MOÇAMBIQUE 2002 (V)
ÍNDICE
CAPÍTULO DEZOITO
HÓSPEDES DO “CHÁ MACOMA”, NO GURUÉ
1- O Nascer do Sol, no Gurué
Estamos em CHÁ MACOMA,
plantação de chá e tabaco do Grupo João Ferreira dos Santos. Às 5 horas da
manhã, do dia 15 de Agosto, festa de
Nossa Senhora da Assunção, o Fernando levanta-se e prepara-se para ordenar o
material fotográfico com a finalidade de captar as melhores imagens do nascer
do sol. Pela minha parte, levanto-me, minutos depois, para lhe deixar livre o
quarto de banho. Às 5 horas e meia, estamos ambos fora, de costas viradas para
a residência, tendo pela frente e a todo o redor uma cordilheira formidável de
montanhas.
De máquina sobre o tripé, o
Fernando espreita o surgimento dos primeiros raios solares para os imortalizar
por meio da imagem. Eu, menos dotado, estou um pouco afastado, para também
passar à posteridade os sentimentos que, este nascimento poderá fazer surgir
no meu espírito de explorador, sem outros meios e talento além daqueles que são
próprios do observador embevecido e o do escritor inexperiente. Mas, seja como
for, vou lançar ao papel o que, momento a momento, me for motivando.
À minha frente experimento uma
sensação de tranquilidade e de liberdade, espraiada nesta imensidão verde,
saída dos milhares de troncos cravados na terra mãe, que, pela força do calor,
da chuva e dos braços humanos, se multiplicam em miríades de folhas que irão
servir para a fabricação dos vários tipos de chá que inundarão os mercados e
darão uma bebida deliciosa a milhões de pessoas.
Ao mesmo tempo essas plantas,
pela sua disposição e semelhança, deixam-nos sonhar em jardins gregos ou
babilónicos que têm servido de fundamento a tantos sonhos de poesia e de amor!
E, deste primeiro patamar, vai-se descendo até chegar ao riacho Joa ou
Mulacala. A partir deste, o terreno modifica-se e sobe, de novo.
A encosta apresenta, então, recortes curiosos, sendo formados pelos canteiros
plantados de novo, e por todos os outros aos quais já foi feita a poda de
manutenção. Lá, mais ao longe, a toda a volta espreguiça-se a grande
cordilheira das montanhas, entre as quais sobressai o famoso Monte Namuli,
berço dos Macuas, segundo a tradição dos antigos. E, por detrás dela, surge um
clarão, ao princípio quase imperceptível, mas que, a passos largos, aumenta,
iluminando toda a região “tras-montana”.
Agora, o céu tinge-se de
vermelho mais intensamente, dourando a orla das nuvens que vão surgindo e
movendo, lentamente! Mas ele, o sol, ainda não aparece! São apenas os seus
batedores, montados nas pontas ígneas do seu fulgente carrossel. Ele ainda não
aparece. De repente, surge uma pequena parte duma circunferência que vai
subindo rapidamente, dando-me a sensação de estarmos à espera de ver aparecer
um dos nossos ídolos, no “rappel”, que decidiu escalar a montanha pelo lado
oposto à nossa posição. Olha, lá está ele a mostrar-se aos curiosos. Primeiro
mostra um ar de envergonhado ou preguiçoso, como que a esfregar os olhos, mal
abertos pelo sono; depois mais forte e robusto e sem controlo sobre si próprio,
sobe depressa para espalhar sombras misteriosas pelos recortes das serranias e
pelas planícies cobertas de árvores e arbustos. É tal o seu brilho que, se
quiser fixá-lo fico sem o ver, completamente ofuscado!
A sua posição, neste preciso
momento, é como a de um enamorado que reclinou a cabeça entre os seios da sua
amada! Dois montes soberbos e de cumes arredondados encaixam-no como se o
quisessem guardar, amorosamente, por longo tempo. Mas, mesmo assim, ele terá de
continuar a sua escalada, pois outras amantes o esperam na sua diurna
caminhada! E lá vai, mesmo que lhe custe, deixando tão repousante melopeia!
Ao afastar-se, como quem
pretende esconder-se de olhos indiscretos, desaparece debaixo de uma grande
nuvem que surge, por ali. E da sua presença só fica o rasto formado pelo seu
clarão a reflectir-se e a dourar a orla dessa mesma nuvem e de muitos nimbos
que, quais farrapos dispersos, povoam o firmamento e atestam, ainda sem o
quererem, a sua cumplicidade na razão de tal desaparecimento! Às 6 horas e quinze
minutos, ultrapassando a nuvem, reaparece, mais alto e claro, formando sombras
até com a minha própria pessoa que, presenciando-o, nessa sua transformação,
lhe viro as costas para regressar ao meu aposento! Afinal também eu faço parte
deste quadro de mistério e de sonho!
2- Visita à Plantação
Por volta das 6.30 horas fomos
tomar o pequeno-almoço, após o que passámos a ser acompanhados pelo Sr.
Engenheiro Frederico Gomes, que está mais ligado à plantação do Tabaco com quem
tivemos uma pequena conversa antes da saída para a visita. Questionámo-lo
sobre a área da plantação assim como sobre a produção e número de trabalhadores
que nela prestam serviço.
A plantação que hoje leva o nome
de “Chá
macoma” e que tem uma área de 6.500 hectares, na sua totalidade, é a
aglomeração de três plantações iniciais, existentes separadamente antes de
terem sido adquiridas por este grupo empresarial, em Junho de 1996, tendo elas
os nomes, respectivamente, de “Monte branco” (que tinha 1.138 hectares
de chá e que assim se chamava devido à sua aproximação do monte que tinha e tem
esse nome), “Chalusa” (com 554 hectares) e a “Mualacala” (com 818
hectares). Situa-se no distrito do Gurué que pertence à Província da Zambézia”.
Dessa área, 2500 hectares estão
em plena exploração de chá, parte está reservada para a plantação de tabaco e
parte ainda para a plantação de eucaliptos que irão servir para lenha de
aquecimento e secagem do tabaco Virgínia. No conjunto dos três sectores de
produção trabalham 80 empregados contratados, 365 trabalhadores fixos incluindo
os eventuais que fazem um contrato, de seis em seis meses, e cerca de 1.000
trabalhadores sazonais, que são aqueles que são chamados quando o serviço assim
o exige.
Quanto ao chá ultimamente
produziram-se, aqui 700 toneladas, ano. Normalmente é vendido a uma firma
holandesa – Van Rees que o coloca no Malawi, sendo este país o
intermediário privilegiado da grande exportação para os Estados Unidos e Grão
Bretanha, sobretudo.
Há dois processos utilizados na
produção do chá e do tabaco. O de sector empresarial que consiste na produção
directa feita pela própria empresa ou Grupo e a do sector de fomento ou
familiar, assim chamado porque consiste em comprar o chá produzido nas
famílias, depois destas terem sido assistidas pela empresa. Assim, esta fornece
os “Insumos” (que incluem o
fornecimento de toda a espécie de materiais necessários à produção, tais como:
sementes, adubos, insecticidas, fungicidas, catanas, regadores, etc.) e todo o
apoio técnico que é prestado por vários engenheiros e técnicos agrários,
moçambicanos, brasileiros e portugueses.
3- Visita à Fábrica do chá
Eis como se processa a produção
do chá. Percorremos o seu caminho, desde o início ao fim:
1-
Plantio: Para quem tem água em
abundância pode fazê-lo em Agosto e Setembro; mas quem a não tem e depende das
chuvas, é melhor fazê-lo em Novembro; Cada hectare tem 11.000 pés plantados e a
plantação Chá Macoma possui, em exploração, 2.500 hectares.
2-
Poda de manutenção: As plantas são
aparadas, à altura média, a cerca de 30 centímetros, a partir do chão. Esta
poda é feita com podões, bem afiados, sendo manejados com mestria e rapidez
pelos trabalhadores que o fazem, por tarefas de 490 plantas individualmente,
por dia. Esta acção é realizada, agora, no mês de Agosto e Setembro;
3-
Poda de Recuperação: É feita a
partir do tronco. Corta-se a planta quase toda, deixando apenas pequenos
troncos, rentes à terra; esta operação tem a finalidade de obrigar a planta a
rebentar, de novo, com toda a pujança e tornar-se uma planta regenerada;
4-
Colheita: O chá verdadeiro não sai
de qualquer folha. Ele sai apenas das últimas três folhas dos rebentos, ou
seja, do grelinho ou olho, já desenvolvido e que é acompanhado pelo botão. É
apanhado à mão, entre os meses de Novembro e Junho, sendo metido em cestos para
ser levado para a Fábrica; Nesta altura a chuva é benéfica, porque faz crescer
os rebentos rapidamente, mas o excesso desta pode ser prejudicial;
5-
Controlo: A folha é controlada na
báscula e vai, depois disso, para os
6-
Murchadores ou Secadores: Que são
uma espécie de tanques (também chamados “Trofes”) sobre o comprido que têm
uma rede a todo o comprimento, instalada no centro. Por cima colocam-se as
folhas espalhadas e, por baixo, passa ar frio e quente, à vez, para lhes tirar
toda a humidade e as secar completamente; o ar é levado por meio de tubagem
subterrânea e impelida por ventoinhas; e o ar quente é produzido por uma
fornalha que pode trabalhar tanto a lenha como a carvão mineral. Se for lenha
seca, um metro cúbico consome 250 kg, se for lenha verde serão necessários
500Kg;
7-
Corte ou Trituração: Vindo dos
murchadores, entra em carrinhos fechados para fermentar, durante 45 minutos ou
uma hora, para tomar cor castanha e o aroma característico. A partir daqui, a
folha está pronta para entrar e ser macerada na máquina Rotervan, passando, de
seguida, à máquina CTC que, sendo uma espécie de picadeira, a traça deixando-a
bem miúda, quase em grão;
8-
Secagem: Entra, seguidamente numa
estufa – marca Marshales que tem a capacidade de 150 kg, por hora, à
temperatura de 210º F, à saída e de 130º F, à entrada. Aqui, o grau de humidade
que sai é ainda de 3,5% Este processo é feito por meio do aquecimento vindo da
fornalha, que se for através do carvão, terá de ser avivado por meio de
ventiladores;
9-
Selecção: O chá, já em grão, é
agora, separado em montes, segundo o tamanho do grão, sendo esta operação
feita através de crivos em forma de tapetes rolantes que vibram em sentido
lateral, de modo a que os grãos tombem, segundo o tamanho ou largura dos seus
orifícios; é uma espécie de crivação, saindo os grãos por uma meia cana
lateral; feita que é esta selecção, os vários montes são classificados segundo
os tipos seguintes:
BP1; FNGS; PDUST;
FNGS2; DUST; PP1=PF1; DUST1.
10- Testagem: Para testar o grau de humidade, utiliza-se o Testador
de humidade que, segundo os dados do Eng. Técnico Sr. Solaman,, há 6 anos na
JFS (mas, antes, já tinha trabalhado, como técnico nesta área, tanto em Moçambique, como noutros países) deu os seguintes resultados:
BP1:310ºC; PF1: 280ºC; Pd: 240/260; DUST1:230ºC; DUST:
220ºC; FNG: 290/300ºC; F1: 290/300ºC; D2: 210ºC.
11- Pesagem: É feita com balanças de precisão; semelhantes àquelas
que são utilizadas nas ourivesarias;
12- Embalagem: esta é precedida de uma outra operação que consiste
em misturar alguns tipos para criar um novo tipo, consoante os pedidos de
certos fregueses. A seguir a esta mistura, o grão vai para dentro de uma
gamela ou funil, para ser puxado pelo Transportador (tapete rolante que faz
subir o grão) e ser lançado na tulha. Desta desliza, através de um cano, para
sacos de papel PLATAX que levarão, entre 50 a 70 kg, cada, segundo o tamanho do
grão utilizado;
13- Vibração: Ensacado, é colocado dentro de um Vibrador, espécie de
caixa com uma medida rectangular típica que tem as medidas exigidas para o bom
aproveitamento do espaço dentro do contentor que o transportará. Se a quantidade
de chá ainda não deixar o saco com a forma exigida (não interessa o peso) será
acrescentado, ou diminuído, no caso de ter a mais;
15 Exportação: É feita principalmente para
o Malawi, que, por sua vez, o faz seguir para os Estados Unidos da América e
para a Europa, Portugal, inclusive.
4- O Tabaco do “Chá Macoma”
A empresa JFS, além de produzir
chá, começou há dois anos, a fomentar a produção do tabaco, tendo começado com
duas qualidades: Barley e Virgínia. Tanto uma como a outra têm
dado resultados animadores, pelo que essa produção e indústria estão a ser
lançadas com boas perspectivas. Tem como responsável o Técnico brasileiro,
Cláudio que, é coadjuvado por um outro brasileiro cujo nome não consegui
apurar. A terra é boa, “é virgem. Tomara
no Brasil houvesse terra assim”, dizia-me o Cláudio. E que diríamos nós,
portugueses da Beira e de Trás-os-Montes?
Estavam a preparar canteiros
para novos viveiros e a cuidar dos viveiros já com semente, uns, e nascidos,
outros. Curiosa a forma de preparar a terra! Primeiro lavra-se ou cava-se.
Amacia-se, peneirando-a, praticamente; é regularizada em talhões e canteiros;
é esterilizado o terreno por meio de queimadas, feitas com lenha trazida para
os canteiros, ou por meio de Brumeto de Metil, que, embora seja o
mais eficaz, é, até certo ponto, prejudicial, porque é um produto químico, Este
último processo é feito por meio de tendas, formadas por um grande plástico que
é colocado sobre os canteiros, deixando-lhe facilidade de manobra, de maneira
a poder ser insuflado. Colocam-se latas de brometo debaixo do plástico que está
bem vedado, a toda à volta; essas latas estão apoiadas em pedaços de tábua com
pregos; sendo pressionada do lado de fora pelo técnico, a lata é perfurada e o
brometo sai, espalhando-se, em forma de vapor, por baixo do plástico, atingindo
toda a crosta da terra, a cerca de 10 centímetro de profundidade. Deste modo a
terra fica esterilizada em relação aos fungos e à germinação do capim que, ali
deixado doutra forma, abafaria a planta do tabaco que é mais frágil e demora
mais tempo a desenvolver-se.
Depois, é lançada à terra a
semente, sendo coberta por capim, cortado em curtos pedaços. Estes têm a
função de proteger a planta da agressividade dos raios solares e do embate das
gotas de água, seja ela da chuva, ou da rega manual. A rega é aplicada com dois
regadores, de manhã, à tarde e à noite. Lá vão os aguadeiros buscar a água ao
rio e a lançá-la sobre os viveiros, três vezes ao dia, em cada canteiro.
Depois de a planta atingir a
altura de 10/15 centímetros, ela é “castigada”,
no dizer dos naturais ou “endurecida”,
na linguagem do técnico brasileiro. Esta operação consiste em não a regar
durante alguns dias, para que ela se acostume aos maus-tratos que terá de
sofrer, na hora e terra da transplantação. Se fosse transplantada muito viçosa
não aguentaria o mau clima, a má terra e a falta de água que irá encontrar fora
dos viveiros.
5- Industrialização do Tabaco e nossas impressões
A industrialização do tabaco processa-se
da mesma forma que a do algodão e do chá, ou seja, coexistem os dois processos
já conhecidos e que vêm sendo utilizados de há muitos anos: o sector
empresarial, cujos trabalhos dependem exclusivamente da empresa e o sector de
fomento ou familiar que consiste em a empresa fornecer às famílias camponesas
os “insumos” e os técnicos que as
assistirão, ao longo de todo o processo, desde a preparação da terra até à
colheita que é comprada pela mesma empresa.
A nossa estadia, aqui na “Chá
Macoma”, desde a noite de 14 até ao romper do dia 16, constituiu para nós uma
experiência inesquecível e enriquecedora, graças ao óptimo acolhimento que nos
foi oferecido, tanto pelo Sr. Engenheiro Frederico Gomes, quanto pelos técnicos
Agrários, Srs. Eugênio Lin Lino, Solaman e Cláudio e, bem assim, por outros
trabalhadores e cozinheiros da Empresa JFS que, até caldo verde nos
deram, hoje ao meio-dia, e nos serviram sempre um bom vinho português.
O local é um pequeno grande
paraíso. Pensem no que é um terreno de seis mil e quinhentos hectares de
superfície que, além de ser atravessada por quatro riachos (pelo menos) sempre
a correr, possui ainda: uma pequena barragem que recolhe a água da montanha e a
distribui, por gravidade, a todo o complexo; um Posto administrativo; três
escolas primárias, sendo uma do segundo grau (EP2) e duas do primeiro (EP1); e
oito pequenas povoações de cultivadores, que se situam em pontos estratégicos e
de boa colocação, sob o ponto de vista ambiental. E, para além da verdura que
cobre todo o espaço, a sua beleza é acrescida pelas encostas, planícies e
baixios que se desdobram para todos os lados, sendo recortadas pelos riachos e
aconchegadas por uma cortina fabulosa de montanhas que as cercam, protegem e
fecundam. É, na verdade, um lugar par encher os olhos e regalar o espírito!
6- Uma lição de botânica
Na viagem feita de Nampula até
ao Gurué encontrei muitas espécies de plantas e legumas já minhas conhecidas e
outras novas, como, por exemplo: a Umbila (ou Tanga tango ou, ainda, Inbila),
Jambir ou Panga-Panga; Chanfuda, o Inhame (que é um tubérculo de folhas muito
largas em forma de coração e tem um caule bastante grosso e curto), a
Batata-doce, que se estende pela terra como uma era, e, sem esquecer, é claro,
o Chá e o Algodão, o Feijão Manteiga, Feijão Ebuiri, e a Mapira que é
semelhante ao milho na haste, mas não na espiga. O bambu chinês, que já
conhecia e vira no seu próprio habitat encontrara um óptimo clima no Gurué e
tem servido para m para móveis e construção.
7- Preocupações com a Isabel e o seu príncipe encantado
Enquanto eu ia escrevendo, os
colegas fotógrafos e a Isabel saíram para ver se podiam fotografar ainda mais
alguma coisa, regressando, por volta das 17 horas. Pouco depois, a Isabel saiu
com o Dinho, dirigindo-se à cidade do Gurué no intuito de meterem gasolina e,
por acréscimo, comprarem pão.
O tempo foi passando e eles não
regressavam. A nossa preocupação foi aumentando, uma vez que a demora nos
parecia despropositada, visto serem apenas 30 km, a hora de jantar se ter aproximado
e os limites convenientes e do bom-senso terem sido muito ultrapassados.
Estávamos, como é evidente, em casa e a ser servidos por outrem. Como não
tínhamos meios de comunicação, resolvemos jantar e ir procurá-los, se até às
dezanove e meia não aparecessem.
Mas não conseguimos esperar até
essa hora. Às dezanove e quinze mandámos chamar o Eng. Frederico, mas o
emissário regressou dizendo que tinha saído. Pedimos, então, para chamarem o
Cláudio que veio logo. Fui, com ele, procurá-los. Perto, já, do Gurué cruzamos
com o jipe do Eng. Frederico, no qual vinham os que eram já tidos como perdidos.
Afinal, o nosso carro tinha tido uma avaria no sistema eléctrico e tiveram de o
deixar numa oficina, até ao outro dia, de manhã. Calhou serem encontrados por ele!
Com mais este contratempo a
nossa saída do “Chá Macoma”, com destino às Chocas-Mar, já não poderia ser às
5.30 de amanhã, como estava programado. Teremos, primeiro, de esperar que o
Dinho vá buscar o carro e depois se verá a que horas poderemos sair. Também irá
a Isabel? Eis a questão que se coloca com pertinência, pois, há uns tempos para
cá, dá-me a sensação de que o piloto sente a necessidade da presença do
co-piloto e este a daquele, o que parece mais acertado! O Eng. Frederico
prontificou-se a ir com o nosso motorista, amanhã de manhã resolver o assunto.
Entretanto, nós iremos com o Cláudio ver a secção de enfardamento do Tabaco que
é a sua especialidade.
Com isto tudo, e com o tempo que
levou a desfragmentar o meu disco rígido que tem estado muito vagaroso,
atrasando-me o trabalho, só fui para a cama por volta da meia-noite.
Entretanto, em Chocas-Mar, o
Adelino e a Tabita passaram o dia da forma como, eles próprios a contaram:
“Dia 15-08-2002:
Alvorada às oito da manhã. A manhã foi passada da seguinte forma: uma
hora na praia das Chocas – Mar, a estudar e fomos beber um café ao Sr. Falcão,
que se sentou à nossa mesa, palrando sobre as belezas desta zona, sobre o Sr.
Hélder, o seu antigo patrão, do Sr. Vicente, sócio do Hélder e da prisão destes
por tráfico de Haxixe. Falou-se ainda de aluguer ou aquisição de uma viatura
para o próximo ano. Os preços que nos apontou foram um milhão e quinhentos mil
meticais por dia, por um jipe 4X4, excluindo a gasolina. Referiu, ainda, haver
uma senhora, do banco, que quer vender um de caixa aberta, mas que teremos de
experimentá-lo, primeiro. Ele iria saber o contacto e que depois nos diria mais
tarde. Emprestou-nos, também, o jornal SAVANA, de 95, para sabermos a história
do contrabando de haxixe e ofereceu-nos o café. À noite, quando lá chegamos, o
café já estava fechado. Não houve energia, durante quase todo o dia”.
CAPÍTULO DEZANOVE
FÁBRICA DE TABACO E SAÍDA DE CHÁ MACOMA
O Incompreensível aconteceu
Ainda o sol dormia e já eu
acordava. Era o dia 16 de Agosto.
Tinha pela frente um dia memorável sob vários aspectos como poderemos ver a
partir dos episódios que irão ocorrendo.
A razão pela qual me levantei
cedo reside no facto de que eu queria pôr em dia as minhas notas sobre o que
vira e acontecera nessa plantação de chá e tabaco.
O dia anterior tinha sido um
tanto atribulado, ao fim da visita que correra às mil maravilhas, tanto para
mim, como para os outros elementos do grupo (fotógrafos): o tempo esteve bom
para fotografar e os guias que tivemos foram excelentes, levando-nos a quase
todos os recantos das plantações e explicando-nos, o melhor que souberam, os
detalhes dos dois processos, no que respeita ao cultivo, desde o amanho da
terra para a sementeira e plantio, até à colheita e exportação, como eu acabei
de expor no capítulo anterior.
Ao fim do dia, como ia dizendo,
as coisas complicaram-se. Tínhamos determinado sair da residência do Chá
Macoma, às 5.30 da manhã para fazermos o caminho de uma assentada e chegarmos a
boa hora às Chocas-Mar. Para isso, alvitrou alguém, seria útil voltar à vila do
Gurué para atestar o depósito de gasolina. Convincentemente, a Isabel
determinou acompanhar o condutor, alegando ser necessário comprar pão para a
merenda, coisa que não nos pareceu muito a propósito, uma vez que o guarda do
Grupo JFS, Calisto Eduardo nos acompanhava na digressão desde Nampula, estava
às nossas ordens, podendo, muito bem, desempenhar essas funções.
Ora, se bem o pensaram, melhor o
fizeram. Pegaram de si e dirigiram-se à vila do Gurué. Eram então 17.00 horas,
mais ou menos, quando saíram. O seu regresso estava, mais ou menos, previsto
para as 18.30, pois a distancia não ultrapassava os trinta quilómetros. O
tempo foi passando e suas excelências não reapareciam. O jantar estava pronto,
nós com fome e eles sem aparecerem. Resolvemos, então comer e solicitar ao Eng.
Frederico o favor de ir, com um de nós, ver o que se passava. É que por estas
bandas, não há meios de comunicação e as estradas são tudo menos estradas. Por
volta das 21 horas e vinte minutos mandámos chamar o Engenheiro, mas este tinha
saído. E o telemóvel, perguntarão vocês? Não funcionam, por falta de antenas
capazes.
Recorremos ao Eng. Cláudio que
se prontificou a vir ter connosco imediatamente. Explicada a situação, ele e eu
fomos rapidamente à cidade para ver se alguma coisa lhes tinha acontecido na
estrada ou na cidade. A determinada altura cruzámos com o Engenheiro
Frederico. Parámos e ele também. Afinal ele mesmo trazia de volta para a Plantação
os “pombinhos foragidos”. Tinham deixado o carro na oficina, porque, segundo
dizia o motorista, tinha falhado o sistema eléctrico. Os fusíveis derretiam. E
a solução encontrada foi deixar o carro na oficina, até ser arranjado nas
primeiras horas do outro dia.
2- A última visita à plantação de tabaco
No dia seguinte ao acontecido,
isto é hoje, o motorista e o Eng. Frederico regressaram à cidade para pegarem
no carro e, nós (Fernando, Gil e eu), entretanto, fomos visitar a fábrica de
Tabaco, tendo por guia e condutor o Eng. Cláudio Fisherborn que nos explicou o
processo de elaboração das duas qualidades de tabaco: o Burley já em exploração
há alguns anos e Virgínia que, este ano está no seu primeiro ano de exploração.
Acerca deste explicou-nos o processo de secagem, através de secadores
eléctricos. Esta qualidade necessita de secagem eléctrica ou a lenha, enquanto
o Burley é seco por meio de ar frio, dentro de casas ou telheiros. O Gil e o
Fernando aproveitaram a oportunidade para fazer mais algumas imagens da
selecção, prensagem e ensacamento desse tipo de tabaco.
Quando julgámos ser a hora para
voltar a casa e carregarmos o nosso carro, regressámos à residência. Mas, eis
que o carro ainda não tinha chegado. Esperámos, esperámos, em vão. Não chegava
e a razão era muito simples: o arranjo do carro foi ou está a ser mais
complicada do que se pensava, dizíamos nós. Palavras não eram ditas, e eis que
aparecem eles. O carro trouxeram eles, mas o problema que tinha, com ele
ficou. O garagista não teve unhas para o pôr a andar como devia!
Perante este problema ficámos
todos perplexos. Como voltar para as Chocas, sem luz no carro? Uns propuseram
ficar mais uma noite onde estávamos e sair ao outro dia, às cinco horas da
manhã. Outros, fazendo bem as contas, diziam que poderíamos, ainda hoje, chegar
a Nampula e aí arranjar o carro num electricista conhecido do dono. Decidimo-nos
por esta última hipótese e se bem o pensámos, melhor o fizemos. Pegámos de nós,
às 10.35 horas da manhã, e metemo-nos a caminho. A estrada estava razoável.
Melhor do que pensávamos.
3- De regresso a Nampula
Ao chegar a Nampula, às 17.15
horas, encontrámos a garagem Cabra, junto às bombas de gasolina
da zona “Trim-Trim”[1] que
se situa entre os bairros Mutauianha e Meerabania.
Também este garagista não conseguiu haver-se com carro.
Falámos, de seguida, por meio de
telemóvel, com o dono do carro que nos mandou ir ter com ele a casa dos pais do
nosso motorista. Ali chegámos, e ali nos esperava ele. Mexe que não mexe, e
nada conseguiu do que se esperava e desejava. Sugeriu, então, que ficássemos a
dormir em Nampula e que lhe déssemos o carro para o mandar arranjar nas
primeiras horas do dia seguinte. Não fomos na treta, porque isso nos
acarretaria grandes transtornos. Fez, por isso, uma ligação directa e
prontificou-se a ir connosco até às Chocas. Entretanto fomos jantar e à Caixa
Multibanco.
Após o jantar, o carro tornou a
dar problemas. Desta vez, acendiam as luzes, mas o comando trocava tudo. Se
queríamos os médios, acendiam os máximos; se queria estes acendiam os mínimos.
Confusão desgraçada, dizíamos nós! Solução proposta pelo dono do carro: passar
por casa do Zeca, que é electricista, e ele dará um jeito nisto.
Dirigimo-nos, então,
pressurosamente, a sua casa, mas este não estava. Em vez dele, veio o Sr.
Domingos, um dos seus auxiliares. Mais umas mexidinhas e as luzes ficaram sem
concerto! Solução alvitrada: uma ligação directa... Mais uma, desta vez!
Entretanto chega o Zeca, o mestre que se prontificou a dar-lhe o ar do seu
jeito e da sua graça. Ele assegurou-nos que, desta vez o carro poderia muito
bem e em segurança, fazer viagem durante a noite. Perante esta afirmação, o
dono do carro decidiu ficar em Nampula, dizendo que, no dia seguinte, iria de
Chapa, às Chocas levar um conjunto de fusíveis e o seu respectivo suporte.
4- Mais uma noite de sobressaltos e de peripécias
Partimos, então, passando ainda
pelo Banco para levantar dinheiro que no-lo recusou. Não admira, pois era
sexta-feira. E a partir deste dia e até segunda-feira, o sistema automático das
caixas Multibanco não funciona, por esgotamento. Partimos e, até ao Namialo,
tudo correu bem. Aqui parámos para estender as pernas e descarregar algo que
trazíamos a mais e em compressão.
Quando quisemos retomar a
viagem, o carro tornou a fazer greve de luzes! E agora? Todos à volta do carro,
e o Luís com o Dinho fizeram tudo o que sabiam e não sabiam, sem resultados
práticos, durante vários minutos A determinado momento decidimos avançar,
cortando, por completo, a luz do tabliê. Teríamos, no entanto, de ir verificando,
regularmente e através dum foco, se a temperatura subia ou não. Felizmente,
tudo correu sem problemas de maior.
Com e nestes cuidados, chegámos
às Chocas, sãos e salvos, às duas horas menos cinco minutos da manhã, depois
duma viagem atribulada, mas cheia de emoções fortes, sob todos os pontos de
vista. Poderíamos parodiar o nosso hino nacional e cantar:
Heróis do mato, nobre gente
De grão valor e ideal,
Percorrei, hoje, de novo,
O sertão d’ África Austral!
Entretanto, e cheios de receios,
estavam nas Chocas a Tabita e o Adelino, que, assim, passaram o dia 16 de
Agosto de 2002:
“Mata-bicho”, às 8 horas da manhã, seguido de lição de E-Makua, pelo
Raimundo. Fizemos uma hora de praia, almoçámos e fomos ao Sr. Falcão,
encomendar molas para a roupa. Voltamos e estudámos. Muitas tentativas para
entrar em contacto com os restantes parceiros do grupo, passeando, algures,
pelos lados do Gurué.
Soubemos, à noite, através do Sr. Amarchande que tiveram avaria no
carro, no Gurué. Ficou combinado ele saber mais pormenores mas, acabou por não
se conseguir ligação. A Tabita está a ficar ansiosa com a situação, pois já
saíram na segunda-feira, para voltarem na quarta e, hoje, já é sexta.
Contactámos com o Sr. Adamo, chapa 100, para nos ir levar amanhã a Saua-Saua,
pois está combinado um encontro com os médicos tradicionais”.
5- Já nas Chocas-Mar: repouso e trabalho
No dia seguinte, ou seja, dia 17 de Agosto, dormi até às
10.30 h recompondo-me do sono perdido nos últimos três dias. Depois de me
levantar, fui tomar o pequeno-almoço e, pegando no computador e nas minhas
anotações, pus em dia o meu diário. O trabalho teve duas grandes sessões:
depois do pequeno-almoço, até ao almoço que teve lugar entre as três e quatro
horas; após este e até ao jantar; e depois deste, até às 10.35, altura em que
já me doíam os olhos.
Será bom frisar que o dono do
carro não apareceu nas Chocas com as lâmpadas e suporte respectivo.
Também a Tabita e o Adelino
quiseram escrever, hoje, algo que perpetuasse as suas impressões acerca da
nossa viagem por terras dos Gurué:
“Cerca das duas da manhã chegaram os restantes membros do grupo do
Gurué, para descanso da Tabita. Vinham imundos. Foi um momento de grande
descompressão para todos, pareceu-me. Às 5 horas da manhã foi alvorada para o
Adelino e Tabita, uma vez que tínhamos de ir à plantação, mas, o chapa 100 só
chegou, às 6:30 h. Houve encontro com os dois médicos tradicionais. Nesse
diálogo agendou-se outro encontro para 3ª- feira, com o outro médico que tratou
o guarda João. Esteve presente o régulo que veio buscar medicamentos para a
asma. Demos “saguate” de 250 mil. Comprámos notas e moedas antigas ao João, no
valor de 300 mil meticais. Fizemos algumas medições para a parte eléctrica da
Casa Grande”.
CAPÍTULO VINTE
PRÓXIMOS DO FIM DAS FÉRIAS
1- A Escola Primária de Saua-Saua
Dia 18 de Agosto, domingo, e na sequência de um convite feito pelas
Construções NASSER[2], dirigimo-nos à Escola Primária que tinha
acabado de ser construída e mobilada, na primeira quinzena deste mês e que
será inaugurada, provavelmente, em Setembro deste mesmo ano, segundo nos
confidenciou o construtor.
Esta obra orçamentada em 50.000
US Dólares, e que deveria ser feita num prazo de 4 meses, é constituída por 5
imóveis:
- O pavilhão dos alunos, que é
uma construção de 20m x 8m, em tijolo, a duas águas com cobertura de zinco,
cujas abas têm o comprimento de cerca de 3 metros, com três salas, possuindo,
cada uma, um quadro, uma secretária e a sua respectiva cadeira, e 25 carteiras
de dois lugares. Assim a escola tem a capacidade para 150 alunos, por cada
turno; Entre uma sala e o conjunto das outras duas existe o gabinete do
Director e uma outra divisão que deve servir de Sala de Professores;
- Dois cubículos, contendo cada
um, uma divisória com duas latrinas, cada, estando uma fechada a cadeado, para
não ser utilizada, enquanto se utiliza a outra; quando esta ficar repleta,
fecha-se esta e abra-se a outra;
- Um outro pequeno edifício, de
8m x 5m, a duas águas e uma chaminé que servirá, supostamente, para a
residência do Director, tendo, ao lado, mas separado, um outro cubículo,
idêntico aos dois dos alunos, para servir de WC ao Director.
- Atrás dos cubículos de WC
existem três fossas independentes umas das outras, mas com comunicação por sistema
de sifão, pelo qual passa a água proveniente das fezes, já decompostas; cada
fossa tem um respiradouro, feito por meio de um tubo que fica à superfície da
fossa e é suportado, na base, por um emplastro de cimento; tal sistema de
respiração serve para eliminar os gases e cheiros resultantes da putrefacção.
2- Projecto de Electricidade para Saua-Saua em preparação
À 13.00 horas saímos em direcção
à Ilha de Moçambique para falarmos com o electricista, Lino, sobre o Projecto
de Electricidade – Média Tensão – para Saua-Saua. Pelo caminho parámos no
aeroporto do Lumbo que liga Nampula – Lumbo – Nacala – Pemba,
estabelecendo linha nesta direcção, nas terças-feiras e no sentido inverso, nas
quintas-feiras.
Fomos (Adelino Tabita e eu), a
casa dele, mas não estava. No entanto, tinha deixado recado de que o
encontraríamos no Hotel Omuhipiti. Ali fomos e ali o encontrámos,
efectivamente. Depois de nos cumprimentarmos, pediu licença para voltar a casa,
pois precisava de ir buscar o resto do projecto. Passados 15 minutos
reapareceu. Sentámo-nos à mesa para vermos a sua explicação. É claro que, quem
podia perceber e percebeu do assunto, foi o Adelino que o achou bom.
Da conversa tida acerca da
aquisição do transformador referiu saber de um caso em que um transformador de
360 KVA tinha custado 273 milhões de Meticais, na empresa onde trabalhava que é
a do governo (EDM), mas que ficaria mais em conta se os materiais (todos)
fossem comprados fora.
Quando se tratou de custos,
viemos a saber que a mão-de-obra relativamente aos postes, a indemnização dos
agricultores, os transportes e o transformador não estavam contemplados no
orçamento apresentado. Isto encarecerá o orçamento global que nos foi apresentado.
Os custos apresentados foram os seguintes:
- Parte de fora (baixada de
média tensão) desde o hospital até ao transformador da entrada da Plantação
eram 273 milhões, oitocentos e vinte mil Meticais;
- A distribuição e iluminação
públicas, dentro da plantação, seriam 259 milhões 302 mil e quinhentos
Meticais.
Questionado sobre os custos do
seu trabalho neste projecto afirmou ser pouco... Pensou um segundo, e avançou
com a bela quantia de 15 milhões de Mts. Ao que o Adelino respondeu que essa
quantia não ganhava ele! A Tabita lançou a ideia de metade. Adelino achou ainda
muito e disse-lhe que esse montante só seria razoável se o projecto contivesse
já a assinatura do Engenheiro responsável da EDM. Perante tal proposta, o Sr
Lino hesitou, mas, por fim, aceitou, pedindo um sinal para poder ser credível
perante o Engenheiro responsável. Demos-lhe 1 milhão e prometeu-nos ter tudo
pronto no dia seguinte, ao fim da tarde. Por isso, amanhã, dia 19 teremos de
voltar à Ilha, senão ficamos sem projecto e sem o dinheiro de sinal. Não se
meteu gasolina antes de sairmos da Ilha, porque a bomba não funcionava, por
falta de electricidade.
3- Última visita à Ilha
Neste mesmo dia aproveitei para
visitar ainda a Igreja de Sto. António que fica à beira mar, ao lado da qual
existem uns pequenos estaleiros artesanais dos pescadores da zona. A Igreja
está completamente abandonada e não apresenta vestígios de ter sido usada há já
muitos anos, pois tem um cadeado todo ferrugento e o degrau da entrada não está
gasto.
A porta que dá entrada para o
adro que a circunda tem uma inscrição e encimá-la que diz: GOVERNANDO
ESTA CAPITANIA JOÃO DA COSTA DE BRITO SANCHES FEZ ESTE FORTE. ANO DE 1820.
Por esta inscrição poderá deduzir-se que a Igreja serviu também de Fortaleza
para a defesa da Ilha. E a verdade é que, o que nós dizíamos “adro” era mais
uma explanada com frestas apropriadas para canhões e outras formas de defesa. A
esta Igreja e a um padrão recente ( elevado em 1998, em comemoração do 5º
centenário da chegada do cristianismo a estas paragens e que diz “1498-1998 Jesus
Christ Yesterday, Today and for E ver”), pode chagar-se longo que se entra
na Ilha e se vira à direita, andando cerca de uns quinhentos metros, mais ou
menos.
4- Dificuldades no campo da saúde
Ao regressarmos da Ilha, e
virando para o Mossuril, em Naguema, alguém nos fez alto. Pediu-nos boleia até
ao Centro de Saúde. Pensámos tratar-se de um doente, mas, afinal, era um
Empregado do mesmo centro, de nome Amad Adam marjan (Adam).
Depois de entrar no carro viemos
a reconhecê-lo e ele a nós. Tratava-se do técnico dos serviços administrativos
do Centro de Saúde do Mossuril e era o marido da Enfermeira Arminda, a quem,
por duas vezes, entregámos medicamentos. E ele sabia desta história.
Durante a viagem foi-nos falando
das dificuldades mais prementes do Centro hospitalar e de toda a população da
região:
- Não têm nenhum médico, aqui no
Mossuril. Existe um Técnico e uma enfermeira auxiliar que tiraram o curso
respectivo no Instituto de Ciências Médicas de Nampula. Médico diplomado e em
clínica Geral há só um, mas na Ilha. Este, porém, nunca se desloca ao Mossuril.
Por isso, cada um que necessite dos seus serviços terá de ir à Ilha, ter com
ele.
- Relativamente à ida ao médico,
ele comentou que os populares preferem ir ao Técnico, formado em Nampula, do
que ao médico, formado em Cuba. A razão que deu é a seguinte: o médico, que é
moçambicano, mas formado em Cuba, não conhece bem a população, nem sabe como
lidar com ela; tem conhecimentos muito científicos, mas estes, de pouco valem.
O técnico, por seu lado, conhece melhor as pessoas e as dificuldades e sabe
agir com estas, o que as leva a preferi-lo ao médico. Quanto às doenças que são
mais comuns nesta região, disse-nos que eram: a malária, a meningite, a tuberculose.
Questionado sobre a sida,
respondeu que era a doença do século, querendo dizer com esta frase que ela
abunda por ali também. Mais acrescentou: as pessoas não acreditam que estas
doenças existem e que se transmitem tão facilmente como se diz. Contou, por
exemplo, que, às vezes os familiares de tuberculosos vêm ao Centro visitar os
familiares e chegam-se muito perto destes quando tossem. Se a gente lhes disser
para não fazerem isso, respondem que é um seu familiar e que, por isso, não
podem deixar de estar junto deles, nem se afastarem quando tossem, porque
senão, o doente estranha e sente-se repelido. E, assim, a doença alastra, de
maneira espantosa. O mesmo acontece com a Sida. Eles, mesmos nem acreditam que
ela exista.
O nosso hospital, diz ele, até é
muito bom e há pessoas que vêm de longe para serem tratados aqui. O filho do
Régulo de Monapo esteve tuberculoso; veio tratar-se aqui; curou-se. Voltou para
casa, mas meteu-se na bebida e, passado algum tempo, teve nova recaída. Agora
anda por aí aos tombos e deverá regressar ao hospital. Só que, desta vez, será
mais difícil porque as recaídas são sempre mais difíceis de tratar.
Quanto à alimentação: esta é
muito fraca e carente de vitaminas. A base é a mandioca que é muito pobre em
elementos nutritivos. Além disso, a mandioca amarga (porque apanha vírus e
apodrece) causa sérias doenças, como por exemplo, a paralisia infantil. Por
isso reside, agora perto de nós, uma ONG ( “Save the Children”), vinda
da Suécia, que tem por objectivo transformar a mandioca numa outra mais
resistente aos vírus. Mas isto vai levar tempo. Também têm distribuído leite
desnatado que misturado com óleo e açúcar constitui uma alimentação mais rica e
equilibrada. Esta bebida chama-se LOA (Leite, Óleo Açúcar).
Pediu-nos com insistência e
humildade que não os abandonássemos e utilizou uma frase curiosa e de um sentido
muitíssimo profundo: “Dêem-nos a mão porque ainda estamos em mar alto”
(sic)!
CAPÍTULO VINTE E UM
ÚLTIMOS DIAS NOS ARREDORES DE NACALA
1- Encontro com o Sr. Tiago Amorim
Às 6 horas e dez minutos do dia dezanove de Agosto, que era uma
segunda-feira, arrancámos para Nacala com os objectivos de levantar dinheiro,
abrir uma conta em nome de Tabita, Adelino e José.
Passámos pelo mecânico para
arranjar o escape que andava a abanar, mas ele não se encontrava na oficina.
Seguimos, pois, para Nacala e, ao chegar ao Monapo, terra das bananeiras e da
sumaúma, atestámos o depósito de gasolina (223.000 meticais, pagos pelo
Adelino). Depois de alguns quilómetros após termos passado a Igreja Católica da
Santíssima Trindade, deparámos com um monte enorme de postes de electricidade,
com um letreiro “Vende-se”. Parámos e
dirigimo-nos ao patrão da Quinta. Chamava-se Tiago Amorim
Tratava-se de uma quinta de 500
hectares a que foram acrescidos mais 300. Questionado sobre a venda dos
postes, disse-nos que não eram dele, mas que os guardava, até certo ponto.
Pertenciam à EDM e tinham vindo da África do Sul. Esperava ele que, depois de
colocados nos seus devidos lugares, alguns sobrassem. Neste caso e no caso de
lhe darem alguns dos usados, ele nos disponibilizaria parte deles. Ficámos com
o seu contacto e ele com o nosso. Vamos ver se temos sorte.
É curioso que, após um mês em
Moçambique e tendo percorrido boas distâncias, só aqui tivéssemos encontrado
quatro exemplares da espécie asinina. Nessa mesma quinta havia vários animais e
aves, como: bois e vacas, cabras, ovelhas e cães, galinhas e patos, etc.
2- Rezando perante o Multibanco e o Balcão
Continuando viagem chegámos a
Nacala, por volta das 10.00 horas. A Tabita, Adelino e Isabel quiseram levantar
dinheiro na caixa Multibanco, mas o sistema estava avariado. Foram, por isso,
ao balcão, com o passaporte e o cartão; uma das funcionárias ia tentando saber
se o sistema virava funcional. A certa altura, a caixa acendeu a luz de reabertura
e conseguiram levantar algum, mas, não tanto, quanto era necessário para as
encomendas. Dirigiram se, de novo, ao balcão para levantar uma quantia mais
avultada, o que aconteceu, mas só depois de bastante tempo de espera. À Tabita
só lhe deram três milhões, enquanto ela tinha pedido seis. Mandaram-na voltar
depois de almoço. Voltou, como estava combinado, e recebeu o resto.
3- Regularização da conta no BIM de Nacala
Enquanto o sistema estava sendo
arranjado fomos regularizar a conta (ou seja, acrescentar o meu nome como
titular) que já tinha sido aberta, dias antes. Quem nos atendeu foi o Sr.
Zainal Abdurramane, que conversou connosco longamente, chegando-se à conclusão
de que o seu pai tinha sido empregado do avô da Tabita, durante30anos. Ofereceu-se
para nos ser útil em qualquer eventualidade, dando-nos, por isso, o seu
contacto.
Ele chegou a reconhecer a
Tabita, pelo nome que, segundo disse, era o nome de um dos batelões chefiados
pelo seu pai e que pertencia à frota do Comendador João Ferreira dos Santos.
- “Quando pequeno ouvi e vi nomes como Tabita, Bombarral, Dão, Rio Ave,
etc. Ora, naquele tempo, eu não conhecia nada disso. Eram nomes só e mais nada.
Agora, sim, tenho um certo conhecimento e vejo que todos esses nomes estavam
ligados à vivência desse grande homem”.
- Pois é, Bombarral era a terra do meu avô.
- “Vejam como as coisas são. O mundo é bem pequeno. Estou inteiramente
ao vosso dispor e espero que engarrafem a água de Saua-Saua que eu muito bem
conheço. Olhem que, agora, em Moçambique está a consumir-se muita água
mineral”.
4- Com o Sr. Ciríaco e almoço em Fernão Veloso
Após esta conversa fomos falar
com o Sr. Ciríaco[3], à firma JFS para que ele
nos levantasse o livrete de cheques e no-lo fizesse chegar a Lisboa, para nós
assinarmos e reenviarmos alguns cheques assinados para serem pagos os
trabalhadores que andam a recuperar algumas casas. Quando lhe pedimos esse
favor, ele prontificou-se a levá-los pessoalmente, uma vez que iria a
Portugal, no mês de Setembro. Após este encontro fomos almoçar à praia Fernão
Veloso, no restaurante do complexo turístico que tínhamos visitado, no ano
passado, quando ainda estava em vias de acabamento.
Além de outras particularidades,
pudemos apreciar alguma variedade de peixe que, ali, era pescado. O nome desta
praia está ligado à aventura de Veloso, cantada por Luís Vaz de Camões, nestes
termos:
“É Veloso no braço confiado
E, de arrogante, crê que vai seguro;
Mas, sendo um grande espaço já passado,
Em que algum bom sinal saber procura,
Estando, a vista alçada, o cuidado
No aventureiro, eis pelo monte duro
Aparece e, segundo ao mar caminha,
Mais apressado do que fora, vinha.”[4]
5- De regresso às Chocas e observação sobre preços, subornos e arte
De regresso às Chocas, passámos
por uma loja de ferramentas, tendo aí comprado vários artigos (como cimento,
parafusos, etc.) tudo no valor de 272.700,00meticis acrescidos de mais 480.000.
Verifiquei também os preços de algum material de pedreiro, carpinteiro, arame
farpado, rede para vedação, berbequins, bombas de pressão, máquinas de soldar,
etc.
Nesta loja as coisas ficam mais
em conta porque os artigos são de origem chinesa e pertencem a um monhé[5] e
consta, por aqui, que esta raça não paga impostos nem as taxas aduaneiras, e
suborna toda a gente, inclusive a polícia, podendo, por isso, praticar uma
concorrência desleal.
Consta também que não constroem
nada, não intervêm na reconstrução do país, mas só arrebanham dinheiro,
levando-o daqui para fora. Os moçambicanos estão fartos deles, pois são mil
vezes piores do que qualquer outro colonizador precedente. Tais afirmações
saíram da boca de um polícia que nos pediu boleia até Nacala e de um agente bancário
que se entreteve a falar connosco, durante uma boa meia hora.
No caminho de regresso
verifiquei, melhor, o trabalho que está sendo feito na estrada que liga Nacala
ao Monapo. Possivelmente, no próximo ano, toda ela estará asfaltada.
Encontrámos e apreciámos, à beira da estrada, dois artesão em Pau-preto (Mico,
em Macua), com os quais conversámos e aos quais comprámos duas máscaras. Pedi a
um para me mostrar a árvore do Pau-preto. Ele, interesseiro, por necessidade,
fê-lo, só depois de lhe ter prometido um bom saguate[6]. É claro, já é hábito.
6- A bandeira de Moçambique nas cores do pôr-do-sol
Ao chegarmos ao Monapo,
enquanto abastecíamos o carro, vimos, mais uma vez, o pôr do-sol. Aqui e agora
apresenta as três cores da bandeira Moçambicana: amarelo, negro e vermelho. O
seu contraste é ainda mais belo porque brilha através de uma densa nuvem negra,
que, aqui e ali, apresenta uma pequena clareira a rendilhar-se de um dourado a
fugir para o negro, enquanto na sua base se alarga e avoluma um oceano
avermelhado, brincando e transformando-se sucessivamente em diversos tons que
vão do amarelo ao rosa e do roxo ao dourado afogueado.
7- Projecto de electricidade sem a assinatura do técnico acreditado
Seguimos para a Ilha, para nos
encontrarmos com o electricista, Lino, como ficara combinado para receber o
projecto assinado, em troca do qual, lhe daríamos seis milhões e meio de
meticais, que, com o milhão que já lhe tínhamos dado de sinal, somaria os sete
milhões e meio, conforme o que fora estipulado. Ao chegarmos, pedimos-lhe a
factura, ao que ele respondeu que não a tinha, mas que a mandaria por Fax para
Portugal. Quando eu lhe perguntei pela assinatura do técnico responsável ele
apresentou-nos uma sem o número da carta de técnico. Exigimos o número. Foi
connosco ao Lumbo, mas afinal, quem tinha assinado o projecto tinha sido um
construtor e não um técnico de electricidade. Perante isto, exigimos que fosse
assinado por um técnico. Ele prontificou-se a fazê-lo assinar pelo seu colega
que é técnico e a ir entregá-lo, juntamente com a factura, no dia seguinte, às
Chocas-Mar ou a Saua-Saua. Parece que andamos a brincar às escondidas ou a ser
vítimas de intrujices!
CAPÍTULO VINTE E DOIS
EM SAUA-SAUA – ÚLTIMA VISITA
1- Despedidas e últimas recomendações
No dia 20 de Agosto, deveríamos sair para Saua-Saua, às 9 horas, onde nos
esperava o Régulo, mas o “Chapa 100” só chegou por volta das
10.30 horas e o “nosso carro” foi, mais uma vez, ao mecânico,
regressando só, mais tarde.
Partimos a Tabita, Adelino e eu,
de “Chapa 100” para Saua-Saua. Pouco depois partiram, no ”nosso carro”, o Gil e o Fernando para fotografar. A Isabel que
partiria das Chocas no dia 21 e o Luís no dia seguinte ficaram em casa, para
descansar, aproveitar da praia e dos ares das Chocas-Mar. A Isabel tinha, além
disso, de preparar a sua mala de viagem e de chorar de saudades sobre os
recantos onde viu nascer e crescer o seu romance de amor! Mais um, entre ou
depois de outros do mesmo tipo de raça e cor! E ainda se diz, por aí, que os
portugueses são racistas! Mas que disparate!
2- Espaço para estábulos
Chegámos a Saua-Saua às onze
horas. Juntamente com o Amisse João fomos ver as casas que deveriam ser
recuperadas a seguir à casa grande. Seria, portanto a casa que está logo a
seguir, o Arco de Entrada e o Armazém para guardar o material que for chegando.
A seguir fomos ver a limpeza que
tinha sido feita a dois tanques e ao purificatório do gado bovino, em tempos
idos. Vimos também que a pocilga antiga tinha condições para albergar, bem à
vontade, vinte cabeças, já que há mais de vinte e cinco divisões onde poderiam
pernoitar duas vacas. Essas instalações parecem estar em condições satisfatórias,
pedindo, é certa, uma pequena reparação. Pedimos para que as limpassem, e eliminassem
por completo as árvores que estão a arruinar e destruir as paredes.
3 Entrega do Projecto de Electricidade assinado convenientemente
Por volta do meio-dia chegou o
Sr. Lino, electricista, com o projecto assinado, mas sem a factura. Tinha de
faltar alguma coisa, senão não estaríamos em Moçambique. Esta será enviada por
Fax, garantiu-nos. Pagámos-lhe 6.500.000,00 de Meticais (seis milhões e meio),
acrescidos do milhão que já lhe tínhamos dado como sinal, perfazendo um total
de sete milhões e meio de meticais, pelo trabalho, assinatura e projecto.
4- Prestação de Contas do João e número de trabalhadores a conservar
Em seguida falámos com o João
para que ele nos apresentasse o relatório de contas e para discutirmos com ele
o número de trabalhadores que iríamos manter durante o ano seguinte. Ao
princípio estávamos com a intenção de reduzirmos os efectivos, porque os
vencimentos terão de sair do nosso próprio bolso. Mas, ponderando bem a
situação dos 12 trabalhadores que lá tínhamos, isto é, sem trabalho durante
todo o ano, como até à data em que os chamámos, e vendo que o salário
combinado, além de ser o salário praticado no mercado legal, ainda era uma
ajuda que lhes podíamos oferecer, falámos com eles, numa reunião geral, e,
propostas as condições aceitaram (e com satisfação) ficar a trabalhar o ano que
se segue. O canalizador, no entanto, ficaria só até terminar o trabalho da
primeira casa, enquanto o seu ajudante ficaria todo o ano com a condição de
aceitar o trabalho que o João lhe distribuísse. Deste modo ficariam 11
trabalhadores durante todo o ano.
Terminada a reunião, perguntámos
o que desejariam expor. Então alguns pediram utensílios para trabalharem.
Demos então 30.000MTS ao canalizador pela picareta que um dos sazonais tinha
partido no seu trabalho. E ficámos de comprar em Nampula, no dia 21 de Agosto e
de mandar pelo nosso motorista os seguintes utensílios pedidos: uma picareta, uma
catana, duas enxadas, uma pá, três torneiras de passagem de uma polegada e um
quarto, duas bichas flexíveis com a medida de ¾ “de um lado e ½” do outro.
5- Despesas mensais em Salários
Demos ao Amisse João o dinheiro
dos salários do primeiro mês de todos os trabalhadores para que ele os
distribuísse conforme os dias de trabalho e o montante acordado e recebemos a
folha de vencimentos que ele nos apresentou. Acordámos também em dar-lhe um
subsídio de 500.000 Mts (16,66 meticais por dia) que seria adicionado ao vencimento
a (920.000 Mts) que ele auferia da Empresa JFS, ficando, por isso, a receber
1.420.000,00MTS. Sendo assim teremos, só de salários, uma despesa diária de 298.336,00Mts e mensal de 8.950.008,00MTS, assim
divididos:
6- Grupo de trabalhadores actualmente:
Nº
|
Nome
|
Função
|
Meticais
|
Tempo
|
Amisse João
|
16,
66Mts
|
Por dia
|
||
1
|
Caria Jamal
|
Mestre Pedreiro
|
33.334,00MTS
|
Por dia
|
2
|
Amabicani Mussa
|
Mestre Pedreiro
|
33.334,00Mts
|
Por dia
|
3
|
Ossene Essumane
|
Mes. Carpinteiro
|
33.340,00MTS
|
Por dia
|
4
|
Oraipo Pachibi
|
Mes. Carpinteiro
|
33.334,00MTS
|
Por dia
|
5
|
Chico Tinente
|
Mes.Canalizador
|
33.334,00MTS
|
Por dia
|
6
|
Omar Abudo
|
Serv. canalizador
|
20.000,00MTS
|
por dia
|
7
|
Amade Silali
|
Serv. Carpinteiro
|
17.500,00 MTS
|
Por dia
|
8
|
Mussagem Atuthane
|
Serv. carpinteiro
|
17.500,00MTS
|
Por dia
|
9
|
Saide AmaBicani
|
Serv. de Pedreiro
|
17.500,00MTS
|
Por dia
|
10-
|
Abudul Salimo
|
Serv. de pedreiro
|
17.500,00MTS
|
Por dia
|
11
|
Chicova mualeia
|
Limpeza
|
17.500,00MTS
|
Por dia
|
12
|
Hiquihie Amade
|
Limpeza
|
17.500,00MTS
|
Por dia.
|
Total
|
298.336,00Mts
|
Por dia
|
NB. O salário mensal, no entanto, dependerá do número de dias
feitos em cada mês. O Mestre Canalizador só será chamado quando for feita a
canalização para as casas já reconstruídas.
Além destes, há mais dois
trabalhadores sazonais que são pagos, por enquanto, pela empresa JFS.
Dividindo este montante por
24.000MTS, que é o valor de 1 US$, teremos, em dólares, o montante de 372,917, ou seja, mais ou menos 373 €, o que equivale a 74.779$79, ao
câmbio de 200$482. Este montante terá de ser pago por: Tabita, Adelino, José.
Pode ser que, mais algum sócio queira participar. Veremos, depois. Será curial
dizer, no entanto, que é justo que os gastos feitos, entretanto, sejam
reembolsados quando, for atribuído à Mossáfrica o empréstimo a fundo perdido,
esperado.
Regressámos às Chocas por volta
das quinze horas indo imediatamente almoçar. Esperava-nos uma belíssima
travessa de cabrito com batata no forno e uma boa papaia, por sobremesa.
7- Algumas visitas inesperadas
Entre as dezassete horas e as
dezoitos fomos visitar a palhota do Raimundo. É um quadrado cercado de quatro
paredes feitas de terra amassada, e dividida em quatro cubículos, em terra,
que são cobertos por um telhado feito em cute, ou seja, folhas de coqueiro ou
palmeira.
Fomos acompanhados pelo Raimundo
e recebidos, de maneira cordial, por sua mulher que mostrava o rosto um tanto
embaraçado. Os miúdos brincavam sobre a terra, cá fora, e uma cabritinha procurava
pasto, ali por perto.
A seguir fomos ao café do
Hélder, onde bebemos um café e uma garrafa de água, após o que viemos para
casa.
8 Nossas Contas em dia e preparação do regresso a Lisboa
Aqui recolhidos, a Tabita e o
Adelino, ajudados pela Isabel, puseram as contas em dia e eu elaborei este
relatório. São precisamente, neste momento, dezanove horas e vinte minutos.
Daqui a pouco iremos jantar, após o que daremos os últimos retoques às malas
para ver se nelas pode caber mais alguma coisa. E assim estaremos prontos para
deixar as Chocas, às sete horas da manhã do dia 21 de Agosto e regressarmos a
Lisboa, após duas noites em Nampula. A partida de Nampula será no dia 23 pela
manhã e a descolagem de Maputo será nesse mesmo dia, sexta-feira, para
chegarmos a Lisboa no Sábado de manhã, dia 24.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
DESPEDIDAS AO DISTRITO DO MOSSURIL
1- Divisão do grupo
Dando por terminadas as férias
no Mossuril e arredores, no dia 21 de
Agosto, tivemos de dividir o grupo, em dois, a fim de podermos voltar a
Nampula, para, aqui tomarmos o avião de regresso a Lisboa, via Maputo. É que,
além de sermos sete, ao todo, havia as bagagens que mais pareciam pertencer a
um rancho e a capacidade e condições do carro que possuíamos não permitiam
outra solução.
Assim, na primeira leva, seguiram
duas senhoras: a Tabita e a Isabel e dois cavalheiros: o Adelino e eu, enquanto
os restantes elementos: Fernando, Gil e Luís ficaram ainda nas Chocas, devendo
juntar-se a nós, no dia seguinte.
Saímos, por volta das sete horas
e um quarto, chegando a Nampula, cerca das doze. Uma vez ali, dirigimo-nos à
Casa Grande da Empresa JFS, onde deixámos as malas, para seguirmos, de
imediato, para o Restaurante do Hotel Tropical. Apesar de o convidarmos a
almoçar connosco, o nosso condutor preferiu ir almoçar com a sua família, o que
achámos natural Poderia também ter acontecido que, psicologicamente, se
sentisse afectado e não aguentasse o curto espaço que faltava para a despedida
da sua amada ou temesse que algo de desilegante acontecesse, à mesa!
2- Nos Escritórios de JFS e Título de Propriedade de Saua-Saua
Depois do almoço fomos aos
Escritórios da JFS, para falarmos com o Sr. Raul Amarchande. Este entregou à
Tabita o título de propriedade da Plantação de Saua-Saua, já em nome dela, de
seu irmão e de sua mãe, título esse que deveria já ter passado para o nome da
primeira, uma vez que a Plantação lhe tinha sido doada, em vida e, verbalmente,
pela sua mãe com o consentimento do seu filho, Raul, como consta de declaração
autenticada pelo notário.
Dissemos-lhe também que o
livrete de cheques em nome de nós os três deverá ser-lhe entregue pelo Sr.
Ciríaco, para que pudesse fazer os devidos pagamentos aos trabalhadores de
Saua-Saua, através do seu chefe, João. Pedimos-lhe também que nos arranjasse um
carro para hoje e amanhã, a fim de nos pudermos deslocar em Nampula e nos levar
ao Aeroporto, visto que o carro que tínhamos usado terminaria o contrato com o
regresso dos últimos elementos do grupo a Nampula, marcada para o dia 22 de
Agosto. Ele prontificou-se a disponibilizar-nos um carro com um condutor para
os dois dias que ficaríamos na capital do Norte. Foi ele o Sr. Augusto.
Fomos também ao Laboratório de
análises para levantarmos os resultados da água de Saua-Saua, constando que
ainda havia uma certa contaminação, embora em grau muito reduzido.
3- Festa de Nampula
O dia 22 de Agosto surgia com um sol brilhante. Era o dia da Cidade,
celebrando-se os seus sessenta e sete anos de elevação a capital da Província[7]. Nós,
Tabita, Adelino, Isabel e eu, levantámo-nos com a intenção de irmos ver a
barragem de Nampula. Ao chegarmos à sala de jantar havia somente três lugares
preparados para o pequeno-almoço. É que a Isabel já se tinha adiantado, tal era
a ansiedade!
Batidas as nove horas, chega o
Sr. Augusto, empregado da JFS, para nos conduzir até à barragem que fica a
cerca de 11 quilómetros da Casa Grande. Passámos por umas pedreiras, já fora da
cidade, e pudemos admirar, mais de perto, os grandes e imponentes “inselbergs” que a rodeiam.
Chegados à barragem, fiquei
bastante triste pela situação em que se encontrava o complexo anexo, composto
de restaurante, piscina e outros locais de lazer. O seu estado de conservação
era lastimoso e ouvimos sempre a mesma desculpa: foi a guerra civil! A
barragem, por seu lado, lá está a atestar a fortaleza e teimosia de quem a
construiu.
Ao regressar, pedimos ao Sr.
Augusto para nos deixar na cidade e para nos ir buscar ao Hotel Tropical, por
volta das duas horas. Demos umas voltas pela cidade e sentámo-nos num Café, em
frente ao palácio da Câmara Municipal, onde estavam a decorrer as cerimónias
das festas da cidade. Entretanto a Tabita e o Adelino foram às compras. A
seguir fui eu, com a Tabita, a fim de comprarmos uma prenda ao Marco, o moço
que ficara encarregado da nossa casa, em Portugal.
4- O segundo grupo chega a Nampula
Ao chegarmos ao Hotel, o Adelino
recebeu um telefonema do Fernando a comunicar-lhe que, ele, o Gil e o Luís se
encontrava já na Casa Grande e que, dentro em breve, se juntariam a nós, no
Restaurante. E, de facto, pouco tempo depois, estavam connosco para o almoço.
De regresso à Casa Grande, a
Tabita e o Adelino puseram-se a organizar as contas para serem apresentadas ao
dono do carro, contas que foram vistas, revistas e aprovadas por todos os do
grupo. Decidimos avisar o Dinho para combinar com esse senhor para vir ter
connosco, à noite, altura em que acertaríamos as contas com ele e lhe pagarmos
a segunda e última prestação, como tinha sido acordado, no momento do contrato.
Entretanto chega o Sr.
Figueiredo para ver o que tínhamos comprado e fazer a declaração perante as
autoridades de Nampula. Viu todas as compras e fez uma estimativa, pedindo uma
quantia que achou justa, levando-a juntamente com os passaportes e o dinheiro
correspondente à taxa de embarque.
5- Contas com o dono do carro
Quando o dono do carro chegou,
reunimo-nos todos, na sala de Jantar, à excepção do Fernando que, tendo
aproveitado a boleia do Sr. Figueiredo, desceu, mais uma vez, à cidade para
ultimar as suas compras.
Ao princípio ainda quis
experimentar extorquir mais algum dinheiro, mas expostas as razões do montante
que lhe iríamos dar, ele aceitou e assinou o papel, onde declarou ter recebido
a quantia combinada, tendo acedido a deixar-nos as facturas da gasolina. Depois
de lhe passarmos o dinheiro, ele concedeu-nos que ficássemos com o carro até
sermos levados ao aeroporto. Assim, ele próprio nos conduziu até a sua casa,
ficando ali e, despedindo-se de nós, passou o volante ao Dinho que nos levou ao
Restaurante, onde jantou connosco, a nosso convite.
6- Nome de Nampula
Durante o caminho, o dono do
carro deu-nos a razão do nome Nampula.
Segundo ele, o nome desta cidade
surgiu da forma seguinte. Quando os Portugueses chegaram aqui, perguntaram,
como se chamava esta Terra. Os habitantes, percebendo que a pergunta teria por
objectivo saber que régulo a governava responderam que era “Nampula”. Este era, na verdade, o nome
do seu régulo, nome que parecia ser uma alcunha, pois que, em Macua, significa
“Nariz grande.
Por sua vez, os portugueses
perceberam mal a pronúncia da palavra e entenderam “Nampula”, em vez de Napula.
Daí em diante, continuaram a utilizar aquela palavra errada, passando esta
Terra a chamar-se como ainda hoje se chama.
Depois do Jantar, que ficou em
cerca de 1.180.000,00 meticais, que foram divididos pelos sete elementos do
grupo, regressámos à Casa Grande para preparar as malas e ver televisão ou
conversar. Eu, porém, escrevi estas considerações que, aqui deixo para memória.
Amanhã deveremos sair daqui, em
direcção ao Aeroporto, por volta das oito horas, para fazermos o check-in,
atempadamente, e regressarmos a Maputo, onde deveremos esperar até às 23
horas, altura da partida para Lisboa.
7- À noite, sob a vista atenta da Lua
Esta noite (de 22 para 23 de
Agosto) parece ter acontecido algo de insólito. Ou talvez não. Talvez tenha
sido o corolário de um mês de tentativas no campo do amor. Depois de múltiplos
olhares cheios de cumplicidade e sofreguidão e depois de noites passadas, pelo
menos em parte, ao relento, sob o olhar terno e malévola das estrelas, uma
menina que, de juventude, já não parece ter muita, deu largas à sua ânsia de
consumar um contrato ou compromisso o mais depressa possível!
De facto, já no início da
excursão se começaram a notar certos atrevimentos descarados, embora envoltos
sob a capa de proteccionismo e desculpas. À medida que os dias iam passando, o
“vai p’ra frente” dava largos passos e os serões alongavam-se na
varanda, à espera que a figura esperada aparecesse. Esta, porém, nada tinha a
ver com as ondas do mar salgado, nem da lua romântica, ou das estrelas
inocentes, mas sim de um outro fantasma que daria asas ao pensamento e pernas
ao instinto que, afinal, nada tinham de maternal, antes pelo contrário.
Dentro ou fora do grupo, havia
sempre uma voz discordante deste, para encobrir ou esclarecer tudo o que não
concordava com esses instintos que, de início, pareciam próprios de uma mãe
desvelada, perante injustiças cometidas contra o seu menino de tenra idade! Mas
esses desvelos, cedo se manifestaram como algo que emergia de um amor atrevido
e descarado. Ora a mão se estendia sorrateira para tocar pelo menos a orla da
camisa do ser desejado; ora se dobrava, pela frente e por trás para lhe levar à
boca o cibo eivado de luxúria; ora, em vez de uma, eram as duas que se
ajeitavam para massajar o pescoço retesado do ente que passava de condutor do
carro de viagem a namorado querido do coração. O pior é que se as tais
massagens relaxavam por um lado, elas enrijeciam por outro! E se a dor era
aliviada de uma maneira, de outra, ela aumentava, e agudizava, certamente!
Tal situação de compromisso
começou a dar nas vistas de quem tinha olhos. Para isso não era preciso mais do
que mantê-los aberos! Todo a gente via o que se estava a passar, mas os
protagonistas, agiam como se ninguém desse conta de nada! Curioso! Como é
possível que tais coisas se passem sem que desapareçam as névoas de quem se
deixou cegar pela paixão, e teima em afirmar que os cegos são os outros? De
facto, muitas coisas aconteciam, mas nunca se pensou chegar às vias de facto.
Na última noite, passada em
Nampula, parece que chegaram mesmo às vias de facto. Depois de um dia de visita
e de compras: visita à Barragem, e compras das mais interessantes e variadas,
foi todo o grupo jantar ao Hotel Tropical. Após o jantar voltámos à Casa Grande
para descansar e, finalmente para dormir. Mas, como o tempo estava mesmo a
expirar, a menina, de cigarro entre os dedos e a desejar trocá-lo por um charuto
nas mãos, quis aproveitá-lo até ao último ceitil. E vai de organizar uma saída,
a sós, com o motorista, agora elevado à categoria de companheiro da noitada!
Belo exemplo de Interculturalidade e óptima afirmação de fraternidade,
igualdade e, já agora, de liberdade a todos os níveis!
Daria metade do que sou para
poder ser, nessa altura, um pequeno mosquito de modo a poder operar duplamente:
pousar em todo o sítio onde eles parassem e zumbir de modo irritante sempre que
se aproximassem um do outro! Não seria por inveja, Deus me livre de tal! Seria,
antes, para me rir ou, melhor, para suspirar de compaixão, de tamanho desplante,
ou, talvez, disparate!
Mas, que lhe havemos de fazer? O
amor é assim mesmo. Quando menos o esperamos aí está ele, de assalto, não
poupando ninguém, sobretudo se a eles nos expusermos sem as devidas cautelas.
Não há idades que resistam, nem cores que se rejeitem. Nisto passo a ser
autoridade e ainda estou nos 62.
E, pronto, a nossa companheira
de viagem, lá se comprometeu e, sem pejo, nem medo que não apenas os dos pais,
deixou-se denunciar e aceitou, como certo e inevitável, o casamento. Era,
agora, uma questão de dias, ou meses! Cá ficamos nós para ver!
Já agora, faço de advogado. E se
este exemplo não fosse solitariamente único?! Já experimentou cada qual, que
me lê, ver-se ao espelho e olhar, bem, nos próprios olhos? Deixemo-nos de
hipocrisia e deixemos em paz quem julga ter todo o direito de viver como bem
lhe apetece, mesmo que, para isso, tenha de passar por dois ou três estágios,
sejam eles de línguas, sejam eles de sabores e cores !
8- Em direcção aos Aeroportos de Nampula, Beira e Maputo
No dia 23 de Agosto, propriamente dito, saímos da cidade de Nampula, às
dez horas e quarenta e cinco minutos, depois de esperarmos longo tempo pela chegada
do carro que nos deveria transportar ao aeroporto. É claro que, quem se deitou
tarde por andar a trabalhar com diversas ferramentas, às escuras e pouco
dormiu durante a noite, sentiu dificuldade em acordar para estar a horas ao
serviço, pela manhã.
Embora, mais tarde do que estava
programado, lá fomos para a Aeroporto. Levantámos voo à hora marcada e chegámos
à Beira,
às onze e quarenta e cinco minutos, mais ou menos. Aqui, saímos do avião para
que este fosse limpo e reentrámos, para descolarmos, às doze e trinta, em
direcção a Maputo, onde chegámos por volta das treze e cinquenta.
À nossa espera encontrava-se o
Sr. Eugénio, empregado da Empresa JFS e a professora Susana, conhecida e amiga
do Luís Azevedo que se tinha oferecido para levar e guardar a nossa bagagem na
sua escola, pois só teríamos avião para Lisboa às vinte e três horas locais.
Entretanto, fomos almoçar ao
Restaurante “Costa do Sol”, após o qual fomos dar uma volta pela cidade,
levantar dinheiro, comprar alguns livros sobre Moçambique, entre os quais “Contos
Moçambicanos do Vale do Zambeze” de Lourenço do Rosário, da Moçambique
Editora.
O Eugénio foi-nos muito
prestável, relativamente ao transporte das bagagens que eram muitas e pesadas e
na passagem da alfândega, enquanto a Susana nos emprestou a Escola para
depósito da bagagem e nos serviu de guia através da cidade de Maputo. Por volta
das vinte e uma horas, dirigimo-nos ao Aeroporto para o check-in e demais formalidades,
como a revista às bagagens, taxa de embarque (480.000,00MTS = 20 USA $), etc..
Libertos de tudo o qu era
volumoso e pesado, passámos o resto do tempo no café do aeroporto, onde estava
uma pianista, moça ainda, a tocar piano, mas sem convicção nenhuma.
Não me despedi do Eugénio porque
fui à frente para o café e pensava que ele nos seguisse. Ele, porém, teve de
sair logo, porque tinha outros compromissos inadiáveis, disseram, depois os
meus colegas. Quero, pois, endereçar-lhe as minhas desculpas e um muito
obrigado, a si, e aos seus patrões.
9- De regresso a Lisboa
De Maputo a Lisboa teríamos de
percorrer 5.224 milhas, ou seja, 8.408 quilómetros. Isto era o que marcava o
quadro, dentro do avião. Quando notei estes números, eram as 22.40 horas.
Vinte minutos depois o avião
levantava, em direcção à Capital Lusa, onde chegámos, por volta das oito horas
e trinta minutos da manhã. Às 7 horas e trinta minutos foi desinfectado o ar
do avião, depois de tomarmos o pequeno-almoço que foi uma autêntica bodega: um croissant
duro com queijo amarelo que mais parecia sabão do que substância comestível. O
que me valeu foi ter, de reserva, uns dois triângulozinhos de outro queijo e
umas bolachas, caso contrário ficaria em jejum.
Esperavam-nos no aeroporto da
Portela de Sacavém a Ana Samanta, o João, a Carmo, o Ricardo e a Joana e,
fazendo muitas festas e abanando a cauda, o Jouhburg.
À GUISA DE CONCLUSÃO
NO RESCALDO DA VIAGEM
Num dia de meditação,
resolvi escrever um conto e achei que o tema poderia ter por base o romance de
amor que nos acompanhou e, de certa forma enriqueceu, as aventuras maravilhosas
que vivemos, durante um mês, em Moçambique. A este conto dei o título de:
“O voo da Pomba branca”
Como o concebi, aqui
vo-lo deixo, como oferta de bem servir e agradecer:
Era uma vez uma pomba
branca que estava farta de passar solitariamente os seus dias, ora dentro, ora
fora do seu pombal, o qual tinha sido construído num terreno de cor
esbranquiçada. Tudo, na verdade, lhe fazia moça por causa do brilho dessa cor
ao seu redor. O seu pombal com suas janelas pequenas, o das outras e, até os
seus habitantes, eram praticamente dessa mesma cor, embora alguns fossem de
cores diferentes.
Um dia, começou a matutar
para ver se descobria uma maneira de sair daquele marasmo. Pensou, coçando a
cabeça várias vezes, até que um belo dia se lhe acendeu uma luz no cocuruto da
sua pequena cabeça de ave, um tanto desajeitada.
- “Já sei”, disse ela, para consigo mesma. “Traço uma linha recta no horizonte e parto em busca de novos pombais e
de novos pombos”.
- E, se bem o pensou,
melhor o fez. Arranjou as suas penas, limpou-as bem limpinhas, pegou de si e
pôs-se a caminho... Quer dizer a voar, cruzando o azul dos céus. É este, de
facto, o caminho de quem tem asas, não é verdade?
Mas, como voar sozinha não
lhe parecia muito confortável, nem muito seguro, espreitou, primeiro, para ver
se algum pequeno ou grande bando por ali passava a voar. E... não queiram
saber....! De facto, depois de espreitar com atenção e de escutar com cautela,
conseguiu descortinar a aproximação dum bando que não era nada pequeno. Vai,
então, de se preparar para entrar nele, o que ela fez sem grandes disfarces.
Aquele bando, apesar de nele haver pombos que a olharam de soslaio, recebeu-a
bem e lá foram todos, ao som de uma grande algazarra.
O voo subiu cada vez mais
e com este o sonho da nossa pomba branca que, ao penetrar e ultrapassar a
barreira das nuvens, se expandiu por uma imensa planura branca, a perder de
vista. Ofuscada, mais uma vez, por essa cor que fere a vista quando é
reflectida em superfícies mal orientadas, procurou descer em busca de paragens
e brilho diferentes.
Assim o fez. Desceu e foi
parar a um pombal que, embora branco e de janelas amarelas, assentava em terra
negra.
- “Até que enfim, encontro coisa diferente”, disse ela,
- O seu proceder, daí em
diante, foi-se modificando para se adaptar às novas situações, e que bem e que
depressa ela o fez! Poucos dias ainda não eram passados e já o seu coração
experiente tinha notado e interiorizado os temores que se mostram mais
propícios e são mais utilizados nestas novas terras, para se tornar notada e
amada, modos esses que, aliás, vistas bem as coisas, não são lá muito
diferentes daqueles que se usavam na terra do seu próprio pombal!
Um belo dia, um entre
muitos outros, notou que, perto de si, pousara um borrachinho de penugem e buço
raros que deixavam transparecer a ternura da sua fresca negritude. Sentiu logo
calafrios, seguidos da ânsia de o cativar, sem demora.
Dia após dia, noite após
noite, fora ou à janela do novo pombal, a pomba branca esperava vê-lo
reaparecer para lhe enviar um sinal de cativação.
O certo é que, passados
dias, já ambos se davam às mil maravilhas e faziam arrufos às claras,
iludindo-se ao pensar que estavam a agir sem que fossem notados por quem quer
que fosse. Só que o método, utilizado, não tinha nada de original. Antes deles,
já muitos outros tinham agido de forma idêntica e calcorreado iguais caminhos!
Finalmente a hora fatal da
separação teria de chegar! A hora em que a pomba branca teria de regressar ao
seu pombal de origem. E essa hora chegou, com muito pesar para ambos, pelo
menos para ela que se via obrigada a regressar ao pombal de terra branca. É que
o mundo em que ela sempre tinha vivido não se compadece com sentimentos
columbinos e, primeiro que estes vinguem, muitos tombos ou cabeçadas tem de dar
toda a ave que teime descobrir e abraçar novas terras e novas cores!
Mas, sabe-se lá, se, depois de
muita persistência, a ave aventureira consegue realizar o seu sonho de
reencontrar e ficar para sempre com o seu borrachinho de cor diferente! Que
achas? Que acontecerá depois do seu reencontro? Só Deus o sabe! Só o tempo o
dirá! Eu, porém, sem querer desfazer um sonho, temo que tudo não passe disso.
[1] Esta zona é, assim conhecida devido ao som de alarme que era dado quando
o comboio se aproximava.
[2] Empresa dedicada a Obras Públicas, Habitações, Caixilharia, Mobiliário
etc. – Telefone 06 – 212181; FAX 06- 215955; E-MAIL nasser @ teledata.mz; Nampula_Moçambique.
[3]Tel. 526555.
[4] Os Lusíadas, Canto V, estrofe .31
[5] Este nome é dado aos “mestiços de árabe e negro”, mas é uma “designação
genérica dos muçulmanos asiáticos em geral negociantes”(Cf. Lexicoteca
– Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Círculo dos leitores,
Lisboa, 1985, Col.. 219). A propósito, convém notar que, por “Mulato” se
entende o mestiço das raças branca e negra (Ibidem, Col. 257).
[6] Trata-se dum termo macua
que significa “gorjeta”.
[7] Como cidade, possui 35.00 habitantes e desenvolveu-se a
partir da sua elevação a capital de Província e, 1935 e foi a elevada a diocese
(abrangendo, então, os antigos distritos de Moçambique e Porto Amélia), pela
Bula Solemnibus Convencionibus, de
4-IX-1940, sendo o seu primeiro bispo D. Teófilo José Pereira de Andrade (1941);
como Município, tem 3..970 km2 e 130.000 habitantes e o seu território situa-se
a uma altitude média de 500m, sendo o seu clima tropical de monções. É a 3ª
maior cidade do país. Como Província litoral do Norte de Moçambique, em 78.265
km2 e 170.000 (Cf. Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal, Lisboa 198, Círculo
dos Leitores, vol. 13, p. 244).
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