Sr. Manuel foi-me mostrando o que de mais importante lhe pareceu, como, por exemplo a ribeira da Pega que, depois de nascer a oeste de Jarmelo, percorre cerca de 35 quilómetros até desaguar na Ribeira das Cabras, depois de passar por Ribeira dos Carinhos, Lamegal (daí chamar-se ribeira do Lamegal), Lameiras, Vascoveiro, etc.

Uma das Casas do Lamegal

Foto de 4 de Setembro de 2009

Numa das pedras, do lado direito da porta principal da casa encontra-se uma cruz, parecida a um (X), o que talvez mostre ter essa casa pertencido a um judeo-cristão, como, aliás acontece na Judiara da Guarda, como muito bem o testemunha no livro Marcas Mágico-Religiosas no Centro Histórico da Guarda, obra pertencente a um grupo de investigadores e coordenada por António Saraiva sob a égide da Câmara Municipal da Guarda, em 2006.


Pedra da Casa do Lamegal com uma cruz, parecida a um (X)


Foto de Setembro de 2009


Esta casa, salvo as devidas diferenças, apresenta uma estrutura arquitectónica muito parecida com a daquela que se encontra em Lameiras, no bairro conhecido por Castelo, como, aqui, é apresentada para confronto:


Casa do Castelo de Lameiras

Foto de 2002

Cristograma no sopé do cruzeiro

Foto 4 de Setembro de 2004

Uma outra particularidade existente no Lamegal, é o Cruzeiro, em frente à Igreja em cujo sopé se pode ler a inscrição do Monograma Cristão IHS, sendo o H encimado por uma cruz como passo a exemplificar:


Monograma Cristão (ou Cristograma)

Este símbolo tem sido sempre tomado como o monograma do nome de Jesus Cristo, pelo que também se pode chamar Cristograma. Tem-se lhe dado o significado de Iesus hominum Salvator (Jesus, Salvador dos Homens). No entanto, essas letras tiveram a sua verdadeira origem no nome JESUS, que, na língua grega, se escreve ΙΗΣΟΥΣ. Aproveitando-se as três primeiras letras ΙΗΣΟΥΣ e colocando-lhe uma cruz em cima do H fica o dito Cristograma.

Mais tarde, os Jesuítas adoptaram este mesmo monograma e passaram a utilizá-lo, sob diversas formas, quer nas Igrejas de origem jesuítica, quer em diversos outros espaços e objectos que lhes dissessem respeito.

De facto, ele encontra-se nos frontais das igrejas (ex. na Igreja do Colégio de Jesus, em Coimbra, na Igreja do Colégio Jesuíta, em Santarém, etc.), nas folhas de rosto de revistas ou livros, nos altares e tapeçarias, ou mesmo nos lacres dos selos de correspondência de responsabilidade.


O Cristograma em tapeçaria



Cristograma em lacres de correspondência de St. Inácio de Loiola

Fonte:
http://www.scdejesus.org/index_archivos/page0007.htm


Monograma " IHS " num Anel de cobre,

Pertencente à Companhia de Jesus, 1540 — Tavira, ,

Fonte:
http://tavira.olx.pt/anel-em-cobre-monograma-ihs-companhia-jesuitas-1540-iid-14396129 e, ainda em http://www.olx.pt/q/anel/c-214


Cristograma na Arte Religiosa

Fonte:
http://renatosj.multiply.com/reviews/item/21


Cristograma num Pote Azul e Branc Chinês (período de Transição, 1625-1650).

Fonte:

http://www.library.gov.mo/macreturn/DATA/PP158/PP158046.HTM.

Já no fim da nossa visita, o Sr. Manuel quis que fosse visitar a Fonte do Merglho, que, dizia, ser muito antiga e a única a servir a povoação antes de haver água canalizada. Hoje, esta fonte continua a fornecer água, mas esta foi enviada para o rio através de um dreno ou cano subterrâneo, ficando, apenas, um tanque que scontinmua a srvir de lavadoiro comunitário.


Fonte do Mergulho do Lamegal

Foto de 4 de Setembro de 2009


O Senhor Manuel teve o cuidado de explicar-me o significado de Fonte de Mergulho:

- Diz-se de "mergulho", avançou ele, porque havia o costume de mergulhar o cântaro ou balde na fonte para o encher de água.

E, assim, terminou a nossa visita ao Lamegal. E, depois de temos agradecido ao Casal Dª Emília e Sr. Manuel Gama, tomámos a estrada nacional em direcção à auto-estrada que liga Vilar Formoso a Aveiro para nos dirigir-mos à Guarda.