Wednesday, December 26, 2012

MOÇAMBIQUE 2002 (V)



ÍNDICE


CAPÍTULO DEZOITO

HÓSPEDES DO “CHÁ MACOMA”, NO GURUÉ


1- O Nascer do Sol, no Gurué

Estamos em CHÁ MACOMA, plantação de chá e tabaco do Grupo João Ferreira dos Santos. Às 5 horas da manhã, do dia 15 de Agosto, festa de Nossa Senhora da Assun­ção, o Fernando levanta-se e prepara-se para ordenar o material fotográfico com a finali­dade de captar as melhores imagens do nascer do sol. Pela minha parte, levanto-me, minutos depois, para lhe deixar livre o quarto de banho. Às 5 horas e meia, estamos ambos fora, de costas viradas para a residência, tendo pela frente e a todo o redor uma cordilheira formidável de montanhas.
De máquina sobre o tripé, o Fernando espreita o surgimento dos primeiros raios solares para os imortalizar por meio da imagem. Eu, menos dotado, estou um pouco afastado, para também passar à posteridade os sentimentos que, este nascimento poderá fazer sur­gir no meu espírito de explorador, sem outros meios e talento além daqueles que são pró­prios do observador embevecido e o do escritor inexperiente. Mas, seja como for, vou lançar ao papel o que, momento a momento, me for motivando.
À minha frente experimento uma sensação de tranquilidade e de liberdade, espraiada nesta imensidão verde, saída dos milhares de troncos cravados na terra mãe, que, pela força do calor, da chuva e dos braços humanos, se multiplicam em miríades de folhas que irão servir para a fabricação dos vários tipos de chá que inundarão os mercados e darão uma bebida deliciosa a milhões de pessoas.
Ao mesmo tempo essas plantas, pela sua disposição e semelhança, deixam-nos sonhar em jardins gregos ou babilónicos que têm servido de fundamento a tantos sonhos de poesia e de amor! E, deste primeiro patamar, vai-se descendo até chegar ao riacho Joa ou Mulacala. A partir deste, o terreno modifica-se e sobe, de novo. A encosta apresenta, então, recortes curiosos, sendo formados pelos canteiros plantados de novo, e por todos os outros aos quais já foi feita a poda de manutenção. Lá, mais ao longe, a toda a volta espreguiça-se a grande cordilheira das montanhas, entre as quais sobressai o famoso Monte Namuli, berço dos Macuas, segundo a tradição dos antigos. E, por detrás dela, surge um clarão, ao princípio quase imperceptível, mas que, a passos largos, aumenta, iluminando toda a região “tras-montana”.
Agora, o céu tinge-se de vermelho mais intensamente, dourando a orla das nuvens que vão surgindo e movendo, lentamente! Mas ele, o sol, ainda não aparece! São apenas os seus batedores, montados nas pontas ígneas do seu fulgente carrossel. Ele ainda não aparece. De repente, surge uma pequena parte duma circunferência que vai subindo rapidamente, dando-me a sensação de estarmos à espera de ver aparecer um dos nossos ídolos, no “rappel”, que decidiu escalar a montanha pelo lado oposto à nossa posição. Olha, lá está ele a mostrar-se aos curiosos. Primeiro mostra um ar de envergonhado ou preguiçoso, como que a esfregar os olhos, mal abertos pelo sono; depois mais forte e robusto e sem controlo sobre si próprio, sobe depressa para espalhar sombras misterio­sas pelos recortes das serranias e pelas planícies cobertas de árvores e arbustos. É tal o seu brilho que, se quiser fixá-lo fico sem o ver, completamente ofuscado!
A sua posição, neste preciso momento, é como a de um enamorado que reclinou a cabeça entre os seios da sua amada! Dois montes soberbos e de cumes arredondados encaixam-no como se o quisessem guardar, amorosamente, por longo tempo. Mas, mesmo assim, ele terá de continuar a sua escalada, pois outras amantes o esperam na sua diurna caminhada! E lá vai, mesmo que lhe custe, deixando tão repousante melo­peia!
Ao afastar-se, como quem pretende esconder-se de olhos indiscretos, desaparece debaixo de uma grande nuvem que surge, por ali. E da sua presença só fica o rasto for­mado pelo seu clarão a reflectir-se e a dourar a orla dessa mesma nuvem e de muitos nimbos que, quais farrapos dispersos, povoam o firmamento e atestam, ainda sem o quererem, a sua cumplicidade na razão de tal desaparecimento! Às 6 horas e quinze minutos, ultrapassando a nuvem, reaparece, mais alto e claro, formando sombras até com a minha própria pessoa que, presenciando-o, nessa sua transformação, lhe viro as costas para regressar ao meu aposento! Afinal também eu faço parte deste quadro de mistério e de sonho!

2- Visita à Plantação

Por volta das 6.30 horas fomos tomar o pequeno-almoço, após o que passámos a ser acom­panhados pelo Sr. Engenheiro Frederico Gomes, que está mais ligado à plantação do Tabaco com quem tivemos uma pequena conversa antes da saída para a visita. Ques­tionámo-lo sobre a área da plantação assim como sobre a produção e número de traba­lhadores que nela prestam serviço.
A plantação que hoje leva o nome de “Chá macoma” e que tem uma área de 6.500 hectares, na sua totalidade, é a aglomeração de três plantações iniciais, existentes sepa­radamente antes de terem sido adquiridas por este grupo empresarial, em Junho de 1996, tendo elas os nomes, respectivamente, de “Monte branco” (que tinha 1.138 hec­tares de chá e que assim se chamava devido à sua aproximação do monte que tinha e tem esse nome), “Chalusa (com 554 hectares) e a “Mualacala” (com 818 hectares). Situa-se no distrito do Gurué que pertence à Província da Zambézia”.
Dessa área, 2500 hectares estão em plena exploração de chá, parte está reservada para a plantação de tabaco e parte ainda para a plantação de eucaliptos que irão servir para lenha de aquecimento e secagem do tabaco Virgínia. No conjunto dos três sectores de produção trabalham 80 empregados contratados, 365 trabalhadores fixos incluindo os eventuais que fazem um contrato, de seis em seis meses, e cerca de 1.000 trabalhadores sazonais, que são aqueles que são chamados quando o serviço assim o exige.
Quanto ao chá ultimamente produziram-se, aqui 700 toneladas, ano. Normalmente é vendido a uma firma holandesa – Van Rees que o coloca no Malawi, sendo este país o intermediário privilegiado da grande exportação para os Estados Unidos e Grão Breta­nha, sobretudo.
Há dois processos utilizados na produção do chá e do tabaco. O de sector empresarial que consiste na produção directa feita pela própria empresa ou Grupo e a do sector de fomento ou familiar, assim chamado porque consiste em comprar o chá produzido nas famílias, depois destas terem sido assistidas pela empresa. Assim, esta fornece os “Insumos” (que incluem o fornecimento de toda a espécie de materiais necessários à produção, tais como: sementes, adubos, insecticidas, fungicidas, catanas, regadores, etc.) e todo o apoio técnico que é prestado por vários engenheiros e técnicos agrários, moçambicanos, brasileiros e portugueses.

3- Visita à Fábrica do chá

Eis como se processa a produção do chá. Percorremos o seu caminho, desde o início ao fim:
1-     Plantio: Para quem tem água em abundância pode fazê-lo em Agosto e Setem­bro; mas quem a não tem e depende das chuvas, é melhor fazê-lo em Novembro; Cada hectare tem 11.000 pés plantados e a plantação Chá Macoma possui, em exploração, 2.500 hectares.
2-     Poda de manutenção: As plantas são aparadas, à altura média, a cerca de 30 centímetros, a partir do chão. Esta poda é feita com podões, bem afiados, sendo manejados com mestria e rapidez pelos trabalhadores que o fazem, por tarefas de 490 plantas individualmente, por dia. Esta acção é realizada, agora, no mês de Agosto e Setembro;
3-     Poda de Recuperação: É feita a partir do tronco. Corta-se a planta quase toda, deixando apenas pequenos troncos, rentes à terra; esta operação tem a finalidade de obrigar a planta a rebentar, de novo, com toda a pujança e tor­nar-se uma planta regenerada;
4-     Colheita: O chá verdadeiro não sai de qualquer folha. Ele sai apenas das últi­mas três folhas dos rebentos, ou seja, do grelinho ou olho, já desenvolvido e que é acompanhado pelo botão. É apanhado à mão, entre os meses de Novembro e Junho, sendo metido em cestos para ser levado para a Fábrica; Nesta altura a chuva é benéfica, porque faz crescer os rebentos rapidamente, mas o excesso desta pode ser prejudicial;
5-     Controlo: A folha é controlada na báscula e vai, depois disso, para os
6-     Murchadores ou Secadores: Que são uma espécie de tanques (também cha­mados “Trofes”) sobre o comprido que têm uma rede a todo o comprimento, instalada no centro. Por cima colocam-se as folhas espalhadas e, por baixo, passa ar frio e quente, à vez, para lhes tirar toda a humidade e as secar com­pletamente; o ar é levado por meio de tubagem subterrânea e impelida por ventoinhas; e o ar quente é produzido por uma fornalha que pode trabalhar tanto a lenha como a carvão mineral. Se for lenha seca, um metro cúbico consome 250 kg, se for lenha verde serão necessários 500Kg;
7-     Corte ou Trituração: Vindo dos murchadores, entra em carrinhos fechados para fermentar, durante 45 minutos ou uma hora, para tomar cor castanha e o aroma característico. A partir daqui, a folha está pronta para entrar e ser macerada na máquina Rotervan, passando, de seguida, à máquina CTC que, sendo uma espécie de picadeira, a traça deixando-a bem miúda, quase em grão;
8-     Secagem: Entra, seguidamente numa estufa – marca Marshales que tem a capa­cidade de 150 kg, por hora, à temperatura de 210º F, à saída e de 130º F, à entrada. Aqui, o grau de humidade que sai é ainda de 3,5% Este processo é feito por meio do aquecimento vindo da fornalha, que se for através do car­vão, terá de ser avivado por meio de ventiladores;
9-     Selecção: O chá, já em grão, é agora, separado em montes, segundo o tama­nho do grão, sendo esta operação feita através de crivos em forma de tapetes rolantes que vibram em sentido lateral, de modo a que os grãos tombem, segundo o tamanho ou largura dos seus orifícios; é uma espécie de crivação, saindo os grãos por uma meia cana lateral; feita que é esta selecção, os vários montes são classificados segundo os tipos seguintes:
BP1; FNGS; PDUST; FNGS2; DUST; PP1=PF1; DUST1.
10- Testagem: Para testar o grau de humidade, utiliza-se o Testador de humi­dade que, segundo os dados do Eng. Técnico Sr. Solaman,, há 6 anos na JFS (mas, antes, já tinha trabalhado, como técnico nesta área, tanto em  Moçam­bique, como noutros países)  deu os seguintes resultados:
BP1:310ºC; PF1:       280ºC; Pd: 240/260; DUST1:230ºC; DUST: 220ºC; FNG: 290/300ºC; F1: 290/300ºC; D2: 210ºC.
11- Pesagem: É feita com balanças de precisão; semelhantes àquelas que são utili­zadas nas ourivesarias;
12- Embalagem: esta é precedida de uma outra operação que consiste em mistu­rar alguns tipos para criar um novo tipo, consoante os pedidos de certos fre­gueses. A seguir a esta mistura, o grão vai para dentro de uma gamela ou funil, para ser puxado pelo Transportador (tapete rolante que faz subir o grão) e ser lançado na tulha. Desta desliza, através de um cano, para sacos de papel PLATAX que levarão, entre 50 a 70 kg, cada, segundo o tamanho do grão utilizado;
13- Vibração: Ensacado, é colocado dentro de um Vibrador, espécie de caixa com uma medida rectangular típica que tem as medidas exigidas para o bom aproveitamento do espaço dentro do contentor que o transportará. Se a quan­tidade de chá ainda não deixar o saco com a forma exigida (não interessa o peso) será acrescentado, ou diminuído, no caso de ter a mais;
14 Empilhamento: Os sacos são, então, colocados nos capitelia, para formar pilhas que serão levantadas pelos empilhadores e colocadas nos camiões transportadores, ou, directamente, nos contentores;

15 Exportação: É feita principalmente para o Malawi, que, por sua vez, o faz seguir para os Estados Unidos da América e para a Europa, Portugal, inclusive.

4- O Tabaco do “Chá Macoma”

A empresa JFS, além de produzir chá, começou há dois anos, a fomentar a produção do tabaco, tendo começado com duas qualidades: Barley e Virgínia. Tanto uma como a outra têm dado resultados animadores, pelo que essa produção e indústria estão a ser lançadas com boas perspectivas. Tem como responsável o Técnico brasileiro, Cláudio que, é coadjuvado por um outro brasileiro cujo nome não consegui apurar. A terra é boa, “é virgem. Tomara no Brasil houvesse terra assim”, dizia-me o Cláudio. E que diríamos nós, portugueses da Beira e de Trás-os-Montes?
Estavam a preparar canteiros para novos viveiros e a cuidar dos viveiros já com semente, uns, e nascidos, outros. Curiosa a forma de preparar a terra! Primeiro lavra-se ou cava-se. Amacia-se, peneirando-a, praticamente; é regularizada em talhões e cantei­ros; é esterilizado o terreno por meio de queimadas, feitas com lenha trazida para os canteiros, ou por meio de Brumeto de Metil, que, embora seja o mais eficaz, é, até certo ponto, prejudicial, porque é um produto químico, Este último processo é feito por meio de tendas, formadas por um grande plástico que é colocado sobre os canteiros, dei­xando-lhe facilidade de manobra, de maneira a poder ser insuflado. Colocam-se latas de brometo debaixo do plástico que está bem vedado, a toda à volta; essas latas estão apoiadas em pedaços de tábua com pregos; sendo pressionada do lado de fora pelo téc­nico, a lata é perfurada e o brometo sai, espalhando-se, em forma de vapor, por baixo do plástico, atingindo toda a crosta da terra, a cerca de 10 centímetro de profundidade. Deste modo a terra fica esterilizada em relação aos fungos e à germinação do capim que, ali deixado doutra forma, abafaria a planta do tabaco que é mais frágil e demora mais tempo a desenvolver-se.
Depois, é lançada à terra a semente, sendo coberta por capim, cortado em curtos peda­ços. Estes têm a função de proteger a planta da agressividade dos raios solares e do embate das gotas de água, seja ela da chuva, ou da rega manual. A rega é aplicada com dois regadores, de manhã, à tarde e à noite. Lá vão os aguadeiros buscar a água ao rio e a lançá-la sobre os viveiros, três vezes ao dia, em cada canteiro.
Depois de a planta atingir a altura de 10/15 centímetros, ela é “castigada”, no dizer dos naturais ou “endurecida”, na linguagem do técnico brasileiro. Esta operação consiste em não a regar durante alguns dias, para que ela se acostume aos maus-tratos que terá de sofrer, na hora e terra da transplantação. Se fosse transplantada muito viçosa não aguentaria o mau clima, a má terra e a falta de água que irá encontrar fora dos viveiros.

5- Industrialização do Tabaco e nossas impressões

A industrialização do tabaco processa-se da mesma forma que a do algodão e do chá, ou seja, coexistem os dois processos já conhecidos e que vêm sendo utilizados de há mui­tos anos: o sector empresarial, cujos trabalhos dependem exclusivamente da empresa e o sector de fomento ou familiar que consiste em a empresa fornecer às famílias campone­sas os “insumos” e os técnicos que as assistirão, ao longo de todo o processo, desde a preparação da terra até à colheita que é comprada pela mesma empresa.
A nossa estadia, aqui na “Chá Macoma”, desde a noite de 14 até ao romper do dia 16, constituiu para nós uma experiência inesquecível e enriquecedora, graças ao óptimo acolhimento que nos foi oferecido, tanto pelo Sr. Engenheiro Frederico Gomes, quanto pelos técnicos Agrários, Srs. Eugênio Lin Lino, Solaman e Cláudio e, bem assim, por outros trabalhadores e cozinheiros da Empresa JFS que, até caldo verde nos deram, hoje ao meio-dia, e nos serviram sempre um bom vinho português.
O local é um pequeno grande paraíso. Pensem no que é um terreno de seis mil e qui­nhentos hectares de superfície que, além de ser atravessada por quatro riachos (pelo menos) sempre a correr, possui ainda: uma pequena barragem que recolhe a água da montanha e a distribui, por gravidade, a todo o complexo; um Posto administrativo; três escolas primárias, sendo uma do segundo grau (EP2) e duas do primeiro (EP1); e oito pequenas povoações de cultivadores, que se situam em pontos estratégicos e de boa colocação, sob o ponto de vista ambiental. E, para além da verdura que cobre todo o espaço, a sua beleza é acrescida pelas encostas, planícies e baixios que se desdobram para todos os lados, sendo recortadas pelos riachos e aconchegadas por uma cortina fabulosa de montanhas que as cercam, protegem e fecundam. É, na verdade, um lugar par encher os olhos e regalar o espírito!

6- Uma lição de botânica

Na viagem feita de Nampula até ao Gurué encontrei muitas espécies de plantas e legu­mas já minhas conhecidas e outras novas, como, por exemplo: a Umbila (ou Tanga tango ou, ainda, Inbila), Jambir ou Panga-Panga; Chanfuda, o Inhame (que é um tubér­culo de folhas muito largas em forma de coração e tem um caule bastante grosso e curto), a Batata-doce, que se estende pela terra como uma era, e, sem esquecer, é claro, o Chá e o Algodão, o Feijão Manteiga, Feijão Ebuiri, e a Mapira que é semelhante ao milho na haste, mas não na espiga. O bambu chinês, que já conhecia e vira no seu pró­prio habitat encontrara um óptimo clima no Gurué e tem servido para m para móveis e construção.

7- Preocupações com a Isabel e o seu príncipe encantado

Enquanto eu ia escrevendo, os colegas fotógrafos e a Isabel saíram para ver se podiam fotografar ainda mais alguma coisa, regressando, por volta das 17 horas. Pouco depois, a Isabel saiu com o Dinho, dirigindo-se à cidade do Gurué no intuito de meterem gaso­lina e, por acréscimo, comprarem pão.
O tempo foi passando e eles não regressavam. A nossa preocupação foi aumentando, uma vez que a demora nos parecia despropositada, visto serem apenas 30 km, a hora de jantar se ter aproximado e os limites convenientes e do bom-senso terem sido muito ultrapassados. Estávamos, como é evidente, em casa e a ser servidos por outrem. Como não tínhamos meios de comunicação, resolvemos jantar e ir procurá-los, se até às deza­nove e meia não aparecessem.
Mas não conseguimos esperar até essa hora. Às dezanove e quinze mandámos chamar o Eng. Frederico, mas o emissário regressou dizendo que tinha saído. Pedimos, então, para chamarem o Cláudio que veio logo. Fui, com ele, procurá-los. Perto, já, do Gurué cruzamos com o jipe do Eng. Frederico, no qual vinham os que eram já tidos como per­didos. Afinal, o nosso carro tinha tido uma avaria no sistema eléctrico e tiveram de o deixar numa oficina, até ao outro dia, de manhã. Calhou serem encontrados por ele!
Com mais este contratempo a nossa saída do “Chá Macoma”, com destino às Chocas-Mar, já não poderia ser às 5.30 de amanhã, como estava programado. Teremos, pri­meiro, de esperar que o Dinho vá buscar o carro e depois se verá a que horas poderemos sair. Também irá a Isabel? Eis a questão que se coloca com pertinência, pois, há uns tempos para cá, dá-me a sensação de que o piloto sente a necessidade da presença do co-piloto e este a daquele, o que parece mais acertado! O Eng. Frederico prontificou-se a ir com o nosso motorista, amanhã de manhã resolver o assunto. Entretanto, nós iremos com o Cláudio ver a secção de enfardamento do Tabaco que é a sua especialidade.
Com isto tudo, e com o tempo que levou a desfragmentar o meu disco rígido que tem estado muito vagaroso, atrasando-me o trabalho, só fui para a cama por volta da meia-noite.
Entretanto, em Chocas-Mar, o Adelino e a Tabita passaram o dia da forma como, eles próprios a contaram:
“Dia 15-08-2002:
Alvorada às oito da manhã. A manhã foi passada da seguinte forma: uma hora na praia das Chocas – Mar, a estudar e fomos beber um café ao Sr. Falcão, que se sentou à nossa mesa, palrando sobre as belezas desta zona, sobre o Sr. Hélder, o seu antigo patrão, do Sr. Vicente, sócio do Hélder e da prisão destes por tráfico de Haxixe. Falou-se ainda de aluguer ou aquisição de uma viatura para o próximo ano. Os preços que nos apontou foram um milhão e quinhentos mil meticais por dia, por um jipe 4X4, excluindo a gasolina. Referiu, ainda, haver uma senhora, do banco, que quer vender um de caixa aberta, mas que teremos de experimentá-lo, primeiro. Ele iria saber o contacto e que depois nos diria mais tarde. Emprestou-nos, também, o jornal SAVANA, de 95, para sabermos a história do contrabando de haxixe e ofereceu-nos o café. À noite, quando lá chegamos, o café já estava fechado. Não houve energia, durante quase todo o dia”.

CAPÍTULO DEZANOVE

FÁBRICA DE TABACO E SAÍDA DE CHÁ MACOMA

 O Incompreensível aconteceu

Ainda o sol dormia e já eu acordava. Era o dia 16 de Agosto. Tinha pela frente um dia memorável sob vários aspectos como poderemos ver a partir dos episódios que irão ocorrendo.
A razão pela qual me levantei cedo reside no facto de que eu queria pôr em dia as minhas notas sobre o que vira e acontecera nessa plantação de chá e tabaco.
O dia anterior tinha sido um tanto atribulado, ao fim da visita que correra às mil mara­vilhas, tanto para mim, como para os outros elementos do grupo (fotógrafos): o tempo esteve bom para fotografar e os guias que tivemos foram excelentes, levando-nos a quase todos os recantos das plantações e explicando-nos, o melhor que souberam, os detalhes dos dois processos, no que respeita ao cultivo, desde o amanho da terra para a sementeira e plantio, até à colheita e exportação, como eu acabei de expor no capítulo anterior.
Ao fim do dia, como ia dizendo, as coisas complicaram-se. Tínhamos determinado sair da residência do Chá Macoma, às 5.30 da manhã para fazermos o caminho de uma assentada e chegarmos a boa hora às Chocas-Mar. Para isso, alvitrou alguém, seria útil voltar à vila do Gurué para atestar o depósito de gasolina. Convincentemente, a Isabel determinou acompanhar o condutor, alegando ser necessário comprar pão para a merenda, coisa que não nos pareceu muito a propósito, uma vez que o guarda do Grupo JFS, Calisto Eduardo nos acompanhava na digressão desde Nampula, estava às nossas ordens, podendo, muito bem, desempenhar essas funções.
Ora, se bem o pensaram, melhor o fizeram. Pegaram de si e dirigiram-se à vila do Gurué. Eram então 17.00 horas, mais ou menos, quando saíram. O seu regresso estava, mais ou menos, previsto para as 18.30, pois a distancia não ultrapassava os trinta quiló­metros. O tempo foi passando e suas excelências não reapareciam. O jantar estava pronto, nós com fome e eles sem aparecerem. Resolvemos, então comer e solicitar ao Eng. Frederico o favor de ir, com um de nós, ver o que se passava. É que por estas ban­das, não há meios de comunicação e as estradas são tudo menos estradas. Por volta das 21 horas e vinte minutos mandámos chamar o Engenheiro, mas este tinha saído. E o telemóvel, perguntarão vocês? Não funcionam, por falta de antenas capazes.
Recorremos ao Eng. Cláudio que se prontificou a vir ter connosco imediatamente. Explicada a situação, ele e eu fomos rapidamente à cidade para ver se alguma coisa lhes tinha acontecido na estrada ou na cidade. A determinada altura cruzámos com o Enge­nheiro Frederico. Parámos e ele também. Afinal ele mesmo trazia de volta para a Plan­tação os “pombinhos foragidos”. Tinham deixado o carro na oficina, porque, segundo dizia o motorista, tinha falhado o sistema eléctrico. Os fusíveis derretiam. E a solução encontrada foi deixar o carro na oficina, até ser arranjado nas primeiras horas do outro dia.

2- A última visita à plantação de tabaco

No dia seguinte ao acontecido, isto é hoje, o motorista e o Eng. Frederico regressaram à cidade para pegarem no carro e, nós (Fernando, Gil e eu), entretanto, fomos visitar a fábrica de Tabaco, tendo por guia e condutor o Eng. Cláudio Fisherborn que nos expli­cou o processo de elaboração das duas qualidades de tabaco: o Burley já em exploração há alguns anos e Virgínia que, este ano está no seu primeiro ano de exploração. Acerca deste explicou-nos o processo de secagem, através de secadores eléctricos. Esta quali­dade necessita de secagem eléctrica ou a lenha, enquanto o Burley é seco por meio de ar frio, dentro de casas ou telheiros. O Gil e o Fernando aproveitaram a oportunidade para fazer mais algumas imagens da selecção, prensagem e ensacamento desse tipo de tabaco.
Quando julgámos ser a hora para voltar a casa e carregarmos o nosso carro, regressámos à residência. Mas, eis que o carro ainda não tinha chegado. Esperámos, esperámos, em vão. Não chegava e a razão era muito simples: o arranjo do carro foi ou está a ser mais complicada do que se pensava, dizíamos nós. Palavras não eram ditas, e eis que apare­cem eles. O carro trouxeram eles, mas o problema que tinha, com ele ficou. O garagista não teve unhas para o pôr a andar como devia!
Perante este problema ficámos todos perplexos. Como voltar para as Chocas, sem luz no carro? Uns propuseram ficar mais uma noite onde estávamos e sair ao outro dia, às cinco horas da manhã. Outros, fazendo bem as contas, diziam que poderíamos, ainda hoje, chegar a Nampula e aí arranjar o carro num electricista conhecido do dono. Deci­dimo-nos por esta última hipótese e se bem o pensámos, melhor o fizemos. Pegámos de nós, às 10.35 horas da manhã, e metemo-nos a caminho. A estrada estava razoável. Melhor do que pensávamos.

3- De regresso a Nampula

Ao chegar a Nampula, às 17.15 horas, encontrámos a garagem Cabra, junto às bombas de gasolina da zona “Trim-Trim[1] que se situa entre os bairros Mutauianha e Meeraba­nia. Também este garagista não conseguiu haver-se com carro.
Falámos, de seguida, por meio de telemóvel, com o dono do carro que nos mandou ir ter com ele a casa dos pais do nosso motorista. Ali chegámos, e ali nos esperava ele. Mexe que não mexe, e nada conseguiu do que se esperava e desejava. Sugeriu, então, que ficássemos a dormir em Nampula e que lhe déssemos o carro para o mandar arranjar nas primeiras horas do dia seguinte. Não fomos na treta, porque isso nos acarretaria grandes transtornos. Fez, por isso, uma ligação directa e prontificou-se a ir connosco até às Cho­cas. Entretanto fomos jantar e à Caixa Multibanco.
Após o jantar, o carro tornou a dar problemas. Desta vez, acendiam as luzes, mas o comando trocava tudo. Se queríamos os médios, acendiam os máximos; se queria estes acendiam os mínimos. Confusão desgraçada, dizíamos nós! Solução proposta pelo dono do carro: passar por casa do Zeca, que é electricista, e ele dará um jeito nisto.
Dirigimo-nos, então, pressurosamente, a sua casa, mas este não estava. Em vez dele, veio o Sr. Domingos, um dos seus auxiliares. Mais umas mexidinhas e as luzes ficaram sem concerto! Solução alvitrada: uma ligação directa... Mais uma, desta vez! Entretanto chega o Zeca, o mestre que se prontificou a dar-lhe o ar do seu jeito e da sua graça. Ele assegurou-nos que, desta vez o carro poderia muito bem e em segurança, fazer viagem durante a noite. Perante esta afirmação, o dono do carro decidiu ficar em Nampula, dizendo que, no dia seguinte, iria de Chapa, às Chocas levar um conjunto de fusíveis e o seu respectivo suporte.

4- Mais uma noite de sobressaltos e de peripécias

Partimos, então, passando ainda pelo Banco para levantar dinheiro que no-lo recusou. Não admira, pois era sexta-feira. E a partir deste dia e até segunda-feira, o sistema automático das caixas Multibanco não funciona, por esgotamento. Partimos e, até ao Namialo, tudo correu bem. Aqui parámos para estender as pernas e descarregar algo que trazíamos a mais e em compressão.
Quando quisemos retomar a viagem, o carro tornou a fazer greve de luzes! E agora? Todos à volta do carro, e o Luís com o Dinho fizeram tudo o que sabiam e não sabiam, sem resultados práticos, durante vários minutos A determinado momento decidimos avançar, cortando, por completo, a luz do tabliê. Teríamos, no entanto, de ir verificando, regularmente e através dum foco, se a temperatura subia ou não. Felizmente, tudo cor­reu sem problemas de maior.
Com e nestes cuidados, chegámos às Chocas, sãos e salvos, às duas horas menos cinco minutos da manhã, depois duma viagem atribulada, mas cheia de emoções fortes, sob todos os pontos de vista. Poderíamos parodiar o nosso hino nacional e cantar:
Heróis do mato, nobre gente
De grão valor e ideal,
Percorrei, hoje, de novo,
O sertão d’ África Austral!
Entretanto, e cheios de receios, estavam nas Chocas a Tabita e o Adelino, que, assim, passaram o dia 16 de Agosto de 2002:
“Mata-bicho”, às 8 horas da manhã, seguido de lição de E-Makua, pelo Raimundo. Fizemos uma hora de praia, almoçámos e fomos ao Sr. Falcão, encomendar molas para a roupa. Voltamos e estudámos. Muitas tentativas para entrar em contacto com os res­tantes parceiros do grupo, passeando, algures, pelos lados do Gurué.
Soubemos, à noite, através do Sr. Amarchande que tiveram avaria no carro, no Gurué. Ficou combinado ele saber mais pormenores mas, acabou por não se conseguir liga­ção. A Tabita está a ficar ansiosa com a situação, pois já saíram na segunda-feira, para voltarem na quarta e, hoje, já é sexta. Contactámos com o Sr. Adamo, chapa 100, para nos ir levar amanhã a Saua-Saua, pois está combinado um encontro com os médi­cos tradicionais”.

5- Já nas Chocas-Mar: repouso e trabalho

No dia seguinte, ou seja, dia 17 de Agosto, dormi até às 10.30 h recompondo-me do sono perdido nos últimos três dias. Depois de me levantar, fui tomar o pequeno-almoço e, pegando no computador e nas minhas anotações, pus em dia o meu diário. O trabalho teve duas grandes sessões: depois do pequeno-almoço, até ao almoço que teve lugar entre as três e quatro horas; após este e até ao jantar; e depois deste, até às 10.35, altura em que já me doíam os olhos.
Será bom frisar que o dono do carro não apareceu nas Chocas com as lâmpadas e suporte respectivo.
Também a Tabita e o Adelino quiseram escrever, hoje, algo que perpetuasse as suas impressões acerca da nossa viagem por terras dos Gurué:
“Cerca das duas da manhã chegaram os restantes membros do grupo do Gurué, para descanso da Tabita. Vinham imundos. Foi um momento de grande descompressão para todos, pareceu-me. Às 5 horas da manhã foi alvorada para o Adelino e Tabita, uma vez que tínhamos de ir à plantação, mas, o chapa 100 só chegou, às 6:30 h. Houve encon­tro com os dois médicos tradicionais. Nesse diálogo agendou-se outro encontro para 3ª- feira, com o outro médico que tratou o guarda João. Esteve presente o régulo que veio buscar medicamentos para a asma. Demos “saguate” de 250 mil. Comprámos notas e moedas antigas ao João, no valor de 300 mil meticais. Fizemos algumas medi­ções para a parte eléctrica da Casa Grande”.

CAPÍTULO VINTE

PRÓXIMOS DO FIM DAS FÉRIAS


1- A Escola Primária de Saua-Saua

Dia 18 de Agosto, domingo, e na sequência de um convite feito pelas Construções NASSER[2], dirigimo-nos à Escola Primária que tinha acabado de ser construída e mobi­lada, na primeira quinzena deste mês e que será inaugurada, provavelmente, em Setem­bro deste mesmo ano, segundo nos confidenciou o construtor.
Esta obra orçamentada em 50.000 US Dólares, e que deveria ser feita num prazo de 4 meses, é constituída por 5 imóveis:
- O pavilhão dos alunos, que é uma construção de 20m x 8m, em tijolo, a duas águas com cobertura de zinco, cujas abas têm o comprimento de cerca de 3 metros, com três salas, possuindo, cada uma, um quadro, uma secretária e a sua respectiva cadeira, e 25 carteiras de dois lugares. Assim a escola tem a capacidade para 150 alunos, por cada turno; Entre uma sala e o conjunto das outras duas existe o gabinete do Director e uma outra divisão que deve servir de Sala de Professores;
- Dois cubículos, contendo cada um, uma divisória com duas latrinas, cada, estando uma fechada a cadeado, para não ser utilizada, enquanto se utiliza a outra; quando esta ficar repleta, fecha-se esta e abra-se a outra;
- Um outro pequeno edifício, de 8m x 5m, a duas águas e uma chaminé que servirá, supostamente, para a residência do Director, tendo, ao lado, mas separado, um outro cubículo, idêntico aos dois dos alunos, para servir de WC ao Director.
- Atrás dos cubículos de WC existem três fossas independentes umas das outras, mas com comunicação por sistema de sifão, pelo qual passa a água proveniente das fezes, já decompostas; cada fossa tem um respiradouro, feito por meio de um tubo que fica à superfície da fossa e é suportado, na base, por um emplastro de cimento; tal sistema de respiração serve para eliminar os gases e cheiros resultantes da putrefacção.

2- Projecto de Electricidade para Saua-Saua em preparação

À 13.00 horas saímos em direcção à Ilha de Moçambique para falarmos com o electri­cista, Lino, sobre o Projecto de Electricidade – Média Tensão – para Saua-Saua. Pelo caminho parámos no aeroporto do Lumbo que liga Nampula – Lumbo – Nacala – Pemba, estabelecendo linha nesta direcção, nas terças-feiras e no sentido inverso, nas quintas-feiras.
Fomos (Adelino Tabita e eu), a casa dele, mas não estava. No entanto, tinha deixado recado de que o encontraríamos no Hotel Omuhipiti. Ali fomos e ali o encontrámos, efectivamente. Depois de nos cumprimentarmos, pediu licença para voltar a casa, pois precisava de ir buscar o resto do projecto. Passados 15 minutos reapareceu. Sentámo-nos à mesa para vermos a sua explicação. É claro que, quem podia perceber e percebeu do assunto, foi o Adelino que o achou bom.
Da conversa tida acerca da aquisição do transformador referiu saber de um caso em que um transformador de 360 KVA tinha custado 273 milhões de Meticais, na empresa onde trabalhava que é a do governo (EDM), mas que ficaria mais em conta se os materiais (todos) fossem comprados fora.
Quando se tratou de custos, viemos a saber que a mão-de-obra relativamente aos postes, a indemnização dos agricultores, os transportes e o transformador não estavam contem­plados no orçamento apresentado. Isto encarecerá o orçamento global que nos foi apre­sentado. Os custos apresentados foram os seguintes:
- Parte de fora (baixada de média tensão) desde o hospital até ao transformador da entrada da Plantação eram 273 milhões, oitocentos e vinte mil Meticais;
- A distribuição e iluminação públicas, dentro da plantação, seriam 259 milhões 302 mil e quinhentos Meticais.
Questionado sobre os custos do seu trabalho neste projecto afirmou ser pouco... Pensou um segundo, e avançou com a bela quantia de 15 milhões de Mts. Ao que o Adelino res­pondeu que essa quantia não ganhava ele! A Tabita lançou a ideia de metade. Adelino achou ainda muito e disse-lhe que esse montante só seria razoável se o projecto conti­vesse já a assinatura do Engenheiro responsável da EDM. Perante tal proposta, o Sr Lino hesitou, mas, por fim, aceitou, pedindo um sinal para poder ser credível perante o Engenheiro responsável. Demos-lhe 1 milhão e prometeu-nos ter tudo pronto no dia seguinte, ao fim da tarde. Por isso, amanhã, dia 19 teremos de voltar à Ilha, senão fica­mos sem projecto e sem o dinheiro de sinal. Não se meteu gasolina antes de sairmos da Ilha, porque a bomba não funcionava, por falta de electricidade.

3- Última visita à Ilha

Neste mesmo dia aproveitei para visitar ainda a Igreja de Sto. António que fica à beira mar, ao lado da qual existem uns pequenos estaleiros artesanais dos pescadores da zona. A Igreja está completamente abandonada e não apresenta vestígios de ter sido usada há já muitos anos, pois tem um cadeado todo ferrugento e o degrau da entrada não está gasto.
A porta que dá entrada para o adro que a circunda tem uma inscrição e encimá-la que diz: GOVERNANDO ESTA CAPITANIA JOÃO DA COSTA DE BRITO SANCHES FEZ ESTE FORTE. ANO DE 1820. Por esta inscrição poderá deduzir-se que a Igreja serviu também de Fortaleza para a defesa da Ilha. E a verdade é que, o que nós dizíamos “adro” era mais uma explanada com frestas apropriadas para canhões e outras formas de defesa. A esta Igreja e a um padrão recente ( elevado em 1998, em comemoração do 5º centenário da chegada do cristianismo a estas paragens e que diz “1498-1998 Jesus Christ Yesterday, Today and for E ver”), pode chagar-se longo que se entra na Ilha e se vira à direita, andando cerca de uns quinhentos metros, mais ou menos.

4- Dificuldades no campo da saúde

Ao regressarmos da Ilha, e virando para o Mossuril, em Naguema, alguém nos fez alto. Pediu-nos boleia até ao Centro de Saúde. Pensámos tratar-se de um doente, mas, afinal, era um Empregado do mesmo centro, de nome Amad Adam marjan (Adam).
Depois de entrar no carro viemos a reconhecê-lo e ele a nós. Tratava-se do técnico dos serviços administrativos do Centro de Saúde do Mossuril e era o marido da Enfermeira Arminda, a quem, por duas vezes, entregámos medicamentos. E ele sabia desta história.
Durante a viagem foi-nos falando das dificuldades mais prementes do Centro hospitalar e de toda a população da região:
- Não têm nenhum médico, aqui no Mossuril. Existe um Técnico e uma enfermeira auxiliar que tiraram o curso respectivo no Instituto de Ciências Médicas de Nampula. Médico diplomado e em clínica Geral há só um, mas na Ilha. Este, porém, nunca se desloca ao Mossuril. Por isso, cada um que necessite dos seus serviços terá de ir à Ilha, ter com ele.
- Relativamente à ida ao médico, ele comentou que os populares preferem ir ao Técnico, formado em Nampula, do que ao médico, formado em Cuba. A razão que deu é a seguinte: o médico, que é moçambicano, mas formado em Cuba, não conhece bem a população, nem sabe como lidar com ela; tem conhecimentos muito científicos, mas estes, de pouco valem. O técnico, por seu lado, conhece melhor as pessoas e as dificul­dades e sabe agir com estas, o que as leva a preferi-lo ao médico. Quanto às doenças que são mais comuns nesta região, disse-nos que eram: a malária, a meningite, a tuber­culose.
Questionado sobre a sida, respondeu que era a doença do século, querendo dizer com esta frase que ela abunda por ali também. Mais acrescentou: as pessoas não acreditam que estas doenças existem e que se transmitem tão facilmente como se diz. Contou, por exemplo, que, às vezes os familiares de tuberculosos vêm ao Centro visitar os familiares e chegam-se muito perto destes quando tossem. Se a gente lhes disser para não fazerem isso, respondem que é um seu familiar e que, por isso, não podem deixar de estar junto deles, nem se afastarem quando tossem, porque senão, o doente estranha e sente-se repelido. E, assim, a doença alastra, de maneira espantosa. O mesmo acontece com a Sida. Eles, mesmos nem acreditam que ela exista.
O nosso hospital, diz ele, até é muito bom e há pessoas que vêm de longe para serem tratados aqui. O filho do Régulo de Monapo esteve tuberculoso; veio tratar-se aqui; curou-se. Voltou para casa, mas meteu-se na bebida e, passado algum tempo, teve nova recaída. Agora anda por aí aos tombos e deverá regressar ao hospital. Só que, desta vez, será mais difícil porque as recaídas são sempre mais difíceis de tratar.
Quanto à alimentação: esta é muito fraca e carente de vitaminas. A base é a mandioca que é muito pobre em elementos nutritivos. Além disso, a mandioca amarga (porque apanha vírus e apodrece) causa sérias doenças, como por exemplo, a paralisia infantil. Por isso reside, agora perto de nós, uma ONG ( “Save the Children”), vinda da Suécia, que tem por objectivo transformar a mandioca numa outra mais resistente aos vírus. Mas isto vai levar tempo. Também têm distribuído leite desnatado que misturado com óleo e açúcar constitui uma alimentação mais rica e equilibrada. Esta bebida chama-se LOA (Leite, Óleo Açúcar).
Pediu-nos com insistência e humildade que não os abandonássemos e utilizou uma frase curiosa e de um sentido muitíssimo profundo: “Dêem-nos a mão porque ainda estamos em mar alto” (sic)!

CAPÍTULO VINTE E UM

ÚLTIMOS DIAS NOS ARREDORES DE NACALA

1- Encontro com o Sr. Tiago Amorim

Às 6 horas e dez minutos do dia dezanove de Agosto, que era uma segunda-feira, arrancámos para Nacala com os objectivos de levantar dinheiro, abrir uma conta em nome de Tabita, Adelino e José.
Passámos pelo mecânico para arranjar o escape que andava a abanar, mas ele não se en­contrava na oficina. Seguimos, pois, para Nacala e, ao chegar ao Monapo, terra das bananeiras e da sumaúma, atestámos o depósito de gasolina (223.000 meticais, pagos pelo Adelino). Depois de alguns quilómetros após termos passado a Igreja Católica da Santíssima Trindade, deparámos com um monte enorme de postes de electricidade, com um letreiro “Vende-se”. Parámos e dirigimo-nos ao patrão da Quinta. Chamava-se Tiago Amorim
Tratava-se de uma quinta de 500 hectares a que foram acrescidos mais 300. Questio­nado sobre a venda dos postes, disse-nos que não eram dele, mas que os guardava, até certo ponto. Pertenciam à EDM e tinham vindo da África do Sul. Esperava ele que, depois de colocados nos seus devidos lugares, alguns sobrassem. Neste caso e no caso de lhe darem alguns dos usados, ele nos disponibilizaria parte deles. Ficámos com o seu contacto e ele com o nosso. Vamos ver se temos sorte.
É curioso que, após um mês em Moçambique e tendo percorrido boas distâncias, só aqui tivéssemos encontrado quatro exemplares da espécie asinina. Nessa mesma quinta havia vários animais e aves, como: bois e vacas, cabras, ovelhas e cães, galinhas e patos, etc.

2- Rezando perante o Multibanco e o Balcão

Continuando viagem chegámos a Nacala, por volta das 10.00 horas. A Tabita, Adelino e Isabel quiseram levantar dinheiro na caixa Multibanco, mas o sistema estava avariado. Foram, por isso, ao balcão, com o passaporte e o cartão; uma das funcionárias ia ten­tando saber se o sistema virava funcional. A certa altura, a caixa acendeu a luz de rea­bertura e conseguiram levantar algum, mas, não tanto, quanto era necessário para as encomendas. Dirigiram se, de novo, ao balcão para levantar uma quantia mais avultada, o que aconteceu, mas só depois de bastante tempo de espera. À Tabita só lhe deram três milhões, enquanto ela tinha pedido seis. Mandaram-na voltar depois de almoço. Voltou, como estava combinado, e recebeu o resto.

3- Regularização da conta no BIM de Nacala

Enquanto o sistema estava sendo arranjado fomos regularizar a conta (ou seja, acres­centar o meu nome como titular) que já tinha sido aberta, dias antes. Quem nos atendeu foi o Sr. Zainal Abdurramane, que conversou connosco longamente, chegando-se à con­clusão de que o seu pai tinha sido empregado do avô da Tabita, durante30anos. Ofere­ceu-se para nos ser útil em qualquer eventualidade, dando-nos, por isso, o seu contacto.
Ele chegou a reconhecer a Tabita, pelo nome que, segundo disse, era o nome de um dos batelões chefiados pelo seu pai e que pertencia à frota do Comendador João Ferreira dos Santos.
- “Quando pequeno ouvi e vi nomes como Tabita, Bombarral, Dão, Rio Ave, etc. Ora, naquele tempo, eu não conhecia nada disso. Eram nomes só e mais nada. Agora, sim, tenho um certo conhecimento e vejo que todos esses nomes estavam ligados à vivência desse grande homem”.
- Pois é, Bombarral era a terra do meu avô.
- “Vejam como as coisas são. O mundo é bem pequeno. Estou inteiramente ao vosso dispor e espero que engarrafem a água de Saua-Saua que eu muito bem conheço. Olhem que, agora, em Moçambique está a consumir-se muita água mineral”.

4- Com o Sr. Ciríaco e almoço em Fernão Veloso

Após esta conversa fomos falar com o Sr. Ciríaco[3], à firma JFS para que ele nos levan­tasse o livrete de cheques e no-lo fizesse chegar a Lisboa, para nós assinarmos e reen­viarmos alguns cheques assinados para serem pagos os trabalhadores que andam a recu­perar algumas casas. Quando lhe pedimos esse favor, ele prontificou-se a levá-los pes­soalmente, uma vez que iria a Portugal, no mês de Setembro. Após este encontro fomos almoçar à praia Fernão Veloso, no restaurante do complexo turístico que tínhamos visi­tado, no ano passado, quando ainda estava em vias de acabamento.
Além de outras particularidades, pudemos apreciar alguma variedade de peixe que, ali, era pescado. O nome desta praia está ligado à aventura de Veloso, cantada por Luís Vaz de Camões, nestes termos:
“É Veloso no braço confiado
E, de arrogante, crê que vai seguro;
Mas, sendo um grande espaço já passado,
Em que algum bom sinal saber procura,
Estando, a vista alçada, o cuidado
No aventureiro, eis pelo monte duro
Aparece e, segundo ao mar caminha,
Mais apressado do que fora, vinha.”[4]

5- De regresso às Chocas e observação sobre preços, subornos e arte

De regresso às Chocas, passámos por uma loja de ferramentas, tendo aí comprado vários artigos (como cimento, parafusos, etc.) tudo no valor de 272.700,00meticis acrescidos de mais 480.000. Verifiquei também os preços de algum material de pedreiro, carpinteiro, arame farpado, rede para vedação, berbequins, bombas de pressão, máquinas de soldar, etc.
Nesta loja as coisas ficam mais em conta porque os artigos são de origem chinesa e pertencem a um monhé[5] e consta, por aqui, que esta raça não paga impostos nem as taxas aduaneiras, e suborna toda a gente, inclusive a polícia, podendo, por isso, praticar uma concorrência desleal.
Consta também que não constroem nada, não intervêm na reconstrução do país, mas só arrebanham dinheiro, levando-o daqui para fora. Os moçambicanos estão fartos deles, pois são mil vezes piores do que qualquer outro colonizador precedente. Tais afirma­ções saíram da boca de um polícia que nos pediu boleia até Nacala e de um agente ban­cário que se entreteve a falar connosco, durante uma boa meia hora.
No caminho de regresso verifiquei, melhor, o trabalho que está sendo feito na estrada que liga Nacala ao Monapo. Possivelmente, no próximo ano, toda ela estará asfaltada. Encontrámos e apreciámos, à beira da estrada, dois artesão em Pau-preto (Mico, em Macua), com os quais conversámos e aos quais comprámos duas máscaras. Pedi a um para me mostrar a árvore do Pau-preto. Ele, interesseiro, por necessidade, fê-lo, só depois de lhe ter prometido um bom saguate[6]. É claro, já é hábito.

6- A bandeira de Moçambique nas cores do pôr-do-sol

Ao chegarmos ao Monapo, enquanto abastecíamos o carro, vimos, mais uma vez, o pôr do-sol. Aqui e agora apresenta as três cores da bandeira Moçambicana: amarelo, negro e vermelho. O seu contraste é ainda mais belo porque brilha através de uma densa nuvem negra, que, aqui e ali, apresenta uma pequena clareira a rendilhar-se de um dourado a fugir para o negro, enquanto na sua base se alarga e avoluma um oceano avermelhado, brincando e transformando-se sucessivamente em diversos tons que vão do amarelo ao rosa e do roxo ao dourado afogueado.

7- Projecto de electricidade sem a assinatura do técnico acreditado

Seguimos para a Ilha, para nos encontrarmos com o electricista, Lino, como ficara com­binado para receber o projecto assinado, em troca do qual, lhe daríamos seis milhões e meio de meticais, que, com o milhão que já lhe tínhamos dado de sinal, somaria os sete milhões e meio, conforme o que fora estipulado. Ao chegarmos, pedimos-lhe a factura, ao que ele respondeu que não a tinha, mas que a mandaria por Fax para Portugal. Quando eu lhe perguntei pela assinatura do técnico responsável ele apresentou-nos uma sem o número da carta de técnico. Exigimos o número. Foi connosco ao Lumbo, mas afinal, quem tinha assinado o projecto tinha sido um construtor e não um técnico de electricidade. Perante isto, exigimos que fosse assinado por um técnico. Ele prontificou-se a fazê-lo assinar pelo seu colega que é técnico e a ir entregá-lo, juntamente com a factura, no dia seguinte, às Chocas-Mar ou a Saua-Saua. Parece que andamos a brincar às escondidas ou a ser vítimas de intrujices!

CAPÍTULO VINTE E DOIS

EM SAUA-SAUA – ÚLTIMA VISITA


1- Despedidas e últimas recomendações

No dia 20 de Agosto, deveríamos sair para Saua-Saua, às 9 horas, onde nos esperava o Régulo, mas o “Chapa 100” só chegou por volta das 10.30 horas e o “nosso carro” foi, mais uma vez, ao mecânico, regressando só, mais tarde.
Partimos a Tabita, Adelino e eu, de “Chapa 100” para Saua-Saua. Pouco depois parti­ram, no ”nosso carro”, o Gil e o Fernando para fotografar. A Isabel que partiria das Chocas no dia 21 e o Luís no dia seguinte ficaram em casa, para descansar, aproveitar da praia e dos ares das Chocas-Mar. A Isabel tinha, além disso, de preparar a sua mala de viagem e de chorar de saudades sobre os recantos onde viu nascer e crescer o seu romance de amor! Mais um, entre ou depois de outros do mesmo tipo de raça e cor! E ainda se diz, por aí, que os portugueses são racistas! Mas que disparate!

2- Espaço para estábulos

Chegámos a Saua-Saua às onze horas. Juntamente com o Amisse João fomos ver as casas que deveriam ser recuperadas a seguir à casa grande. Seria, portanto a casa que está logo a seguir, o Arco de Entrada e o Armazém para guardar o material que for che­gando.
A seguir fomos ver a limpeza que tinha sido feita a dois tanques e ao purificatório do gado bovino, em tempos idos. Vimos também que a pocilga antiga tinha condições para albergar, bem à vontade, vinte cabeças, já que há mais de vinte e cinco divisões onde poderiam pernoitar duas vacas. Essas instalações parecem estar em condições satisfató­rias, pedindo, é certa, uma pequena reparação. Pedimos para que as limpassem, e elimi­nassem por completo as árvores que estão a arruinar e destruir as paredes.

3 Entrega do Projecto de Electricidade assinado convenientemente

Por volta do meio-dia chegou o Sr. Lino, electricista, com o projecto assinado, mas sem a factura. Tinha de faltar alguma coisa, senão não estaríamos em Moçambique. Esta será enviada por Fax, garantiu-nos. Pagámos-lhe 6.500.000,00 de Meticais (seis milhões e meio), acrescidos do milhão que já lhe tínhamos dado como sinal, perfazendo um total de sete milhões e meio de meticais, pelo trabalho, assinatura e projecto.

4- Prestação de Contas do João e número de trabalhadores a conservar

Em seguida falámos com o João para que ele nos apresentasse o relatório de contas e para discutirmos com ele o número de trabalhadores que iríamos manter durante o ano seguinte. Ao princípio estávamos com a intenção de reduzirmos os efectivos, porque os vencimentos terão de sair do nosso próprio bolso. Mas, ponderando bem a situação dos 12 trabalhadores que lá tínhamos, isto é, sem trabalho durante todo o ano, como até à data em que os chamámos, e vendo que o salário combinado, além de ser o salário prati­cado no mercado legal, ainda era uma ajuda que lhes podíamos oferecer, falámos com eles, numa reunião geral, e, propostas as condições aceitaram (e com satisfação) ficar a trabalhar o ano que se segue. O canalizador, no entanto, ficaria só até terminar o traba­lho da primeira casa, enquanto o seu ajudante ficaria todo o ano com a condição de aceitar o trabalho que o João lhe distribuísse. Deste modo ficariam 11 trabalhadores durante todo o ano.
Terminada a reunião, perguntámos o que desejariam expor. Então alguns pediram uten­sílios para trabalharem. Demos então 30.000MTS ao canalizador pela picareta que um dos sazonais tinha partido no seu trabalho. E ficámos de comprar em Nampula, no dia 21 de Agosto e de mandar pelo nosso motorista os seguintes utensílios pedidos: uma picareta, uma catana, duas enxadas, uma pá, três torneiras de passagem de uma pole­gada e um quarto, duas bichas flexíveis com a medida de ¾ “de um lado e ½”  do outro.

5- Despesas mensais em Salários

Demos ao Amisse João o dinheiro dos salários do primeiro mês de todos os trabalhado­res para que ele os distribuísse conforme os dias de trabalho e o montante acordado e recebemos a folha de vencimentos que ele nos apresentou. Acordámos também em dar-lhe um subsídio de 500.000 Mts (16,66 meticais por dia) que seria adicionado ao venci­mento a (920.000 Mts) que ele auferia da Empresa JFS, ficando, por isso, a receber 1.420.000,00MTS. Sendo assim teremos, só de salários, uma despesa diária de 298.336,00Mts e mensal de 8.950.008,00MTS, assim divididos:

6- Grupo de trabalhadores actualmente:

Nome
Função
Meticais
Tempo

Amisse João

      16, 66Mts
Por dia
1
Caria Jamal
Mestre Pedreiro
33.334,00MTS
Por dia
2
Amabicani Mussa
Mestre Pedreiro
33.334,00Mts
Por dia
3
Ossene Essumane
Mes. Carpinteiro
33.340,00MTS
Por dia
4
Oraipo Pachibi
Mes. Carpinteiro
33.334,00MTS
Por dia
5
Chico Tinente
Mes.Canalizador
33.334,00MTS
Por dia
6
Omar Abudo
Serv. canalizador
20.000,00MTS
por dia
7
Amade Silali
Serv. Carpinteiro
17.500,00 MTS
Por dia
8
Mussagem Atuthane
Serv. carpinteiro
17.500,00MTS
Por dia
9
Saide AmaBicani
Serv. de Pedreiro
17.500,00MTS
Por dia
10-
Abudul Salimo
Serv. de pedreiro
17.500,00MTS
Por dia
11
Chicova mualeia
Limpeza
17.500,00MTS
Por dia
12
Hiquihie Amade
Limpeza
17.500,00MTS
Por dia.
Total


   298.336,00Mts
Por dia

NB. O salário mensal, no entanto, dependerá do número de dias feitos em cada mês. O Mestre Canalizador só será chamado quando for feita a canalização para as casas já reconstruídas.
Além destes, há mais dois trabalhadores sazonais que são pagos, por enquanto, pela empresa JFS.
Dividindo este montante por 24.000MTS, que é o valor de 1 US$, teremos, em dólares, o montante de 372,917, ou seja, mais ou menos 373 €, o que equivale a 74.779$79, ao câmbio de 200$482. Este montante terá de ser pago por: Tabita, Adelino, José. Pode ser que, mais algum sócio queira participar. Veremos, depois. Será curial dizer, no entanto, que é justo que os gastos feitos, entretanto, sejam reembolsados quando, for atribuído à Mossáfrica o empréstimo a fundo perdido, esperado.
Regressámos às Chocas por volta das quinze horas indo imediatamente almoçar. Espe­rava-nos uma belíssima travessa de cabrito com batata no forno e uma boa papaia, por sobremesa.

7- Algumas visitas inesperadas

Entre as dezassete horas e as dezoitos fomos visitar a palhota do Raimundo. É um qua­drado cercado de quatro paredes feitas de terra amassada, e dividida em quatro cubícu­los, em terra, que são cobertos por um telhado feito em cute, ou seja, folhas de coqueiro ou palmeira.
Fomos acompanhados pelo Raimundo e recebidos, de maneira cordial, por sua mulher que mostrava o rosto um tanto embaraçado. Os miúdos brincavam sobre a terra, cá fora, e uma cabritinha procurava pasto, ali por perto.
A seguir fomos ao café do Hélder, onde bebemos um café e uma garrafa de água, após o que viemos para casa.

8 Nossas Contas em dia e preparação do regresso a Lisboa

Aqui recolhidos, a Tabita e o Adelino, ajudados pela Isabel, puseram as contas em dia e eu elaborei este relatório. São precisamente, neste momento, dezanove horas e vinte minutos. Daqui a pouco iremos jantar, após o que daremos os últimos retoques às malas para ver se nelas pode caber mais alguma coisa. E assim estaremos prontos para deixar as Chocas, às sete horas da manhã do dia 21 de Agosto e regressarmos a Lisboa, após duas noites em Nampula. A partida de Nampula será no dia 23 pela manhã e a descola­gem de Maputo será nesse mesmo dia, sexta-feira, para chegarmos a Lisboa no Sábado de manhã, dia 24.

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

DESPEDIDAS AO DISTRITO DO MOSSURIL


1- Divisão do grupo

Dando por terminadas as férias no Mossuril e arredores, no dia 21 de Agosto, tivemos de dividir o grupo, em dois, a fim de podermos voltar a Nampula, para, aqui tomarmos o avião de regresso a Lisboa, via Maputo. É que, além de sermos sete, ao todo, havia as bagagens que mais pareciam pertencer a um rancho e a capacidade e condições do carro que possuíamos não permitiam outra solução.
Assim, na primeira leva, seguiram duas senhoras: a Tabita e a Isabel e dois cavalheiros: o Adelino e eu, enquanto os restantes elementos: Fernando, Gil e Luís ficaram ainda nas Chocas, devendo juntar-se a nós, no dia seguinte.
Saímos, por volta das sete horas e um quarto, chegando a Nampula, cerca das doze. Uma vez ali, dirigimo-nos à Casa Grande da Empresa JFS, onde deixámos as malas, para seguirmos, de imediato, para o Restaurante do Hotel Tropical. Apesar de o convi­darmos a almoçar connosco, o nosso condutor preferiu ir almoçar com a sua família, o que achámos natural Poderia também ter acontecido que, psicologicamente, se sentisse afectado e não aguentasse o curto espaço que faltava para a despedida da sua amada ou temesse que algo de desilegante acontecesse, à mesa!

2- Nos Escritórios de JFS e Título de Propriedade de Saua-Saua

Depois do almoço fomos aos Escritórios da JFS, para falarmos com o Sr. Raul Amar­chande. Este entregou à Tabita o título de propriedade da Plantação de Saua-Saua, já em nome dela, de seu irmão e de sua mãe, título esse que deveria já ter passado para o nome da primeira, uma vez que a Plantação lhe tinha sido doada, em vida e, verbalmente, pela sua mãe com o consentimento do seu filho, Raul, como consta de declaração autenti­cada pelo notário.
Dissemos-lhe também que o livrete de cheques em nome de nós os três deverá ser-lhe entregue pelo Sr. Ciríaco, para que pudesse fazer os devidos pagamentos aos trabalha­dores de Saua-Saua, através do seu chefe, João. Pedimos-lhe também que nos arranjasse um carro para hoje e amanhã, a fim de nos pudermos deslocar em Nampula e nos levar ao Aeroporto, visto que o carro que tínhamos usado terminaria o contrato com o regresso dos últimos elementos do grupo a Nampula, marcada para o dia 22 de Agosto. Ele prontificou-se a disponibilizar-nos um carro com um condutor para os dois dias que ficaríamos na capital do Norte. Foi ele o Sr. Augusto.
Fomos também ao Laboratório de análises para levantarmos os resultados da água de Saua-Saua, constando que ainda havia uma certa contaminação, embora em grau muito reduzido.

3- Festa de Nampula

O dia 22 de Agosto surgia com um sol brilhante. Era o dia da Cidade, celebrando-se os seus sessenta e sete anos de elevação a capital da Província[7]. Nós, Tabita, Adelino, Isa­bel e eu, levantámo-nos com a intenção de irmos ver a barragem de Nampula. Ao che­garmos à sala de jantar havia somente três lugares preparados para o pequeno-almoço. É que a Isabel já se tinha adiantado, tal era a ansiedade!
Batidas as nove horas, chega o Sr. Augusto, empregado da JFS, para nos conduzir até à barragem que fica a cerca de 11 quilómetros da Casa Grande. Passámos por umas pedreiras, já fora da cidade, e pudemos admirar, mais de perto, os grandes e imponentes “inselbergs” que a rodeiam.
Chegados à barragem, fiquei bastante triste pela situação em que se encontrava o com­plexo anexo, composto de restaurante, piscina e outros locais de lazer. O seu estado de conservação era lastimoso e ouvimos sempre a mesma desculpa: foi a guerra civil! A barragem, por seu lado, lá está a atestar a fortaleza e teimosia de quem a construiu.
Ao regressar, pedimos ao Sr. Augusto para nos deixar na cidade e para nos ir buscar ao Hotel Tropical, por volta das duas horas. Demos umas voltas pela cidade e sentámo-nos num Café, em frente ao palácio da Câmara Municipal, onde estavam a decorrer as ceri­mónias das festas da cidade. Entretanto a Tabita e o Adelino foram às compras. A seguir fui eu, com a Tabita, a fim de comprarmos uma prenda ao Marco, o moço que ficara encarregado da nossa casa, em Portugal.

4- O segundo grupo chega a Nampula

Ao chegarmos ao Hotel, o Adelino recebeu um telefonema do Fernando a comunicar-lhe que, ele, o Gil e o Luís se encontrava já na Casa Grande e que, dentro em breve, se juntariam a nós, no Restaurante. E, de facto, pouco tempo depois, estavam connosco para o almoço.
De regresso à Casa Grande, a Tabita e o Adelino puseram-se a organizar as contas para serem apresentadas ao dono do carro, contas que foram vistas, revistas e aprovadas por todos os do grupo. Decidimos avisar o Dinho para combinar com esse senhor para vir ter connosco, à noite, altura em que acertaríamos as contas com ele e lhe pagarmos a segunda e última prestação, como tinha sido acordado, no momento do contrato.
Entretanto chega o Sr. Figueiredo para ver o que tínhamos comprado e fazer a declara­ção perante as autoridades de Nampula. Viu todas as compras e fez uma estimativa, pedindo uma quantia que achou justa, levando-a juntamente com os passaportes e o dinheiro correspondente à taxa de embarque.

5- Contas com o dono do carro

Quando o dono do carro chegou, reunimo-nos todos, na sala de Jantar, à excepção do Fernando que, tendo aproveitado a boleia do Sr. Figueiredo, desceu, mais uma vez, à cidade para ultimar as suas compras.
Ao princípio ainda quis experimentar extorquir mais algum dinheiro, mas expostas as razões do montante que lhe iríamos dar, ele aceitou e assinou o papel, onde declarou ter recebido a quantia combinada, tendo acedido a deixar-nos as facturas da gasolina. Depois de lhe passarmos o dinheiro, ele concedeu-nos que ficássemos com o carro até sermos levados ao aeroporto. Assim, ele próprio nos conduziu até a sua casa, ficando ali e, despedindo-se de nós, passou o volante ao Dinho que nos levou ao Restaurante, onde jantou connosco, a nosso convite.

6- Nome de Nampula

Durante o caminho, o dono do carro deu-nos a razão do nome Nampula.
Segundo ele, o nome desta cidade surgiu da forma seguinte. Quando os Portugueses chega­ram aqui, perguntaram, como se chamava esta Terra. Os habitantes, percebendo que a pergunta teria por objectivo saber que régulo a governava responderam que era “Nampula”. Este era, na verdade, o nome do seu régulo, nome que parecia ser uma alcu­nha, pois que, em Macua, significa “Nariz grande.
Por sua vez, os portugueses perceberam mal a pronúncia da palavra e entenderam “Nampula”, em vez de Napula. Daí em diante, continuaram a utilizar aquela palavra errada, passando esta Terra a chamar-se como ainda hoje se chama.
Depois do Jantar, que ficou em cerca de 1.180.000,00 meticais, que foram divididos pelos sete elementos do grupo, regressámos à Casa Grande para preparar as malas e ver televisão ou conversar. Eu, porém, escrevi estas considerações que, aqui deixo para memória.
Amanhã deveremos sair daqui, em direcção ao Aeroporto, por volta das oito horas, para fazermos o check-in, atempadamente, e regressarmos a Maputo, onde deveremos espe­rar até às 23 horas, altura da partida para Lisboa.

7- À noite, sob a vista atenta da Lua

Esta noite (de 22 para 23 de Agosto) parece ter acontecido algo de insólito. Ou talvez não. Talvez tenha sido o corolário de um mês de tentativas no campo do amor. Depois de múltiplos olhares cheios de cumplicidade e sofreguidão e depois de noites passadas, pelo menos em parte, ao relento, sob o olhar terno e malévola das estrelas, uma menina que, de juventude, já não parece ter muita, deu largas à sua ânsia de consumar um con­trato ou compromisso o mais depressa possível!
De facto, já no início da excursão se começaram a notar certos atrevimentos descarados, embora envoltos sob a capa de proteccionismo e desculpas. À medida que os dias iam passando, o “vai p’ra frente” dava largos passos e os serões alongavam-se na varanda, à espera que a figura esperada aparecesse. Esta, porém, nada tinha a ver com as ondas do mar salgado, nem da lua romântica, ou das estrelas inocentes, mas sim de um outro fantasma que daria asas ao pensamento e pernas ao instinto que, afinal, nada tinham de maternal, antes pelo contrário.
Dentro ou fora do grupo, havia sempre uma voz discordante deste, para encobrir ou esclarecer tudo o que não concordava com esses instintos que, de início, pareciam pró­prios de uma mãe desvelada, perante injustiças cometidas contra o seu menino de tenra idade! Mas esses desvelos, cedo se manifestaram como algo que emergia de um amor atrevido e descarado. Ora a mão se estendia sorrateira para tocar pelo menos a orla da camisa do ser desejado; ora se dobrava, pela frente e por trás para lhe levar à boca o cibo eivado de luxúria; ora, em vez de uma, eram as duas que se ajeitavam para massa­jar o pescoço retesado do ente que passava de condutor do carro de viagem a namorado querido do coração. O pior é que se as tais massagens relaxavam por um lado, elas enrije­ciam por outro! E se a dor era aliviada de uma maneira, de outra, ela aumentava, e agudizava, certamente!
Tal situação de compromisso começou a dar nas vistas de quem tinha olhos. Para isso não era preciso mais do que mantê-los aberos! Todo a gente via o que se estava a passar, mas os protagonistas, agiam como se ninguém desse conta de nada! Curioso! Como é possível que tais coisas se passem sem que desapareçam as névoas de quem se deixou cegar pela paixão, e teima em afirmar que os cegos são os outros? De facto, muitas coi­sas aconteciam, mas nunca se pensou chegar às vias de facto.
Na última noite, passada em Nampula, parece que chegaram mesmo às vias de facto. Depois de um dia de visita e de compras: visita à Barragem, e compras das mais interes­santes e variadas, foi todo o grupo jantar ao Hotel Tropical. Após o jantar voltámos à Casa Grande para descansar e, finalmente para dormir. Mas, como o tempo estava mesmo a expirar, a menina, de cigarro entre os dedos e a desejar trocá-lo por um cha­ruto nas mãos, quis aproveitá-lo até ao último ceitil. E vai de organizar uma saída, a sós, com o motorista, agora elevado à categoria de companheiro da noitada! Belo exemplo de Interculturalidade e óptima afirmação de fraternidade, igualdade e, já agora, de liber­dade a todos os níveis!
Daria metade do que sou para poder ser, nessa altura, um pequeno mosquito de modo a poder operar duplamente: pousar em todo o sítio onde eles parassem e zumbir de modo irritante sempre que se aproximassem um do outro! Não seria por inveja, Deus me livre de tal! Seria, antes, para me rir ou, melhor, para suspirar de compaixão, de tamanho des­plante, ou, talvez, disparate!
Mas, que lhe havemos de fazer? O amor é assim mesmo. Quando menos o esperamos aí está ele, de assalto, não poupando ninguém, sobretudo se a eles nos expusermos sem as devidas cautelas. Não há idades que resistam, nem cores que se rejeitem. Nisto passo a ser autoridade e ainda estou nos 62.
E, pronto, a nossa companheira de viagem, lá se comprometeu e, sem pejo, nem medo que não apenas os dos pais, deixou-se denunciar e aceitou, como certo e inevitável, o casamento. Era, agora, uma questão de dias, ou meses! Cá ficamos nós para ver!
Já agora, faço de advogado. E se este exemplo não fosse solitariamente único?! Já expe­rimentou cada qual, que me lê, ver-se ao espelho e olhar, bem, nos próprios olhos? Dei­xemo-nos de hipocrisia e deixemos em paz quem julga ter todo o direito de viver como bem lhe apetece, mesmo que, para isso, tenha de passar por dois ou três estágios, sejam eles de línguas, sejam eles de sabores e cores !

8- Em direcção aos Aeroportos de Nampula, Beira e Maputo

No dia 23 de Agosto, propriamente dito, saímos da cidade de Nampula, às dez horas e quarenta e cinco minutos, depois de esperarmos longo tempo pela chegada do carro que nos deveria transportar ao aeroporto. É claro que, quem se deitou tarde por andar a tra­balhar com diversas ferramentas, às escuras e pouco dormiu durante a noite, sentiu difi­culdade em acordar para estar a horas ao serviço, pela manhã.
Embora, mais tarde do que estava programado, lá fomos para a Aeroporto. Levantámos voo à hora marcada e chegámos à Beira, às onze e quarenta e cinco minutos, mais ou menos. Aqui, saímos do avião para que este fosse limpo e reentrámos, para descolar­mos, às doze e trinta, em direcção a Maputo, onde chegámos por volta das treze e cin­quenta.
À nossa espera encontrava-se o Sr. Eugénio, empregado da Empresa JFS e a professora Susana, conhecida e amiga do Luís Azevedo que se tinha oferecido para levar e guardar a nossa bagagem na sua escola, pois só teríamos avião para Lisboa às vinte e três horas locais.
Entretanto, fomos almoçar ao Restaurante “Costa do Sol”, após o qual fomos dar uma volta pela cidade, levantar dinheiro, comprar alguns livros sobre Moçambique, entre os quais “Contos Moçambicanos do Vale do Zambeze” de Lourenço do Rosário, da Moçambique Editora.
O Eugénio foi-nos muito prestável, relativamente ao transporte das bagagens que eram muitas e pesadas e na passagem da alfândega, enquanto a Susana nos emprestou a Escola para depósito da bagagem e nos serviu de guia através da cidade de Maputo. Por volta das vinte e uma horas, dirigimo-nos ao Aeroporto para o check-in e demais for­malidades, como a revista às bagagens, taxa de embarque (480.000,00MTS = 20 USA $), etc..
Libertos de tudo o qu era volumoso e pesado, passámos o resto do tempo no café do aero­porto, onde estava uma pianista, moça ainda, a tocar piano, mas sem convicção nenhuma.
Não me despedi do Eugénio porque fui à frente para o café e pensava que ele nos seguisse. Ele, porém, teve de sair logo, porque tinha outros compromissos inadiáveis, disseram, depois os meus colegas. Quero, pois, endereçar-lhe as minhas desculpas e um muito obrigado, a si, e aos seus patrões.

9- De regresso a Lisboa

De Maputo a Lisboa teríamos de percorrer 5.224 milhas, ou seja, 8.408 quilómetros. Isto era o que marcava o quadro, dentro do avião. Quando notei estes números, eram as 22.40 horas.
Vinte minutos depois o avião levantava, em direcção à Capital Lusa, onde chegámos, por volta das oito horas e trinta minutos da manhã. Às 7 horas e trinta minutos foi desin­fectado o ar do avião, depois de tomarmos o pequeno-almoço que foi uma autêntica bodega: um croissant duro com queijo amarelo que mais parecia sabão do que substân­cia comestível. O que me valeu foi ter, de reserva, uns dois triângulozinhos de outro queijo e umas bolachas, caso contrário ficaria em jejum.
Esperavam-nos no aeroporto da Portela de Sacavém a Ana Samanta, o João, a Carmo, o Ricardo e a Joana e, fazendo muitas festas e abanando a cauda, o Jouhburg

À GUISA DE CONCLUSÃO

NO RESCALDO DA VIAGEM


Num dia de meditação, resolvi escrever um conto e achei que o tema poderia ter por base o romance de amor que nos acompanhou e, de certa forma enriqueceu, as aventuras maravilhosas que vivemos, durante um mês, em Moçambique. A este conto dei o título de:

“O voo da Pomba branca”

Como o concebi, aqui vo-lo deixo, como oferta de bem servir e agradecer:
Era uma vez uma pomba branca que estava farta de passar solitariamente os seus dias, ora dentro, ora fora do seu pombal, o qual tinha sido construído num terreno de cor esbranquiçada. Tudo, na verdade, lhe fazia moça por causa do brilho dessa cor ao seu redor. O seu pombal com suas janelas pequenas, o das outras e, até os seus habitantes, eram praticamente dessa mesma cor, embora alguns fossem de cores diferentes.
Um dia, começou a matutar para ver se descobria uma maneira de sair daquele marasmo. Pensou, coçando a cabeça várias vezes, até que um belo dia se lhe acendeu uma luz no cocuruto da sua pequena cabeça de ave, um tanto desajeitada.
- “Já sei”, disse ela, para consigo mesma. “Traço uma linha recta no horizonte e parto em busca de novos pombais e de novos pombos”.
- E, se bem o pensou, melhor o fez. Arranjou as suas penas, limpou-as bem limpinhas, pegou de si e pôs-se a caminho... Quer dizer a voar, cruzando o azul dos céus. É este, de facto, o caminho de quem tem asas, não é verdade?
Mas, como voar sozinha não lhe parecia muito confortável, nem muito seguro, esprei­tou, primeiro, para ver se algum pequeno ou grande bando por ali passava a voar. E... não queiram saber....! De facto, depois de espreitar com atenção e de escutar com cau­tela, conseguiu descortinar a aproximação dum bando que não era nada pequeno. Vai, então, de se preparar para entrar nele, o que ela fez sem grandes disfarces. Aquele bando, apesar de nele haver pombos que a olharam de soslaio, recebeu-a bem e lá foram todos, ao som de uma grande algazarra.
O voo subiu cada vez mais e com este o sonho da nossa pomba branca que, ao penetrar e ultrapassar a barreira das nuvens, se expandiu por uma imensa planura branca, a per­der de vista. Ofuscada, mais uma vez, por essa cor que fere a vista quando é reflectida em superfícies mal orientadas, procurou descer em busca de paragens e brilho diferen­tes.
Assim o fez. Desceu e foi parar a um pombal que, embora branco e de janelas amarelas, assentava em terra negra.
- “Até que enfim, encontro coisa diferente”, disse ela,
- O seu proceder, daí em diante, foi-se modificando para se adaptar às novas situações, e que bem e que depressa ela o fez! Poucos dias ainda não eram passados e já o seu cora­ção experiente tinha notado e interiorizado os temores que se mostram mais propícios e são mais utilizados nestas novas terras, para se tornar notada e amada, modos esses que, aliás, vistas bem as coisas, não são lá muito diferentes daqueles que se usavam na terra do seu próprio pombal!
Um belo dia, um entre muitos outros, notou que, perto de si, pousara um borrachinho de penugem e buço raros que deixavam transparecer a ternura da sua fresca negritude. Sentiu logo calafrios, seguidos da ânsia de o cativar, sem demora.
Dia após dia, noite após noite, fora ou à janela do novo pombal, a pomba branca espe­rava vê-lo reaparecer para lhe enviar um sinal de cativação.
O certo é que, passados dias, já ambos se davam às mil maravilhas e faziam arrufos às claras, iludindo-se ao pensar que estavam a agir sem que fossem notados por quem quer que fosse. Só que o método, utilizado, não tinha nada de original. Antes deles, já muitos outros tinham agido de forma idêntica e calcorreado iguais caminhos!
Finalmente a hora fatal da separação teria de chegar! A hora em que a pomba branca teria de regressar ao seu pombal de origem. E essa hora chegou, com muito pesar para ambos, pelo menos para ela que se via obrigada a regressar ao pombal de terra branca. É que o mundo em que ela sempre tinha vivido não se compadece com sentimentos columbinos e, primeiro que estes vinguem, muitos tombos ou cabeçadas tem de dar toda a ave que teime descobrir e abraçar novas terras e novas cores!
Mas, sabe-se lá, se, depois de muita persistência, a ave aventureira consegue realizar o seu sonho de reencontrar e ficar para sempre com o seu borrachinho de cor diferente! Que achas? Que acontecerá depois do seu reencontro? Só Deus o sabe! Só o tempo o dirá! Eu, porém, sem querer desfazer um sonho, temo que tudo não passe disso.




[1] Esta zona é, assim conhecida devido ao som de alarme que era dado quando o comboio se aproximava.
[2] Empresa dedicada a Obras Públicas, Habitações, Caixilharia, Mobiliário etc. – Telefone 06 – 212181; FAX 06- 215955; E-MAIL nasser @ teledata.mz;  Nampula_Moçambique.
[3]Tel. 526555.
[4] Os Lusíadas, Canto V, estrofe .31
[5] Este nome é dado aos “mestiços de árabe e negro”, mas é uma “designação genérica dos muçulmanos asiáticos em geral negociantes”(Cf. Lexicoteca – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Círculo dos leitores, Lisboa, 1985, Col.. 219). A propósito, convém notar que, por “Mulato” se entende o mestiço das raças branca e negra (Ibidem, Col. 257).
[6] Trata-se dum termo macua que significa “gorjeta”.
[7] Como cidade, possui 35.00 habitantes e desenvolveu-se a partir da sua elevação a capital de Província e, 1935 e foi a elevada a diocese (abrangendo, então, os antigos distritos de Moçambique e Porto Amélia), pela Bula Solemnibus Convencionibus, de 4-IX-1940, sendo o seu primeiro bispo D. Teófilo José Pereira de Andrade (1941); como Município, tem 3..970 km2 e 130.000 habitantes e o seu território situa-se a uma altitude média de 500m, sendo o seu clima tropical de monções. É a 3ª maior cidade do país. Como Província litoral do Norte de Moçambique, em 78.265 km2 e 170.000 (Cf. Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal, Lisboa 198, Círculo dos Leitores, vol. 13, p. 244).

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