LAMEIRAS II - Pedra do lado direito (Grande Mãe e Ankh)
1- Face frontal (Grande Mãe)
1.1- Identificação da pedra e das imagens
Esta pedra que serve de base à cruz do lado
direito do calvário de Lameiras, Pinhel, forma um cubo imperfeito pois que a
altura das quatro faces é de 0m, 60m, enquanto as suas duas faces
laterais têm a largura respectivamente de 0m, 60; a de frente e a
detrás 0m,70m.
Cruz do lado direito do Calvário
Foto de 2001
Destas quatro faces, apenas duas (a da
frente e a de trás), possuem imagens esculpidas. Se a da frente parece apresentar
a imagem da “Pietà, a da retaguarda deixa transparecer uma imagem enigmática
que nos parece transmitir a ideia do símbolo da vida egípcio.
Imagem da
face frontal (Pietà)
Imagem da face da retaguarda
Fotos de 2001
1.2- Imagem da “Pietà”?
A gravura que se encontra nesta face constitui
um baixo-relevo que apresenta uma senhora com:
- Um filho nos braços, em estado adulto, dando a sensação de estar já morto, ou prestes a soltar o último suspiro;
- Um segundo filho, no acto de nascer, lançando para o mundo, primeiramente as pernas. Parece querer apresentar a imagem de que a entrada no mundo ou o nascimento de uma criança se dá somente quando a cabeça desta sai do ventre materno. Esta acção, porém, parece estar impedida pelo corpo do filho anterior, pelo que este deve ser retirado para dar lugar ao nascimento completo do segundo.
- Devido a esta imagem complexa, na qual se mistura a tristeza da morte com a alegria da continuidade da vida, poderemos considerar esta senhora como a figura da “Grande Mãe”, sempre fecunda.
2- Significação e simbologia da palavra e da figura de “Mãe”
2.2- Receptáculo da vida – primeira função da mãe
O
simbolismo da palavra “Mãe” assemelha-se ao simbolismo das palavras “Mar” e
“Terra” porque tento a palavra “Mãe” como as palavras “Mar” e “Terra” são
“receptáculos e matrizes da vida”.
Por
outro lado, além de “o mar e de a terra” serem símbolos do “corpo maternal”,
Chevalier-Gheerbrant (1994, p. 43), consideram que entre os vocábulos “mère”
(mãe) e mer (mar) existe um clara homofonia na língua francesa, o mesmo
parecendo existir entre as palavras catalãs mar
(mãe) e mare (mar).
2.3- Fertilidade Inesgotável
A
imagem de mulher, numa posição de sofrimento perante um filho morto e de
alegria perante o nascimento de um novo filho, parece continuar a tradição das
grandes deusas-mães que foram sempre veneradas como deusas da fertilidade e que
tiveram o seu exemplar primordial em Gea
(Gaia ou Gê – a Terra), a qual
foi considerada pelos Gregos como a esposa de Urano (o Céu) e a mãe dos Titãs e
dos Ciclopes. Uma mãe cujo poder de reprodução era proverbial.
A
própria natureza (com a repetição dos seus ciclos anuais: sementeira,
nascimento, crescimento, amadurecimento, colheita, queda da folha e morte definitiva
da planta) parece ser simbolizada na morte e nascimento dos filhos da “Grande
Mãe”. Morreu um filho porque terminou o seu ciclo vital, mas, em seu lugar, a
mãe dá à luz um outro para que a vida continue, ininterruptamente. Esta é a
função primordial da mãe.
Correlativamente
ao homofonismo de “mère” e “mer” em francês ou “mãe” e “mar” em catalão e português,
existe, uma grande ambivalência entre “mãe” e “terra” em ambas as línguas, pois
que se “nascer” é “sair do ventre materno”, o “morrer” é o “regresso ao seio da
terra”. De modo semelhante, tal paralelismo se verifica relativamente às
palavras “mãe” e “mar”, enquanto também o “mar” (ou “mère”, em francês),
segundo as grandes mitologias mesopotâmicas, egípcia e semitas, consideram que
foi do mar que surgiu a vida, na figura de Mamut, a Primeira Mãe.
A MÃE
é um misto de opostos: se, por um lado, ela dá ao filho vida, segurança,
alimento, abrigo, calor e ternura, por outro lado, ela pode representar, não
apenas o risco de opressão, devido à estreiteza do meio em que foi gerado, mas
também o desejo exacerbado de um prolongamento excessivo da função de
alimentadora e de guia, como é simbolizado pela figura mitológica da Geradora
(“Génitrix”) que devora o futuro Gerador (“Génitor”). Ela, de geradora e
generosa, pode perfeitamente transfigurar-se, em raptora e castradora como o
descreve o mito de Gaia que manda castrar o deus Crono.
A
ideia de fertilidade feminina foi personificada sempre nas mitologias antigas
por uma Mãe divinizada, cujos nomes foram variando conforme as civilizações, os
tempos e as sensibilidades humanas que quiseram dedicar-lhe a sua reflexão
pessoal. Assim, por exemplo:
·
Os Egípcios e várias religiões
helenistas atribuíram-lhe o epíteto de Ísis,
considerando-a, não só a deusa do casamento e da família, mas também a querida irmã
e esposa de Osíris de cuja união, foi gerado um
filho a quem deram o nome de Horus;
·
Os Assírios, Babilónicos e o
Iberos deram-lhe o nome de Ishtar, nome que os Fenícios, Cananeus, Israelitas e Judeus
transformaram em Astarte (cf. IV Reis, 23,7);
·
Os Hindus preferiram dar-lhe o
nome de Kali ou Kālikā,
que foi, primeiramente, considerada como a deusa do tempo e da mudança, mas que,
actualmente, preferem concebê-la como a deusa-mãe benevolente (pelo menos entre
vários grupos Hindus).
·
Os Gregos, por seu lado, deram-lhe
vários nomes como: o de Rea (sendo considerada
esposa de Cronos/Tempo; o de Hera (a deusa do
casamento e esposa de Zeus); o de Deméter (também
chamada Gaia ou Gê - a TERRA -).
·
Os Romanos viriam, mais tarde,
para assimilarem essa Deméter grega, em Ceres,
ficando a ser considerada a Deusa Agrária e a personificar
a Terra,
2.4- Fertilidade no mundo hebraico e cristão
Se
entre os cananeus, Ba'al era considerado e
adorado como sendo o deus da fertilidade e das tempestades, entre os Israelitas, e segundo o Livro do Génesis (Gn 18, 1-15), o grande procriador
ou criador do universo e da humanidade foi, somente Iavé, procriação esta que
foi comparada à procriação no ventre de uma mulher.
É,
pois, a Iavé que se atribui a força criadora que se encontra quer nos seres
humanos, quer em todos os outros seres da natureza. Assim, logo na primeira vez
que se descreve Abraão a falar com Iavé, se considera que lhe transmite o dom
da fecundidade de maneira a que possa ser o verdadeiro pai de muitas gentes.
A
própria aliança consolidada entre Deus e Abraão é comparada a uma aliança
matrimonial, em ordem à fecundação e, ao longo do Antigo Testamento, Iavé é
apresentado como um Deus zeloso e quase ciumento, sendo o culto prestado a outros deuses considerado
um adultério e uma traição.
Israel
é considerado como a esposa de Iavé que este ama compulsivamente, mesmo depois das
várias infidelidades que ela cometeu contra Ele.
A
partir do II século da era cristã, tornou-se comum entre os Judeus,
considerarem o amor de Deus por Israel, como o amor que existe entre o homem e a
sua esposa.
No
Salmo 149 canta-se, ao som de música e de dança, o facto de Israel proceder de
Deus:
Verso
1: Louvai ao SENHOR. Cantai ao SENHOR um cântico novo, e o seu louvor na
congregação dos santos.
Verso
2: Alegre-se Israel naquele que o fez, regozijem-se os filhos de Sião no
seu Rei.
Verso
3: Louvem o seu nome com danças; cantem-lhe o seu louvor com tamborim e harpa.
Verso
4: Porque o SENHOR se agrada do seu povo; ornará os mansos com a
salvação.
2.5- Fertilidade no mundo cristão
No
cristianismo deu-se uma mudança. A mãe é a Igreja. Esta é concebida como a fonte
donde os cristãos auferem a vida da graça, porém onde podem também auferir, pelas
deformações humanas, uma tirania mental abusiva.
A
mãe divina simboliza, por outro lado, a sublimação mais perfeita do instinto e
a harmonia mais profunda do amor. A mãe que concebeu Jesus é uma Virgem, mas
uma virgem que “concebeu por obra e graça do Espírito Santo”.
Por
meio dos Dogmas, a Igreja Católica declara uma realidade histórica e não apenas um
símbolo. Esse facto tem um significado muito grande, pois que, segundo o
dogma do nascimento virginal de Jesus, se deduz que a virgindade não exclui uma maternidade muito real e que
Deus pode fecundar a criatura independentemente das leis naturais. Por outro
lado este mesmo dogma realça outra realidade histórica que é aquela que
considera Jesus como um verdadeiro homem, porque nasceu de uma mulher
(pertencente ao género humano) e verdadeiro Deus, porquanto foi concebido no
seio de Maria, por “obra e graça do Espírito Santo”, terceira pessoa da Divina
Trindade.
Deste
mesmo dogma se deduz que Maria é filha e mãe do seu próprio filho: filha
enquanto Jesus Cristo é Deus e seu Criador; mãe do seu Deus enquanto Jesus é
Deus homem que nela encarnou. Por isso ela foi chamada Θεοτόκος
(Theotókos) nos concílios dos primeiros séculos, mas não sem grandes
discussões.
Comparando
esta teologia católica com a teologia Hindu, vê-se que que não existe nada de
comum entre elas sob este aspecto da concepção e maternidade da mãe divina. No
cristianismo a concepção e nascimento de Jesus fundam-se numa verdade
histórica, o que não acontece na teologia hindu onde a noção de “maternidade
divina” procede de uma “síntese de mitologia, teologia, filosofia e metafísica”.
Alem
do mais, os quatro aspectos da noção de mãe divina na arte hindu são
representados por símbolos que não existem na noção católica. Por exemplo:
- O símbolo Kali... na arte índia, Kali com a língua de fora, ensanguentada, que baila sobre um cadáver. Como pode simbolizar a mãe divina? “Nesse símbolo do Terrível, explica Swami Siddhementncia, nem a destruição, mas colhemos, numa visão sinóptica de modalidade única os três movimentos projectados que formam a criação, a conservação, a destruição”. São os diferentes aspectos da experiência única da vida. A mãe divina é assim a força vital, universal que se manifesta, e esta força é o princípio espiritual expresso em forma feminina;
- Segundo Chevalier (1991, p. 674 e Na versão espanhola é 1994 p. 432s), “Há ainda outros três aspectos com outros símbolos distintos de Kali:
o
Durga,
Laksmi,
o
Sarasv
ati,
o
Ganesh,
etc..
- E explica, como esses três aspectos funcionam na simbólica hindu, dizendo: “Todos supõem um pensamento cosmocêntrico, que tende a incluir numa mesma visão microcósmica e macrocósmica, o atómico e o global. A mãe divina é como a série contínua que ata e sustém o universo Prakriti e Maya, unidade de tudo o que está manifestado, seja qual for o seu nível de existência, desde a simples aparência até à pura ilusão. É a consciência da manifestação do EU de Shiva manifestado na infinidade das aparências, nessas centelhas de poder energético que são os seres da matéria precipitada e de fugitivas centelhas”.
Entre
os Celtas, a deusa-mãe primordial é chamada Dana que é a Mãe dos deuses (Tuathha
De Danann, tribo da deusa Dana) e corresponde simetricamente a Elatha
(Ciência). Também é conhecida pelo nome de Ana que pode entender-se como um nome do primeiro nome De
Danann, dando De+Ana. É muito possível que este nome
tenha algo a ver com o nome da deusa latina Diana e com a santa cristã Santa
Ana que é a mãe da Virgem Maria.
Na Gália,
a darmos crédito a Júlio César, existia somente uma deusa, Minerva, ao lado de
quatro grandes deuses masculinos: Mercúrio,
Apolo, Marte, Júpiter Essa Minerva era chamada Brigantia, na
toponímia gaulesa ou Brigit, na toponímia Irlandesa. (Ibidem, 1991, p. 675).
No
Egipto o poder da procriação era associado à vegetação e ao mundo do além, na
figura de Osíris, considerado, no princípio, um deus agrário, sendo considerado
com poder inesgotável, à semelhança da vegetação. Só mais tarde é que foi
identificado com o SOL que na sua fase nocturna simboliza a continuidade dos
nascimentos e renascimentos.
Osíris,
actividade vital universal, na forma visível de um deus “desce ao mundo dos
mortos” para lhes transmitir o dom da regeneração e, inclusive, a ressurreição
na “glória osírica”. Esta transformação só é possível porque, segundo a
teologia egípcia antiga, “todo o morto justificado é um g erme de vida nas
profundidades do cosmo como um grão de trigo no seio da terra” (Champdor, 1963, p.17).
Este deus chega a ser concebido como um deus
cultivador, mas, devido a invejas, foi perseguido por um seu irmão, Seth que,
auxiliado por outros, também invejosos e inimigos, o matam e lançam ao Nilo
dentro de um caixão para que se corpo desapareça para sempre. Mas a sua irmã ÍSIS, auxiliada pela deusa NEPHTIS, depois de o
procurarem e encontrarem todo mutilado, ressuscita-o.
Esta
faceta da religião egípcia apresenta o drama da morte que aflige a humanidade,
amenizado com o triunfo, pelo menos periódico, sobre essa terrível realidade,
tendo levado muitas religiões de mistérios a introduzir na suas religiões
respectivas, o tema do deus morto e ressuscitado.
Chevalier,
J (1991, p. 788), refere que, segundo André Virel (1965, pp. 148, 181, 228), “no mito de Osíris se encontram três fases da
individuação psíquica”, a saber:
- Osíris no cofre simboliza a integração do Eu;, enquanto o cofre delimita a individualidade e representa o aspecto fixador e separador da individuação;
- Osíris mutilado representa a dissociação e da desintegração;
- Osíris reconstituído e dotado de alma eterna simboliza a reintegração numa forma mais elevada, porquanto inclui a significação espiritual.
- Esta é a última fase de síntese que caracteriza uma pessoa. Por meio dela atinge-se o pico da evolução.
3- Antecedentes da Imagem e do Culto Prestado à Mãe de Jesus
A religião
cristã tem os seus fundamentos na religião hebraica que, por sua vez, se
encontra intimamente relacionada com as religiões de Canaã, Fenícias e Egípcia.
Em primeiro lugar,
devemos considerar os lugares de culto antigos, que, em princípio, não eram construções
ou edifícios arquitectónicos como os que se usaram mais tarde, mas sim, como o
afirma Moisés do Espírito Santo (1988, p. 27), “terreiros assinalados com pedras”, sendo os objectos
de culto “bétilos, esteios erguidos …, estelas e as próprias árvores”.
O mesmo autor
avança, dizendo que tais objectos de culto poderiam ser inclusivamente “bonecas
de tecido ou de estopa” parecidas com aquelas que, ainda hoje, são
“confeccionadas pelas mulheres de Monsanto” e que denominam por “Matrafonas”. Pensa
ele também que o facto de na Bíblia hebraica se proibir o uso de imagens para
expressar a divindade foi uma das consequências da ausência de imagens nesse
tempos longínquos como representativas da divindade, o que, na verdade,
acontreceu numa primeira fase das religiões primitivas.
3.1- Existência de imagens em Israel
Tal proibição do uso de imagens que vigorou
até ao século IX a. C, referia-se sobretudo a ídolos de metal precioso (prata
ou ouro), mas não as estátuas de pedra ou de madeira[1]. Na verdade,
“Havia, no entanto, outro tipo de representações,
por exemplo, objectos religiosos que acompanhavam o morto à sepultura e que os
arqueólogos encontram com muita abundância; eram do culto privado, equivalente
a medalhas de hoje, talvez génios de protecção pessoal e doméstica. Segundo
certos dados, os Hebreus e os Fenícios suspendiam esses objectos religiosos
pessoais e domésticos sobre as ombreiras das portas[2], como
hoje se fixam perto da porta azulejos representando o santo homónimo que
equivale ao “santo antepassado”; tanto podiam ser em metal precioso[3], como em
materiais correntes”[4].
Tais objectos tinham,
entre os hebreus, o nome de terapim (plural de terah ou tareh) que eram tidos como oriundos da religião Cananeia e
inventados, segundo se pensava, pelo seu antepassado Tarec ou Taréh, daí o nome de tarecos, isto é objectos pessoais.
Algumas divindades, como
Astartés era representada por um simples
cone. “Uma representação do templo de Paphos numa moeda
cipriota do tempo de Séptimo Severo permite-nos ver o cipo, que era o emblema
da deusa. Por ocasião da visita de Titus ao templo de Paphos, Tácito descreve essa imagem, desta forma: “O ídolo da
deusa não tem forma humana: é uma coluna redonda cuja base é mais larga em
baixo do que em cima, à maneira de um cone; desconhece-se a razão disso”[5] . “Esta divindade, conhecida por Astarté (que, em grego se dizia Αστάρτη e, em hebraico, se
dizia עשתרת),
pertencia ao panteão fenício, mas, na tradição hebraica, era conhecida por
deusa dos Sidónios (I Reis 11:2), como já foi dito anteriormente.
Algumas dessas
imagens eram também vestidas. A Bíblia refere que o rei Josias, reformador da
Lei e do culto, demoliu a casa das prostitutas sagradas que estavam no templo
de Iavé e onde as mulheres teciam véus, ou telas, para Ashera[6]; tratava-se,
pois de imagens vestidas (dessa deusa, representada pelo cone) que seriam
ex-votos para venda aos peregrinos, imagens domésticas que estes compravam, ou
as imagens de Astarté existentes no próprio templo? Certas referências
levam-nos a crer que se tratava de representações em forma de cone cujos
exemplares se encontraram em grande número no santuário de Astarté em Cartago.
Exemplares semelhantes foram encontrados no
Santuário de Afrodite, em Chipre, mas, aqui, as imagens do cone dentro do seu
santuário estão gravadas numa série de moedas, o que lhe dá um relevo maior,
visto o culto da deusa se perpetuar de maneira política, monetária e comercial.
Moedas cm
cone de Astarte
Todas estas moedas estão esculpidas em
moedas do tempo do imperador Caracala (198-217 d.C.) e apresentam o cone da
deusa Afrodite no seu Templo em Palea Pafos[7].
Talvez tenha sido devido à primitiva forma
cónica representativa da deusa Astarte que as representações antropomórficas
das divindades femininas passaram a tomar uma forma também cónica, como se
denotam, normalmente em todas as representações posteriores.
Ora, passar daqui à representação cónica das
“Senhoras” cristãs, foi fácil. Hoje, quase todas as imagens de Nossa Senhora,
mãe de Jesus, têm a forma cónica.
Relativamente às imagens que apresentam a
Mãe com um menino nos braços, como se encontra na imagem de Ísis e Horus,
Moisés do Espírito Santo (Idem, p. 27) vai mais longe e considera que, às
vezes, essa Mãe, não só tem um filho morto nos braços, como espera o nascimento
de um segundo outro, apresentando essa imagem de contraste (morte e vida) e de
continuidade (morte nascimento) como o símbolo da continuidade da vida através
da procriação constante da Grande-Mãe. Na morte do primeiro filho varão
sente-se a morte não apenas de um filho mas também de um marido com o qual
engendra a vida.
Referindo-se ao culto que os Iberos
prestavam aos deuses romanos, o mesmo autor (Idem, p. 237) que cita Jorge
Alarcão (1983, p.181-186.) considera que nunca tiveram em grande conta os
deuses imperiais, mas que, pelo contrário, mostraram grande “preferência” pela
mística oriental e cultos matriarcais”, sendo as divindades orientais mais
adoradas no Portugal romano Mitra, Cibele, Némesis, Ísis e Serapis”.
Embora o culto de Mitra não tivesse grande
extensão, ele era adorado, sobretudo, pelos soldados. A provar esse culto a
Mitra, foram encontradas algumas Inscrições mitraicas em Olisipo, Pax Julia e
Troia.
Por sua vez, o culto
prestado a Cibeles“ continua Alarcão, - está atestado em Ossonoba, Olisipo,
Aquae Flaviae, Marco de Canavezes e
nos arredores de Pax Julia e Estremoz
[....]. Ao todo, conhecem-se 16 inscrições hispânicas dedicadas a Cibele,
pertencendo sete ao território que, hoje, constitui Portugal. Numa inscrição de
Olisipo, datada de 108 d. C., a deusa é chamada Mater Deum Magna
Idaea Phrygia, Grande Mãe dos deuses, Ideia e
Frígia. O nome de Ideia vinha-lhe do Monte
Ida, na Frígia, onde tinha um santuário afamado. Nas outras inscrições
portuguesas é designada simplesmente por Mater
Deum ou Deum Mater [...]. O colégio dos sacerdotes de Cibele era presidido por um Archigallus, que também não surge
nas inscrições portuguesas [...].
O culto de Némesis está documentado em
Portugal apenas em Évora (Ebora), onde havia uma associação de fiéis desta
deusa, denominada Amici Nemesiaci. A associação de Ebora tinha entre as
suas funções, a de dar sepultura aos seus membros.
A deusa Ísis, de origem egípcia tem o seu
culto documentado em Bracara, Salacia, Outeiro Jusão (perto de Aquae, Vale do
Vinagre (Baleizão) e em lugar indeterminado do Algarve. [...].
Segundo o mesmo Alarcão, Serápis
parece estar documentado em Conimbriga por meio de um pé de mármore votivo,
enquanto em Pax Julia parece ter sido adorado num templo próprio. O monumento,
porém, mais notável ao culto de Serapis, em Portugal, é o santuário rupestre de Panóias (perto
de Vila Real).
Este templo foi, no
entanto, consagrado simultaneamente a várias outras divindades, como se deduz
da dedicatória que alguém com nome greco-romano escreveu: “ ao
Altíssimo Serapis, à Moira[8] e aos
Mistérios, Gneu Gaio Calpurnio Rufino consagra este monumento”[9].
3.2- Culto Mariano Judeo-secreto
Não admira que o Cristianismo tenha assimilado a religião
popular pré-romana de toda a bacia mediterrânica e de maneira semelhante os
cultos hebraicos a partir do século VII d.C. oui seja a partir da época em que
os Godos moveram perseguições contra os Judeus e tenham praticado expulsões e
conversões compulsivas, como o sustenta Moisés Espírito Santo, (1988, p. 46 ),
onde transmite a ideia de Fortunato de Almeida (História da Igreja em Portugal,
vol. I, p. 57). Assim os cultos quer romanos quer asiáticos foram assimilados
dentro do cristianismo, principalmente rural. Assim os ritos populares
asiáticos, entre os quais estava o culto a Astarté.
Antes da redacção do Deuteronómio (entre 639 e 608 a. C.) que é
um dos cinco livros da Lei, o povo hebreu venerava, como todos os povos do
Mediterrâneo, uma deusa-mãe, que em Canãa se chamava Astarté, variante da
babilónica Ishtar.
As Senhoras portuguesas chamadas da Guia, padroeiras dos
viajantes e dos emigrantes, comungam também, muito possivelmente, desta
natureza astral, tanto mais que o astro Vénus se diz em linguagem popular
Estrela-guia ou Estrela da Manhã (ou da Tarde), anunciadora do sol e da noite.
As festas que têm lugar na Páscoa ou no domingo da Pascoela, em
honra da Senhora dos Prazeres ou de outros títulos, são ou foram festas
cripto-judaicas, substitutivas da celebração da Páscoa e dos Ázimos judaicos,
por um lado, e associadas à Rainha Ester, por outro.
3.3- “Senhoras do Ó”
Nas Beiras, sobretudo, existem belas imagens do fim da Idade
Média chamadas Senhoras do Ó, ora grávidas ora com um menino; os citadinos e o
clero em geral, não iniciados nestas simbólicas, entendem que as “Senhoras do Ó”[10] são apenas as grávidas porque “chamam” pelo
filho, enquanto os seus fiéis entendem que a Senhora do Ó pode ter outras
formas: “ter um menino nos braços e estar grávida de um outro porque pode ter
tido vários filhos” (assim nos dizem frequentemente), ou pode não estar
grávida. O nome popular da Senhora vem dessa expressão de chamamento. A Senhora
rural, mais topónimo do que personagem, é a mãe do clã ou da comunidade” (Moisés
do Espírito Santo, 1988, p 30).
1- Face anterior (Ankh)
1.1- Identificação e descrição da figura
Esta face apresenta uma única
imagem e é a parte oposta à figura da Grande-Mãe.
Ankah
Calvário de
Lameiras, destacando-se a pedra com esta imagem
À primeira vista, essa imagem dá a sensação
de representar:
- Uma figura humana, de braços abertos, um pouco descaídos, com um capuz a cobrir-lhe a cabeça, dando a impressão, à primeira vista, tratar-se da representação de um monge ou de um peregrino. Mas, também, poderá ser:
- Um TAU grego, símbolo do bordão dos Peregrinos, ou, possivelmente, o símbolo da Ordem Hospitalar de Santo Antão (ou Santo António do Egipto).
- Ou o TAU do Deus ATON[11] e que se chamava (e se chama, ainda hoje) também CRUZ ANSATA ou ANKH e que constitui um símbolo egípcio antigo que teve a sua origem na combinação da cruz TAU do deus OSÍRIS com a forma oval da deusa ISIS, passando a significar a VIDA e de cuja junção deu a seguinte forma:
Salvo outra melhor opinião julgo que estamos
perante símbolos de origem egípcia, enquanto o primeiro (um monge ou um
peregrino) poderá ter alguma relação com os dois últimos, visto haver uma certa
ligação entre o ser monge e o ser peregrino com o Egipto, pois foi neste país
que, primeiro, surgiu o monaquismo cristão, sendo os seus fundadores Santo
Antão (António), Paulo e o seu discípulo, Macário[12].
1.2 – Simbologia e significação da Figura (ANKH).
O ANKH teve a sua origem num instrumento que
era utilizado, entre os Sumérios e Egípcios, para cortar o cordão umbilical ao
recém-nascido; daqui passou a significar/simbolizar a vida, pois que era
através desse instrumento que se iniciava uma nova vida independente, pois que,
enquanto esse cordão não fosse cortada, o bebé encontrava-se somaticamente
dependente da mãe. Efectivamente, sem se cortar o cordão umbilical o bebé
continuará a fazer parte da sua mãe. Mais tarde, no Egipto, passou a simbolizar
o Deus Aton, Deus Sol,
Deus da vida.
O princípio vital e a própria vida eterna,
representada sob esse signo reaparece nos túmulos das Pirâmides
egípcias, por exemplo no túmulo de Akhenaton e foi adoptada, mais tarde, pela
Igreja Copta Cristã do Egipto[13], que a disseminou pelo Ocidente, sob formas
diferentes e artísticas, como estas que, aqui, apresentamos para ilustração:
Daqui, poderão ter origem algumas insígnias
religiosas cristãs, como por exemplo, as cruzes utilizadas por papas, cardeais,
bispos, etc, como se pode verificar, pelo exemplo que, aqui se segue:
Se, até ao século III (d. C.), o Egipto
permaneceu fiel às suas antigas crenças religiosas, a partir da sua conversão
ao Cristianismo, criou, sobretudo entre os monges de Tebaida (ou Alto Egipto
que se estende desde a cidade de Tebas até à primeira catarata do Nilo),
uma arte cristã copta[16], sui generis. Procedeu-se, então,
através dos monges, a uma conciliação entre os temas da antiga religião egípcia
faraónica e os temas cristãos. Entre outros temas egípcios está, por exemplo, o
tema do antigo hieróglifo ANKH (chamado também Tyé ou Cruz Ansata
ou a Chave) que, por significar “Vida” e se parecer com a Cruz de
Cristo, passou a ser utilizado para significar pura e simplesmente a Cruz de
Cristo[17].
Perante estas figuras, à primeira vista,
enigmáticas que atitude se deverá tomar? Normalmente, tudo o que é esculpido,
escrito ou desenhado serve de celebração e ou de memória ou testemunho de actos
ou eventos ou crenças que tiveram lugar num determinado tempo, longo ou não,
dentro de uma comunidade humana. Rolando Barthes diz, e com razão, que toda
a imagem, gravura ou fotografia refere-se a algo. Conhecer, pois, esse
referente (...) é reatar duas culturas: a perdida e agora reencontrada e a que
contribui para essa reabilitação[18].
Baseados nesta afirmação, será que poderemos
descortinar alguma coisa daquilo que essa pedra do calvário de Lameiras terá
para nos contar? Eis uma questão que me intriga e que me convidou a investigar
o passado de Lameiras.
O ANKH, por
ser um símbolo da vida e de fertilidade, já que, originariamente, representava
os órgãos genitais (masculino e feminino) era usado pelos antigos egípcios como
amuleto tremendamente poderoso. Supunham os egípcios, ainda, que, a quem o
usasse e fosse caridoso, os deuses outorgariam uma vida feliz durante cem
mil milhões de anos” após a morte, como no-lo confirma Migne
Gonzalez-Wippler[19].
Ora, segundo este mesmo autor “Quando no
século primeiro, os egípcios se converteram ao cristianismo, mantiveram o ANKH
como símbolo religioso e este costuma aparecer nas tumbas daquele período,
junto à cruz cristã. Os antigos egípcios fabricavam o ANKH de materiais vários:
cera, madeira, metais e pedras de cores diferentes. O ANKH estava estreitamente
relacionado com os órgãos sexuais e era símbolo da vida ainda que ninguém
conheça o seu verdadeiro significado”[20].
Na própria mumificação dos corpos
utilizavam-se dois amuletos para que estes protegessem as pessoas que tinham
sido embalsamadas e já tinham partido para os “campos dos caniços”, ou seja,
para os campos da felicidade.
De
facto, todos os deuses criaram seus próprios amuletos, como concentração e representação
de seus poderes[21]. Também os hebreus tinham
costume idêntico, trazendo ao pescoço a letra hebreia Heth (ח) que para estes
representava a vida. O significado cabalístico desta letra é recinto, descrição
adequada do útero e dos seus poderes vivificadores”[22].
Um desses amuletos era, precisamente, o
Ankah (ou “Laço de Ísis”, também chamado “tyet” ou ”tiet” cujo hieroglífico
tinha, precisamente, a mesma configuração, como poderemos ver pela imagem que,
a seguir, apresentamos.
1.3- Quadro Comparativo entre o Laço de Isis e a pedra de Lameiras
Tyet[23]
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"Laço de Ísis" amuleto para proteger o
corpo[24]
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Pedra do Santo de Lameiras
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Foto de J. C. Matias
Se repararmos bem, verificamos que, entre a
figura conhecida por “laço de Ísis” (deusa e esposa do deus Osíris do Egipto) ou
Ankah e aquela que se encontra na Pedra do Santo de Lameiras, existe uma grande
semelhança. À primeira vista, a parte superior pode induzir-nos a ver nela uma
cabeça envolta num capuz; braços descaídos; um corpo único sem tronco a ser
separado dos membros inferiores e o todo do corpo com forma de túnica ou
vestido.
Pois, essa figura da pedra de Lameiras, é,
muito provavelmente, uma forma do amuleto protector do corpo.
O segundo amuleto utilizado na mumificação
era o “Prumo” ou “Nível” que era representado desta forma:
Era, igualmente, inserido nas tumbas dos defuntos com o
significado de “força que mantinha o equilíbrio na vida do além".
Concluindo,
podemos dizer que a figura desta pedra faz-nos ligar, pois, a uma
tradição cultural egípcia, por exemplo, ao cristianismo copta. Como e porque
razão ali se encontra, é caso para futura investigação.
Referências
[1] Loods, Israel,
p.432.
[2] Bertholet, Histoire,
pp. 151,382 ; Max Weber, Le Judaísme antique, p. 197.
[3] Gén. 11,24-27.
[4] Moisés Do Esp. Santo, Op.cit. p. 27.
[5] Vigouroux, Dictionnaire
de la Bible, art. « Ashera ».
[6] II Reis, 23,7.
[7] http://www.sacred-destinations.com/cyprus/paphos-sanctuary-of-aphrodite.htm.
Também se encontram bons exemplares nas moedas de Biblos, Tiro e Sidónia no
seguinte site: http://www.biblicalarchaeology.org.uk/pdf/ajba/02-3_001.pdf
[8] Sobre a figura da “Moira”, cf. Moisés do Espírito
Santo (1988, p. 221-223), onde tem esta frase explicativa: “Essa figura
popular resulta de um sincretismo entre o conceito grego de Destino atribuído
às Moiras ou Parcas (que tecem o destino dos humanos), e que nos é dado a
conhecer pela via erudita, e a figura da Terra-Mãe provedora dos bens
agrícolas e guardiã de tesouros ancestrais. A Moira das rochas, fontes
(a de Lameiras?), árvores, velhas ruínas e igrejas
desafectadas confunde-se com Nossa Senhora que aparece nos mesmos
locais, às mesmas horas e às mesmas pessoas. A Moira, que se transforma em
“pedra de carregar a charrua”, e cujos tesouros são animais, arados ou panelas
de oiro que se encontram escavando com “relha do arado ou pata da ovelha”; que
oferece figos, castanhas vulgares que se transformarão em oiro caso a sua
vontade seja satisfeita, é um ente divino associado a Deus, talvez o seu
princípio feminino”.
Flávo Josefo, sob o efeito da
helenização da Palestina, emprega o termo Moira para exprimir a Schekinah de Yaveh, que residia no
Templo, sob o aspecto de uma claridade ou figura deslumbrante, equivalente ao
Espírito de Deus (Frederic Manns, Le
symbolisme eau-esprit, p. 148). Temos aqui um elemento importante para
identificar a Moira: para os Judeus, a Moira era o “princípio feminino de
Deus”. Em contacto com a mitologia grega, os Fenícios teriam associado o
conceito religioso da antiga Moira grega à Deusa Ishtar/Astarté a partir do que
esta tem de fecundante de pródigo, orgíaco e satânico. Sob a pressão
linguística, mística e religiosa dos Helenos, a Moira da aldeia é sucessora da
deusa-mãe fenícia; teria sido a deusa – Mãe local antes do evento de Nossa
Senhora”, (p. 222).
[9] Alarcão, J. Idem.
[10] “Segundo certos autores, as Senhoras do Ó tiveram
origem nas Beiras e mais particularmente em Coimbra. Na catedral existiu uma
dessas imagens, chamada Nossa Senhora-a-Prenhada, “com a mão direita
sobre o puríssimo ventre que se vê avultado e crescido. Por esta imagem têm as
,mulheres de Coimbra muita devoção, a quem recorrem para pedir o bom sucesso
dos seus partos” (Moisés Espírito Santo,
Op. cit., p. 31, que atribui essa afirmação a Frei Agostinho, 1707, Santuário
Mariano e História das Imagens Milagrosas e das Milagrosas Aparecidas, em
Graças dos Pregadores e dos Devotos da Mesma Senhora Ano de 1707,( sete
tomos), IV, livro II, § 16.)
[11] “Aton” é o nome do Deus único, o Deus
Sol, que foi introduzido no Egipto pelo faraó Akenathon em substituição
do deus Aton, ficando o nome do Faraó a significa “servo” de !Aton”..
[13] (Cf. Bruce-Mitford, Miranda (1996). O Livro
Ilustrado dos Signos e Símbolos – Milhares de signos e símbolos de todo o mundo.
Toledo: Artes Gráficas. Livros e Livros, p. 105. Na p. 75 fala-se do Pilar de
Osíris (djed) dizendo-se que “Este pilar egípcio representa a espinha
dorsal de Osíris e simboliza a estabilidade, tanto a do governo do faraó como a
dos céus, que o pilar suportava. A coluna vertebral, como suporte central do
corpo, é um símbolo do eixo do mundo”. Além disso, na página 105 mostra-se a
junção do pilar de Osíris com o Tau e com a forma oval da deusa Ísis. Na página
104 da mesma obra, os triângulos apontados para cima representam o
princípio masculino; os triângulos virados para baixo são o princípio feminino.
Entrelaçam-se para mostrar a actividade criadora do Cosmos.
[16] A palavra copta deriva do árabe Qubt,
corruptela do grego Aigyptios (egípcio).
[18] Câmara Clara, ed. 70 , p. 20.
[19] MIGNE
Gonzalez-wippler, El Libro Completo de los Amuletos y Talismanes,
Editorial Humanitas, p. 30-32.
[20] Ibidem, p. 23-24.
[21] Ibidem, p. 33-34.
[22] Ibidem, p. 24.
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