Saturday, September 12, 2009

LAMEIRAS NOS MEUS TEMPOS DE MENINO E MOÇO


"A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.Quando se vê, já são seis horas!Quando se vê, já é sexta-feira...Quando se vê, já terminou o ano...Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.Quando se vê, já se passaram 50 anos!Agora é tarde demais para ser reprovado.Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.Desta forma, eu digo: Não deixe de fazer algo que gosta, devido à falta de tempo, pois a única falta que terá, será desse tempo que infelizmente não voltará mais".
Mário Quintana


Introdução

O nome "Lameiras" pode aplicar-se a várias localidades distintas e pertencentes a diferentes concelho. Para nomear apenas algumas, temos, por exemplo:
Lameiras, Freguesia de Antas (S. Tiago), uma das cinco que constituem o núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão;
Lameiras do Concelho de Sátão, distrito de Viseu;
Lameiras do Concelho de Santa Comba Dão
Lameiras da freguesia de Terrugem, Concelho de Sintra, Distrito de Lisboa
Lameiras do Concelho de Pinhel, Distrito da Guarda.
O meu estudo circunscreve-se a esta última localidade que se estende por uma área de 16,77 km² de área, possuindo 396 habitantes, segundo a Censo de 2001. Com uma densidade de 23,6 hab/km², esta freguesia é constituída por três Povoados a saber: Lameiras, Barregão e a Vendada.

O nome "Lameiras", assim como os seus congéneres "lamas" e "lameiro" poderão ter uma origem pré-romana e pré-céltica, vindo a significar terrenos húmidos devido a uma certa intensidade de pluviosidade e de retenção das águas nos terrenos. Assim o entendem José Cunha Oliveira [online] [Consult. 05-08-09] Disponível em (http://toponimialusitana.blogspot.com/2008/03/lama-lamas-lameiras.html. Por seu lado Machado (1977, vol. III, p. 378 faz derivar "Lameira" de "Lama" e esta do lat. "Lama" com o significado de "charco, pântano, lodaçal, atoleiro", atribuindo-lhe uma origem ligúrica[1]. Seja como for há sempre uma relação com a humidade que se encontram em terrenos cuja característica principal é a humidade dos terrenos.
Efectivamente, quem conhece essa aldeia, compreende satisfatoriamente que se trata de uma freguesia onde existe bastante água e onde os seus campos, situados entre a Ribeira das Córgas e a Ribeira da Pega possuem muita água, produzindo abundantemente hortaliças, legumes, erva e fenos, sobretudo no Coche e Janalvo.
Esta aldeia deve ser muito antiga, pois já "(...) em finais do século XVI formava um Curato da apresentação do reitor de S. Martinho de Pinhel, cujo Orago era Nossa Senhora da Consolação, sendo, então, dirigida pelo Pe Cristóvão Velho" que nessa altura pagava de colheita 274 réis, segundo testemunha o autor da artigo "Pinhel, Turismo as Freguesias – Lameiras" ([online] [Cônsul. 08-08-09] Disponível em http://www.cm-pinhel.pt/turismo/ asfreguesias/ Paginas/lameiras.aspx/ (ANAFRE). O mesmo autor diz haver na freguesia, à data, 86 fogos, pessoas de comunhão 190 e menores, 54.

Relativamente ao recheio ou Ornamentação da paróquia noticia o mesmo autor que havia:
"(…) um cálice de prata bom que terá 4.000 reis, uma coroa para a imagem de nossa Senhora; três cruzes de latão; quatro vestimentas (…) sobressaindo uma cruz boa de prata de 12.000 reis (…) uma custódia que terá 13.000 reis, um palio vermelho (…) uma alâmpada e uma arca (…) uma grade de ferro no arco do cruzeiro (…). É uma das poucas freguesias do concelho que conserva as cruzes dos Passos ou da Via-Sacra, tendo algumas sido restauradas em 1940".

Nos Fundos e Colecções de PT/ADGRD/PPNH16 referentes à Paróquia de Lameiras (Pinhel) existe, "(...)documentação (originais) proveniente da Conservatória do Registo Civil de Pinhel e incorporada no Arquivo Distrital em 20 de Outubro de 1992 e 21 de Abril de 1998. Também os duplicados foram incorporados na Arquivo em 2 de Novembro de 1992 e a 30 de Junho de 1994, provenientes da Conservatória do Registo Civil da Guarda" [online] [Consult. 05-08-09] http://www.adguarda.pt/loja/produto_%20detalhe.asp?productid=342&departmentid=64. Por aqui se vê que já em 1636 a Paróquia de Lameiras se encontrava organizada relativamente aos Assentos de Baptismo de 1654 – 1897, Registos de Casamentos de 1638-1911 e Registos de Óbitos de 1636-1911.
Sobre a questão dos Assentos de Baptismo e Registo de Óbitos leia-se o que o que eu próprio escrevi na minha tese de doutoramento: "Assinale-se, porém, que o Registo paroquial dos baptismos, em Vila do Conde, começou, somente, em 1535, encontrando-se no entanto assinados por sacerdotes sem designação do cargo. Em Lisboa os Registos foram estabelecidos a 25 de Agosto de 1536 no Sínodo diocesano que foi presidido pelo Cardeal Infante D. Henrique, enquanto os de Braga foram impostos nas Constituições diocesanas de 1537, constituições essas que foram aprovadas, no Sínodo de 16 de Setembro, do mesmo ano, adicionando também os Registos para os Óbitos. Mais tarde, o Concílio de Trento ampliou-o para os casamentos e generalizou-o em toda a Igreja Romana (Sess. XXIV, cap. I e II, de reforma Matrimonii)". (Matias, 2009, p. 70).

1 – Pertinência do estudo

O estudo que me propus realizar parece-me de certa importância. A partir de uma fonte derrubada fui levado a descobrir, não apenas valor artístico e histórico, não só deste monumento, mas também de outros que fazem parte integrante do património arqueológico e cultural dessa aldeia que, para além de curiosidades e reminiscências do passado, constituem os alicerces de nosso presente, fazendo, portanto, parte da identidade de todo o Lameirense.

É, pois, sobre este património que me debruçarei para nele ler e ouvir, talvez, canções de embalar, contos de príncipes e princesas encantados, ou, quem sabe, a voz longínqua de cronistas ou de historiadores que outros materiais de escrita não usaram senão o granito dessa mesma Região Beirã!

Tendo em vista este trabalho fiz, a partir de 2001 até hoje:
· o levantamento da maior parte do conjunto físico da Aldeia;
· a oferta de alguns quadros relativos à Aldeia para serem expostos na Sala de Convívio ou no Gabinete da Junta de Freguesia;
· através do preenchimento de um inquérito elaborado para o efeito convidei a população a manifestar-se a favor ou contra a recuperação da fonte soterrada e a favor ou contra o conhecimento e preservação do património ainda existente;
· sondei várias pessoas residentes e não de modo a conhecer os seus anseios relativamente à questão da valorização do património histórico de Lameiras, tendo encontrado grande entusiasmo não só relativamente à Fonte do Barroqueiro ( dita também Fonte do Mergulho[2]) .
Senti, igualmente a necessidade de buscar, conhecer e analisar atentamente tudo o que ali existe a fim de comunicar aos outros as riquezas que ainda restam e de os convidar a todos para que zelem ciosamente pelo que ainda existe e se esforcem por recuperar o que ainda pode ser recuperado.
Para que os meus leitores possam fazer uma pequena ideia de quão importante é esta aldeia beirã basta apresentar-lhes sumariamente e, por enquanto sem imagens, a existência de:
- uma série de "Alminhas" que culmina por capelas, envolvidas em lendas curiosas,
- o "Senhor da Assomada", um crucifixo envolvido em lendas mágico-religiosas;
- uma "Estela" ou pedra tumular intrigante, conhecida sob o nome de "Pedra das Almas" à qual se veio juntar em 2003, se não estou em erro, uma outra de carácter claramente cristão;
- três pedras, ornadas com formas e imagens intrigantes, também elas acompanhadas de lendas estranhas e de histórias contemporâneas empolgantes;
- uma pedra com a inscrição LI.GAIV, o que é insólito;
- um série de cruzes e/ou cruzeiros, colocados nas encruzilhadas, e/ou em sítios nevrálgicos, sinais de um cristianismo que se vive à mistura com a crença e apego à feitiçaria e na existência de lobisomens;
- uma fonte no Largo do Cruzeiro, onde, segundo a tradição e eu próprio conheci, se encontrava uma Pedra com a Imagem de uma Senhora com o filho ao colo, de um lado e uma figura enigmática, em forma de peregrino, com capuz sobre a cabeça, do outro;
- um Cruzeiro, memorial de Restauração da Independência de Portugal;
- e, para culminar, a Fonte Românica (ou Romana) com um menir fálico, à entrada, o que parece servir de ponte e ligação entre um mundo "mágico-religioso", dito "pagão" e o mundo religioso cristão, ou seja: de uma fonte que teria sido considerada morada de uma divindade, talvez "Poséidon" e/0u "Gaio", possuidor de grandes santuários na Fenícia e na Grécia, passou a servir uma população cristianizada, mas, nem por isso, completamente despida das antigas práticas religiosas anteriores à introdução do Cristianismo.

Estas e outras particularidades existentes na aldeia de Lameiras despertaram em mim o interesse pelo aprofundamento das questões relativas ao seu património histórico. Sou levado a crer que, por detrás delas, se encontra a cultura greco-romana, misturada com a cultura médio oriental, ou seja fénico-hebraica, e egípcia. E, de facto, se algumas pedras estão ligadas à história mais recente, outras há que, possivelmente, talvez sejam sinais de um passado bem longínquo, pois que apresentam indícios de culturas praticamente desconhecidas actualmente.

Tais registos enigmáticos parecem situar-me num contexto cultural próprio que é composto de várias facetas sucessivas as quais vão deixando rastos indeléveis, mas cuja decifração se torna, frequentemente, difícil e, em muitos casos, impossível, sendo necessário aceitar a existência de um contexto muito mais alargado, como aquele que conhecemos sob o nome sucessão e coexistência de "Multi-interculturas".

Dentro da cultura[3] geral de um país ou de um continente, existe uma que é partícula e especial a cada povoação porque nesta se desenvolve de maneira própria e um tanto diferente da do seu vizinho. Ela continua viva, não somente no sentido afectivo, intelectual e físico, mas também no sentido estético e artístico, quando é a assimilação e o envolvimento de valores que provêm de grupos vindos do exterior e quando, à assimilação, se vêm adicionar novas formas que são engendradas pela força criativa não só do intelecto, da força física e moral, mas também do engenho e da arte das gerações que ali se sucedem ininterruptamente.

Por isso, quando falo de "cultura de um Povoado", entendo que esta é constituída por tudo aquilo em que se alicerça o seu presente, ou seja, tudo aquilo que se foi acumulando insensivelmente, desde os seus alvores, ainda que o significado original se tenha perdido, modificado ou misturado com significações posteriores.
Importa, pois, não destruir nada se, e quando se desconhece o seu valor ou significado; importa conservar e acarinhar tudo o que faz parte do espólio que nos foi legado pelos nossos Maiores, esperando que, um dia, se tenha melhor informação e se saiba, então, apreciar melhor os sentidos e os valores, até então, desconhecidos e, talvez, nunca sonhados.

Uma coisa é certa: nunca se podem subtrair esses elementos à cultura presente de cada Povoação ou de cada indivíduo de hoje, porque eles fazem parte integrante da sua própria essência. Nenhuma cultura se criou de um dia para o outro. O seu aparecimento e instalação foram sempre a conclusão de um certa interdependência. Foi, efectivamente, do entrelaçar e da miscigenação de muitos povos, raças, religiões ou crenças que emergiram as diversas Povoações de que é constituído o nosso País e se forjaram as Culturas e Religiões que formam a nossa actual conjuntura sócio-cultural e político-religiosa.

Neste sentido "Educar para a Cidadania" inclui a tarefa de consciencializar cada indivíduo - e não só as Instituições Públicas - de modo a exercer a obrigação de zelar pelo património cultural que lhe foi legado pelos seus antepassados, pois, nesse mesmo, tem ele parte da sua própria essência e, por consequência, parte da essência do Grupo a que pertence. Desconhecer esta lei natural é viver inconscientemente; conhecê-la e não aplicá-la é renegar as suas próprias origens; é aniquilar-se a si mesmo.

Daí a necessidade de ser fomentada em todos os membros da Comunidade a ânsia de se cultivarem e de se educarem no que respeita os valores culturais que eles mesmos representam, na certeza de que, desenvolvendo uma busca contínua e séria de tudo aquilo que constitui a substância essencial dos procedimentos do seu grupo e de si próprios, estarão a pôr em prática a obrigação de verdadeiros cidadãos.

A pergunta de partida é a seguinte: A freguesia de Lameiras do concelho de Pinhel possuirá alguma coisa de relevante que interesse ao público em geral e à comunidade científica, em particular ?

Convencido de que as pedras também têm algo para nos contar e, partindo da tal fonte românica[4] dessa aldeia beirã[5]de que já falámos, hoje soterrada, depois de lhe terem derrubado acidentalmente (segundo dizem alguns) a sua cobertura em arco (a partir do arranque), comecei a interessar-me pelo património desse torrão serrano de modo torná-lo conhecido, valorizado, amado e conservado pelo grupo humano que a ele se encontra ligado. Uma primeira preocupação minha foi alertar os que mais de perto se encontravam envolvidos no assunto, de modo a que, não só conhecessem e preservassem os valores culturais que ainda se encontravam em bom estado, mas restaurassem, igualmente, o que foi danificado e recuperassem o que já tinha sido danificado, perdido ou destruído.

A educação a este respeito torna-se útil, necessária e urgente, pois até 1997 nunca me passara pela cabeça poder ali existir algo que fosse considerado valioso ou histórico. Muito embora ali tivesse nascido, dali me ausentei, em 1953, vindo a regressar (e só de visita) em 1966[6]. E, entre esta data e 1997 as minhas idas à Terra não passavam de visitas rápidas, faltando-me sempre o tempo, a disposição e o interesse para a examinar com olhos de pesquisador, no intuito de nela encontrar indicadores de uma cultura própria e rica.
Com efeito, foi em 1997 que dei conta de que ali se conservava um verdadeiro tesouro. E, por absurdo que pareça, foi precisamente o desmoronamento dessa fonte românica (ou romana) que me levou a olhar para a minha aldeia com outro interesse, começando por considerá-la como um verdadeiro museu recheado de objectos de arte e de documentos históricos de valor incalculável.

Já ninguém se lembrava da Fonte do Barroqueiro, nem eu próprio. Mas uma fotografia que tinha tirado em 1966/67, reencontrada, por acaso, numa gaveta do Dr. Messias Coelho, revolucionou todas as minhas memórias e verifiquei que essa fonte tinha sido destruída, em parte, e soterrada nos anos 70.

Recuando no tempo (em que, à luz da candeia e ao calor do cepo de carvalho, de freixo ou da giesta negral, jorravam, da boca de nossos pais e avós, histórias encantadoras e que na altura nos enlevavam como se entrássemos a fazer parte dum mundo de fadas e de divindades bucólicas), comecei a "re-ouvir", a "re-ver" e a reavaliar, tanto essas histórias, quanto os locais onde as tinha visto e ouvido, entre os quais sobressaía, de facto, essa fonte bucólica, onde os moços esperavam pelas moças e as mães passavam a mão direita sobre o falo que ali se encontrava bem erguido. Ali, inocentes, os mais novatos, corriam, descalços ou com sapatos rotos, atrás de uma bola de farrapos.

Embalado por estas memórias, quis escutar, primeiro, a voz dos mais antigos da aldeia que me contaram histórias de encantar sobre determinadas pedras que eles afirmam estarem envolvidas em lendas muito antigas. A fazer parte desse misticismo parece estar um crucifixo monolítico a cujos pés se encontra uma cabeça humana e a que se dá o nome de "Senhor da Assomada" ou "Somada" [7], Cruzeiros, Estelas, Fontes, Alminhas, Capelas, Lagares e Covinhas, Copos e Aneis (?) e Pegadas em rochas graníticas, como já referi.

Entre a multiplicidade de testemunhos que me vinham à memória acerca de grupos humanos diversos e distintos quanto à maneira de pensar, saber, rezar e manobrar, aliados à existência de Sepulturas Rupestres (em Vascoveiro e Vendada), de Lagares e Covinhas (em Lameiras - sede) e de uma Anta (em Pêra do Moço) levaram-me a fazer recuar a cultura da minha aldeia talvez a alguns milénios anteriores à era cristã e julguei que ela se puderia ligar, possivelmente, à cultura dos povos vindos não apenas de Roma ou Grécia, mas também do Sueste da Ásia, dos Cananeus, dos Fenícios, dos Egípcios e dos Hebreus (?!).

Tais factos, levaram-me, não só a pensar na possibilidade de aprofundar as minhas recordações pessoais, mas também a proceder a um estudo mais alargado que fosse capaz de ligar o presente ao passado, através das inter-relações que poderei descortinar por detrás dos indicadores que se conservam em todos esses documentos consignados em linguagem granítica.

Em primeiro lugar procedi e continuarei a proceder a um levantamento fotográfico exaustivo de tudo aquilo que considero possuir características de "monumentos", tomando por esta classificação toda e qualquer "Obra escultórica ou arquitectónica que, assinalando comemorativamente um acontecimento relevante ou homenageando uma figura de destaque, se destina a divulgá-los e a perpetuá-los na memória colectiva", segundo a definição do "Dicionário da Academia das Ciências" (2001, Vol. II, p. 2522) .

Será objecto da minha investigação, por conseguinte, toda a estrutura construída pela mão humana e que tem como objectivo significar e imortalizar algo simbolicamente, comemorar acontecimentos importantes da comunidade ou homenagear figuras ilustres, aliando a estes objectivos o aspecto artístico que, ao fim e ao cabo, termina por embelezar os locais respectivos, em particular, e a própria aldeia, em geral.

Após o levantamento toponímico e iconográfico, além da experiência e memória pessoais, utilizei o questionário e a entrevista (em Dezembro de 2001) em alguns casos, sirvo-me de monografias, sobretudo quando tento descobrir a significação ou simbologia dos monumentos que são motivo especial do meu estudo.

Na ilustração do texto utilizo, de uma maneira geral, as fotografias da minha própria autoria que, por este mesmo facto, não levam a identificação do autor, deixando esta somente para as que não me pertencem.
6 – Perspectiva sociocultural actual

Camilière (1989, p. 25) dizia que "a cultura é a configuração, mais ou menos ligada pela lógica oriunda dum modelo de significações adquiridas - as mais persistentes e partilhadas -, que os membros de um grupo, a par da sua afiliação a este mesmo, são levados, por um lado, a distribuir de modo prevalecente a partir dos estímulos provenientes do meio ambiente ou deles mesmos, e, por outro lado, sob o ponto de vista atitudinal, conduzem a, representações e comportamentos, cuja reprodução eles tendem a assegurar através dos tempos"[8].

Questionando-se sobre a natureza do modelo ou forma que se encontra subjacente a toda a cultura, o autor parece sintetizá-lo numa "(...) estrutura sem sujeito, transcendente, mais ou menos independente do tempo e das determinações históricas" (Idem, p. 26). A sua resposta deixa entrever a impossibilidade de identificar a sua origem e essência, admitindo, porém, que será suficiente encontrar certos indicadores que nos permitam não confundir uma determinada cultura com outra qualquer.

Estes indicadores são muito importantes, pois eles constituem os traços distintivos de uma determinada cultura uma vez que estes mesmos traços são a sua característica própria e quase exclusiva, e eles são diferentes dos de todas as outras culturas. Podem apresentar certas semelhanças, mas possuem sempre algo de inconfundível, o que determina a diferença e institui, necessariamente, a identidade própria de cada uma delas.

Aceitando esta particularidade de cultura, interroguei-me sobre o material onde tais modelos e tais indicadores poderão encontrar-se. Frequentemente pensa-se que eles se encontram, quer na tradição oral, quer em pergaminhos, papiros, tabuinhas ou, mais recentemente, em documentação escrita ou fotográfica. Que dizer, no entanto, de inscrições dispersas ou de imagens e símbolos, esculpidos na pedra, tanto nas que se encontram em descampados, como naquelas que estão dentro das povoações?

O presente tema poderia ser constituído por três partes, sendo a primeira dedicada ao aspecto físico, a segunda ao estudo dos monumentos (gravuras, imagens e inscrições), procurando descortinar a sua origem e significação, assim como o tempo e os habitantes que lhes deram origem, e a terceira trataria da educação para a cidadania e para utilidade e necessidade de conhecer, estimar e conservar o património cultural.
Assim:

Na primeira parte será descrever, por um lado, a Geografia de Lameiras, tanto sob o aspecto físico, como humano, e por outro, fazer uma reflexão sobre as suas tradições e contradições;

Na segunda parte apresentarei os seus Monumentos e a sua simbologia, sobressaindo as três pedras do Cruzeiro do Santo; o Senhor da Assomada; as Alminhas ; os Lagares rupestres e a Fonte do Barroqueiro;

na terceira faremos um estudo sobre a necessidade de uma educação que dê ao nosso povo conhecimentos suficientes para que possam distinguir, estimar e conservar tudo o que faz parte de um património cultural que, pelo facto de pertencer a uma comunidade humana, faz parte de património mundial.

Se partirmos da hipótese apresentada por Pierre Bourdieu (1989) segundo a qual são duas as formas e inseparáveis sob as quais existe a sociedade, sendo uma as instituições, isto é, "(...) monumentos, livros, instrumentos, etc. e outra as disposições adquiridas, as maneiras de ser ou de fazer que se encarnam nos corpos socializados (...)" , ou seja, os indivíduos, "tout court", então os indivíduos são inseparáveis da sociedade em que vivem e cada um, biologicamente tomado, não é mais do que um actor social porque é um indivíduo socializado. Assim sendo, ao estudarmos os testemunhos materiais de um Povoado – neste caso os de Lameiras – estamos a estudar os seus indivíduos; estamos a ressuscitar e a reescrever a sua HISTÓRIA.
José dos Montes Hermínios

[1] A Ligúria (em italiano Liguria) é uma região do noroeste da Itália com 1,7 milhões de habitantes e 5 410 km² sendo Génova a sua capital.
[2] Assim chamada por nela se mergulharem os cântaros e caldeiros para os encher de água.
[3] A cultura pode ser definida como “...o conjunto das produções materiais e não materiais dum grupo humano nas suas relações com a natureza e com os grupos, criações que têm para ele – ou para a maioria dos seus membros – um sentido próprio, derivado da sua história que está no seu fieri actual, sentido que não é partilhado por nenhum outro grupo” Tradução feita sobre Le Thanh Khoi, L’ Éducation: Cultures et Sociétés, Paris, Publications de la Sorbonne, 1991, p.39.
[4] Enriquecida, sob o ponto de vista arquitectónico, com um Menir ou monumento fálico.
[5] Sobre a origem das palavras “Beira” e “Beirão” existem cinco opiniões diversas: a 1ª considera que tais designações provêm de “Berones”, nome por que eram conhecidos os remotos habitantes do norte hispânico e aos quais se refere Estrabo nas suas relações geográficas; a 2ª sustenta que esse termo não passa de uma “corrupção da palavra medieval ‘barones’, derivada do germânico ber, bar, var (=senhor, guerreiro, homem esforçado e cioso da vida livre), concordando com o carácter e com as virtudes de intrepidez e gosto da independência, tanto dos seus habitantes primitivos, no dizer de Políbio e Deodoro, como dos invasores bárbaros, como dos homens rudes da reconquista cristã”; a 3ª julga que por “Beira” se deve entender zona fronteiriça ou estremenha; a 4ª explica que o nome vem da expressão - “Somos das beiras”, expressão que faz referência oculta à serra da Estrela, sendo o equivalente elíptico da expressão: - “Somos das proximidades e pendores da grande Serra” , ou , - “Somos das abas ou beiras da Serra”; a 5ª tem a ver com a aparência agreste e inóspita da região e pressupõe ter origem na palavra árabe Berryah ou Berriah, nome por que era conhecida uma região particularmente inóspita da Arábia, o que significaria que o nome “Beira” teria a sua origem no período da ocupação árabe (Cf. Guia de Portugal, Biblioteca Nacional de Lisboa vol. III, p. 18s;
[6] Teria sido nesse ano que a fotografei, sem nunca mais ter visto a fotografia respectiva, mas que, fortuitamente ficou com meu irmão Dr. Messias Matias Coelho.
[7] Como indicam as iniciais N.S.S. cravadas na porta metálica da capela do Belo ( se o serralheiro e pedreiro não se enganaram quando fizeram o melhoramento da mesma) e cujo significado passa por ser “ Acção de assomar; Cume, cabeço ou viso do monte” (cf. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, feito sobre o plano de F.J. CALDAS AULETE, LISBOA, 1848, VOL. I, p.316; Há quem escreva Senhor da Assumada, mas creio que o termo apropriado é Assomada, pois o termo Assomada deriva do verbo Assomar (do lat-. Assumare, de summus (o mais alto) que significa: Subir a um ponto elevado, alto … com o intuito de ver ou de ser visto (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, (2001. Lisboa: Ed. Verbo., Vol. I, p. 393). Além disso, em bom português não existe o verbo Assumar , nem o particípio verbal Assumada.

[8] La culture est la configuration, plus ou moins liée par la logique issue d’un modèle des significations acquises les plus persistantes et partagées que les membres d’un groupe, de par leur affiliation a ce groupe, d’une part sont amenés à distribuer de façon prévalente sur les stimuli issus de l’environnement ou d’eux-mêmes, induisant à leur égard des attitudes, représentations et comportements, et dont ils tendent à assurer la reproduction à travers le temps

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