Tuesday, October 29, 2013

LAMEIRAS II - Pedra do lado Esquerdo (“Santos do Forno” ou “Li. Gaias”)



  Pedra do lado Esquerdo (“Santos do Forno” ou “Li. Gaias”)



A Pedra que serve de base à cruz que, hoje, fica à esquerda da cruz central do Calvário de Lameiras tem imagens somente na face frontal.
Esta pedra é diferente das outras, não só pela sua forma e tamanho, mas, sobretudo, pela inscrição que nela se encontra, pelo nome por que é conhecida e pelas vicissitudes por quem tem passado.
Tem a forma de um paralelepípedo, embora imperfeito, pois que a largura da face da frente juntamente com a face oposta, medem 0.55m, enquanto as faces laterais não vão além de 0,47m, e a altura mede, sensivelmente 0, 60m. O seu peso deve rondar os 400kg.
Nela se encontra a inscrição “Li. Gaias” e sempre foi conhecida, entre a população, pelo topónimo “Santos do Forno”.
Mas, se bem se compreende o atributo “do forno”, mais dificilmente se compreende porque é que a população lhe atribuiu sempre o nome de “Santos”. É caso para supor que, por detrás deste nome e do costume imemorial, esteja a prestação de um culto divino que antes existira legalmente e que, em tempos posteriores, passou a ser considerado abominável, permanecendo, no entanto, furtiva e disfarçadamente, na mente e no coração de alguns dos seus devotos que o foram perpetuando até se desvanecer e misturar com a lenda que, sem dúvida, conserva elementos históricos.

 “Santos do Forno”
 Foto: Junho 2010

1- Identificação e descrição das figuras

A partir da fotografia ilustrativa que acabo de apresentar verifica-se existirem os seguintes elementos:
  1. A Inscrição LI.GAIAS, por cima de todo o conjunto artístico;

Inscrição (Fig. 1)
  1. Uma figura humana, ao centro, vestida com uma túnica que lhe desce do pescoço até ao chão, encobrindo-lhe inclusivamente os pés;
    • Tendo, à cabeça, um cesto ou alcova recheada de frutos ou outros géneros alimentícios;
   (Fig. 2)
  1. Uma figura humana (feminina?), do seu lado direito, a oferecer-lhe, com a mão direita, um manhuço[1] de espigas ou um ramalhete de flores e com a mão esquerda empunhando um ramo de árvore (mais semelhante a um ramo de palmeira/tamareira);
        (Fig. 3)
  1. Do lado esquerdo e, imediatamente junto à figura humana central, descortina-se uma outra figura, de perfil e completamente vestida, à excepção dos pés, com corpo humano e com cabeça de ave (possivelmente a cabeça da Fénix[2], cf. Moisés do Espírito Santo, Secção de figuras entre as pp. 240-241, verso da moeda de Tiro, da figura 37) em posição de confidente ou de assistente privilegiado, possivelmente com a função sacerdotal;
               (Fig.4)
  1. Mais afastada, está outra figura humana, talvez masculina, também de costas, com o cabelo mais curto do que o da primeira figura, e nua, a oferecer, com a mão esquerda, um grande fruto (muito parecido a um abacaxi/ananás), enquanto na mão direita levanta um ramo de árvore, em sinal de alegria. A simetria conseguida entre esta figura e a aqueloutra do lado direito pode constituir, por assim dizer, a dupla de “acólitos da espiga”.
               (Fig. 5)

2- Análise das imagens

 2.1- Análise da Inscrição

As letras estão escritas em caracteres latinos, mas formam um grupo ou expreessão grega LI.GAIAS Λι.Υαιαs ou Λιγαιαs.

Nesta inscrição o nome Gaias vem precedido pelo advérbio Li e é seguido por um ponto. Este advérbio Li encontra-se em Aristófanes (184,2), um poeta e cómico ateniense do IVº século (a. C.), na forma de  Lian Pánu, segundo a opinião de  Liddel & Scott (1968, pp. xvii e 1046), com a significação de verdadeiramente, o verdadeiro, o autêntico. Assim a tradução da expressão. Desta foma, a tradução de Lian Pánu de Aristófanes seria ao verdadeiro deus Pan. De igual modo a forma Li, seguida do caso genitivo encontra-se na Tragica Adespota (Ed. A. Nauck TGF p. 837, segundo os mesmos autores Liddell & Scott (Idem, p. 335).
Aplicando o mesmo advérbio Li ao substantivo Gaias, teremos a expressão Li.gaias ou Li.Gaias, significando: à verdadeira Gaia La vraie « Gaia », ou « Gaia », l’authentique.
Os deuses romanos não foram muito populares entre os lusitanos. Se é verdade que se encontra por todo o lado comprovado o culto aos vários deuses romanos, também não deixa de ser verídico que esse culto se encontrava sobretudo nos centros urbanos ou municípios. Ao lado destes “instalaram-se os representantes de todo o panteão asiático, e era para esses deuses que ia a adoração mais fervente das multidões[3]. García y Bellido explica a não adesão à religião romana pela falta de conteúdo místico da mesma”[4].
Por outro lado, os romanos adoptaram divindades vindas de outros povos e tanto aos deuses próprios como aos que tinham adoptado de outras origens, prestavam-lhes culto apropriado, de uma maneira geral em pequenas aras para os quais escolhiam, de preferência pequenas elevações perto ou dentro das suas casas de habitação quando se tratava de deuses pertencentes a uma família ou nos pequenos morros quando se tratava de uma povoação ou vila.
Essas aras eram preferencialmente em forma de paralelepípedo, sendo normalmente trabalhada artisticamente, podendo, inclusive, conter uma ou mais inscrições. Era à volta dessa ara que se realizavam as cerimónias cultuais dedicadas à divindades protectoras da casa ou do povoado.
A Ara era propriamente o local onde se depositavam as oferendas e encontrava-se colocada na parte mais elevada da casa ou da povoação que, normalmente, se situava num pequeno outeiro sobranceiro a esses lugares. A esse lugar sobranceiro à aldeia ou o outeiro onde a ara era colocada dava-se-lhe o nome de “altarium (singular). Portanto, o lugar de culto de uma vila (casa senhorial) romana ou de um povoado era constituído por dois elementos fundamentais: o outeiro ou parte mais elevada que era, normalmente preparada de modo a constituir uma espécie de terreiro (quando não era já naturalmente um lajedo) e a ara que se colocava no meio desse local aberto. Esta disposição da Ara facilitava a adoração que os fiéis vinham prestar à divindade em cuja honra era erigida.
Manuel J. Gandra no seu livro Portugal Sobrenatural[5], ao referir-se a este assunto fornece informações muito importantes, tanto no que diz respeito à ara, como no que concerne o nome porque ficou sendo conhecido o altarium entre a gente do Minho. Segundo ele, a ara constituía o “elemento fulcral do altarium, isto é, do outeiro, colina ou alto sobranceiro à povoação, onde decorriam os referidos cultos”, enquanto o altarium se conserva na toponímia minhota sob as formas de crasto, crastelo e castelo”. Por outro lado, Gandra afirma que, “nos nossos dias, muitas aras aparecem a servir de supedâneos a cruzeiros processionais de certos templos erguidos na proximidade de antigos outeiros, substituindo-os”.

2- Características sagradas desta pedra

Esta sua explicação julgo poder aplicar-se à pedra de Lameiras que é conhecida sob o nome de “Santos do Forno” e passo a dar razão desta minha suposição. Em primeiro lugar esta pedra apresenta características de ara romana, pois que tem forma paralelipipédica; é uma pedra trabalhada artisticamente; apresenta imagens referentes à agricultura; e possui uma inscrição que tudo indica ser dedicada a Gaia. Em segundo lugar, encontra-se actualmente a servir de supedâneo de uma cruz. Em terceiro lugar existe uma tradição em Lameiras, segundo a qual essa pedra se encontrava, nos seus inícios, juntamente com as outras duas pedras que hoje fazem parte do Calvário e que foram separadas por um “homem mau”, talvez um Regedor ateu ou incrédulo que as separou, deixando uma no lugar original (a pedra central), levando a segunda para o forno de modo a padecer os horrores do fogo e a terceira para a fonte do Lameiro, de modo a ser afogada.

2.3- Pedra ligada a uma Lenda

Entre o Povo de Lameiras existe uma “Lenda” ou história segundo a qual esta pedra, na sua origem, repartia o mesmo espaço sagrado com as outras duas pedras que, hje se servem de supedâneo às outras cruzes do Calvário do “Santo”. Foram, no entanto, separadas umas das outras, em tempos posteriores, mas muito antigos, por um “homem mau, ateu e incrédulo”, talvez um “Regedor” isto é um Oficial civil “ateu” ou “incrédulo”.
Segundo a mesma “história” ou “lenda”, a pedra centra foi utilizada como pedestal da Cruz Central que assim ficou por muitos anos; outra foi colocada numa fonte para que se afogasse sempre que as águas cresciam; a terceira, esta de que estamos a falar, foi colocada numa das paredes do Forno Público ou Comunitário para que sofresse os horrores do fogo.

2.4- Toponímia sagrada de Lameiras

Em Lameiras existem nomes que podem ser relacionados com a Ara dedicada a Gaia. Por exemplo:
O topónimo de “Castelo” (um dos locais a Noroeste da aldeia e considerado o bairro onde começou a construção da aldeia) poderia ter tido a sua origem num antigo Castelum que teria substituído o nome de Altarium, onde se encontrava instalado o Altar dedicado a Gaia. Na verdade, a tradição afirma que as três pedras originariamente se encontravam a ocupar um mesmo espaço, ou seja, numa zona onde elas poderiam ter
Quem conhece bem a topografia de Lameiras sabe que o terreno que começa no “Santo”, e prolonga até ao “Castelo” constitui uma espécie de lomba que vai descaindo pouco a poço, indo terminar na “Tritana” (onde existia antigamente uma nascente de água a partir da qual se foi feito um pequeno reservatório muito rudimentar que servia para as mulheres lavarem roupa, mas que, hoje já não existe). E estes três nomes estão relacionados com a mitologia greco-romano.
Croquis da Lomba Sagrada de Lameiras (Distâncias calculadas fora do local)[6]
                                            ‘Santo’                          ‘Castelo’                 Tritana’
  O Castelo, foi sempre considerado o começo da Aldeia, pois acima dele, havia formigas a mais, impedindo a construção de habitações humanas. Este nome, porém, como já vimos relacionava-se com o “Castelum” romano que poderia muito bem ser o substituto do nome “altarium”, ou do local onde existira, antigamente a Ara sacrificial e a “Tritana” é um nome que, possivelmente, teve origem num possível culto dedicado a deus mitológico Tritão (Τρίτων) é um deus marinho, considerado o mensageiro do Mar  por ser  filho de Poseidon, o deus do Mar (ou Neptuno na mitologia romana e de Anfitrite (ou Salácia) e que era geralmente representado com cabeça e tronco humanos e cauda de peixe.
Tritão deu origem à classe dos Tritões (Τρίτωνες), que podiam ser masculinos e/ou femininos e cuja função era a de acompanharem os deuses e deusas marinhos. Sendo assim, o nome “Tritana” estaria relacionado com uma das filhas de Tritão, talvez Triteia[7] e tal nome dado à pequena nascente e pequeno tanque de Lameiras constituiria um resquício deixado, ali, de uma divindade feminina da mitologia greco-romana.
Desta forma, essa lomba teria sido, nos inícios da Povoação de Lameiras, o seu espaço sagrado comum aos cultos que se prestavam às principais divindades: o “Santo” deveria constituir o lugar do deus principal cujo nome se desconhece, presentemente; o “Castelo” seria o lugar do altar de Gaia e a”Tritana” seria o local reservado a uma filha de Tritão ou, talvez à própria Anfitrite, a deusa do mar e esposa de Tritão, que, por sua vez, era uma das filhas de Poséidon.
Ora, se dermos crédito a essa tradição, podemos admitir que essas três pedras originariamente se encontravam perto umas das outras. E, se a pedra central nunca foi removida do local onde ainda se encontra hoje, então é tal facto pode ser indício de que o altarium ou outeiro original seria o outeiro que hoje é chamado de “Santo” e que se estende para Norte, indo terminar na fonte da Tritana (hoje desaparecida), situando-se, sensivelmente, no seu intermédio, o bairro chamado Castelo.
O nome Castelo dado a este bairro de Lameiras bem pode ter origem no facto de essa zona ter servido de altarium, onde a ara dedicada a Gaia se encontrava levantada. Falta saber o que significa, nessa antiga tradição, a expressão “estarem juntas” as três pedras. Tanto pode significar que estava juntas, como agora se encontram, o que não me parece muito plausível, como encontrarem-se as três num mesmo outeiro, embora separadas por uma certa distância o que me parece ser mais realista.
Assim sendo, e relativamente à pedra na qual está esculpida Gaia, poderia ter acontecido muito naturalmente, o seguinte: nessa zona sobranceira à povoação de Lameiras existiu, primeiramente, o altarium romano onde se encontrava a ara dedicada a Gaia, e que se localizaria entre a Fidalga e a Tritana; este local sagrado teria ficado conhecido entre a gente de Lameiras pelo nome Castelo, topónimo que ainda hoje persiste; mais tarde, com a chegada do Cristianismo e até ao século VII a prática religiosa em honra dessa divindade Gaia continuou paralela com a prática cristã que escolheu o outeiro do “Santo” para elevar a Cruz, o símbolo do Cristianismo; os próprios cristãos continuavam a prestar culto tanto à Cruz, símbolo do Cristianismo, como a Gaia, resquício do politeísmo romano; no sétimo século, principalmente após o VII Concílio de Toledo, no Reino Visigodo (cujos inícios tiveram lugar a 18 de Outubro de 618 e no qual tomaram parte 39 bispos sob a presidência de Orôncio de Mérida), muitas coisas começaram a mudar no seio do cristianismo ibérico.
 Neste mesmo Concílio iniciou-se uma modificação do Direito Romano de Justiniano, iniciando-se uma série de quatro colecções visigóticas. Logo na primeira colecção foram declaradas “revogadas todas as leis anteriores, proibindo o uso em qualquer juízo das leis romanas e determinou que todos os pleitos que surgissem dali em diante, quer civis, quer crimes, fossem processados e julgados exclusivamente de acordo com as regras estabelecidas na sua colecção”[8].
E, no decorrer deste mesmo Concílio, introduziu-se no Credo a palavra “filioque[9], o que originou, mais tarde, o cisma entre a Igreja Romana e a Igreja Ortodoxa Grega que reclamava que a introdução de tal palavra era espúria e contradizia o Credo da Concílio de Niceia (325 d. C.), actualmente a cidade de Iznik, na província de Anatólia, na Turquia asiática e nome que se costuma dar à antiga Ásia Menor.
Efectivamente, segundo testemunho da Arquidiocese Ortodoxa Grega de Buenos Aires e América do Sul[10]
“A palavra "Filioqüe" significa "e do Filho" e representa uma afirmação teológica introduzida abusivamente pelo Ocidente no texto original do Credo de Niceia-Constantinopla. Essa interpretação abusiva começou por ser feita em Espanha, nos Concílios de Toledo dos séculos VI e VII e, mais tarde, generalizou-se a todo o Ocidente.
Vejamos o que diz o texto original do Credo: "Creio no Espírito Santo (...) que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma glória". Portanto, temos uma afirmação muito clara de que:
«O Pai, criador de todas as coisas, gerou o Filho e expirou o Espírito Santo; Tanto o Pai, como o Filho, como o Espírito Santo, são adorados e glorificados do mesmo modo; isto é, nós, cristãos, adoramos e glorificamos uma Trindade perfeita, três Pessoas num só Deus.»
Ao alterar esse texto, aprovado por todos os Padres conciliares e inspirados pelo Espírito Santo, a Igreja Romana impôs aos seus fiéis a seguinte modificação:
«Creio no Espírito Santo (...) que procede do Pai e do Filho ('Filioqüe')" Isto significa que o Espírito Santo é visto como uma terceira Pessoa "diminuída" em relação ao Pai e ao Filho. Como se o Espírito Santo já não devesse ser adorado e glorificado do mesmo modo e com a mesma fé com que o são o Pai e o Filho...».
Esta questão, porém, prolongou-se durante muito tempo, provindo dum credo atribuído ao papa, São Dâmaso (366-384), sendo acompanhada de outras profissões de fé dos séculos IV-VI. Seguindo estes exemplos, alguns dos Concílios regionais, especialmente da Espanha começaram a fazer semelhantes declarações, sobretudo aqueles que se realizaram nos anos 447, 633 e 638. Esta prática dos concílios espanhóis tinham por objectivo difundir essa doutrina que, a bem dizer, contradizia o Credo do Concílio de Nicéia.
Mais tarde, a palavra “filioque” foi introduzida pelo III Concílio de Toledo, realizado em 589, sendo recitado o credo já com essa palavra introduzida. Simultaneamente a essa introdução foi pronunciado o anátema sobre todos aqueles que recusassem acreditar que o Espírito Santo procedia do Pai e do Filho.
Esta inclusão de “filioque” no Credo de Niceia, foi seguida pelos Concílios regionais de Toledo (VIII, em 633; XII, em 681; XIII, em 683; XIV, em 688; XVII, em 694) e ainda pelo IV Concílio regional de Braga, em 675 e pelo de Mérida, em 666[11].
A dar crédito a estas transformações no Cristianismo, dos primeiros sete séculos, pode inferir-se que até esse tempo o Cristianismo não poderia ter eliminado na Península Ibérica os cultos tidos como idolátricos e provenientes das civilizações anteriores. Era, demasiado evidente que, a par do culto, praticado pelos novos cristãos “a cristianização não terá eliminado as práticas litúrgicas tradicionais, nas zonas rurais, realizadas no altarium (outeiro), apenas lhes desviando o alvo”, no dizer de Manuel Gandra[12]. Este mesmo autor continua por afirmar no mesmo texto que “Só a partir do século IX, com o início da organização paroquial, os outeiros terão sido dotados de ermidas” ou capelinhas. Até lá as aras ou estátuas representativas das divindades adoradas existiam ao ar livre, desafiando as intempéries e as adversidades de toda a espécie.

2.4- Interpretação da Lenda

Aproveito esta anotação de Gandra para fazer uma pequena observação acerca do nome Castelo pelo qual é conhecida uma parte ou bairro de Lameiros e que fica contíguo ao local do Calvário actual, onde hoje se encontra a pedra, conhecida por “santos do forno”. Segundo a tradição, esta pedra teve o seu primeiro “habitáculo” exactamente onde agora se encontra. Ou seja: a dar crédito a essa tradição, esta pedra teria sido retirada do outeiro que sobranceava a aldeia, ou seja, de uma zona pertencente ao outeiro que ocupava a região que hoje se expande desde o "Santo" até à "Tritana", passando pelo "Castelo".
 Por outro lado, a mesma tradição refere que foi retirada dali por alguém que “era descrente”, e que, por isso, foi alcunhado de “homem mau” ou “não temente a Deus”. Ora, como para fazer isso só poderia tratara-se de alguém com autoridade, fácil foi concluir ter sido um certo “Regedor” da Freguesia, cargo ocupado por um cidadão que sendo considerado apto a manter a ordem pública, era nomeado directamente pelo Presidente da câmara. Este “Regedor” seria, por assim dizer, a unificação dos poderes civil e religioso que foi estabelecida a partir do Édito de Milão[13] do imperador Constantino, com um imperativo conjunto da unificação do Império e intensificada no tempo do reino visigótico num intuito idêntico que foi a unificação do Reino Visigótico sob o signo do Cristianismo.
Ora com o decorrer dos tempos e com a sucessão das gerações, foi fácil passar da história à lenda e transformar a realidade dos factos em histórias misturadas com semelhanças adicionadas e individualmente interpretadas consoante o que mais verosímil parecia no momento em que as pessoas se sentiam confrontadas.
Assim, ao falar-se de uma pessoa “descrente” poderia, na sua origem, significar descrente na adoração prestada a uma divindade que não fazia parte da ortodoxia do Cristianismo Romano e as expressões “um homem mau” e “não temente a deus” poderiam muito bem ter sido proferidas pelos adoradores dessas divindades antigas que, com a intransigência dos chefes do Cristianismo procuraram desmantelar os sacraria, levando para locais diferentes e de usos completamente a-religiosos, as aras que tinham sido dedicadas a tais divindades. Desta forma, a ara dedicada a Gaia teria sido levada para o forno comunitário, enquanto a ara que possui a dupla imagem do Ankah e da Grande-Mãe terá sido encrostada na parede da Fonte do Lameiro. Esta seria uma das vertentes da história da tradição cuja finalidade seria, portanto, prioritariamente fazer desaparecer os lugares altos onde eram adoradas divindades antes tidas por verdadeiras, mas apelidadas de idolátricas pelos seguidores da Religião subsequente, ou seja, a Cristã.
Tal mudança de locais, no entanto, pode muito bem ser considerada sob dois pontos de vista diferentes: primeiramente e seguindo a lógica anterior pode ser considerada como a condenação ao fogo e ao afogamento de todas as divindades contrárias ao Cristianismo; mas também pode ser considerada como uma elevação destes dois últimos lugares, enquanto o forno passaria a lugar de adoração de Gaia, deusa agrária das colheitas (e muito bem visto, que é no forno que se coze o pão proveniente dessas colheitas) e a Fonte transformar-se-ia num templo dedicado à Grande-Mãe que, além de ser tida como a deusa da fertilidade, era igualmente simbolizada pela abundância das águas.
De facto, a pedra com a inscrição Li.Gaias tem todas as características de uma verdadeira ara dedicada à deusa Gaia, que não seria outra divindade senão aquela referente à deusa Mãe-terra.
Segundo Hesíodo[14], Gaia (que também pode ser denominada Géia, Gea ou Gê) é a deusa da Terra, a Mãe Terra, que tendo surgido do caos, juntamente com Tártaro, Eros (o amor), Erebo e Nix (a noite), gerou Gaia gerou sozinha Urano, Ponto e as Óreas (as montanhas).  E com Urano gerou os doze titãs chamados respectivamente: Oceano, Céos, Crio, Hiperião, Jápeto, Teias, Reia, Témis, Mnémosine, Febe, Tétis e Cronos[15].
Mas também não seria, de todo, alheio a presença, nessa inscrição de Gaiu, pois esta palavra ‘Gaio’ (de Gáïos, a, on[16]), é um adjectivo, referido a Terra, significando: ‘da terra, ‘terráqueo ou ‘filho da terra (= paîs gaïos), sendo o seu genitivo Gaiou[17]. Este nome, além de se aparentar com Gaia que significa Terra, em oposição a Mar e Céu seria o nome sob o qual era conhecido Poséidon, o deus do mar.
Nesta inscrição o nome Gaia, deixem que repita, é precedido pelo advérbio Li ou Lian que Significa: Verdadeiramente, muitíssimo, extremamente Teogonia, Cosmogonia, 134-138 [18].  Em Aristófanes (184.2), poeta cómico ateniense do século IV (a. C.)[19] encontramos a forma Li ou Lian Pánu (do deus Pan)[20], onde a preposição Li / Lian significa verdadeiramente / verdadeiro(a) /autêntico(a). Se o mesmo advérbio for aplicado a Gaia teremos o seguinte epíteto: à Verdadeira ou autêntica Gaia. Desta forma, a pedra que possui essa inscrição seria uma ara (altar) dedicada à deusa Gaia ou ao deus Gaio/Poséidon.
Poséidon, na verdade, começou por ser um deus agrário, ao qual os gregos e fenícios prestavam culto. Por estas características ctónicas e pela força da metonímia, foi-lhe atribuído o nome de “GAIUS”, o “Senhor ou Deus da Terra”, por excelência.
Esta divindade passou por várias metamorfoses, através dos tempos. Segundo Moisés do Espírito Santo, Poséidon/Gaio “presidiu, por vezes aos percursos da vegetação e foi honrado com as primícias da agricultura porque muitos lhe atribuíam a propriedade de encher os caules de seiva e os bagos de sumo”[21] e veio a ser celebrado em certas regiões no mês de Agosto, antes mesmo das vindimas[22], enquanto que noutros lugares da costa marítima do Médio Oriente foi adorado como um deus dos infernos e do fogo explicando Moisés do Espírito Santo[23] esta última atribuição pelo facto de existir uma certa semelhança entre os abismos marinhos e o mundo subterrâneo e por se atribuir a Poséidon o poder de provocar os terramotos e os maremotos.
 É muito curioso dar-se a Gaio a atribuição de Deus do Inferno, e de Deus do fogo. Esta atribuição poder-se-ia encontrar numa das doze janelas do Coro da CATHEDRAL de CANTERBURY (25), onde estava escrito o seguinte texto:
Sic deus aitatur tumulo triduoque moratur. 
Dominus ligaiu diabolum spolifiuit infernum[24].
Tradução:
 Assim como se diz que Deus morou no túmulo durante três dias, 
Assim o Senhor Ligaiu sepultou (substituiu (?) o diabo no inferno 
Mais tarde, Poséidon/Gaio passou a ser o Senhor dos mares, porque os seus adoradores se tornaram marinheiros e, por extensão, Deus dos oceanos, dos rios, dos lagos e das fontes. Assim, quando Ulisses enfrentou as graves dificuldades da navegação, é de Poséidon que ele fala e é a ele a quem se dirige, segundo a Odisseia de Homero.

Conclusão

A figura que se encontra nesta pedra do Calvário do Santo de Lameiras, concelho de Pinhel e que possui a inscrição LI.GAIAS, deve ser uma Ara ou Altar dedicado a uma divindade chamada Gaia, Géia, Gea (Γαῖα que é a forma poética grega de Γῆ ( ou - “terra”) que personificava a Deusa da Terra ou a Mãe-Terra à qual os antigos habitantes de Lameiras ofereciam parte das suas colheitas, na esperança de receberem as graças da fertilidade dos seus campos e dos seus animais.
 A existência desta pedra no “Santo” dessa freguesia é um monumento de carácter religioso que, além de testemunhar o culto prestado a uma divindade não cristã, supõe uma época muito antiga, anterior, pelo menos, à época em que o cristianismo se fixou plenamente nessa aldeia.

 Bibliografia

 Aulete, Caldas (1952). Dicionário Ccontemporâneo da Língua Portuguesa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, Rua Augusta, 44 a 45.
Barthes, Rolan (2000). ‘’A Câmara Clara’’. Edições 70
Boum Boucher, Jules (1953). (2ª ed.). La Symbolique maçonique. Paris (p. 91).
Burr, Alexander Harley (1962).  Le cercle du Monde (The World’s rim: Great mysteries of the north american indians).Paris. (p. 22). 
Caldas Aulet,, F. J. (1948).Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 3ª edição actualizada, Vol. I, Parceria António Maria Pereira, Lisboa, pp. 1120s.
Champdor, Albert (963). Le livre des morts.  Paris.
Champeaux, G. De Sterckx, S., dom. O.S.B.,  1966,  Introduction au monde des symboles, Paris; Trad. Cast. Introducción al monde de los símbolos, Juventud, Barcelona.
Chetwynd, Tom (2004). Dicionário dos Mitos Sagrados. Lisboa: Planeta Editora.
Chevalier-Gheerbrant-Gheerbrant-Gheerbrant, J. – Gheerbraant, A., , Dictionnaire des Symbole sÉd. de 1991, Barcelona Editorial Herder. Trad. Castelhana em 1994  aumentada de Manuel Silvar e Arturo Rodriguez sobre a obra original francesa Diccionario de los símbolos de 1982, Robert Laffont et Éd. Jupite. Edición. 
Corm Corberon, M (1955 a 1958). Le miroir dês simples ames, em Et. Trad., nos 322 a 349. Paris.
DLPCACL = Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001). Lisboa: Verbo.
Doutté, Edmond (1984) [ed.facsím.de 1916]. Magie & Religion dans l’Afrique du Nord, Paris: Maisonneuve et Geuthner, 1984 p.325., p. 326 e n.1).
Estrtabão, (Geografia, III, 4,17) diz-se que os Lusitanos e Galaecios resistiram durante cerca de três séculos à romanização e que as mães ( lusitanas e galaecias) preferiam matar os seus filhos a deixá-los nas mãos dos invasores… Moisés Espírito Santo (1988, p. 233)
Fernando Pessoa O Íbis
Filão de Alexandria (Leg. All., 2, 9-11)
Fontana, David (2004). A Linguagem dos Símbolos. Uma chave ilustrada para os Símbolos e seus Significados. Lisboa: Editorial Estampa. Tradução do título original The Language of Symbols por Isabel Teresa Santos.
Girard, Girp, Raphael (1954). Le Popol-Vuh, Histoire culturelle de Maya-Quiché, Paris
Juns (1964). L’Homme et ses Symboles. Paris., 238-239)
Ogam-Tradition Céltic, 1948, Rennes, p. 11,307ss.
MIGNE Gonzalez-wippler, El Libro Completo de los Amuletos y Talismanes, Editorial Humanitas, p. 30-32.
Posner, Posd, G (1959). (Em collaboration avec Serge Sauneron e Jean Yoyotte), Dictionnaire de la civilisation égyptienne, Paris.
Roux, Roun (1954). Quelques minorités ethniques du Nord Indochine. Saigão.
Santo, Moisés Espírito (1988). Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa. Seguido de Ensaio Sobre Toponímia Antiga. Lisboa: Assírio e Alvim Editora.
Virel, André (1965). Histoire de notre image. Genebra.



[1] Pequeno feixe de espigas, dito também, mão-cheia, que se podem apertar com a mão. Era normalmente feito com as espigas que se apanhavam no campo depois de se ter terminado a ceifa. As espigas que ficavam no chão eram aproveitadas pelos pobres que faziam esses manhuços, atando-os com os caules mais compridos. Aulete, Caldas (1952). Dicionário Ccontemporâneo da Língua Portuguesa, Vol. II, p. 310, diz que o termo manhuço é próprio de Trás-os-Montes e define-o como sendo: “conjunto de coisas, que se podem abranger na mão, sem se esconder, pequeno feixe, manelo” e diz que vem do latim Manus.
[2] Segundo Plínio, o Velho, era do tamanho de uma águia, com plumagem dourada em torno do pescoço, corpo vermelho e cauda azul. Tinha uma barbela na garganta e um tufo de penas na cabeça (http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/F%C3%AAnix.
[3] Cumont, Les religions orientales, p. 236
[4] Península Ibérica, cit., pp. 555-60, citado por Moisés Espírito Santo, 1988, Origens orientais da religião popular Portuguesa – Seguido de Ensaio Sobre Toponímia Antiga...., , E Assírio e Alvim, Lisboa, p.237.
[5] Gandra, Manuel J. (2007). Portugal Sobrenatural: Deuses, Demónios, Seres Míticos, Heterodosxos, Marginados, Operações, Lugares Mágicos e Iconografia da Tradição Lusíada. (Vol. I, p. 350-351). Lisboa: Esquilo edições e Multimádia, Lda.
[6] Croquis d’Ana Samanta Almeida
[7] Uma das filhas de Triton deu, igualmente o epónimo a uma cidade grega na região de Ankhara, como se pode encontrar nas Obras de Pausanias (Description de la Grèce, VII, 22,8), selon  le site < http://www.theoi.com/Nymphe/NympheTriteia.htmlsite >.

[8] Hélcio Maciel França Madeira, Curso de Direito Romano: História, pp. 12 e 13. [online] [Consult. 29-06-2010] Disponível em: http://helciomadeira.sites.uol.com.br/GPHD_arquivos/CL_0_arquivos/CL_L2_T3.pdf.
[9] Esta expressão é latina e foi introduzida no Credo de Niceia pela Igreja Católica Romana para com ela afirmar que o Espírito Santo procedia do Pai e do Filho. Tal adição levou à separação da Igreja Ortodoxa, em 1054, separação essa que ainda hoje persiste.
[11] [online] [Consult 29-06-2010] Disponível em: http://www.clerus.org/clerus/dati/2007-11/23-13/08 QUESTAOFILIOQUE.html. 
[12] Portugal Sobrenatural, 2007, p. 351.
[13] Este Édito foi promulgado a 13 de Junho de 313 pelo imperador Constantino (306-337), vindo a assegurar a tolerância e a liberdade de culto ao Cristianismo em todo o Império Romano.
[14]Hesíodo, Teogonia, Cosmogonia, 116-133.  
[15] Hesíodo Teogonia, Cosmogonia, 134-138
[16] Na forma feminina Gaia declina-se desta maneira: Nom. Gaia, gen. Gaias, Dat. Gaia, Ac. Gaian, Voc. ‘o Gaia enquanto no Masculino o termo correspondente Gaio se declina desta forma: Nom. Gaios; gen. Gaious, Dat. Gaio, Ac. Gaion, Voc. ‘o Gaie.
[17] Liddell, H., G. & Scott, R. (1968)., Greek-English Lexicon, Oxford, at the Clarendon Press, p. 335.
[18] Ibidem, p.1046. Com este sentido encontramo-lo em Max Zerwick (1960) Analysis Philologica Novi Testamenti Graeci, editio altera emendata, Romae Sumptibus Pontificii Biblici, Romae, páginas correspondentes a Mac. 1,35; 6,51; 9,3; 16,2; Mt. 2,16; 4,8; 8,28; 27,14; Lc. 23,8; II Tim. 4,15; II Jo. 4; III Jo.3. Lian é um advérbio: usado com verbos, precedendo-os; com adjectivos, servindo de atributo ou de predicado, precedendo ou seguindo o adjectivo e pode ser ainda usado com outro advérbio precedendo-o ou seguindo-o, cf. William F. Arndt & F Wilbur Gingrich, 1952, Greek-English Lexikon of the New Tesgtament and other Early Christian Literature. The University Of Chicago Press. Checago, Illinois – Cambridge at the University Press.
[19] Ed. T.Kock, CAF ii p. 12; suppl. J. Demianczuk, Supp. Com. P.8; cf. Liddel, Op. cit. pp. xvii e 1046.
[20] Pan; gen. Panos; dat. Paní; voc. ‘o Pan.
[21] Moisés do Espírito Santo, op.cit. p. 216-217
[22]  F. Durbach, Dictionnaire des antiquités grecques et romaines, V, p. 65 citado por Moisés do Espírito Santo, op. cit. P. 217.
[23] Moisés Esp. Santo. Ibidem
[24] Full text of "The verses formerly inscribed on twelve windows in the choir of Canterbury cathedral".Cambridge Antiquarian Society. Octavo Publications. No. XXXVIII,THE VERSES FORMERLY INSCRIBED ON TWELVE WINDOWS IN THE CHOIR OF CANTEKBUKY CATHEDKAL. Repeinted, From The Manuscript (nº 25). [online][Consult.19-06-09 e 20-06-2010] Disponível em |http://www.archive.org/stream/ versesformerlyin00jamerich/versesformerlyin00jamerich_djvu.txt.

Sunday, April 14, 2013

LAMEIRAS II - Pedra do lado direito (Grande Mãe e Ankh)



1

  1

1- Face frontal (Grande Mãe)

1.1- Identificação da pedra e das imagens

 Esta pedra que serve de base à cruz do lado direito do calvário de Lameiras, Pinhel, forma um cubo imperfeito pois que a altura das quatro faces é de 0m, 60m, enquanto as suas duas faces laterais têm a largura respectivamente de 0m, 60; a de frente e a detrás 0m,70m.
Cruz do lado direito do Calvário
Foto de 2001
Destas quatro faces, apenas duas (a da frente e a de trás), possuem imagens esculpidas. Se a da frente parece apresentar a imagem da “Pietà, a da retaguarda deixa transparecer uma imagem enigmática que nos parece transmitir a ideia do símbolo da vida egípcio.
Imagem da face frontal (Pietà)
 Imagem da face da retaguarda
Fotos de 2001

1.2- Imagem da “Pietà”?

A gravura que se encontra nesta face constitui um baixo-relevo que apresenta uma senhora com:
  • Um filho nos braços, em estado adulto, dando a sensação de estar já morto, ou prestes a soltar o último suspiro;
  • Um segundo filho, no acto de nascer, lançando para o mundo, primeiramente as pernas. Parece querer apresentar a imagem de que a entrada no mundo ou o nascimento de uma criança se dá somente quando a cabeça desta sai do ventre materno. Esta acção, porém, parece estar impedida pelo corpo do filho anterior, pelo que este deve ser retirado para dar lugar ao nascimento completo do segundo.
  • Devido a esta imagem complexa, na qual se mistura a tristeza da morte com a alegria da continuidade da vida, poderemos considerar esta senhora como a figura da “Grande Mãe”, sempre fecunda.

 2- Significação e simbologia da palavra e da figura de “Mãe”

2.2- Receptáculo da vida – primeira função da mãe

O simbolismo da palavra “Mãe” assemelha-se ao simbolismo das palavras “Mar” e “Terra” porque tento a palavra “Mãe” como as palavras “Mar” e “Terra” são “receptáculos e matrizes da vida”.
Por outro lado, além de “o mar e de a terra” serem símbolos do “corpo maternal”, Chevalier-Gheerbrant (1994, p. 43), consideram que entre os vocábulos “mère” (mãe) e mer (mar) existe um clara homofonia na língua francesa, o mesmo parecendo existir entre as palavras catalãs mar (mãe) e mare (mar).

2.3- Fertilidade Inesgotável

A imagem de mulher, numa posição de sofrimento perante um filho morto e de alegria perante o nascimento de um novo filho, parece continuar a tradição das grandes deusas-mães que foram sempre veneradas como deusas da fertilidade e que tiveram o seu exemplar primordial em Gea (Gaia ou – a Terra), a qual foi considerada pelos Gregos como a esposa de Urano (o Céu) e a mãe dos Titãs e dos Ciclopes. Uma mãe cujo poder de reprodução era proverbial.
A própria natureza (com a repetição dos seus ciclos anuais: sementeira, nascimento, crescimento, amadurecimento, colheita, queda da folha e morte definitiva da planta) parece ser simbolizada na morte e nascimento dos filhos da “Grande Mãe”. Morreu um filho porque terminou o seu ciclo vital, mas, em seu lugar, a mãe dá à luz um outro para que a vida continue, ininterruptamente. Esta é a função primordial da mãe.
Correlativamente ao homofonismo de “mère” e “mer” em francês ou “mãe” e “mar” em catalão e português, existe, uma grande ambivalência entre “mãe” e “terra” em ambas as línguas, pois que se “nascer” é “sair do ventre materno”, o “morrer” é o “regresso ao seio da terra”. De modo semelhante, tal paralelismo se verifica relativamente às palavras “mãe” e “mar”, enquanto também o “mar” (ou “mère”, em francês), segundo as grandes mitologias mesopotâmicas, egípcia e semitas, consideram que foi do mar que surgiu a vida, na figura de Mamut, a Primeira Mãe.
A MÃE é um misto de opostos: se, por um lado, ela dá ao filho vida, segurança, alimento, abrigo, calor e ternura, por outro lado, ela pode representar, não apenas o risco de opressão, devido à estreiteza do meio em que foi gerado, mas também o desejo exacerbado de um prolongamento excessivo da função de alimentadora e de guia, como é simbolizado pela figura mitológica da Geradora (“Génitrix”) que devora o futuro Gerador (“Génitor”). Ela, de geradora e generosa, pode perfeitamente transfigurar-se, em raptora e castradora como o descreve o mito de Gaia que manda castrar o deus Crono.
A ideia de fertilidade feminina foi personificada sempre nas mitologias antigas por uma Mãe divinizada, cujos nomes foram variando conforme as civilizações, os tempos e as sensibilidades humanas que quiseram dedicar-lhe a sua reflexão pessoal. Assim, por exemplo:
·      Os Egípcios e várias religiões helenistas atribuíram-lhe o epíteto de Ísis, considerando-a, não só a deusa do casamento e da família, mas também a querida irmã e esposa de Osíris de cuja união, foi gerado um filho a quem deram o nome de Horus;
·      Os Assírios, Babilónicos e o Iberos deram-lhe o nome de Ishtar, nome que os Fenícios, Cananeus, Israelitas e Judeus transformaram em Astarte (cf. IV Reis, 23,7);
·      Os Hindus preferiram dar-lhe o nome de Kali ou Kālikā, que foi, primeiramente, considerada como a deusa do tempo e da mudança, mas que, actualmente, preferem concebê-la como a deusa-mãe benevolente (pelo menos entre vários grupos Hindus).
·      Os Gregos, por seu lado, deram-lhe vários nomes como: o de Rea (sendo considerada esposa de Cronos/Tempo; o de Hera (a deusa do casamento e esposa de Zeus); o de Deméter (também chamada Gaia ou - a TERRA -).
·      Os Romanos viriam, mais tarde, para assimilarem essa Deméter grega, em Ceres, ficando a ser considerada a Deusa Agrária e a personificar a Terra,

2.4- Fertilidade no mundo hebraico e cristão

Se entre os cananeus, Ba'al era considerado e adorado como sendo o deus da fertilidade e das tempestades, entre os Israelitas, e segundo o Livro do Génesis (Gn 18, 1-15), o grande procriador ou criador do universo e da humanidade foi, somente Iavé, procriação esta que foi comparada à procriação no ventre de uma mulher.
É, pois, a Iavé que se atribui a força criadora que se encontra quer nos seres humanos, quer em todos os outros seres da natureza. Assim, logo na primeira vez que se descreve Abraão a falar com Iavé, se considera que lhe transmite o dom da fecundidade de maneira a que possa ser o verdadeiro pai de muitas gentes.
A própria aliança consolidada entre Deus e Abraão é comparada a uma aliança matrimonial, em ordem à fecundação e, ao longo do Antigo Testamento, Iavé é apresentado como um Deus zeloso e quase ciumento, sendo o culto prestado a outros deuses considerado um adultério e uma traição.
Israel é considerado como a esposa de Iavé que este ama compulsivamente, mesmo depois das várias infidelidades que ela cometeu contra Ele.
A partir do II século da era cristã, tornou-se comum entre os Judeus, considerarem o amor de Deus por Israel, como o amor que existe entre o homem e a sua esposa.
No Salmo 149 canta-se, ao som de música e de dança, o facto de Israel proceder de Deus:
Verso 1: Louvai ao SENHOR. Cantai ao SENHOR um cântico novo, e o seu louvor na congregação dos santos.
Verso 2: Alegre-se Israel naquele que o fez, regozijem-se os filhos de Sião no seu Rei.
Verso 3: Louvem o seu nome com danças; cantem-lhe o seu louvor com tamborim e harpa.
Verso 4: Porque o SENHOR se agrada do seu povo; ornará os mansos com a salvação.

2.5- Fertilidade no mundo cristão

No cristianismo deu-se uma mudança. A mãe é a Igreja. Esta é concebida como a fonte donde os cristãos auferem a vida da graça, porém onde podem também auferir, pelas deformações humanas, uma tirania mental abusiva.
A mãe divina simboliza, por outro lado, a sublimação mais perfeita do instinto e a harmonia mais profunda do amor. A mãe que concebeu Jesus é uma Virgem, mas uma virgem que “concebeu por obra e graça do Espírito Santo”.
Por meio dos Dogmas, a Igreja Católica declara uma realidade histórica e não apenas um símbolo. Esse facto tem um significado muito grande, pois que, segundo o dogma do nascimento virginal de Jesus, se deduz que a virgindade não exclui uma maternidade muito real e que Deus pode fecundar a criatura independentemente das leis naturais. Por outro lado este mesmo dogma realça outra realidade histórica que é aquela que considera Jesus como um verdadeiro homem, porque nasceu de uma mulher (pertencente ao género humano) e verdadeiro Deus, porquanto foi concebido no seio de Maria, por “obra e graça do Espírito Santo”, terceira pessoa da Divina Trindade.
Deste mesmo dogma se deduz que Maria é filha e mãe do seu próprio filho: filha enquanto Jesus Cristo é Deus e seu Criador; mãe do seu Deus enquanto Jesus é Deus homem que nela encarnou. Por isso ela foi chamada Θεοτόκος (Theotókos) nos concílios dos primeiros séculos, mas não sem grandes discussões.
Comparando esta teologia católica com a teologia Hindu, vê-se que que não existe nada de comum entre elas sob este aspecto da concepção e maternidade da mãe divina. No cristianismo a concepção e nascimento de Jesus fundam-se numa verdade histórica, o que não acontece na teologia hindu onde a noção de “maternidade divina” procede de uma “síntese de mitologia, teologia, filosofia e metafísica”.
Alem do mais, os quatro aspectos da noção de mãe divina na arte hindu são representados por símbolos que não existem na noção católica. Por exemplo:
  • O símbolo Kali... na arte índia, Kali com a língua de fora, ensanguentada, que baila sobre um cadáver. Como pode simbolizar a mãe divina? “Nesse símbolo do Terrível, explica Swami Siddhementncia, nem a destruição, mas colhemos, numa visão sinóptica de modalidade única os três movimentos projectados que formam a criação, a conservação, a destruição”. São os diferentes aspectos da experiência única da vida. A mãe divina é assim a força vital, universal que se manifesta, e esta força é o princípio espiritual expresso em forma feminina;
  • Segundo Chevalier (1991, p. 674 e  Na versão espanhola é 1994 p. 432s), “Há ainda outros três aspectos com outros símbolos distintos de Kali:
o       Durga, Laksmi,
o       Sarasv ati,
o       Ganesh, etc..
  • E explica, como esses três aspectos funcionam na simbólica hindu, dizendo: “Todos supõem um pensamento cosmocêntrico, que tende a incluir numa mesma visão microcósmica e macrocósmica, o atómico e o global. A mãe divina é como a série contínua que ata e sustém o universo Prakriti e Maya, unidade de tudo o que está manifestado, seja qual for o seu nível de existência, desde a simples aparência até à pura ilusão. É a consciência da manifestação do EU de Shiva manifestado na infinidade das aparências, nessas centelhas de poder energético que são os seres da matéria precipitada e de fugitivas centelhas”.
Entre os Celtas, a deusa-mãe primordial é chamada Dana que é a Mãe dos deuses (Tuathha De Danann, tribo da deusa Dana) e corresponde simetricamente a Elatha (Ciência). Também é conhecida pelo nome de Ana que pode entender-se como um nome do primeiro nome De Danann, dando De+Ana. É muito possível que este nome tenha algo a ver com o nome da deusa latina Diana e com a santa cristã Santa Ana que é a mãe da Virgem Maria.
Na Gália, a darmos crédito a Júlio César, existia somente uma deusa, Minerva, ao lado de quatro grandes deuses masculinos: Mercúrio, Apolo, Marte, Júpiter Essa Minerva era chamada Brigantia, na toponímia gaulesa ou Brigit, na toponímia Irlandesa. (Ibidem, 1991, p. 675).
No Egipto o poder da procriação era associado à vegetação e ao mundo do além, na figura de Osíris, considerado, no princípio, um deus agrário, sendo considerado com poder inesgotável, à semelhança da vegetação. Só mais tarde é que foi identificado com o SOL que na sua fase nocturna simboliza a continuidade dos nascimentos e renascimentos.
Osíris, actividade vital universal, na forma visível de um deus “desce ao mundo dos mortos” para lhes transmitir o dom da regeneração e, inclusive, a ressurreição na “glória osírica”. Esta transformação só é possível porque, segundo a teologia egípcia antiga, “todo o morto justificado é um g erme de vida nas profundidades do cosmo como um grão de trigo no seio da terra” (Champdor, 1963, p.17).
 Este deus chega a ser concebido como um deus cultivador, mas, devido a invejas, foi perseguido por um seu irmão, Seth que, auxiliado por outros, também invejosos e inimigos, o matam e lançam ao Nilo dentro de um caixão para que se corpo desapareça para sempre. Mas a sua irmã ÍSIS, auxiliada pela deusa NEPHTIS, depois de o procurarem e encontrarem todo mutilado, ressuscita-o.
Esta faceta da religião egípcia apresenta o drama da morte que aflige a humanidade, amenizado com o triunfo, pelo menos periódico, sobre essa terrível realidade, tendo levado muitas religiões de mistérios a introduzir na suas religiões respectivas, o tema do deus morto e ressuscitado.
 Chevalier, J (1991, p. 788), refere que, segundo André Virel (1965, pp. 148, 181, 228), “no mito de Osíris se encontram três fases da individuação psíquica”, a saber:
  • Osíris no cofre simboliza a integração do Eu;, enquanto o cofre delimita a individualidade e representa o aspecto fixador e separador da individuação;
  • Osíris mutilado representa a dissociação e da desintegração;
  • Osíris reconstituído e dotado de alma eterna simboliza a reintegração numa forma mais elevada, porquanto inclui a significação espiritual.
  • Esta é a última fase de síntese que caracteriza uma pessoa. Por meio dela atinge-se o pico da evolução.

3- Antecedentes da Imagem e do Culto Prestado à Mãe de Jesus

A religião cristã tem os seus fundamentos na religião hebraica que, por sua vez, se encontra intimamente relacionada com as religiões de Canaã, Fenícias e Egípcia.
Em primeiro lugar, devemos considerar os lugares de culto antigos, que, em princípio, não eram construções ou edifícios arquitectónicos como os que se usaram mais tarde, mas sim, como o afirma Moisés do Espírito Santo (1988, p. 27), terreiros assinalados com pedras”, sendo os objectos de culto “bétilos, esteios erguidos …, estelas e as próprias árvores”.
O mesmo autor avança, dizendo que tais objectos de culto poderiam ser inclusivamente “bonecas de tecido ou de estopa” parecidas com aquelas que, ainda hoje, são “confeccionadas pelas mulheres de Monsanto” e que denominam por “Matrafonas”. Pensa ele também que o facto de na Bíblia hebraica se proibir o uso de imagens para expressar a divindade foi uma das consequências da ausência de imagens nesse tempos longínquos como representativas da divindade, o que, na verdade, acontreceu numa primeira fase das religiões primitivas.

3.1- Existência de imagens em Israel

Tal proibição do uso de imagens que vigorou até ao século IX a. C, referia-se sobretudo a ídolos de metal precioso (prata ou ouro), mas não as estátuas de pedra ou de madeira[1]. Na verdade,
Havia, no entanto, outro tipo de representações, por exemplo, objectos religiosos que acompanhavam o morto à sepultura e que os arqueólogos encontram com muita abundância; eram do culto privado, equivalente a medalhas de hoje, talvez génios de protecção pessoal e doméstica. Segundo certos dados, os Hebreus e os Fenícios suspendiam esses objectos religiosos pessoais e domésticos sobre as ombreiras das portas[2], como hoje se fixam perto da porta azulejos representando o santo homónimo que equivale ao “santo antepassado”; tanto podiam ser em metal precioso[3], como em materiais correntes[4].
Tais objectos tinham, entre os hebreus, o nome de terapim (plural de terah ou tareh) que eram tidos como oriundos da religião Cananeia e inventados, segundo se pensava, pelo seu antepassado Tarec ou Taréh, daí o nome de tarecos, isto é objectos pessoais.
Algumas divindades, como Astartés era representada por um simples cone. “Uma representação do templo de Paphos numa moeda cipriota do tempo de Séptimo Severo permite-nos ver o cipo, que era o emblema da deusa. Por ocasião da visita de Titus ao templo de Paphos, Tácito descreve essa imagem, desta forma: “O ídolo da deusa não tem forma humana: é uma coluna redonda cuja base é mais larga em baixo do que em cima, à maneira de um cone; desconhece-se a razão disso”[5] . “Esta divindade, conhecida por Astarté (que, em grego se dizia Αστάρτη e, em hebraico, se dizia עשתרת), pertencia ao panteão fenício, mas, na tradição hebraica, era conhecida por deusa dos Sidónios (I Reis 11:2), como já foi dito anteriormente.
Algumas dessas imagens eram também vestidas. A Bíblia refere que o rei Josias, reformador da Lei e do culto, demoliu a casa das prostitutas sagradas que estavam no templo de Iavé e onde as mulheres teciam véus, ou telas, para Ashera[6]; tratava-se, pois de imagens vestidas (dessa deusa, representada pelo cone) que seriam ex-votos para venda aos peregrinos, imagens domésticas que estes compravam, ou as imagens de Astarté existentes no próprio templo? Certas referências levam-nos a crer que se tratava de representações em forma de cone cujos exemplares se encontraram em grande número no santuário de Astarté em Cartago.
Exemplares semelhantes foram encontrados no Santuário de Afrodite, em Chipre, mas, aqui, as imagens do cone dentro do seu santuário estão gravadas numa série de moedas, o que lhe dá um relevo maior, visto o culto da deusa se perpetuar de maneira política, monetária e comercial.
Moedas cm cone de Astarte
 Todas estas moedas estão esculpidas em moedas do tempo do imperador Caracala (198-217 d.C.) e apresentam o cone da deusa Afrodite no seu Templo em Palea Pafos[7].
Talvez tenha sido devido à primitiva forma cónica representativa da deusa Astarte que as representações antropomórficas das divindades femininas passaram a tomar uma forma também cónica, como se denotam, normalmente em todas as representações posteriores.
Ora, passar daqui à representação cónica das “Senhoras” cristãs, foi fácil. Hoje, quase todas as imagens de Nossa Senhora, mãe de Jesus, têm a forma cónica.
Relativamente às imagens que apresentam a Mãe com um menino nos braços, como se encontra na imagem de Ísis e Horus, Moisés do Espírito Santo (Idem, p. 27) vai mais longe e considera que, às vezes, essa Mãe, não só tem um filho morto nos braços, como espera o nascimento de um segundo outro, apresentando essa imagem de contraste (morte e vida) e de continuidade (morte nascimento) como o símbolo da continuidade da vida através da procriação constante da Grande-Mãe. Na morte do primeiro filho varão sente-se a morte não apenas de um filho mas também de um marido com o qual engendra a vida.
Referindo-se ao culto que os Iberos prestavam aos deuses romanos, o mesmo autor (Idem, p. 237) que cita Jorge Alarcão (1983, p.181-186.) considera que nunca tiveram em grande conta os deuses imperiais, mas que, pelo contrário, mostraram grande “preferência” pela mística oriental e cultos matriarcais”, sendo as divindades orientais mais adoradas no Portugal romano Mitra, Cibele, Némesis, Ísis e Serapis”.
Embora o culto de Mitra não tivesse grande extensão, ele era adorado, sobretudo, pelos soldados. A provar esse culto a Mitra, foram encontradas algumas Inscrições mitraicas em Olisipo, Pax Julia e Troia.
Por sua vez, o culto prestado a Cibeles“ continua Alarcão, - está atestado em Ossonoba, Olisipo, Aquae Flaviae, Marco de Canavezes e nos arredores de Pax Julia e Estremoz [....]. Ao todo, conhecem-se 16 inscrições hispânicas dedicadas a Cibele, pertencendo sete ao território que, hoje, constitui Portugal. Numa inscrição de Olisipo, datada de 108 d. C., a deusa é chamada Mater Deum Magna Idaea Phrygia, Grande Mãe dos deuses, Ideia e Frígia. O nome de Ideia vinha-lhe do Monte Ida, na Frígia, onde tinha um santuário afamado. Nas outras inscrições portuguesas é designada simplesmente por Mater Deum ou Deum Mater [...].  O colégio dos sacerdotes de Cibele era presidido por um Archigallus, que também não surge nas inscrições portuguesas [...].
O culto de Némesis está documentado em Portugal apenas em Évora (Ebora), onde havia uma associação de fiéis desta deusa, denominada Amici Nemesiaci. A associação de Ebora tinha entre as suas funções, a de dar sepultura aos seus membros.
A deusa Ísis, de origem egípcia tem o seu culto documentado em Bracara, Salacia, Outeiro Jusão (perto de Aquae, Vale do Vinagre (Baleizão) e em lugar indeterminado do Algarve. [...].
Segundo o mesmo Alarcão, Serápis parece estar documentado em Conimbriga por meio de um pé de mármore votivo, enquanto em Pax Julia parece ter sido adorado num templo próprio. O monumento, porém, mais notável ao culto de Serapis, em Portugal, é o santuário rupestre de Panóias (perto de Vila Real).
Este templo foi, no entanto, consagrado simultaneamente a várias outras divindades, como se deduz da dedicatória que alguém com nome greco-romano escreveu: “ ao Altíssimo Serapis, à Moira[8] e aos Mistérios, Gneu Gaio Calpurnio Rufino consagra este monumento[9].

3.2- Culto Mariano Judeo-secreto

 Não admira que o Cristianismo tenha assimilado a religião popular pré-romana de toda a bacia mediterrânica e de maneira semelhante os cultos hebraicos a partir do século VII d.C. oui seja a partir da época em que os Godos moveram perseguições contra os Judeus e tenham praticado expulsões e conversões compulsivas, como o sustenta Moisés Espírito Santo, (1988, p. 46 ), onde transmite a ideia de Fortunato de Almeida (História da Igreja em Portugal, vol. I, p. 57). Assim os cultos quer romanos quer asiáticos foram assimilados dentro do cristianismo, principalmente rural. Assim os ritos populares asiáticos, entre os quais estava o culto a Astarté.

Antes da redacção do Deuteronómio (entre 639 e 608 a. C.) que é um dos cinco livros da Lei, o povo hebreu venerava, como todos os povos do Mediterrâneo, uma deusa-mãe, que em Canãa se chamava Astarté, variante da babilónica Ishtar.

As Senhoras portuguesas chamadas da Guia, padroeiras dos viajantes e dos emigrantes, comungam também, muito possivelmente, desta natureza astral, tanto mais que o astro Vénus se diz em linguagem popular Estrela-guia ou Estrela da Manhã (ou da Tarde), anunciadora do sol e da noite.

As festas que têm lugar na Páscoa ou no domingo da Pascoela, em honra da Senhora dos Prazeres ou de outros títulos, são ou foram festas cripto-judaicas, substitutivas da celebração da Páscoa e dos Ázimos judaicos, por um lado, e associadas à Rainha Ester, por outro.

3.3- “Senhoras do Ó”

 Nas Beiras, sobretudo, existem belas imagens do fim da Idade Média chamadas Senhoras do Ó, ora grávidas ora com um menino; os citadinos e o clero em geral, não iniciados nestas simbólicas, entendem que as “Senhoras do Ó”[10] são apenas as grávidas porque “chamam” pelo filho, enquanto os seus fiéis entendem que a Senhora do Ó pode ter outras formas: “ter um menino nos braços e estar grávida de um outro porque pode ter tido vários filhos” (assim nos dizem frequentemente), ou pode não estar grávida. O nome popular da Senhora vem dessa expressão de chamamento. A Senhora rural, mais topónimo do que personagem, é a mãe do clã ou da comunidade” (Moisés do Espírito Santo, 1988, p 30).

1- Face anterior (Ankh)

1.1- Identificação e descrição da figura

Esta face apresenta uma única imagem e é a parte oposta à figura da Grande-Mãe.
Ankah

  Calvário de Lameiras, destacando-se a pedra com esta imagem
À primeira vista, essa imagem dá a sensação de representar:
  1. Uma figura humana, de braços abertos, um pouco descaídos, com um capuz a cobrir-lhe a cabeça, dando a impressão, à primeira vista, tratar-se da representação de um monge ou de um peregrino. Mas, também, poderá ser:
  2. Um TAU grego, símbolo do bordão dos Peregrinos, ou, possivelmente, o símbolo da Ordem Hospitalar de Santo Antão (ou Santo António do Egipto).
  1. Ou o TAU do Deus ATON[11] e que se chamava (e se chama, ainda hoje) também CRUZ ANSATA ou ANKH e que constitui um símbolo egípcio antigo que teve a sua origem na combinação da cruz TAU do deus OSÍRIS com a forma oval da deusa ISIS, passando a significar a VIDA e de cuja junção deu a seguinte forma:
Salvo outra melhor opinião julgo que estamos perante símbolos de origem egípcia, enquanto o primeiro (um monge ou um peregrino) poderá ter alguma relação com os dois últimos, visto haver uma certa ligação entre o ser monge e o ser peregrino com o Egipto, pois foi neste país que, primeiro, surgiu o monaquismo cristão, sendo os seus fundadores Santo Antão (António), Paulo e o seu discípulo, Macário[12].

1.2 – Simbologia e significação da Figura (ANKH).

O ANKH teve a sua origem num instrumento que era utilizado, entre os Sumérios e Egípcios, para cortar o cordão umbilical ao recém-nascido; daqui passou a significar/simbolizar a vida, pois que era através desse instrumento que se iniciava uma nova vida independente, pois que, enquanto esse cordão não fosse cortada, o bebé encontrava-se somaticamente dependente da mãe. Efectivamente, sem se cortar o cordão umbilical o bebé continuará a fazer parte da sua mãe. Mais tarde, no Egipto, passou a simbolizar o Deus Aton, Deus Sol, Deus da vida.
O princípio vital e a própria vida eterna, representada sob esse signo reaparece nos túmulos das Pirâmides egípcias, por exemplo no túmulo de Akhenaton e foi adoptada, mais tarde, pela Igreja Copta Cristã do Egipto[13], que a disseminou pelo Ocidente, sob formas diferentes e artísticas, como estas que, aqui, apresentamos para ilustração:

Diversas apresentações do Ankh[14]


Daqui, poderão ter origem algumas insígnias religiosas cristãs, como por exemplo, as cruzes utilizadas por papas, cardeais, bispos, etc, como se pode verificar, pelo exemplo que, aqui se segue:
Cruz de cariz cristão[15]
 Se, até ao século III (d. C.), o Egipto permaneceu fiel às suas antigas crenças religiosas, a partir da sua conversão ao Cristianismo, criou, sobretudo entre os monges de Tebaida (ou Alto Egipto que se estende desde a cidade de Tebas até à primeira catarata do Nilo), uma arte cristã copta[16], sui generis. Procedeu-se, então, através dos monges, a uma conciliação entre os temas da antiga religião egípcia faraónica e os temas cristãos. Entre outros temas egípcios está, por exemplo, o tema do antigo hieróglifo ANKH (chamado também Tyé ou Cruz Ansata ou a Chave) que, por significar “Vida” e se parecer com a Cruz de Cristo, passou a ser utilizado para significar pura e simplesmente a Cruz de Cristo[17].
Perante estas figuras, à primeira vista, enigmáticas que atitude se deverá tomar? Normalmente, tudo o que é esculpido, escrito ou desenhado serve de celebração e ou de memória ou testemunho de actos ou eventos ou crenças que tiveram lugar num determinado tempo, longo ou não, dentro de uma comunidade humana. Rolando Barthes diz, e com razão, que toda a imagem, gravura ou fotografia refere-se a algo. Conhecer, pois, esse referente (...) é reatar duas culturas: a perdida e agora reencontrada e a que contribui para essa reabilitação[18].
Baseados nesta afirmação, será que poderemos descortinar alguma coisa daquilo que essa pedra do calvário de Lameiras terá para nos contar? Eis uma questão que me intriga e que me convidou a investigar o passado de Lameiras.
O ANKH, por ser um símbolo da vida e de fertilidade, já que, originariamente, representava os órgãos genitais (masculino e feminino) era usado pelos antigos egípcios como amuleto tremendamente poderoso. Supunham os egípcios, ainda, que, a quem o usasse e fosse caridoso, os deuses outorgariam uma vida feliz durante cem mil milhões de anos” após a morte, como no-lo confirma Migne Gonzalez-Wippler[19].
Ora, segundo este mesmo autor “Quando no século primeiro, os egípcios se converteram ao cristianismo, mantiveram o ANKH como símbolo religioso e este costuma aparecer nas tumbas daquele período, junto à cruz cristã. Os antigos egípcios fabricavam o ANKH de materiais vários: cera, madeira, metais e pedras de cores diferentes. O ANKH estava estreitamente relacionado com os órgãos sexuais e era símbolo da vida ainda que ninguém conheça o seu verdadeiro significado”[20].
Na própria mumificação dos corpos utilizavam-se dois amuletos para que estes protegessem as pessoas que tinham sido embalsamadas e já tinham partido para os “campos dos caniços”, ou seja, para os campos da felicidade.
 De facto, todos os deuses criaram seus próprios amuletos, como concentração e representação de seus poderes[21]. Também os hebreus tinham costume idêntico, trazendo ao pescoço a letra hebreia Heth (ח) que para estes representava a vida. O significado cabalístico desta letra é recinto, descrição adequada do útero e dos seus poderes vivificadores”[22].
Um desses amuletos era, precisamente, o Ankah (ou “Laço de Ísis”, também chamado “tyet” ou ”tiet” cujo hieroglífico tinha, precisamente, a mesma configuração, como poderemos ver pela imagem que, a seguir, apresentamos.

1.3- Quadro Comparativo entre o Laço de Isis e a pedra de Lameiras


Tyet[23]
"Laço de Ísis" amuleto para proteger o corpo[24]

"tyet"
Nó de Ísis em hieroglifos é




Pedra do Santo de Lameiras

Foto de J. C. Matias

Se repararmos bem, verificamos que, entre a figura conhecida por “laço de Ísis” (deusa e esposa do deus Osíris do Egipto) ou Ankah e aquela que se encontra na Pedra do Santo de Lameiras, existe uma grande semelhança. À primeira vista, a parte superior pode induzir-nos a ver nela uma cabeça envolta num capuz; braços descaídos; um corpo único sem tronco a ser separado dos membros inferiores e o todo do corpo com forma de túnica ou vestido.
Pois, essa figura da pedra de Lameiras, é, muito provavelmente, uma forma do amuleto protector do corpo.
O segundo amuleto utilizado na mumificação era o “Prumo” ou “Nível” que era representado desta forma:
Prumo ou Nível[25] usado como amuleto
 Era, igualmente, inserido nas tumbas dos defuntos com o significado de “força que mantinha o equilíbrio na vida do além".

Concluindo, podemos dizer que a figura desta pedra faz-nos ligar, pois, a uma tradição cultural egípcia, por exemplo, ao cristianismo copta. Como e porque razão ali se encontra, é caso para futura investigação.

Referências


[1] Loods, Israel, p.432.

[2] Bertholet, Histoire, pp. 151,382 ; Max  Weber, Le Judaísme antique, p. 197.

[3] Gén. 11,24-27.

[4] Moisés Do Esp. Santo, Op.cit. p. 27.

[5] Vigouroux, Dictionnaire de la Bible, art. « Ashera ».

[6] II Reis, 23,7.

[7] http://www.sacred-destinations.com/cyprus/paphos-sanctuary-of-aphrodite.htm. Também se encontram bons exemplares nas moedas de Biblos, Tiro e Sidónia no seguinte site: http://www.biblicalarchaeology.org.uk/pdf/ajba/02-3_001.pdf

[8] Sobre a figura da “Moira”, cf. Moisés do Espírito Santo (1988, p. 221-223), onde tem esta frase explicativa: “Essa figura popular resulta de um sincretismo entre o conceito grego de Destino atribuído às Moiras ou Parcas (que tecem o destino dos humanos), e que nos é dado a conhecer pela via erudita, e a figura da Terra-Mãe provedora dos bens agrícolas e guardiã de tesouros ancestrais. A Moira das rochas, fontes (a de Lameiras?), árvores, velhas ruínas e igrejas desafectadas confunde-se com Nossa Senhora que aparece nos mesmos locais, às mesmas horas e às mesmas pessoas. A Moira, que se transforma em “pedra de carregar a charrua”, e cujos tesouros são animais, arados ou panelas de oiro que se encontram escavando com “relha do arado ou pata da ovelha”; que oferece figos, castanhas vulgares que se transformarão em oiro caso a sua vontade seja satisfeita, é um ente divino associado a Deus, talvez o seu princípio feminino”.
Flávo Josefo, sob o efeito da helenização da Palestina, emprega o termo Moira para exprimir a Schekinah de Yaveh, que residia no Templo, sob o aspecto de uma claridade ou figura deslumbrante, equivalente ao Espírito de Deus (Frederic  Manns, Le symbolisme eau-esprit, p. 148). Temos aqui um elemento importante para identificar a Moira: para os Judeus, a Moira era o “princípio feminino de Deus”. Em contacto com a mitologia grega, os Fenícios teriam associado o conceito religioso da antiga Moira grega à Deusa Ishtar/Astarté a partir do que esta tem de fecundante de pródigo, orgíaco e satânico. Sob a pressão linguística, mística e religiosa dos Helenos, a Moira da aldeia é sucessora da deusa-mãe fenícia; teria sido a deusa – Mãe local antes do evento de Nossa Senhora”, (p. 222).

[9] Alarcão, J. Idem.

[10] “Segundo certos autores, as Senhoras do Ó tiveram origem nas Beiras e mais particularmente em Coimbra. Na catedral existiu uma dessas imagens, chamada Nossa Senhora-a-Prenhada, “com a mão direita sobre o puríssimo ventre que se vê avultado e crescido. Por esta imagem têm as ,mulheres de Coimbra muita devoção, a quem recorrem para pedir o bom sucesso dos seus partos”  (Moisés Espírito Santo, Op. cit., p. 31, que atribui essa afirmação a Frei Agostinho, 1707, Santuário Mariano e História das Imagens Milagrosas e das Milagrosas Aparecidas, em Graças dos Pregadores e dos Devotos da Mesma Senhora Ano de 1707,( sete tomos), IV, livro II, § 16.)

[11]Aton” é o nome do Deus único, o Deus Sol, que foi introduzido no Egipto pelo faraó Akenathon em substituição do deus Aton, ficando o nome do Faraó a significa “servo” de !Aton”..


[13] (Cf. Bruce-Mitford, Miranda (1996). O Livro Ilustrado dos Signos e Símbolos – Milhares de signos e símbolos de todo o mundo. Toledo: Artes Gráficas. Livros e Livros, p. 105. Na p. 75 fala-se do Pilar de Osíris (djed) dizendo-se que “Este pilar egípcio representa a espinha dorsal de Osíris e simboliza a estabilidade, tanto a do governo do faraó como a dos céus, que o pilar suportava. A coluna vertebral, como suporte central do corpo, é um símbolo do eixo do mundo”. Além disso, na página 105 mostra-se a junção do pilar de Osíris com o Tau e com a forma oval da deusa Ísis. Na página 104 da mesma obra, os triângulos apontados para cima representam o princípio masculino; os triângulos virados para baixo são o princípio feminino. Entrelaçam-se para mostrar a actividade criadora do Cosmos. 


[16] A palavra copta deriva do árabe Qubt, corruptela do grego Aigyptios (egípcio).


[18] Câmara Clara, ed. 70 , p. 20.

[19] MIGNE Gonzalez-wippler, El Libro Completo de los Amuletos y Talismanes, Editorial Humanitas, p. 30-32.

[20] Ibidem, p. 23-24.

[21] Ibidem, p. 33-34.

[22] Ibidem, p. 24.



Bibliografia


Aulete, Caldas (1952). Dicionário Ccontemporâneo da Língua Portuguesa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, Rua Augusta, 44 a 45.
Barthes, Rolan (2000). ‘’A Câmara Clara’’. Edições 70.
Boum Boucher, Jules (1953). (2ª ed.). La Symbolique maçonique. Paris (p. 91).
Burr, Alexander Harley (1962).  Le cercle du Monde (The World’s rim: Great mysteries of the north american indians).Paris. (p. 22). 
Caldas Aulet,, F. J. (1948).Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 3ª edição actualizada, Vol. I, Parceria António Maria Pereira, Lisboa, pp. 1120s.
Champdor, Albert (963). Le livre des morts.  Paris.
Champeaux, G. De Sterckx, S., dom. O.S.B.,  1966,  Introduction au monde des symboles, Paris; Trad. Cast. Introducción al monde de los símbolos, Juventud, Barcelona.
Chetwynd, Tom (2004). Dicionário dos Mitos Sagrados. Lisboa: Planeta Editora.
Chevalier-Gheerbrant-Gheerbrant-Gheerbrant, J. – Gheerbraant, A., , Dictionnaire des Symbole sÉd. de 1991, Barcelona Editorial Herder. Trad. Castelhana em 1994  aumentada de Manuel Silvar e Arturo Rodriguez sobre a obra original francesa Diccionario de los símbolos de 1982, Robert Laffont et Éd. Jupite. Edición. 
Corm Corberon, M (1955 a 1958). Le miroir dês simples ames, em Et. Trad., nos 322 a 349. Paris.
DLPCACL = Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001). Lisboa: Verbo.
Doutté, Edmond (1984) [ed.facsím.de 1916]. Magie & Religion dans l’Afrique du Nord, Paris: Maisonneuve et Geuthner, 1984 p.325., p. 326 e n.1).
Estrtabão, (Geografia, III, 4,17) diz-se que os Lusitanos e Galaecios resistiram durante cerca de três séculos à romanização e que as mães ( lusitanas e galaecias) preferiam matar os seus filhos a deixá-los nas mãos dos invasores… Moisés Espírito Santo (1988, p. 233).
Fernando Pessoa O Íbis.
Filão de Alexandria (Leg. All., 2, 9-11).
Fontana, David (2004). A Linguagem dos Símbolos. Uma chave ilustrada para os Símbolos e seus Significados. Lisboa: Editorial Estampa. Tradução do título original The Language of Symbols por Isabel Teresa Santos.
Girard, Girp, Raphael (1954). Le Popol-Vuh, Histoire culturelle de Maya-Quiché, Paris.
Juns (1964). L’Homme et ses Symboles. Paris., 238-239).
Ogam-Tradition Céltic, 1948, Rennes, p. 11,307ss.
 MIGNE Gonzalez-wippler, El Libro Completo de los Amuletos y Talismanes, Editorial Humanitas,
Posner, Posd, G (1959). (Em collaboration avec Serge Sauneron e Jean Yoyotte), Dictionnaire de la civilisation égyptienne, Paris.
Roux, Roun (1954). Quelques minorités ethniques du Nord Indochine. Saigão.
Santo, Moisés Espírito (1988). Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa. Seguido de Ensaio Sobre Toponímia Antiga. Lisboa: Assírio e Alvim Editora.
Virel, André (1965). Histoire de notre image. Genebra.