MOÇAMBIQUE 2002 (III)
ÍNDICE
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 6
CAPÍTULO UM................................................................................................................ 9
DE LISBOA A MAPUTO................................................................................................. 9
No Aeroporto da Portela.............................................................................................. 10
Voo 705....................................................................................................................... 10
Leitura útil..................................................................................................................... 11
Razão desta viagem: Projecto Saua-Saua...................................................................... 11
CAPÍTULO DOIS........................................................................................................... 15
EM MAPUTO: ENTRE POLÍTICOS E PRIMEIRA REPORTAGEM............................. 15
1- Eng. Pedro Loforte e Presidente da Associação “Amigos da Ilha”............................. 16
2- Partida de dois elementos para Nampula................................................................... 17
3- Reportagem sobre o Hotel........................................................................................ 17
4- Entrega do CD sobre o Hotel................................................................................... 18
CAPÍTULO TRÊS........................................................................................................... 19
UMA PROMESSA E PERSPECTIVAS FUTURAS....................................................... 19
1- Promessas do Gerente do Carlton Hotel................................................................... 20
2- Loforte Telecomunicações e a beleza da negritude..................................................... 20
3- Saboreando as especialidades do Restaurante “Costa do Sol”................................... 21
4- Bairro Triunfo – Os “Maziones”................................................................................ 21
5- Um multa de lhe tirar o chapéu.................................................................................. 21
CAPITULO QUATRO.................................................................................................... 23
A GRAÇA DE UM CHECK-IN E DE UMA VIAGEM SUI
GENERIS.......................... 23
1- O Pitoresco de uma partida...................................................................................... 24
2- Peripécias no Avião de Maputo a Nampula............................................................... 25
- De Quelimane só o cheiro........................................................................................... 26
4- A imponência dos “Inselbergs” de Nampula.............................................................. 26
5- O primeiro encontro com o dono de uma viatura famosa........................................... 26
6- Meios de que dispomos em Nampula........................................................................ 27
7- A Caminho das Chocas-Mar (Mossuril).................................................................... 27
CAPÍTULO CINCO........................................................................................................ 29
CHOCAS-MAR: QUARTEL-GENERAL DE DUAS COMPANHIAS........................... 29
1- Começo das obras de reabilitação das habitações de Saua-Saua............................... 30
2- Plantação de Saua-Saua e o seu Mangal................................................................... 30
3- Primeiro encontro entre Patroa e Trabalhadores........................................................ 31
4- Não te metas em contratos sem conheceres os usos e costumes................................ 32
5- Um elemento mais se junta ao grupo: a Isabel............................................................ 33
6- No Marulhar das ondas das Chocas-Mar................................................................. 34
7- O desenvolvimento de Moçambique em perspectiva.................................................. 35
8- Chegada às Chocas-Mar de mais um elemento da comitiva....................................... 38
CAPÍTULO SEIS............................................................................................................ 40
A ILHA DE MOÇAMBIQUE.......................................................................................... 40
1- Suas origens............................................................................................................. 40
2- À descoberta da Ilha................................................................................................ 41
3- Perto já da Fortaleza................................................................................................ 43
4- Na Fortaleza S. Sebastião........................................................................................ 44
5- Segunda visita à Ilha de Moçambique........................................................................ 45
6- Costumes a conhecer no mercado............................................................................. 46
7- E ao abastecer de combustível a sua viatura.............................................................. 46
CAPÍTULO SETE........................................................................................................... 47
DIA DE INTERCULTURALIDADE................................................................................ 47
1- Trabalhos na Plantação de Saua-Saua....................................................................... 48
2- Entrevista da Tabita.................................................................................................. 49
3- Interculturalidade no campo da Saúde....................................................................... 49
4- Oferta de alguns presentes........................................................................................ 50
CAPÍTULO OITO........................................................................................................... 51
TURISTA DAS CHOCAS ATÉ À CARRUSCA............................................................. 51
1- As meninas de Jarricain à Cabeça............................................................................. 52
2- Em direcção à Carrusca: pescadores e métodos de pesca......................................... 52
3- Horta até na rua!...................................................................................................... 53
4- Contadores de histórias............................................................................................ 54
5- Na aldeia das Chocas-Mar curiosidades do dia-a-dia............................................... 54
6- Trovoada de se lhe tirar o chapéu............................................................................. 55
7- Escola das Chocas-Mar........................................................................................... 57
8- Chegada de aprovisionamentos................................................................................. 59
9- Resultados do concurso Público para Alocação de Rotas.......................................... 60
CAPÍTULO NOVE......................................................................................................... 62
1ª IDA A GEBA E VISITA ÀS FABRICAS DE CAJU E SISAL.................................... 62
1- A caminho de Geba.................................................................................................. 63
2- Já na área das Fábricas............................................................................................. 64
3- Fábrica de caju......................................................................................................... 65
4- Fábrica de sisal......................................................................................................... 67
5- História do Ibondeiro:............................................................................................... 69
CAPÍTULO DEZ............................................................................................................. 71
TEMA DE REFLEXÃO E DE REPETIÇÃO DE PROVAS............................................. 71
1- Contas em dia e abertura dum Saco Azul.................................................................. 72
2- Em Geba e Saua-Saua.............................................................................................. 72
3- Um serão bem passado à luz da candeia................................................................... 73
4- Desproporções que bradam aos céus........................................................................ 75
INTRODUÇÃO
O tempo corre tão depressa que
mal damos conta que ele se mede por segundos, minutos, horas, dias, meses,
anos, lustres, séculos e milénios. E, se das cinco primeiras medidas não
fazemos caso, da sexta fazemos festa quase sempre, da sétima é frequente deixar
algo como memória, da oitava pouquíssimos se lembram, e da nona ninguém se pode
vangloriar.
Vem a propósito esta
consideração pelo facto de que o que me propus escrever se passou já há alguns
anos. E o que vou relatar poderá não conter todas aquelas peripécias e belezas
dessas mesmas, tais quais elas aconteceram entre um grupo de professores que
decidiu partir de Lisboa, em demanda de Terras Africanas, mas as que, aqui
ficam contadas poderão servir de “abre-apetite”
para quem tenha a possibilidade de viajar. E não é obrigatório fazer o mesmo trajecto. Outros, também interessantes, estarão à espera de quem os vá
percorrer.
Quem fez parte desse grupo não
os menciono, agora, pois terão o seu lugar próprio no primeiro capítulo, nem os
descrevo nunca, por modéstia e porque, a sua caracterização virá ao de cima,
com a descrição que, de cada um, irá sendo feita, através das intervenções que
irão fazendo, ao longo da excursão. Tinham, porém, todos algo em comum: ir
conhecer África, mais precisamente, Moçambique e retratar o mais fielmente
possível, tanto os caminhos, que seus pés pisassem, quanto os locais e pessoas
que seus olhos vissem.
O tempo que se lhes
proporcionava não era longo, e os meios com que iriam contar não seriam
famosos. Tinham, pelo menos, uma coisa certa: iriam para terras desconhecidas,
habitadas por gentes de diferentes cores, credos e feitios. Seriam, portanto,
postos à prova, tanto a abertura do seu espírito, quanto a maleabilidade da sua
adaptação a outras circunstâncias, às vezes adversas e a outras pessoas de
raças, credos e culturas diferentes.
E, depois de fazerem uma visita
ao médico para que os pusesse a par dos maiores problemas que iriam encontrar
no campo da saúde e lhes explicasse, não só a maneira de lidar com o clima,
bebidas e comidas, como também a dosagem e intervalos da medicamentação
preventiva e curativa, lá seguiram para o aeroporto da Portela, no dia 21 de Julho de 2002, com destino a
Moçambique.
O que acontece, desde a partida
até ao regresso, será objecto da narrativa que agora vai começar. Peço ao leitor
paciência para começar connosco e nos acompanhar, certo de que não se
arrependerá do tempo que necessitar para chegar a fim desta aventura que,
assim, se tornará sua, também. Siga o método utilizado pelo autor: a cada dia,
o que lhe pertence.
Entretanto, terá oportunidade de
conhecer os métodos de cultivo, preparação e exportação do algodão, caju, chá,
sisal e tabaco, sem que para isso tenha de sair da sua mesa de leitura. Mas, se
pertencer à classe daqueles que, para crerem, exigem “ver e tocar”, venha daí,
e siga o mesmo roteiro! Estou certo de que valerá a pena, pois acredito, eu,
que não será de “alma pequena”!
CAPÍTULO UM
DE LISBOA A MAPUTO
Estamos no dia 21 de Julho do
ano 2002 (e entre o quarto crescente que foi dia 17 e a Lua cheia que será dia
24). São, talvez, bons presságios para quem acredita na intervenção da Lua nos
destinos humanos!
No Aeroporto da Portela
De carrinhos abarrotados de
malas, sacos e embrulhos, chega a comitiva ao aeroporto da Portela, sendo cada
um acompanhado por familiares e amigos. O grupo que demanda o Reino do
Monomotapa, em Moçambique, compõe-se das seguintes pessoas: Tabita, Adelino,
José, Fernando (professores e Sócios fundadores da Associação Mossáfrica, sendo
o último também fotógrafo), Gil (professor e fotógrafo) e Luís, fotógrafo.
Ou porque estavam ansiosos, ou
porque não tiveram tempo para olhar para a hora marcada no bilhete, chegaram
por volta das catorze horas, quando
o check-in seria, apenas, a partir das dezoito horas e quarenta e cinco minutos. Eu, porém fui porque me
disseram que era necessário estar lá a essa hora, se não seria mesmo capaz de
chegar só depois do avião ter partido. Não seria a primeira vez, de facto!
Soube, então, que assim fora dito aos organizadores, de modo a serem evitados
atrasos e filas intermináveis.
Durante aquela operação surgiram as dificuldades de costume:
uns quilitos a mais, uns volumes chegados à última da hora e, outros ainda, de
formas descomunais, tendo estes de dar entrada por outra porta. Levantou-se,
então, um burburinho:
“E agora
que fazer”, perguntavam alguns.
“Calma”,
respondiam outros. “Tudo se há-de resolver”.
E, de facto, tudo teve uma
solução agradável. Tudo e todos entraram no avião e cada um teve um lugar sem
sobressaltos, depois de terminarem todas as formalidades aduaneiras e
policiais.
Voo 705
Uma vez no avião – um 767-200ER,
voo 705 – e depois de recebermos as boas vindas dadas pelo Capitão de bordo,
seguidas das instruções sobre a segurança, arrancámos do lugar de embarque, em
direcção à pista, da qual descolámos, às dezanove horas e nove minutos,
sobrevoando o espaço português.
O tempo, entre essa hora e o
anoitecer, apresentava o aspecto de um enamorado em tempo de despedida; uma
figura que irradiava beleza infinda, toldada, no entanto, pela tristeza de quem
ficava com pena de não poder partir também. O avião, por sua vez, parecia uma
águia-real cortando, a par, dois firmamentos: o primeiro era formado pelo azul
celeste salpicado de nimbos e de nuvens brancas, dando a impressão de estarmos
debaixo duma abóbada resplandecente e recheada de figuras pintalgadas de várias
cores, enquanto o segundo se apresentava todo matizado pelo manto verde das
matas e pela toalha castanha dos terrenos incultos, à espera da enxada ou da
charrua que tardam em regressar para os rasgar!
Com a chegada da noite, chegou
também o jantar que era composto de carne ou peixe, à escolha. O prato da
carne, aquele que eu escolhi, consistia em caril de frango, acompanhado de
ervilha, cenourinha, salada, doce, vinho e café. Nada mau para quem já estava
com grande apetite!
Leitura útil
Antes e após o jantar, uns
leram, ou conversaram, outros dormiram ou ouviram música. Eu, também dormitei,
mas pouco. Li, além disso, a revista Indico[1]da
qual respiguei algumas novidades sobre a cultura e consumo do café e do chá,
muito a peito entre os Moçambicanos.
O chá, embora se creia que foi
introduzido na Europa através do porto de Veneza, sabe-se que foram os Jesuítas
Portugueses, Gaspar da Cruz e João Lourenço que dele falaram cientificamente: O
primeiro, falou dele, já em 1556, e o segundo, como botânico
que era João LOUREIRO, fez a sua primeira classificação científica, no século
XVIII, passando a ser conhecido por Thea Sinensis var. cantonensis LOUR.
Denominado Tchá em chinês de Cantão, esse mesmo nome foi aportuguesado
em chá, nome por que é conhecido no mundo da língua de Camões. Foi
também uma Princesa Portuguesa, Da. Catarina de Bragança, filha de Dom João IV, casada com Carlos II
de Inglaterra, que o transformou numa bebida habitual na Inglaterra.
Em relação ao café é bom notar
que, apesar das suas trinta variedades existentes, apenas três se tornaram
conhecidas e apreciadas como bebidas, sendo elas a arábica (originária da Arábia), a robusta
(originária da Abissínia) e a libéria (originária da Libéria e Costa do
Marfim). Marselha foi a primeira cidade europeia a ter um estabelecimento
especializado na venda de café, seguindo-se a França, onde se tornaram
célebres os cafés “Bernard” e “Procope”. Na Inglaterra, o
primeiro café a abrir foi o “Garway”, em 1657, multiplicando-se, daí em
diante, como os cogumelos. Assim, em 1700 havia, nada mais, nada menos, do que
cerca de duas mil casas dedicadas a esta mesma bebida.
Em Portugal, como não podia
deixar de ser, as casas de café foram surgindo, já nos princípios do século XIX
com a abertura dos cafés Marrare, (Marrare de S. Carlos, Marrare das Sete
Portas, Marrare do Cais do Sodré, Marrare do Polimento, no Chiado), fundados pelo
siciliano António Marrare. Tornaram-se, também, célebres, em Lisboa, o café “Nicola”,
a “Brasileira”, ou “Martinho”, em Lisboa, enquanto no Porto se
celebrizaram, sobretudo, o “Magestic”, o “Chave de Ouro” (a
antiga “Brasileira”), a “Águia de Ouro” e a “Garça-real”.
Razão desta viagem: Projecto Saua-Saua
Feita esta pequena incursão num
mundo onde nos tornaremos a encontrar, justificada pelo facto de em Moçambique
existir uma forte componente económica baseada na produção dessas duas
plantas, voltamos à Mossáfrica (Organização não Governamental para o
Desenvolvimento), para referirmos, brevemente, os objectivos que a levaram a organizar esta viagem.
A Mossáfrica está esta em vias
de ultimar um grande projecto cujos objectivos gerais são:
- “Promover a melhoria da qualidade de vida e da segurança alimentar da
população local (no Distrito do Mossuril, Província de Nampula), capacitando a
mesma dos conhecimentos técnicos necessários ao exercício de uma profissão, nos
domínios com interesse social e económico para a região e garantir-lhe a
protecção da natureza e do meio ambiente”, enquanto que tem por objectivos
específicos:
- “Criar e implementar infra-estruturas polivalentes nos domínios da
formação profissional/educação e da produção de bens e serviços, com vista ao
apoio ao desenvolvimento da comunidade regional e local; desenvolver acções de
qualificacão aperfeiçoamento
nas áreas da construção civil, agro-pecuária e serviços (hotelaria e
turismo/restauração; realizar acções de formação de Formadores, com vista à
criação de uma bolsa de formadores locais; formar e promover a criação do
auto-emprego e de micro empresas na província; produzir e vender bens e
serviços para satisfação das necessidades internas e abastecimento do mercado
local; desenvolver actividades de apoio social à população local, nos domínios
da educação, da saúde pública, do saneamento básico, da habitação e de outras
necessidade elementares”[2]
Terá como alvo: A “valorização dos recursos humanos da região, com
vista ao desenvolvimento socio-económico e cultural de: jovens, homens e
mulheres, desempregados, deslocados e/ou refugiados através da sua qualificação
técnicoprofissional; trabalhadores de empresas e instituições públicas, por
meio de formação contínua; formandos do projecto, através de apoio técnico ao
auto-emprego e/ou à criação/gestão de micro-empresas; formandos seleccionados
capazes de prosseguir cursos de formação de formadores”.
E a sua estratégia obedece a critérios precisos, tais como: A
“natureza e localização das actividades a desenvolver; selecção dos
investimentos em bens e serviços a oferecer, dando prioridade à satisfação da
procura pela actividade económica da região e às necessidades básicas da
população; sociais, económicas e ambientais culturais. E a sua implementação
compreenderá seis fases que são: a recuperação de todas as infra-estruturas
físicas existentes e construção de outras necessárias, recorrendo às actividades
a desenvolver no âmbito das acções de formação programadas (Fase A); aquisição
e instalação do mobiliário e dos equipamentos necessários ao arranque do
projecto (Fase B); construção, apetrechamento e implementação de um conjunto de
bungalows destinados ao desenvolvimento das actividades turísticas do
empreendimento (Fase C); criação das infra-estruturas necessárias à
implementação das culturas agrícolas e à criação de animais (Fase D);
recrutamento de pessoal técnico, Administrativo e auxiliar, a seleccionar de
acordo com critérios de eficiência e, sempre que possível, a recrutar de entre
os formandos e os formadores (Fase E); desenvolvimento das actividades de
vendas de bens e serviços produzidos pela formação/produção”[3]
As Áreas profissionais
contempladas são as seguintes: Agro-pecuária com Horto-fruticultura,
operadores de Máquinas agrícolas, maneio de frango para abate, maneio de
galinha poedeira; Construção civil com
alvenaria/pedreiro, carpintaria, canalizações/serralharia civil, electricidade
B.T; Restauração com cozinha e tratamento de carnes,
panificação/Pastelaria; Hotelaria e Turismo com
recepcionistas, camareiras, empregados de mesa e bar; Pedagógica
com formação Pedagógica inicial de formadores; Informática na
óptica do utilizador “ [4]
Como actividade complementar,
está programada a Criação de um banco
de imagens visando a promoção dos Patrimónios Cultural, Arquitectónico e
Paisagístico da Região e a Promoção/Publicação do Artesanato da mesma.
Para a
implementação daquele grande projecto, foi decidido precedê-lo com esta última
actividade complementar, pois percebeu-se que seria de grande utilidade fazer o
levantamento fotográfico da região, e fazer dele publicidade, tanto por meio
de um livro como por meio de exposições. Para este efeito, o Fernando,
fotógrafo, idealizou um projecto a que deu o nome de “Moçambique Vivo”que consistiria
num levantamento fotográfico e literário, não só do Património arquitectónico
e paisagístico, mas também de alguns hábitos e costumes mais comuns e para
cuja realização seria necessário solicitar fundos junto de Mecenas benévolos ou
Empresas interessadas na sua própria promoção.
A esta solicitação responderam
já, com ajudas substanciais: o Instituto de Fotografia do Porto, as Linhas
Aéreas Moçambicanas, a Firma ou Grupo João Ferreira dos Santos, a Empresa
Loforte Telecomunicações e o Rovuma Carlton Hotel de Maputo. E é devido a estes
mesmos contributos que esta viagem e consequente trabalho serão realizados em
Moçambique, desde hoje até ao dia 23 de Agosto. De uma e de outro faremos eco,
à medida do seu respectivo desenvolvimento. Esperamos que não se sintam
defraudados nas suas legítimas expectativas.
Eis, pois a razão deste grupo e
desta viagem a Moçambique: ao José caberia fazer a reportagem escrita dessa
aventura, enquanto aos fotógrafos, Fernando, Gil e Luís ser-lhes-ia reservada a
tarefa de elaborar um banco de imagens que, mais tarde, constituiriam um livro
e dariam azo a uma exposição em Lisboa e Maputo. Por seu lado a Tabita e o
Adelino teriam mais a peito uma Plantação de coqueiros, pertença da primeira,
em vias de reabilitação e na qual será levado a cabo a realização desse
projecto de desenvolvimento a favor das populações locais.
CAPÍTULO DOIS
EM MAPUTO: ENTRE POLÍTICOS E PRIMEIRA REPORTAGEM
1- Eng. Pedro Loforte e o Presidente da Associação “Amigos da Ilha”
Às seis horas e doze minutos do
dia 22 de Julho, 3ª-feira, o avião
aterrou no aeroporto internacional de Maputo, onde nos aguardava o Engenheiro
Pedro Loforte, como representante da Empresa de Telecomunicações do mesmo nome
e como membro da Associação Mossáfrica. Foi ele que orientou a nossa ida para
o Hotel, oferecendo, a alguns de nós, o seu próprio meio de transporte e
indicando, a outros, o do Carlton Hotel.
Uma vez aqui chegados, fomos
recebidos com um copo-d’água e com um sorriso amigo do gerente e de alguns dos seus
subalternos.
Durante o almoço, oferecido pelo
Engenheiro Loforte, tivemos a bela surpresa de ter como comensal o Dr. Luís
Filipe Pereira, presidente do Conselho Fiscal da Associação “Amigos da
Ilha de Moçambique” que muito nos ajudou com a sua experiência de professor
e profissional dos serviços administrativos da região, servindo mesmo de laço
de união entre o presente e o passado, uma vez que conheceu bem o Mossuril e
inclusive os pais e avós[5] da,
actual presidente da Mossáfrica. Pôs-nos ao corrente de nomes, acções,
facilidades e contratempos que poderíamos encontrar. Forneceu-nos nomes de
pessoas e instituições que poderiam ser-nos de grande utilidade, tanto em
Maputo, como na Ilha e no Mossuril. Levou-nos, finalmente para o seu próprio
gabinete onde passámos quase duas horas em amena cavaqueira, da qual muito de
bom surgiu, como informações e literatura útil para a nossa investigação em
curso. De caminho, encontrámo-nos, por acaso, com o Sr. Dr. Simeão Cuamba, que
nos foi apresentado como sendo o vice-presidente do Movimento político FUMO,
mas sem algum compromisso de qualquer ordem.
À noite, por indicação do Eng.
Loforte, fomos jantar ao Mercado do peixe, num pequeno restaurante onde nos
serviram uma grande variedade de marisco. Estiveram presentes: o Eng. Loforte,
o Sr. Jeremias Pondeca, que nos foi, então apresentado como sendo deputado à
Assembleia Nacional de Maputo pela RENAMO. Encontrando-se, ali, (por ser,
afinal, dono do restaurante), deu-nos a honra de se sentar connosco, à mesa.
Falou-se de tudo com enorme
à-vontade e sem magoar susceptibilidades políticas – ele pareceu ser um homem
inteligente, comedido, e firme nas suas convicções e ideais. Admirámo-lo
verdadeiramente, por essas características, sem nos comprometermos em nada,
visto a nossa ida ao seu restaurante ter sido inocente, pelo menos no que nos
tocava a nós próprios.
Será de registar que antes do
jantar tivemos a desagradável notícia de que, ao colega e amigo Gil, lhe tinham
violado a mala de viagem (antes ou depois do embarque?) ficando sem as pilhas
das máquinas fotográficas, num valor aproximado de 30 mil escudos.
Ficou decidido que no dia
seguinte, enquanto eu, ficava no Hotel a organizar os meus apontamentos que
deram a reflexão que acabaram de ler, todos os outros da comitiva iriam com o
Eng. Loforte comprar baterias de substituição para o Gil, a fim de se começar
o trabalho fotográfico e a correspondente reportagem.
2- Partida de dois elementos para Nampula
Às cinco horas da manhã do dia
seguinte (23 de Julho), toca o telefone para acordar, pois a Tabita e o Adelino
teriam de tomar o avião para Nampula, no intuito de negociarem o meio de
transporte de que deveríamos dispor nas zonas de Nampula, Ilha, Mossuril e
meio ambiente. Os restantes membros do grupo: fotógrafos e eu próprio continuámos
em Maputo, para fazermos algumas reportagens.
Da parte da manhã, como fora
decidido, os meus colegas de trabalho foram procurar o material fotográfico
para substituir o que tinha sido roubado, ficando eu a redigir o texto que por
aqui ficou.
3- Reportagem sobre o Hotel
Cerca das 13 horas e, até às
quinze, fotografámos a suite presidencial do hotel (que tem 213 quartos,
mas actualmente só 200 em serviço). Esta é composta por uma sala de entrada que
contém uma escrivaninha ladeada de dois abat-jours
e é encimada por um espelho; uma mesa arredonda com tampo em pedra negra, com
cadeiras, a condizer; uma mesa baixa rectangular; um sofá e dois maples.
Entre esta sala e o quarto de
dormir e sala de banho existe um Biombo em tecido bege com figura de macacos,
num lado, e pintas idênticas às do leopardo, do outro. O quarto de dormir
consta de uma grande cama com colcha do mesmo tecido do biombo, dois abat-jours sobre as duas mesinhas de
cabeceira, uma escrivaninha com um espelho e, à cabeceira da cama, vê-se um
quadro com motivos africanos.
Seguimos depois para a piscina
que não é grande. A sua forma irregular é composta por dois rectângulos,
encontrando-se, na sua junção, uma espécie de vaso com plantas. Encontra-se protegida,
de um lado, por uma sebe feita em tiras de madeira entrelaçadas e, por outro,
de um muro, enquanto do lado da Sé e da Câmara Municipal estava protegida por
um corrimão metálico.
Passámos ao refeitório onde se
encontram cerca de 30 mesas quadradas, com capacidade para quatro pessoas,
cada uma; vários vasos de plantas suportados por dentes de elefantes, dentes
esses que são cortados de alto a baixo; várias figuras estilizadas; três pentes
encimados por um par humano, por detrás da mesa de recepções; várias outras
figuras de artesanato e três punhais de formas curiosas; um, por exemplo, em
forma de (S). De cada lado do arco central do serviço do refeitório
encontram-se, fixas à parede, duas belas máscaras de cobra.
De seguida fotografámos o Bar (Sasek
Bar) onde se encontram recantos belíssimos e mobiliários
interessantíssimos, como alguns jarrões, feitos em madeira trabalhada, à mão.
Admiram-se ainda lindas cadeiras e poltronas, algumas delas feitas em verga,
outras em tecido. A marquise é grande, e está recheada de cadeiras e mesas a
condizer com o ambiente exterior.
O hall de entrada tem, à sua
direita, a mesa das relações públicas, uma salinha com quatro cadeiras e quatro
abt-jours, duas poltronas e, num pequeno recanto, uma outra mesa ladeada
por duas poltronas ao lado das quais se encontra um móvel para expor os
desdobráveis e outro material de propaganda turística. Em frente de quem entra,
está a recepção e, no lado direito, existe uma sala em forma de foice invertida
com uma mesa nos dois extremos, sobre as quais se encontram, respectivamente, um abat-jour,
assentos de napa e várias almofadas. Na parede, logo à entrada, estão quatro
figuras estilizadas de tamanho quase normal e nove ao longo dessa mesma, de
tamanho e formas idênticas às primeiras.
Este trabalho tornou-se moroso, mas foi efeito a rir, tendo à mistura o profissionalismo admirável dos nossos
fotógrafos que se complementam às mil maravilhas: uns com os olhos no alvo e
dedo no botão, outros com os conselhos ajudam na escolha de ângulos,
luminosidade e pondo à prova a sua sensibilidade de artistas plásticos e conhecedores
da arte bem pensada e bem reproduzida por imagens.
De seguida fomos para os
aposentos para ordenarmos o trabalho realizado, seleccionando, embelezando e
gravando as imagens em CDs para serem oferecidos à Direcção do Hotel e
escrevendo o texto que, mais tarde, poderá servir de base a futuros trabalhos
impressos.
Às dezanove horas e trinta
minutos, o Eng. Pedro Loforte veio buscar-nos ao hotel para irmos jantar ao restaurante
“Escorpião”, propriedade do Sr.
Silva, oriundo do Norte de Portugal. Ali comemos à portuguesa, com vinho branco
do Alentejo a acompanhar os apetitosos bifes. Após o jantar fomos dar uma volta
à cidade, visitando vários hotéis, nomeadamente o “Avenida”, “Cardoso”, “Holliday-in”,
e “Polana”, ficando maravilhados com
a beleza destes, sobretudo, do último pela sua magnifica entrada, pelo jardim,
piscina e “Polana-Mar”.
4- Entrega do CD sobre o Hotel
Após o pequeno-almoço do dia 24,
servido às 9 horas, fomos entregar, ao Sr. Ryszard Majewski, Director
Presidente do Hotel, o CD com as imagens do hotel, feitas pelos nossos
fotógrafos no dia anterior. Parece ter gostado do trabalho, pois ao falarmos de
um possível regresso a Maputo para a exposição programada, ele garantiu-nos a
oferta de nova estadia que deveria ser pedida por Fax.
Questionado sobre o a afluência
do Turismo em Maputo, respondeu-nos que havia pouco e que acontecia o mesmo que
costuma dar-se com as hienas. Onde vêem um osso com alguma carne, correm todas
para o disputarem avidamente. Esta imagem, utilizada por ele, deveu-se ao facto
de lhe termos dito que visitámos alguns hotéis novos que tinham acabado de
abrir e de outros que estavam a ser construídos!
Questionado sobre o nome do decorador
do seu hotel, respondeu-nos que era muito careiro. Instado, disse ser
sul-africano, chamar-se Gert Gertzen e
ter recolhido todas as imagens decorativas de várias partes de África,
especialmente da África do Sul.
CAPÍTULO TRÊS
UMA PROMESSA E PERSPECTIVAS FUTURAS
1- Promessas do Gerente do Carlton Hotel
Após o pequeno-almoço do dia 24, servido às 9 horas, fomos
entregar, ao Sr. Ryszard Majewski, Director Presidente do Hotel, o CD com as
imagens feitas no dia anterior, pelos nossos fotógrafos
Parece ter gostado do
trabalho, pois, ao falarmos-lhe de um possível regresso a Maputo para a
exposição programada, ele garantiu-nos a oferta de nova estadia que deveria ser
pedida por Fax.
Questionado sobre a afluência do
Turismo em Maputo, respondeu-nos que havia pouca e que acontecia o mesmo que
costuma dar-se com as hienas. Onde vêem um osso com alguma carne, correm todas
para o disputarem avidamente. Esta imagem, utilizada por ele, deveu-se ao facto
de lhe termos dito que visitámos alguns hotéis novos que tinham acabado de
abrir e de outros que estavam a ser construídos!
Questionado, ainda, sobre o nome
do decorador do seu hotel, respondeu-nos que era muito careiro. Instado, disse
ser sul-africano, chamar-se Gert Gertzen
e ter recolhido todas as imagens decorativas, em várias partes de África,
especialmente na África do Sul.
2- Loforte Telecomunicações e a beleza da negritude
Às 10,30h encontrámo-nos no hall
de entrada do hotel com o Eng. Pedro Loforte que nos levou à sua empresa[6], para
nela serem feitas algumas imagens. Dedica-se a Equipamentos telefónicos – Fax
– Inter-Comunicações, Vídeos Porteiros
cctv, sistemas de rádio terrestres, marítimos, sistemas anti-roubo e
anti-fogo, antenas parabólicas, telefones via satélite, etc.
Depois de nos ser servido um
café, começa o trabalho. À secretária está Cláudia Ana Cardoso, uma jovem cujas
meninas dos olhos, quais duas azeitonas luzidias em plena maturação, brilham
embutidos numa auréola branca cuja candura faz ressaltar a beleza da sua negritude
de tímida gazela apetecida. Mais abaixo, perpendicular e paralelamente,
baloiça a suave doçura de duas romãs, envoltas furtivamente num decote que
expõe, ao mais atrevido galã, um tesouro de raro valor, demandado à luz e calor
africanos. Um pouco mais ao lado e à máquina fotocopiadora está uma outra
menina que, embora de outra contextura física mui diferente, também ela dá a
conhecer e faz invejar outras formas de beleza, na variedade infinda das filhas
de Adão e Eva!
Agarrado ao telefone, está o
Eng. Loforte que se desdobra, recebendo e enviando mensagens, tomando notas de
encomendas e pedidos a requisitar material, procurando dar-lhes resposta cabal
com a maior brevidade possível e atendendo clientes que tocam a campainha com
certa regularidade. É que, ele é o único representante, em todo o território
de Moçambique, da ICOM, IRIDIUM e da HYBREX. Ele vende,
instala e repara todos os aparelhos solicitados.
Vê-se, que existe, de facto, um
movimento considerável neste pedacinho da grande capital moçambicana que
procura acelerar o seu desenvolvimento, necessitando, no entanto, de um grande
empurrão para que progrida mais rapidamente. O progresso assim o exige. O povo
assim o merece.
3- Saboreando as especialidades do Restaurante “Costa do Sol”
Terminado o serviço, fomos
convidados para almoçar no Restaurante “Costa do Sol”, onde
experimentámos o camarão médio, grande e tigre, sem falar da garoupa, da salada
grega e da salada de camarão. Soubemos que o restaurante é propriedade de uma família
grega, radicada em Moçambique há muitos anos sendo, portanto,
greco-moçambicana. E, de facto, um dos proprietários veio falar connosco,
dizendo que já ali se encontrava há cerca de 32 anos. Fomos bem servidos sem
nos vermos, nem sentirmos gregos.
4- Bairro Triunfo – Os “Maziones”
Após o almoço a professora
Susana que, após uma longa estada em Portugal, regressou às suas origens, onde
fundou uma escola para crianças de tenra idade, levou-nos a dar uma volta pelo Bairro Triunfo, onde presenciámos coisas
maravilhosas, como: árvores com raízes fantasmagóricas, bidões a servirem de
contentores do lixo com a inscrição “Associação dos residentes do Bairro
Triunfo. Por favor, deito aqui o lixo”.
Presenciámos também os
vendedores de artesanato, na marginal, e no centro Stanly Crfaft, assim como o baptismo e/ou os
exorcismos dos “Maziones” cujo ritual consistia em introduzir as pessoas
(crianças e adultos) no mar, mergulhando-os, várias vezes, na água (alguns até
30 vezes). Vestiam capas brancas com cruzes verdes, ou capas verdes com cruzes
brancas. A cerimónia era realizada na Marginal, perto do autódromo, sendo
acompanhada com o som do batuque e cânticos apropriados.
Um pouco mais adiante de quem
vem da Costa do Sol para o Hotel Polana, encontra-se, ainda em ruínas, o último
edifício cuja construção foi iniciada ainda no tempo colonial, mas nunca
terminada. Parece uma torre fantasma, depois de uma catástrofe atómica. Só se
vêem paredes, portais e janelas sem aros. Na sequência do fantasmagórico
existem, junto à praia, diversas árvores cujas raízes, de formas contorcidas e
à flor da areia, desafiam, valorosamente, os ventos agrestes e as ondas
atrevidas do mar!
5- Um multa de lhe tirar o chapéu
De regresso ao hotel, passámos
pela Associação dos Fotógrafos de Maputo (sita na Avenida Júlio Nyerère,
n.º 618), onde apreciámos uma exposição de fotografia humana, sobre as
populações de Angoche, feita pelo fotógrafo Naíta Ussane, actual presidente da
Associação[7].
Encontrámos, na galeria o Sr. Sérgio Santimano[8], cujo
assessor é o Sr. Rui Assubugi[9].
Fomos recebidos pelo Sr. Assane.
A exposição agradou-nos, no
geral, e pensámos que essa mesma galeria poderia ser um óptimo local para a
nossa exposição, quando esta estivesse preparada.
Pelo caminho, nessa mesma
avenida, perto de um semáforo cuja luz vermelha indicava a proibição de seguir
em frente, notámos que a própria polícia a passou sem parar!!!! Admirados,
perante o facto, principalmente porque não se notou a sirene, nem coisa que se
parecesse com ela, alguém comentou:
- “Que ordem é esta,
que nem a polícia observa os sinais de trânsito?” – observou alguém
- “É simples”, - respondeu
a Susana ....”É que, segundo as instruções que nos dá a própria polícia, na
televisão, à noite, não devemos parar nos semáforos, mesmo que estejam
vermelhos...Principalmente se o caso se passar com uma senhora...Deve-se
abrandar, mas parar de todo, nunca”!
E, se assim o pensava
e disse, assim o fez, seguindo o carro da polícia, que se deixou ultrapassar,
ao virar à direita. Cem metros ainda não eram percorridos e eis que a mesma
patrulha nos faz sinais de luzes para pararmos, esperando que a Susana
descesse de seu carro para que se explicasse! Vejam: em vez de serem eles a
sair e a pedir os documentos, foi a cidadã que teve de se dirigir a eles...! E
toca de discutir. A Susana dizia:
- “Não foi isso que
vocês nos ensinaram fazer durante a noite?”
- “Não, Senhora. Houve
transgressão e deve pagar a multa...”
E a
discussão continuou: Quanto é..., quanto deveria ser.... E a situação ficou
resolvida com duas notas de 100.000 para a cerveja! E pronto. Vá-se lá fiar um
pândego nas leis, nos conselhos de quem quer que seja! O melhor é fazer escorregar
uma ou duas notas ou, em muitos casos, descarregar uma grade ou, já que mais
não seja, duas cervejitas patrulha para matar a sede que aperta, principalmente
no Verão.
De seguida, fomos até ao Holiday-in,
onde nos rimos à grande, com as recordações da viagem, ao Kenyon
americano, dos nossos amigos Luís, Fernando e Gil, sem esquecer a cena recente
em que todos nós fomos protagonistas! Ricas histórias foram, ali, contadas, à
mistura com peripécias de lhes tirar o chapéu!
Regressados ao nosso hotel, cada
um foi para o seu trabalho: os fotógrafos a digitalizar e gravar, em CD, as
imagens feitas na empresa do Pedro Loforte e eu, a redigir estas notas.
CAPITULO QUATRO
A GRAÇA DE UM CHECK-IN E DE UMA VIAGEM SUI GENERIS
1- O Pitoresco de uma partida
Sendo o dia 25 de Julho o dia de partida de Maputo para as Chocas-Mar,
Saua-Saua, via Nampula, e, uma vez que tínhamos avião só às 14.00 horas, pudemos
dormir até mais tarde.
Estava tudo agenciado com a
direcção do Hotel para que nos levassem até ao Aeroporto, às 11.30 horas. A
essa hora, os empregados do hotel receberam a nossa bagagem, e meteram-na no
mini bus que nos levou ao destino. Uma vez ali chegados, por volta do meio-dia,
pegámos em carrinhos, para transportarmos as malas e sacos, dando ares de caixeiros-viajantes. Ao passarmos pelo check-In tivemos dificuldade em
convencer a senhora que estava no posto de controlo a deixar-nos passar com
todos os nossos haveres, devido ao excesso de peso!
- “Sabe”, diziam o Fernando e o
Luís, “são as armas da nossa guerra... os utensílios do nosso trabalho. Se
algo se perde, lá ficamos nós sem o ganha-pão. Não podemos fazer nada! Somos
fotógrafos, e já viu o que é ficarmos sem toda esta aparelhagem”!
Chora que não chora..... E a senhora oficial lá se deixou convencer!
Chora que não chora..... E a senhora oficial lá se deixou convencer!
Um pouco mais adiante,
apresentou-se um outro funcionário que nos acompanhou até à porta do controle
alfandegário. Não era precisa tal delicadeza, porque o espaço a percorrer não
ia além de cinco metros e a porta era bem visível, mas a gentileza demonstrada
escondia intenções diferentes. O seu intuito não era, de facto, o de nos
indicar a porta, mas sim a necessidade que ele sentia de que algum de nós
metesse a mão ao bolso para dali retirar algumas notas para o seu almoço! Se
elas não deslizaram sorrateiramente no check-in, tiveram de ser
extorquidas, diplomaticamente, aqui!
Logo que passámos o vão dessa
porta, demos de caras com o tapete rolante onde deveria passar a bagagem para
ser sujeita ao olho perspicaz do Raio X. Mas, se o tapete rolante ali estava, o
RX, se algum dia funcionou, presentemente parecia estar a descansar! Passou
tudo pelo lado, onde estavam dois funcionários a vistoriar e a questionar:
- “Senhor,
leva faca, objecto cortante, contundente, contrabando?”, pergunta o
funcionário.
-
“Não,
senhor”, responde o passageiro.
- “Passa
lá..... E Senhor, leva, faca, objecto cortante, contundente, contrabando?”
- “Não,
Senhor”, responde o Luís.
-
“Hé,
Senhor! Que traz aqui nesta mala tão pesada?”
-
“Bom...”
- “He,
senhor! Dá saguat[10] a nós p’ra café”
-
“Então
deixa fechar primeiro a mala”, responde o Luís.
-
“Tá”....
- "Toma!"
E pronto, o Luís, alegre e
contente (sabe-se lá porquê?) pega nos sacos e, pensativo, junta-se ao grupo,
dizendo:
-
“Já
me comeram! E esta hein!”
Mais tarde, nas Chocas-Mar, relembrou um facto
semelhante que lhe tinha acontecido em Maputo, anos antes. Estando no controle
de bagagens, o agente pediu-lhe descaradamente dinheiro para uma bebida.
-
“Como?
Em frente de tanta gente”, perguntou o Luís?
- “De repente” continua o Luís, “vejo e ouço o agente ordenar ao seu
colega para que mandasse recuar a fila de pessoas que se encontravam no local,
dizendo em seguida”:
-
“Patrão,
agora já pode dar!”
2- Peripécias no Avião de Maputo a Nampula
As peripécias não terminariam
por aqui. O Fernando perguntou-me se nos davam almoço no avião. Estávamos sobre
as 13 horas e pouco.
-
“Sei
lá”, respondi eu. “São capazes de nos dar uma sanduíche e um copo de sumo”,
respondi.
-
“Não
me digas...”
-
“A
ver vamos, como diz o cego”.
Perto das 14 horas uma
hospedeira da LAM veio pedir desculpa aos passageiros pelo atraso do avião que
iria de Maputo a Nampula, via Quelimane. Passados 15 minutos fazem-nos sinal
para nos dirigirmos ao avião.
Tendo sido dos primeiros a
entrar, nós escolhemos os melhores lugares, isto é, os mais espaçosos e junto à
janela da asa. Ainda mal tínhamos acabado de nos sentar, e eis que uma outra
hospedeira, nos diz, com um belo sorriso:
-
“Como
os senhores já devem saber, estão mesmo junto à porta de emergência. Se algo
vier a acontecer, contamos com a vossa compreensão e auxílio”.
-
“Com
certeza, respondeu delicadamente o Fernando, que estava ao meu lado....
Quanto a mim, nem sabia o que
responder porque não percebi bem o que ela tinha dito, tendo de recorrer a ele,
a fim de saber do que se tratava.
À hora da refeição (cerca das 15
horas), todos se preparavam religiosamente, arregaçando as mangas e preparando
as mesas para a função correspondente, tal era o apetite depois de 6 horas de jejum. Mas vejam
a sorte macaca que saiu a todos os clientes da LAM: a oferta de uma sanduíche
de queijo disfarçado, um copo de Coca-Cola, água ou chá e uma rodela de tarte
doce! Desgraça das desgraças! O Fernando detesta o queijo, e eu, por ser diabético,
não deveria tocar em coisas doces. E o que é que aconteceu? Nem o Fernando deu
conta que dentro
da minúscula carcaça quase desaparecia uma transparente lâmina de queijo
fedorento (ou, se a viu, fez de conta que ali estava um suculento bife!) nem eu cumpri com as prescrições do meu médico, devorando a tal
rodela doce, como se fosse uma de limão! Jurei, no entanto, a pés juntos,
portar-me melhor, na próxima vez!
3- De Quelimane só o cheiro
Ao chegámos a Quelimane tivemos
de sair para que o avião fosse limpo, assim nos disseram! Mas, se nem a nós
nos deram tempo de ir às casas de banho para procedermos à nossa própria
limpeza, como é que houve tempo para a do avião?!
Reentrámos no aparelho, após
termos suportado as nuvens de vapores da atmosfera escaldante e, uma vez já em
voo, ofereceram-nos um minúsculo pacote de batatas fritas e um copo de água ou
de Coca-Cola, à escolha, coisas que desapareceram num abrir e fechar de...boca
ou, por outras palavras: enquanto o diabo esfrega um olho por causa de ver tão
pouco!
4- A imponência dos “Inselbergs” de Nampula
Perto já de Nampula, ficámos
admirados com o panorama que se avistava. Efectivamente, na imensidão de toda
aquela área circundante avistam-se grandes morros de granito que, em tom de
desafio, apontam os seus mamilos ao céu. Provenientes da língua alemã (Insel, “ilha” e Berg,
“montanha”), os Inselbergs correspondem a montanhas pré-cambrianas, são quase sempre
monolíticas e constituídas por gnaisse e granito. A sua maior curiosidade
consiste em elevarem-se inopinadamente do plano que os rodeia e apresentarem
formas diversas e singulares!.
Alguns desses “Inselbergs”[11]
chegam a ultrapassar os mil metros de altitude, sendo uma tentação para os
montanhistas mais ousados. No entanto, não será nada inteligente aventurar-se
a escalar um, sequer que seja, sem primeiro, pedir conselho aos habitantes da
região, e, sem se munir de equipamento apropriado.
À chegada ao aeroporto de Nampula, esperava-nos o Senhor Figueiredo, empregado do Grupo João Ferreira dos Santo[12], que nos facilitou a recolha das malas e o controle das mesmas nos serviços alfandegários. Para o transporte, esperavam-nos o Senhor Roberto Duduli[13], de etnia indistinta (para não dizer “monhé”) e o jovem Dinho (entre os 20-25 anos) , que se dizia de raça negra, (mas, ao que parecia, com sangue à mistura de mulato). O primeiro era o proprietário e o segundo, o condutor do carro que tinha sido alugado pela Dra. Tabita e pelo Eng. Adelino. Também estes passam a ser actores das aventuras que se seguirão.
Um Inselber de Nampula
À chegada ao aeroporto de Nampula, esperava-nos o Senhor Figueiredo, empregado do Grupo João Ferreira dos Santo[12], que nos facilitou a recolha das malas e o controle das mesmas nos serviços alfandegários. Para o transporte, esperavam-nos o Senhor Roberto Duduli[13], de etnia indistinta (para não dizer “monhé”) e o jovem Dinho (entre os 20-25 anos) , que se dizia de raça negra, (mas, ao que parecia, com sangue à mistura de mulato). O primeiro era o proprietário e o segundo, o condutor do carro que tinha sido alugado pela Dra. Tabita e pelo Eng. Adelino. Também estes passam a ser actores das aventuras que se seguirão.
Fomos com eles a um pequeno bar
para merendarmos, e, ali mesmo, entregámos ao Sr. Roberto a quantia de
15.000.000 Mts, sendo assim descriminada: José 5.000.000 de Meticais; Fernando,
Gil e Luís 3.333.350MTS, cada um. Foi-nos dito pelo mesmo que a Da. Tabita lhe
tinha já entregue 5.000.000 MTS. Esta quantia com a que eu entreguei daria para
a contribuição, nossa e do Adelino. Assim daria a primeira fatia (20.000.000,00Mts)
da quantia (40.000.000Mts) pela qual tinha sida alugado o carro pelo período de
um mês. A outra metade ser-lhe-ia entregue no fim do mês, à hora da despedida, no aeroporto.
6- Meios de que dispomos em Nampula
Bancos: Para trocar ou levantar dinheiro existem três bancos, pelo menos: o
Banco Internacional de Moçambique (BIM), Banco Comercial de Moçambique (BCM), e
o Banco Português de Investimento (BPI).
Telefones: para telefonar existem algumas cabinas públicas em
vários pontos da cidade, inclusivamente uma no “lobby” do Hotel Lúrio.
Em caso de emergência os cidadãos europeus poderão pedir apoio junto das suas
embaixadas ou consulados. Para os portugueses existe, nesta cidade, o
Consulado Honorário Português[14].
Hotéis e Pensões
existentes: Pensão Marques, na avenida Paulo Samuel Kankhomba, perto da
Estação de caminhos-de-ferro; Pousada Francisco; Hotel Brasília
(à volta de 12 US$), perto do BIM; Hotel Lúrio cujo telefone é 212520
(entre 28-46 US$); Hotel Tropical (Tel. 212332) atrás do Museu Nacional
de Etnografia e um bloco a Norte da avenida Eduardo Mondlane, rondando os
preços, entre 55/80 US$.
Para comer temos os seguintes restaurantes:
Café Carlos (Tel. 217960), Hotel Tropical, Copacabana, Restaurante
Lord, perto do Mercado, Clube de Tenis, na Av. Paulo Samuel
Kankhomba, Almeida Garrett, na
avenida Francisco Manyanga, Sporting Club, perto do Copacabana, o Pinto’s
onde se come um belo naco na pedra e a Quinta de Galo, aberto só
durante o dia, nos fins-de-semana.
Transportes: para chegar
a Nampula existem os seguintes transportes: avião (LAM com voos diários
de e para Maputo; semanais de e para Beira, Lichinga, Quelimane, Tete e Pemba);
autocarro para Monapo, Ilha, Nacala, Pemba, Ribáué, Alto Molócué,
Mocubaa, Quelimane. Um TSL vai duas vezes por semana para Maputo, via Mocuba,
Milange, Blantyre, no Malawi, Tete e Chimoio. Parte às 4 horas da manhã, nas
segundas e quintas-feiras. Existe também o comboio diário que liga
Nampula a Cuamba, e um semanal que liga Nampula a Nacala.
7- A Caminho das Chocas-Mar (Mossuril)
Saímos de Nampula, às sete horas
da tarde e, depois de tentar levantar dinheiro em vários bancos, mas sem
sucesso, e de abastecer o carro, partimos em direcção às Chocas-Mar. A poucos
quilómetros de Nampula tivemos de parar junto a uma patrulha que nos perguntou
para onde íamos. O condutor respondeu-lhe, meio a gaguejar:
-
“São
meus familiares”
-
“E
para onde vão?”
-
“Para
o Namialo”.
-
“Acenda
a luz do interior”.
-
Perante
esta exigência – ele era negro e nós brancos, emendou:
-
“Vou
levá-los a casa dos meus familiares!”
-
“E
quando volta, você?”
-
“Amanhã,
talvez. Ou depois. Ainda não sei bem”.
-
“Bom,
então, falamos quando voltar. Stá bem?”
-
“Tá,
Adeus”.
-
“Vão
com cuidado ... devagar, que a estrada está má e pode haver assaltos”.
-
“Obrigado”.
Pelo caminho, o tempo passava
devagar. E com os buracos que se multiplicavam sem conta nem medida, ficámos
com o corpinho mais maçado do que se tivesse sido massajado por um monstro
nipónico.... Um daqueles que são exímios em judo e outras artes marciais.
Ao chegarmos às Chocas-Mar, vila marítima e simpática
pertencente ao concelho do Mossuril, já a noite tinha feito uma boa soneca,
enquanto a Tabita e o Adelino se inquietavam pelo nosso atraso. Pensando que
tínhamos saído de Maputo de manhã, o que daria para chegar por volta do
meio-dia, estavam preocupados, receando que algo, de grave, nos tivesse
acontecido! Comunicar connosco, foi-lhes impossível e a nós com eles também,
por falta de cobertura das antenas das telecomunicações.
Feitas as apresentações, fomos
jantar. O que nos esperava era uma travessa de apetitosas lagostas e umas
cervejas bem geladinhas! Apesar de ser tarde, ninguém quis fazer a
desfeita aos anfitriões! Sentou-se toda a gente à mesa e, vai de ver, quem
estava mais cansado! Pudera, lagosta parada no prato, não escapava nem ao mais
lento bom alentejano, quanto mais a corredores de maratonas!
CAPÍTULO CINCO
CHOCAS-MAR: QUARTEL-GENERAL DE DUAS COMPANHIAS
Uma vez chegados às Chocas-Mar,
reunimo-nos à Tabita e Adelino, continuando, então a formar dois grupos quase
distintos intervindo estes dois elementos, mais directamente na Plantação de
Saua-Saua, enquanto os fotógrafos se dedicariam ao trabalho da fotografia. Fazendo a ligação entre ambos e o trabalho de escritor e de visor de obras ficava eu, sem que para isso me tivesse sido atribuídas ajudas de custos... riam se acharem
graça!
1- Começo das obras de reabilitação das habitações de Saua-Saua
Logo pela manhã do dia 26 de Julho[15]
dirigimo-nos à plantação de Saua-Saua, onde encontrámos o guarda, João com o
qual falámos, no intuito de nos procurar um pedreiro, um carpinteiro, e o
médico tradicional, os primeiros para os contratar e o segundo para ser
entrevistado sobre a medicina tradicional pela Tabita.
Plantação de Saua-Saua
Fomos, de seguida, dar uma volta
pela plantação. E qual não foi o nosso espanto ao notarmos que nos tinham
roubado a videira que ali tínhamos plantado no ano anterior, ano da nossa
primeira visita com o intuito de fazermos o levantamento do património e
procedermos às necessárias medições das habitações e das restantes construções.
Deste primeiro contacto com Saua-Saua fizeram parte, além de nós, Maria
do Carmo da Encarnação e sua filha Joana.
Foi no intuito da reabilitação de todo este conjunto que surgiu a Mossáfrica e que a nossa aventura começou.
Foi no intuito da reabilitação de todo este conjunto que surgiu a Mossáfrica e que a nossa aventura começou.
Relativamente ao começo das
obras, descobrimos o local das antigas fossas da casa principal e vimos que os
canos que iam da sanita à fossa estavam completamente obstruídos, pelo que
decidimos abrir umas novas, fazer nova canalização de esgotos e reabilitar
todo o quarto de banho, conservando, no entanto, tudo o que podia ser aproveitado,
tanto do chão como das paredes. Abrimos o primeiro poço para a fossa estanque e
demos instruções para que, no dia seguinte, se abrisse outro para a fossa rota.
2- Plantação de Saua-Saua e o seu Mangal
Já agora, direi em poucas
palavras, de que plantação se trata. O seu Nome é “Saua-Saua” e é uma
propriedade de cerca de 100 hectares, constituída, essencialmente por um palmar
de coqueiros, possuindo ainda outras árvores de fruto, como: mangueiras,
cajueiros, papaieiras, alguns ibondeiros, uma ou outra amendoeira, e terreno para vários tipos de cultura.
Existem, ainda que em condições de grande degradação, várias casas de
habitação, fábricas de descasque de arroz e descaroçamento de algodão com os
seus respectivos armazéns. Todas estas casas, em número de seis e ambas as
fábricas funcionaram em pleno nos tempos do colonialismo, tendo sido postos em
acção pelos avós e pais da Tabita. Mas a descolonização e a guerra intestina
de Moçambique perturbaram e puseram termo ao ciclo de desenvolvimento,
esperando, agora, por alguém que o ressuscite e continue.
Naturalmente bela, esta
plantação possui uma das mais belas praias da Baía da Condúcia, pertencente ao
distrito do Mossuril e um Mangal que é um verdadeiro brinco porque se encontra
cheio de sonho e de mistério.
À primeira vista, o Mangal que
se estende ao longo da costa oriental e ocidental da Plantação dá a impressão
de um matagal desordenado e sem préstimo. Mas, uma vez ali chegados, e
começando por observá-lo atenta e minuciosamente, essa ideia principia a desvanecer.
É que, à medida que nos vamos embrenhando nele, vemos o ambiente a
transformar-se pelos vários tamanhos e formas da sua vegetação que se vai
multiplicando em sombras contorcionistas e figuras fantasmagóricas, qual delas
a mais bela e original!
Parte do Mangal de Saua-Saua
Foto de JCM
Umas vezes são os rebentos das
árvores adultas que apresentam formas curiosas: umas pequeninas quase a
nascerem, outras de meia altura, ou já mais crescidinhas, mas ainda bebés.
Temos então a sensação de estarmos perante um campo cultivado com pequenas
manchas de espargos. Outras vezes ainda, damos de caras com uma clareira onde
um, dois, ou mais troncos mortos se transformam em figuras quase humanas,
semelhantes a estátuas de madeira, imóveis, cravadas na areia branca que se mistura
à terra negra, a rebolar-se, praia a baixo, empurradas pela água doce que
jorra, abundantemente, da encosta.
Rebentos do Mangal
JCM
Outras vezes é um pequenino lago
que nos atrai, quer pela sua forma esbelta, quer pelo ambiente circundante que
se forma pelos troncos secos, de mistura com as pegadas de humanos e de
animais, o que empresta à vizinhança marítima um ar de campo e de cultura
agrária.
Se nos vemos abafados pelo sol
abrasador, é do Mangal que nos podemos servir, utilizando a sua franca rama
que contrasta com a furtiva sombra dos vizinhos coqueiros que se erguem,
esguios, mas majestosos e que, de tanto baloiçarem ao vento que os agita e
afaga num contínuo namoro cheio de segredos e calafrios, deixam desprender, de
quando em quando, o fruto desses amores – um coco já maduro!
Tanto Saua-Saua, como o seu
Mangal, meus caros amigos, são dignos de ser cantados por poetas e pintados por
artista plásticos em poemas de rimas nobres e em quadros de variegadas cores.
Tivera eu o “engenho e arte” de Camões ou a veia pictórica dum Miguel Ângelo ou
dum Matisse que não deixaria, certamente, de imortalizar tamanha pérola de tão
raro valor! Preciosidade tão bela que, mais do que realidade, parece ser um
sonho e um mistério a serem embalados por uma canção que nos embala a nós próprios
e nos faz adormecer para volver ao sonho dum eterno e acariciador embalar!
3- Primeiro encontro entre Patroa e Trabalhadores
No dia seguinte, dia 27, às cinco da manhã, a Tabita, o
Adelino e eu levantámo-nos cedo para estarmos na plantação às seis e vinte. Ali
nos esperavam: o João com os seus homens (dois guardas e dois sazonais), o
Cabo, o pedreiro (Abdalah) e dois carpinteiros (Ussene Assumane e Oraíbo
Pachir), preparados para começarem a trabalhar, a expensas da proprietária da
Plantação e dos sócios Adelino Antunes, Maria do Carmo da Encarnação e José
Coelho Matias. Ali ficámos os três, enquanto o motorista Dinho regressou às
Chocas-Mar para trazer o Fernando, um pouco mais tarde.
Na Plantação mostrámos,
primeiro, aos carpinteiros a casa que tinham de reabilitar, reparando portas e
janelas, aproveitando todos os aros, portas e taipais de janelas que estivessem
em boas condições. E todos os aros que estivessem estragados, (ao fundo
principalmente) e portas e janelas que estivessem defeituosas deveriam ser
reparados com enxertos de madeira igual (umbila, o mesmo que imbila) e tão bem
feitos que não se notassem, de forma alguma, esses mesmos. Os carpinteiros
garantiram que tudo ficaria como novo, e como fora indicado. Verificámos
quanto material era necessário e chegámos à conclusão de que necessitariam,
para começar, de 5 kg de pregos, 27 tábuas de madeira de dois metros e meio de
comprido, 3 frascos de cola de madeira, 68 dobradiças, 3 limas trifácies.
Falámos depois com o pedreiro
para lhe darmos a conhecer o que seria necessário fazer: abrir novo poço para a
fossa rota e empedrar ambas as fossas; abrir, cimentar e rebocar as fendas das
paredes, do chão e do telhado da primeira casa; altear os terraços dando-lhes
uma pequena inclinação de três centímetros na parte mais alta, de modo a que a
água da chuva na estagnasse; cimentar as fendas do telhado, colocar um oleado
por cima e um outro telhado de colmo; fazer a casa de banho segundo as
instruções (ralo do chuveiro rodeado de um pequeno muro, bidé e sanita a ser
assente mais perto do chuveiro, e o lavabo, no sítio ocupado pelo antigo).
Vila Tabita
JCM
4- Não te metas em contratos sem conheceres os usos e costumes
Relativamente aos preços,
fizemos um contrato mal feito com os carpinteiros (7 milhões durante um mês, mas
com o serviço completo), enquanto que com o pedreiro não fizemos contrato
nenhum, deixando-o para o próximo dia. Pediu-nos que comprássemos, pelo menos,
2 sacos de cimento.
Depois de chegar o Fernando,
deixámo-lo a fotografar a plantação, enquanto os três fomos comprar o material
necessário. Não o conseguimos todo, nem em quantidade desejada por escassear no
mercado. Comprámos, no entanto, o seguinte:
DESIGNAÇÃO
|
PREÇOS
|
3 Limas
|
65.000MTS
|
3 Frascos de cola
|
135.000MTS
|
4 Caixas de pregos
|
100.000MTS
|
68 Dobradiças
|
254.000MTS
|
4 Garrafas de água
|
30.000MTS
|
Abastecemos a viatura
|
290.469MTS
|
Gorjetas/ trabalhadores
sazonais e guardas
|
250.000MTS
|
TOAL=
|
1.074.469 MTS
|
Ao regressarmos à plantação,
cerca das três horas da tarde, o João abordou-nos e disse-nos que o contrato
que tínhamos feito com os carpinteiros tinha sido nulo “porque foi mal feito por ignorância dos patrões”, explicou ele. “Os salários, aqui praticados, são muitíssimo
mais baixos do que aqueles que nós acordámos. Desta forma, os salários seriam
de tal forma inflacionados que os patrões vizinhos ficariam agastados”.
Perante tal advertência ele
disse-nos que com 4 milhões já ficavam pagos acima da média praticada, ficando
ainda muito beneficiados. Ficou ele mesmo de falar com os carpinteiros de modo
a aceitarem esta segunda proposta. “Se
não aceitarem”, disse “chamam-se
outros, porque há muitos trabalhadores no mercado do trabalho”.
E, se bem o disse, melhor o fez.
Conversou com os interessados e eles aceitaram a emenda e, vieram pedir-nos
desculpa de nos terem induzido em erro! Atitude como esta é de admirar e
louvar!
O João foi mostrar-nos as
nascentes da água e os tanques, ficando de mandar limpar os dois principais e a
mina. Pedimos-lhe para fazer esse serviço antes de nos irmos embora porque queríamos
fazer novas análises à água. A propósito, a água doce jorra abundantemente
junto à costa e é proverbial a frescura, riqueza e sanidade desta água, havendo
referências a ela em documentos antigos.
Nascente principal como a encontrámos
e Bica geral
Faltava-nos encontrar transporte
para a madeira. Fomos procurar o Sr. Adão, morador no Mossuril. Não estava.
Voltámos lá, à noite, de regresso da plantação. Também não estava. O filho
disse-nos que tinha ido para as Chocas-Mar.
Dirigimo-nos para esse local e, no caminho, cruzámo-nos com ele. Questionado, sobre
o preço a praticar, perguntou qual a proposta que nós próprios apresentávamos.
Distemos-lhe que no dia seguinte falaria com ele o João. O transporte para a
madeira teria de ser encontrado na terça-feira próxima, o que me pareceu ser
tarde de mais.
Antes de chegarmos vimos a
população vizinha em festa. Grupos de raparigas em trajes coloridos, dançando
ao som de tambores e cantos. E que bem dançavam! A paisagem era magnífica:
rapazes, crianças, adultos, anciãos, trajando festivamente. Uns (poucos) de bicicleta, outros (a maioria), descalços, palmilhavam, a
pé, os caminhos poeirentos. Os campos estavam vestidos também, mas do vermelho (a esta hora já mal se
decifrava) da flor das mangueiras e dos cajueiros à mistura com o verde da sua
folhagem, salpicados, aqui e ali, de figuras esquisitas, formadas pelas
mandioqueiras ibondeiros, batidos pelo brilho do luar.
Regressámos a casa. Enquanto os
meus colegas se refrescavam com um bom banho, na praia, eu fiquei a idealizar e
a materializar estes apontamentos. Após o jantar no qual nos foi servido
caranguejo, como aperitivo e salmonetes fresquinhos, como prato principal,
fizemos a agenda para os próximos dias: ida a Nacala, Nampula, Gêba, Muchelia,
Ilha, não só para apreciar, como também para fotografar as suas belezas.
5- Um elemento mais se junta ao grupo: a Isabel
Hoje, dia 28 de Julho, foi um dia que começou cedo, pelo menos para a
Tabita, Adelino e Fernando que se levantaram às cinco, menos um quarto, para
irem a Nampula com um objectivo múltiplo: esperar, no aeroporto, a Isabel;
fazer algumas compras para abastecer a nossa despensa, e dar uma volta pela
feira de Nampula, onde o Fernando aproveitou a deixa para fazer gosto ao dedo,
pondo à prova a sua arte da imagem e para fazer sair da carteira alguns trocos,
tal foi a cobiça do artesanato local!
A Isabel, professora e já “na ternura dos quarenta”, juntara-se a
este grupo com uma dupla divisa: a de turista e a de conquistadora de
namorados. Só no nosso grupo, para além do condutor que era um jovem mestiço,
na casa dos vinte, havia 5 homens cuja idade ia dos 40 aos 62 anos. Terreno
fértil e prometedor de boa colheita! Veremos, então, o que, ao longo da nossa
estadia em Moçambique, consegue prevalecer: o turismo ou o amor?
6- No Marulhar das ondas das Chocas-Mar
Entretanto, eu levanto-me, por
volta das seis horas, abro as portas da sala e ponho-me a observar o mar. O
marulhar das ondas embala uma canção longínqua de pescadores solitários,
transmitindo-me a sensação de ouvir os nossos mareantes de seiscentos. Uma vela
branca, de mancha mais escura ao centro, demonstra que, com remendos ou manta
de retalhos, também se podem sulcar as ondas e pescar no mar. Espelhado neste, o
céu azul, entremeado de nuvens brancas, mostra ao longe, no extremo do
horizonte, uma neblina misteriosa que se vai aproximando cada vez mais da orla
marítima, deixando para trás uma figura enigmática, formada pelo abraço no qual
o mar aperta o firmamento!
Por entre duas enormes
casuarinas procuro vislumbrar pescadores! Nenhum mais se vê. Mas eis que, de
repente, raia o sol, dispersa-se a neblina e reaparecem dois pequeninos
veleiros, chamados “lanchas” e três pirogas, chamadas “canoas” que não são
maiores do que uma daquelas gamelas que são utilizadas, na Beira Alta, para os
animais comerem as suas rações. Pequenas, sim, pois essas minúsculas
embarcações são construídas, umas a partir de um tronco de árvore (um cajueiro
ou mangueira) que é artisticamente escavado com utensílios rudimentares e
outras a partir de pranchas de madeira inbila. A pouco e pouco aparecem
rapazes trazendo, à cabeça, nas mãos ou em pequenos cestos feitos em folha de
bananeira, uma grande variedade de peixe e marisco.
Saindo da minha meditação
pergunto a um moço, ao Raimundo, o nosso cozinheiro, quais as variedades de peixe
existentes na zona e como resposta disse-me:
- “O peixe mais comum é a garoupa, o salmonete, o peixe papagaio, peixe
pedra, peixe vermelhão, peixe-serra, peixe-xareua, peixe-linguado (peixe de
primeira e o mais apreciado) e peixe-atum, peixe-sardinha e polvo (peixe de
segunda) ”.
- “E o marisco?” Continuei a perguntar?
- “O marisco mais comum é a lagosta, o caranguejo, o camarão, a
amêijoa, a lula, as ostras que se encontram principalmente na Cabaceira
Grande”.
- “E quanto ao preço? Digam-me como é que se vende o peixe, aqui”.
- “A garoupa, peixe papagaio, peixe-serra, peixe-pedra, salmonete,
peixe-Xareuá: 20.000MTS; Polvo, peixe vermelho, sardinha e atum: 15.000MTS;
Linguado: 17.000MTS; Amêijoa: 8.000MTS; Caranguejo: 12.500MTS; Lulas: 25.000MTS;
Lagosta e camarão grande: 30.000MTS”.
É curioso, porém, ver a riqueza
marinha a contrastar com a simplicidade humana circundante! Muito peixe, mas
fraquíssimos meios para tirar partido dessa mesma abundância. Não há outros
recursos, além desses pequenos barcos! Não há escoamento, por falta de meios
que facilitem a recolha e a distribuição em grandes mercados. O modo utilizado
é o seguinte: dentro de uma canoa, o pescador rema apenas com um remo,
desloca-se de um lado para o outro, cantando, primeiro, calando-se depois.
Estacionado, virado normalmente para o horizonte, lança o anzol (!) e espera
pacientemente que um peixe se deixe enganar, o que, em dias normais, não tarda
a acontecer. O peixe morde, é puxado e lançado no fundo da canoa! Outro meio
mais sofisticado é a lancha de seis remos e vela toda rota ou remendada com
panos de cores diversas. Além dos seis remadores vão mais três ou quatro
pescadores para lançarem a rede, coordenarem os movimentos e ajudarem na
faina. Também estes não se afastam muito da costa.
O consumo local é mínimo porque
os nativos não têm poder de compra e os turistas, nem sempre estão dispostos a
comprar, ou porque as economias não dão para tudo, ou porque, são raros, ou
porque não estão para comer peixe todos os dias! A exportação não existe! Para
que ela existisse deveria haver uma ou mais unidades de frio que não existem,
nem se vislumbra possibilidade nos tempos mais próximos. Disseram-nos alguns
pescadores que de algum tempo para cá, costumam aparecer alguns chineses, vindos de
Nampula que compram todo peixe que lhes apresentam, tendo preferência por
algumas espécies. Talvez esta iniciativa seja um começo de desenvolvimento da
indústria pesqueira, aqui na zona do Mossuril. Estamos no tempo em que se
pesca só para ter “o peixe de cada dia”, poderia assim dizer Cristo, no
Pai-nosso, se desejasse pregar pessoalmente aos habitantes destas terras
Macuas. E quem sabe? Talvez eles é que estão certos, embora um pouco mais de
conforto e de alimentação não lhes fizessem nada mal!
Este cenário que acabo de
escrever ainda não está completo. Acocorado na praia, está um outro rapaz
lavando os peixes que vai metendo no seu cesto de folhas de bananeira. Coloca os
melhores por cima e rega-os todos com água salgada para os refrescar. Terminada
esta função, coloca-lhes uns raminhos de verdura, por cima, e levanta ferro,
praia fora, em busca de algum comprador. Ao lado, debaixo de uma frondosa
árvore que serve de habitáculo a ágeis esquilos e veloz passarada, estão outros
três, “à boa vida”. Dois conversam, o
outro saboreia o descanso, estendido sobre a areia. Numa coisa estão todos de
acordo: o tempo tem que passar, nem que seja de papo p’ra o ar. Nesse momento
posso, mais uma vez, admirar o acasalamento das nuvens com o mar por cujo amor
diariamente engendram e dão à luz o Azul-marinho! Lugar de sonho! Sonho de
esmorecer! E com encantos destes não apetece acordar jamais!
Às nove e vinte, deixo o
computador para ir banhar-me à praia. A água está límpida, azulinha e morna! Ao
longo da praia passeia uma senhora branca que, momentos depois, desaparece para
regressar acompanhada de um cavalheiro. Ao passarem junto de mim saúdam-me em
português. É um casal do meu país! E a conversa só teve de começar!
7- O desenvolvimento de Moçambique em perspectiva
Quanto ao desenvolvimento, vem a
propósito um artigo que li na Revista “Moçambique”[16], da
autoria de Dina Cortinhas, com fotografias do Arquivo Editando. A entrevistadora
coloca umas oito questões ao Dr. Rafique Jusob, director do CIP (Centro de
Promoção de Investimentos) relativas à implementação de novos investimentos em
Moçambique. Esta entrevista teve lugar pela ocasião da Conferência de
Investidores organizada pela Commonwealth Business Council, organizada,
em Maputo de 25 a 27 de Fevereiro de 2002[17],
conjuntamente pelo Commonwealth Business Council e pelo Governo
moçambicano, tendo um grande envolvimento do Centro de Promoção de
Investimentos e da Confederação das Associações Económicas (CTA), tomando parte
nela cerca de 350 delegados.
Segundo o entrevistado, esta Conferência
foi muito profícua, levando os participantes a conhecer a realidade industrial
e económica de Moçambique actual, e está certo de que ela terá a sua
continuação de modo a pôr todos os investidores ao corrente dos novos passos
que a economia moçambicana irá dando. Dado que, segundo os analistas internacionais,
o IDE, em África tem vindo a diminuir, para ele a “principal causa deste baixo fluxo de IDE deve-se ao fraco
desenvolvimento de infra-estruturas, custos de operação bastante altos (em
alguns casos imprevisíveis), mão-de-obra com baixo nível de qualificação,
sistema financeiro inadequado para as necessidades das empresas, entre outros
factores”. E a redução desse índice não tem atingido tanto Moçambique, uma
vez que “pequenas e médias empresas,
provenientes de várias partes do globo (particularmente de Portugal e África do
Sul) tem havido um fluxo considerável de IDE proveniente das Maurícias, da
República Popular da China, de Hong-Kong, da Malásia, da Holanda e da Itália...”.
No que toca a grandes
empreendimentos o mesmo adiantou que “tem sido possível atrair projectos de
grande dimensão no sector industrial e de minas... graças a uma boa política de
abertura ao investimento estrangeiro, à recuperação de infra-estruturas e ao
processo de privatização”[18].
Relativamente às expectativas no
futuro, pensa que as coisas irão melhorar, tanto em relação a toda a África,
como, em particular, a Moçambique. Para o seu país, as coisas parecem estar
facilitadas devido à sua posição geo-estratégica ao nível da SADC que prevê a
eliminação das barreiras comerciais nessa região, o que facilitará e aumentará
as trocas comerciais entre os países parceiros e, consequentemente, irá atrair
novos investimentos estrangeiros.
Quanto aos projectos para
Moçambique, o Dr. Rafique adiantou que, só em 2001 foram aprovados 129, cabendo
a maior fatia à agricultura, indústria, turismo, transportes e comunicações.
Para Maputo existe um projecto de um bilião de dólares americanos, cujo
objectivo é a produção de aço; um outro na área do turismo no valor de
967.500.000 US$ a localizar em Cabo Delgado, com o objectivo de implementar
infra-estruturas e unidades hoteleiras.
É do nosso conhecimento que
alguns países têm cooperado com Moçambique no intuito de desenvolver e criar
algumas infra-estruturas. Caso conhecido é o da Cooperação Suíça que compôs a
estrada – terra batida para o Mossuril. E alguém nos disse que a Cooperação
Italiana vai fazer uma nova ponte para a Ilha de Moçambique. Da Cooperação
Portuguesa não conhecemos nada. Não sei se por não existir (o que seria de
lamentar profundamente), ou por não ser publicitado!
No período compreendido entre
2002 e 2007, o novo programa indicativo contempla a afectação de verbas do 9º
Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), no âmbito do acordo de parceria,
assinado em Cotonou, em Junho de 2000, entre 15 países europeus e os 71
países africanos, as Caraíbas e o Pacífico.
O primeiro “envelope”, ou seja,
274 milhões de euros será repartido da forma seguinte: 45 a 55% irá privilegiar
o apoio macro-económico e orçamental; 25 a 35% beneficiará as
infra-estruturas de transportes; 15% contemplará o sector de segurança
alimentar e a agricultura. É de assinalar que entre 10 a 15 por cento será
aplicado no apoio a outros sectores como a saúde, especialmente a luta contra o
HIV/SIDA.
Nos dois últimos anos a União
Europeia despendeu, em média, 118 milhões de euros/ ano, valor que aumenta
substancialmente com o actual quadro. O Banco Europeu de Investimento (BEI)[19], que
actua em Moçambique desde 1987, através de operações de financiamento a
projectos desenvolvidos nos principais sectores da actividade do país, entre os
quais se destacam os do algodão, caju, açúcar, pescas, cimento, hidroeléctrica
e transmissão de energia eléctrica, comunicações, alumínio e minerais,
disponibilizou já mais de 184 milhões de euros. Os projectos que mais têm sido
apoiados pertencem ao sector privado e, como exemplo, temos os da Mozal (1ª e
2ª fases), Hidroeléctrica de Cahora Bassa, Maragra, Motraco, Cimentos de
Moçambique, Pescamar, Monapo, Lomaco, Grafites de Ancuabe, Caju de Nacala.
Participa também em projectos do sector público estatal, assinalando-se, neste
âmbito, por exemplo, a expansão da rede móvel da Telecomunicações de Moçambique
(TDM), participação da Electricidade de Moçambique (EDM) no projecto Motraco, etc.
O BEI apoia também “pequenas e médias empresas locais, através quer de empréstimos globais (linhas de crédito) canalizados pelo sector financeiro quer de operações de capital de risco”. Até ao final de 2001, Moçambique acordou com o BEI 183.873.293 milhões de euros, assim distribuídos:
4 Projectos para
Agricultura e Pescas 19.000.000
4 Projectos para Indústria 84.000.000
2 Projectos para
Sec.Mineiro 3.850.000
2 Projectos para
Electricidade 49.100.000
1 Projecto para
Telecomunicações 9.000.000
3 Projectos para sec
Financeiro/Créditos globais 18.923.293
1 Projecto para
Estudos 1.000.000
TOTAL = 183.873.293
Dos quais
136.890.552 foram desembolsados, no total desses 17 projectos.
De acordo com palavras de
Francisco Jordão Gaspar, delegado de operações do BEI para Moçambique, essa
instituição europeia “tem actualmente em avaliação projectos importantes nas
áreas da energia eléctrica, transportes, gás natural e indústria mineira. Parte
destes novos empreendimentos deverão ser já financiados com recursos financeiros
provenientes da Investment Facility, o instrumento financeiro criado no
âmbito do Acordo Cotonou, que irá
ser gerido pelo BEI” (p. 20 de Moçambique, Maio 2002).
Ainda no campo do
desenvolvimento de Moçambique, está relançado o programa de Reabilitação das
Escolas de Artes e Ofícios (PREAO), resultante de uma parceria
estabelecida entre a “Fundação
Portugal-África”, a “Associação
Empresarial de Portugal”e Moçambique. Iniciado em 1998, com o levantamento
no terreno, da situação real das 37 escolas de artes e ofícios (EAO) existentes
nas dez províncias de Moçambique, este projecto visa a reabilitação faseada de
todas essas escolas, transformando-as em Escolas profissionais, o que passa por
uma reorganização curricular e pelo apetrechamento e reabilitação dos
edifícios, reciclagem e requalificação dos recursos humanos.
A implementação desse projecto
começou em 2001 com a criação de uma unidade de acompanhamento e apoio. Um dos
técnicos-consultores portugueses que acompanham o desenvolvimento do projecto,
José Abreu, encontra-se em Moçambique desde Março de 2001. Segundo ele, numa
primeira fase, irão ser apoiadas cinco escolas (Moamba, na província de Maputo;
Inhamissa, na província de Gaza, Massinga, em Inhambane; Songo, em Tete e Ilha
de Moçambique, na província de Nampula). O programa vai estender-se, numa
segunda fase, às restantes 32 escolas.
Segundo o mesmo
técnico-consultor, os cursos ministrados nessas cinco escolas, já em
funcionamento desde Fevereiro de 2002, foram definidos a partir do seu contexto
sócio-económico e a selecção resultou de uma auscultação feita aos “diferentes actores sociais locais”. Esta
fase constitui a fase das “Escolas piloto”.
Um outro grande projecto a
desenvolver em Moçambique é aquele que leva o nome de “Abastecimento de água às comunidades rurais em Moçambique”, da
autoria da organização não governamental portuguesa OIKOS – cooperação e
desenvolvimento –, com o patrocínio de “Água
de Luso”. Este projecto tem por objectivo a abertura de 50 poços de água em
Moçambique. Cada poço irá beneficiar, em média, cerca de 500 pessoas, apontando
as previsões para um total de 25 mil famílias.
Está, dentro desta mesma
perspectiva o Projecto Saua-Saua – no valor aproximado de 2.000.000 dólares –,
a cargo da Associação Mossáfrica (Organização não
Governamental para o desenvolvimento) com o objectivo de recuperar
infra-estruturas já existentes, transformando-as num empreendimento que inclua
uma escola com vertentes diversas, tais como: turismo, artes e ofícios,
preparação de Formadores, construção civil, e agro-pecuária que seja capaz de
auto-sustentar o próprio empreendimento.
Também no campo da higiene e
saúde públicas, está nas intenções desta mesma Associação construir uma
conduta de água, um chafariz, tanques para lavagens e sanitários nas povoações:
Saua-Saua e de Nacoma, bombeando a água potável das suas nascentes da Plantação
que está em vias de reabilitação, ou perfurando poços junto às mesmas. Assim o
queiram e facilitem as autoridades competentes.
8- Chegada às Chocas-Mar de mais um elemento da comitiva
Pela noitinha, isto é, por volta
das oito da noite chega a casa a Isabel Oliveira que vinha acompanhada da
Tabita, Adelino e Fernando. Todos, mas principalmente este último, vinham
carregados de compras. Depois de colherem no aeroporto a bela adormecida,
tinham ido à Feira de Nampula e não conseguiram resistir à tentação do
artesanato local, sobretudo ao do pau-preto.
Depois de um banho restaurador,
fomos jantar. Sobre a mesa reluzia uma travessa recheada de caranguejos, como
aperitivo, seguindo-se, depois, uma outra de amêijoas, sendo ambas bem
regadinhas com cerveja, coca-cola, chá e água para os mais abstémios Tudo à
discrição dos comensais. E, se os “animaizinhos” tinham dimensões
apreciáveis, o arranjo e o condimento estavam um primor. Parabéns aos
cozinheiros e seus ajudantes!
Depois do jantar o Adelino,
Tabita e Fernando sentaram-se à mesa para pôr as contas em dia. Tudo é
repartido irmãmente, pelos membros do grupo Apesar de bem comermos, a quota
pessoal não foi por aí além! O mesmo, já não seria dito, se as compras tivessem
sido feitas, em Portugal!
CAPÍTULO SEIS
A ILHA DE MOÇAMBIQUE
1- Suas origens
Separada do continente por um
canal de 5 km de largura, a Ilha de Moçambique tem 2.500 m de comprimento,
1.200m de largura e 5.000m de perímetro e encontra-se ligada ao continente por
uma estreita ponte de 3 quilómetros, sendo, ainda hoje, uma das principais, atracções
turísticas. Foi ali que os Portugueses, comandados por Vasco da Gama, abordaram
pela primeira vez, a 2 de Março de 1498, a caminho da Índia, vindo a estabelecer-se,
aí, de modo contínuo em 1507.
Nela vivia uma colónia árabe,
oriunda do litoral do Mar Vermelho, sendo ali que se estabelecia o porto de
escala entre Sofala e Quiloa, pertencentes também a esses
povos maometanos. Depois de algumas dificuldades, os Portugueses vieram a
estabelecer-se nela, em 1506, mas a colonização portugueses deverá ter iniciado
em 1502, isto é, dois anos depois que Álvares Cabral ali passou, depois de
navegar, ao longo da costa, até Quelimane.
Daqui, os Portugueses da Ilha,
querendo intensificar o comércio com os africanos do continente, ocuparam as Cabaceiras
(grande e pequena) e o Mossuril, até cerca de uma légua
para o interior. Algum tempo depois os habitantes da Ilha conquistaram as ilhas
Quirimbas
e edificaram fortes em algumas delas, por exemplo, em Cabo Delgado, seguidas,
em 1510, pelo estabelecimento de uma Feitoria na baía do Tungue.
Por ordem de Afonso de
Albuquerque foi construída, logo após fixação portuguesa, a Fortaleza
de S. Gabriel que foi substituída, em 1542, pela actual Fortaleza
de S. Sebastião, mandada construir por D. João de Castro. A Ilha tornou-se,
então o ponto de apoio da carreira para a Índia e da exploração do ouro do
reino do Monomotapa e passou a ser, durante muito tempo, um florescente
centro comercial, com ligações fortes a Madagáscar, Pérsia e Arábia.
Pode dizer-se com propriedade,
que a Ilha de Moçambique, que passou à categoria de vila, em
19-01-1763 e de cidade, em 17 de Setembro de 1818, se transformou em uma
presença Lusitana no Oceano Índico, durante largos anos, capital, quer da
Província colonial, quer da província de Nampula. Da primeira foi-o até à
construção de Lourenço Marques e da segunda, em detrimento da cidade de
Nampula até 31-12-1934. Nunca Sofala, outro centro comercial português, chegou
a ultrapassá-la quer em poderio, quer em importância.
A Ilha prosperou durante largos
anos, quer como centro comercial, quer como base naval e foi um ponto de
passagem obrigatório para Goa e Macau. Para defesa da
guarnição portuguesa foi construída, no século 16, a Fortaleza de São
Sebastião, passando a cidade da Ilha a desempenhar a função de Capital
Portuguesa da África Oriental, até ao século 19, altura em que Lourenço Marques
(nome herdado do governador dessa época) lhe levou a palma.
2- À descoberta da Ilha
Estávamos no dia 29 de Julho. Ao aproximarmo-nos da
ponte que liga a Ilha ao continente temos a impressão de que a viatura (neste
caso um jipe), não cabe entre os pilares da entrada. Mas dá para passar e, até
ao presente, é a única passagem. Uma vez chegados, começamos por percorrer a
rua central, denominada actualmente “Avenida 25 de Junho”. Até lá apreciámos, à
esquerda de quem entra, a estação de serviço, a Capelinha de S. Francisco
Xavier e grupos de pescadores a preparar as redes para a pesca, enquanto à
direita se ouvia o burburinho de gente que enchia a rua, tanto nos passeios
laterais, como no centro que, contra o princípio ocupavam o lugar das viaturas.
Tudo ali acontecia, um barbeiro inclusive, cuja cadeira e utensílios da
especialidade se encontravam à sombra de uma grande figueira (sem figos dos nossos, é claro), segundo a nomenclatura
local.
Continuando mais adiante, e
ainda sobre o lado direito e antes de chagar à dita travessa, encontra-se o
Bairro e Igreja de Santo António, onde pulula um formigueiro de gente pobre,
mas alegre.
Continuando pela mesma avenida temos,
do lado direito, a Casa Helena. E, a partir daqui, damos com a Travessa dos
Fornos, a partir da qual encontramos duas grandes cidades satélites, feitas de chapa, e colmo: a de Esteo do
lado esquerdo, donde saiu a pedra para a construção da Fortaleza, segundo nos
dizem os cicerones e a de Makuti, do lado direito, onde se pode apreciar
o Mercado nocturno e os grupos folclóricos que, em dias festivos, cantam e
dançam áreas regionais (o tufo), como tivemos oportunidade de presenciar, mais
precisamente desde a avenida 25 de Junho até ao bairro de St. António (assim
chamado devido à Igreja ou capela do mesmo nome junto à qual se encontra um
mini-estaleiro, praticamente desactivado). Entrar lá dentro de qualquer uma é
semelhante a entrar num formigueiro pleno de azáfama! Mas vale a pena! Já que
mais não seja, para sentir o calor humano misturado ao odor da pele negra! Na
cidade do Esteo podemos apreciar, além das fisionomias e risos francos,
os jardins privados, pertencentes à Casa Luís e a Igreja da Saúde.
Continuando pela mesma avenida
vemos, do lado esquerdo, o Hospital e os Serviços administrativos Coloniais, de
um lado, e um jardim, pouco bem tratado, do outro. Sente-se, deveras, uma
tristeza inaudita ao olhar para aquele monumento que, por mais belo e útil que
tenha sido no passado, denuncia incapacidade de resposta ao desafio da corrosão
dos tempos do abandono, por falta de posses ou de brio! Ao lado direito, estão
os Serviços da Marinha?
Deixando para trás a Avenida 25 de Junho temos três
hipóteses: ou entramos na avenida dos Heróis, a cuja direita se encontra o
Templo Hindu, ou nos dirigimos um pouco à esquerda para seguirmos a Av. Amílcar Cabral, onde encontraremos o
Banco Comercial, indo dar à Avenida da
República, depois de termos apreciado o estado do porto, ou virarmos à
direita para tomarmos a Avenida dos
Combatentes, onde poderemos ver o Complexo
Índico. Seguindo sempre em frente chegamos à Cidade de Pedra, assim chamada devido ao material de que é feita a
maioria dos edifícios e à calçada de algumas das suas ruas, em tipos idos. É,
digamos, a cidade nobre da Ilha.
Num rectângulo formado pela Avenida da República, continuada pela Avenida dos Continuadores, por um lado,
e a Rua dos Combatentes, pelo outro,
existem belíssimos edifícios, como por exemplo: o Palácio São Paulo, constituído por uma Igreja e um grande edifício
que foi o Colégio dos Jesuítas,
construído no século XVII e que, depois de ter sido adaptado, serviu de
Residência aos Governadores-Gerais, desde 1763 até à mudança da capital para
Lourenço Marques. Em 1971 sofreu novas adaptações para poder receber hóspedes
ilustres e a instalação do Museu de Artes Decorativas que aí permanece até aos
dias de hoje. Em frente, ao centro da praça, vela a estátua de Vasco da Gama,
que estava a ser reparada, no momento em que passei. Estavam a colocar-lhe as
pedras da fiada superior. As placas das inscrições tinham desaparecido,
vendo-se apenas os furos dos cravos que as seguravam.
Em frente, à esquerda
encontram-se ainda os vestígios, bem fortes, de um pontão que servia para as
cargas e descargas das mercadorias e os edifícios que serviram de Alfândega,
bem conservados. No pilar da esquerda do pontão lê-se ainda esta inscrição: “À
CAUZA PUBLICA PELLO GOVERNADOR CAPITÃO GENERAL IZIDRO D’ALMEIDA DE SOUZA E AS –
EM 1802”
A paredes-meias com o Palácio S.
Paulo estão o Hospital da Misericórdia
e o Museu de Arte Sacra, rico em
ourivesaria em prata, esculturas em madeira, mobiliário, pintura e têxteis,
arte indo-portuguesa dos Séculos XVI-XVIII. Em frente ao hospital está o Adro da Alfândega, onde começa a rua do
mesmo nome, erguendo-se, ali perto, um imponente edifício, em forma quadrada,
que foi a primeira Casa Comercial de
João Ferreira dos Santos. Embora em ruínas, este edifício manifesta ainda o
que teria sido nos seus tempos áureos.
Se continuarmos, seguimos já
pela Rua dos Continuadores, onde
encontraremos a antiga Polícia, em ruínas, tendo em frente a Capitania dos
Portos com duas grandes âncoras e dois canhões, em frente do qual se vê o Comando Distrital da P.R. M da Ilha de
Moçambique; mais adiante, à direita está o Arsenal de Moçambique e um pouco mais adiante vamos encontrar a
antiga Escola de Artes e Ofícios, em
plena reconstrução e os Archeonautas
–, Arqueologia Subaquática –, orientada e feita por alemães.
Também se pode ver a Casa Oikos,
no mesmo largo onde se encontra a estátua de Camões, ou seja, na Avenida dos
Combatentes.
3- Perto já da Fortaleza
Dirigindo-nos para a Fortaleza,
passamos pela Escola Secundária, em frente da qual se encontra um espaçoso
jardim onde, poderemos admirar a imponência do Reservatório, e das figueiras
circundantes, jardim esse que se encontrava sujeito a trabalhos de embelezamento.
Ali mesmo estão as antigas instalações (em ruínas praticamente) do Sporting, a
cujo lado se vê o belo Hotel OMUHI’PITI, a contrastar. Aqui
pode-se almoçar ou jantar, se a carteira assim o permitir e se o turista quiser
seguir à risca a etiqueta europeia. A diária ronda os 80/90 US$ (O contacto é
o seguinte: Telefone é 526351, Fax 526356.).
Perto dali, avista-se o complexo da piscina
que se encontra completamente arruinado. No entanto, bem curiosas são as rochas
que se erguem na praia. Alinhadas como soldados em ordem de batalha, dão ao
viandante a sensação de que se está perante seres extraterrestres petrificados
que ficaram fulminados e cravados na praia após uma queda brusca e inesperada,
em noite de embate estrondoso de meteoritos desnorteados! Contou-me o miúdo
que me seguia que, na altura do ataque dos holandeses, os militares portugueses,
que eram poucos, vestiram essas pedra com as suas roupas bélicas, fazendo crer
aos inimigos tratar-se de um exército enorme e bem compacto, pronto para atacar
em força e ordeiramente!
Antes mesmo de chegarmos à
Fortaleza, aparece-nos um grupo de “cicerones”
que começaram por nos saudar e não cessaram de nos acompanhar e de nos querer
vender missangas, moedas antigas, vinténs, etc. Por mais que os tenhamos “enxotado”, não arredaram pé até à porta.
Lá venderam o seu peixe como puderam. Um deles, com umas moedas na mão,
ofereceu-me a de D. Luís, dizendo que tinha sido o “primeiro rei de Portugal”! Leu mal o que estava inscrito nela: D.
LUIS I, REI DE PORTUGAL. Quando lhe fiz o reparo, foi gargalhada geral da parte
dos seus companheiros.
4- Na Fortaleza S. Sebastião
À porta estava o “Cicerone oficial”, pois que tinha as
chaves das portas que ainda podiam abrir-se (duas apenas). Lá se foi
desenvencilhando com uma literatura lacónica, quase monossilábica e
imperceptível. O que melhor soube fazer foi indicar o caminho a seguir e
apontar para os sítios, dizendo os nomes. Nada mal!
Valeu-nos a explicação que nos
deu da Maqueta que se encontra, logo à entrada. Segundo esta, os quatro
baluartes da Fortaleza de S. Sebastião em forma de X ocupam a seguinte posição
S. Gabriel à esquerda de quem entra, S. João à direita; Nossa Senhora do
Baluarte directamente oposta ao de S. Bárbara que, por sua vez se opõe ao de S.
João.
Ao fundo do Baluarte de “Nossa
Senhora do Baluarte”, encontra-se a capela do mesmo nome que foi construída em
1552, onde ainda existem três lápides funerárias com as datas 29-12-69 (1869),
31-8-68 e 14-12-1873, respectivamente. Segundo parece esta capela é a
construção europeia mais antiga em todo o Hemisfério Sul, enquanto o Forte que
começou a ser construído em 1558 e foi terminado só cinquenta anos mais tarde,
se tornou o mais antigo Forte europeu em toda a África sub-Sahariana.
Capela “Nossa
Senhora do Baluarte” na Fortaleza da Ilha de Moçambique
Do Baluarte “Nossa Senhora do Baluarte” avistam-se a Ilha
de Goa, por servir de ponto de passagem para Goa e a Ilha dos Portugueses.
A primeira é também conhecida sob o nome de Ilha de Sena por se
encontrar situada na antiga via mercantil marítima que passava pela povoação
árabe Syouna, hoje chamada Sena, situada no Rio Zambèze, na qual os portugueses
tinham estabelecido um entreposto comercial nos anos 1530 e 1540. Tirando o
Farol e algumas piscinas em rochedos com alguma vegetação, pouco mais existe de
interesse especial.
Junto à ponta sul da Ilha de
Moçambique ergue-se impávida e solitária a pequeníssima ilha de S. Lourenço, a
qual foi coberta por completo pelo pequeno Forte do mesmo nome e que data do
ano 1695. Durante a maré baixa pode uma pessoa chegar até ela, devendo ter
cuidado em não se deixar apanhar pela subida das águas. Para subir e entrar
nesse Forte havia, outrora, uma escada, hoje, porém, desaparecida!
De todos os Baluartes da
Fortaleza pode desfrutar-se de uma panorâmica estupenda. A partir do Baluarte
S. Gabriel, avistam-se o Mossuril, a Cabaceira Grande e a Cabaceira Pequena.
O que mais confrange o turista
português é o estado de abandono em que se encontra a essa Fortaleza. De
estrutura bem concebida e de construção sólida, perdurou, aguentando os
desafios de tudo e todos. Só o que era mais frágil: portas, janelas e afins foi
levado, quer pelos elementos da natureza, tais como os ventos, a chuva e a
corrosão do sal marinho, quer pela incúria, inépcia e ignorância do ser humano.
Está tudo em ruínas. Existem apenas paredes despidas, mal tratadas. A forma em
X imperfeito, aproveitando e adaptando-se à configuração do terreno,
facilitava a defesa por todos os lados. As barracas militares ou
aquartelamentos e anexos estão construídos de modo a formarem um claustro ou
praça muito espaçosa, quase em quadrado.
Os terraços, substituindo o
telhado europeu, são feitos de forma inclinada e bem impermeabilizados de modo
a recolher e a canalizar as águas das chuvas para três enormes cisternas: uma
debaixo da Capela principal que mede 23 largos passos de comprido e 6 de largo,
ao funda qual existem duas pequenas janelas circulares; outra ao centro do
claustro (hoje tapada com uma placa de cimento, sobre a qual foi colocado um
estrado de madeira para actuarem grupos, em dias de festa; e uma terceira, a “Reserva”, a maior, ao fundo do quadrado,
do lado esquerdo. Esta é, de facto, uma enorme cisterna em forma de tina
deitada. Pelo menos esta, e a que se encontra debaixo da capela abastecem,
ainda hoje, muitos moradores da Fortaleza e de outros que vêm de fora.
À direita da “Reserva” encontra-se um belo refeitório,
com oito arcos. Mede 32 passos por 6,5 e, a entrada, tem no topo um brasão,
enquanto no lado direito existe uma lápide que reza assim: “REINADO
MUITO ALTO PODEROSO REI DE PORTUGAL DÕ MA Fº VI ANTº D MELLO D CASRO DOSEU
CONSSª.E GUVOR DESTA FORTALEZA MººV. F.Zª. ESTE ALMZ E MEP.OR AGU I ESTA
MEMORIA AOS O DSEPTRº DE 1666”
Na esquina do complexo da mesma
“Reserva” lê-se esta inscrição: “NUINO VELHO PR.Q FOI OP Rº CAPITÃO Q POVO OV
ESTA FORTALEZA MÃ. DO SEÑS E APOVSENTOS OPRANU. Q TOMOU POSSE DELA D 1583 FOI
IMPREITEIRO DESTA O BRA ALUFR AQUIMORADOR”.
Do Aeródromo do Lumbo voa
uma avioneta para Nampula e Pemba, fazendo o trajecto em forma triangular às
terças e quintas-feiras. Parte de Nampula, passa pelo Lumbo e fica em Pemba até
quinta-feira dia em que refaz o mesmo trajecto de regressa. Assim nos
informaram.
5- Segunda Visita à Ilha de Moçambique
5- Segunda Visita à Ilha de Moçambique
esta vez seguimos, de
carro, pela marginal do lado esquerdo de quem entra na Ilha e íamos com
intenção de, como crítico e não com turista, procurar analisar alguns detalhes.
À medida que íamos avançando arregalavam-se-nos os olhos de admiração perante o
que víamos à nossa frente: ruas sem concerto, casas “fantasmeadas”, crianças, adultos, jovens e anciãos em trajes
reveladores das necessidades mais básicas.
Seguindo mais adiante,
fomos dar ao estaleiro que fica por detrás da Mesquita principal. Mas, coisa
inaudita e inacreditável! A praia, que fora um dia de areia branca, encontra-se
agora conspurcada com lixo, algas e excrementos humanos em tal abundância, que
avançar sem ver bem onde se punham os pés seria arriscado e imprudente. Tais
cogumelos inesperados pululam, por todo o lado, exalando um cheirete que
tresanda.
Deixando para trás esta
visão dantesca avançamos, rumo a uma nova descoberta. Chegámos à praça ou
largo da Alfândega e ao Palácio Governamental. Este, hoje museu, em parte, com
a Igreja soberba que se levanta ali contígua, foi, na sua origem construída
pelos Jesuítas para seu primeiro Colégio na Ilha, como já tivemos ocasião de o
dizer. Diante, ergue-se a estátua de Vasco da Gama à qual lhe faltam ainda as
placas comemorativas e respectivas inscrições.
Seguimos, depois para a
Fortaleza, que já descrevi também anteriormente. Ali e mesmo já antes, fazemos
uma série de fotografias que ficarão para memória da nossa passagem.
Finalmente vamos até ao
Mercado, onde pudemos presenciar a pouca variedade e abundância de víveres.
Aqui fazemos as nossas compras, que não passam além de batatas, fruta e limões.
A propósito leia, atentamente, o parágrafo que se segue e aprenda a fazer
compras.
6- Costumes a conhecer no Mercado
Sabe o que significa a expressão “cinco conto cada lugar”? (sic) Talvez saiba ou talvez não.
Sabe o que significa a expressão “cinco conto cada lugar”? (sic) Talvez saiba ou talvez não.
Seja como for, aqui vai a
explicação. Numa manhã de calmaria e já sobre as onze e meia, dirigimo-nos ao
mercado. Ao apreçarmos a fruta, neste caso a tangerina, perguntamos:
- Quanto custa a
tangerina?
- Cinco conto cada lugar.
- Está bem, meta no saco.
De imediato, reparámos e
ficámos de boca aberta, quando vimos a mulherzita a meter dentro do saco apenas
4 tangerinitas de casca verde como a lima.
- Só, perguntei eu?
- Sim, cada lugar custa cinco conto”, respondeu a mulher apontando
para os vários montículos de tangerinas.
Reparando melhor, olhamos
e vemos que, de facto, as tangerinas estão todas agrupadas em conjuntos de 4,
colocadas umas sobre as outras: três por base e uma em cima, formando um cone.
Este conjunto (vejam bem os de matemática!) chama-se, aqui, “um
lugar”. Ainda nos rimos, no momento, juntamente com a mulher e vizinha,
e continuamos a repetir a risada, cada vez que o caso nos vem à memória.
7- E ao abastecer de combustível a sua viatura...
O que aqui se pode chamar
“postos de abastecimento” não podem
vocês imaginar, aí, o que seja. Talvez pensem que são como as nossas estações
de serviço ou como as nossas bombas antigas. Mas, não. Aqui, na zona, bombas
parecidas às vossas, mas ainda mais modestas só existem duas: uma no Monapo e
outro na Ilha. Entre as outras localidades existe uma outra espécie de postos:
os de garrafões de cinco litros, garrafas de litro e meio ou de litro, sobre
uma tábua, à beira da estrada. E sirva-se o cliente, sem olhar para trás,
porque senão terá de ficar em terra ou à espera, horas a fio, por alguém que o
venha desempanar.
Os preços aqui praticados
são um tanto mais elevados do que nas Bombas normais, mas compensa, quando só
existem estas a longa distância. O litro do gasóleo custa, nestes postos, entre
11.000,00 Mts. (no Lumbo) e 12.000,00 Mts. (nas Chocas), enquanto nas Bombas
normais custa 10,250,00 Mts, o óleo para o motor para ambos os tipos de motor
é, nestes postos, de 30.000 Mts.
CAPÍTULO SETE
DIA DE INTERCULTURALIDADE
1- Trabalhos na Plantação de Saua-Saua
Logo pela manhã do dia 30 de Julho, dirigiu-se o grupo para a
Plantação de Saua-Saua, onde nos aguardavam já o Régulo, o Médico tradicional,
o João e vários trabalhadores, incluindo alguns que, até então, não tinham
encontrado patrão que os contratasse.
Outro serviço que pareceu bem
feito foi o tratamento das fendas das paredes da sala circular que foram
tapadas, em parte, as do corredor e as de alguns quartos. Tirando pequenos
reparos, o trabalho parece ter sido feito com sentido de responsabilidade e
conhecimento do assunto. Ao pedirem-nos mais cimento, disse-lhes que fossem
abrindo as fendas que houvesse, por dentro e por fora e abrindo os roços na
casa de banho, até termos transporte para o cimento e louças sanitárias.
Quanto ao trabalho que os
carpinteiros estavam a realizar, à sombra do depósito principal e da mangueira
que ali se ergue com imponência, verificámos que, mesmo sem a lixa que tinham
pedido, e que nós, anteriormente, procurámos, em vão, no Lumbo, tinham
já algumas janelas, bem raspadinhas, parecendo que tinham sido feitas de novo.
O material utilizado (que eu já tinha visto quando pequeno e moço), não era
mais do que pedaços de vidro. E que bem eles trabalhavam! Encorajámo-los e
entregámos-lhes, finalmente, um maço de folhas de lixa de duas qualidades que
eles muito apreciaram.
Existiam já duas escadas, de
altura mais que suficiente para subir até ao depósito da água, pela qual subi
eu próprio para me inteirar do seu estado. Fiquei satisfeito ao ver como o
depósito se encontrava em excelentes condições, pois as paredes têm a espessura
de, pelo menos 20 centímetros. Necessitava, sim, de uma limpeza, de um banho
talvez de cimento, à cautela, e da restauração do telhado de protecção, devendo
ser feito com chapa de zinco ou de lusalite, sobreposta de colmo. A base de
suporte necessitava também de uma camadinha de argamassa para cobrir a verga de
ferro que, em alguns luares, estava já a descoberto.
Verificámos que existia outra
escada (também esta feita de barrotes aproveitados das casas arruinadas), na
nascente principal de água que se encontrava já toda limpa, e sentimos a
satisfação de vermos os vários pontos onde a água brota, tanto dos lados da
encosta, como da base do grande tanque. Mais abaixo, a limpeza estava já feita
e o grupo de trabalhadores esfregava as paredes do tanque com a parte exterior
do coco, a copra.
O João, todo orgulhoso, foi-nos
mostrando o trabalho feito: outros tanques e os locais onde jorrava mais água,
com alguns canos rotos, à superfície. Verificámos que esses canos deveriam
estar ligados a pequenas represas em socalcos superiores, pelo que, para nos
certificarmos, mandámos limpar uma represa que supusemos ser a que alimentava
esses canos e pedimos para verificar se aí se encontravam vestígios de
canalizações metidos nas paredes. No dia seguinte iríamos ver os resultados.
2- Entrevista da Tabita
Entretanto continuava a
entrevista[20] que a Tabita pedira ao
Médico tradicional e ao Régulo, à qual eu fui assistir, mais tarde. O mais
curioso que ali notei, não foi tanto as questões postas aos entrevistados, nem
as respostas que foram dadas. Foi, mais, o ambiente autenticamente fraterno. A
Tabita punha as questões que eram traduzidas em língua Macua pelo João; o
médico e o régulo respondiam em Macua, sendo as respectivas respostas
traduzidas em Português pelo mesmo tradutor.
Frequentemente, as perguntas e
respostas eram intercaladas com risadas e apartes, num clima verdadeiramente
ameno e saudável. Era um único grupo, composto de pessoas de duas cores ou
raças, de várias idades, de profissões e ideais diferentes, mas todos irmanados
e cobertos pela sombra da mesma árvore que é, de certo, o símbolo e o testemunho
de outras vivências realizadas também assim, em comum, por outro grupo de textura
idêntica, mas já desaparecido da convivência dos humanos.
É que, essa mesma árvore que
está junto à casa principal da Plantação é testemunho e recordação do trabalho
realizado pelos avós e pais da Dra. Tabita, em colaboração com os pais de
alguns Macuas, ali presentes e (caso curioso!), em colaboração com o mesmo
pedreiro que, agora, ali, se encontra, de novo, para ajudar a reconstruir um o
mesmo sonho! Não acham coincidência a mais!?
3- Interculturalidade no campo da Saúde
Mais curioso ainda foi ver como
a Interculturalidade se estabeleceu e se manifestou também ao nível da saúde.
Se, por um lado, é já Intercultural em saúde, um europeu interessar-se pela
cultura médica africana, demonstrada pela entrevista que ali estava a ter
lugar, por outro, desmoronavam-se todas as barreiras porque, frente a frente,
se encontravam, na prática, as duas medicinas em benefício dos mesmos
pacientes. Isto não podia acontecer da melhor maneira do que aquela que sucedeu
neste dia e debaixo duma mangueira de Saua-Saua!
Em cima da mesma mesa onde
jaziam os pedaços de casca de árvores, plantas e outras substâncias, utilizadas
na medicina tradicional, colocámos nós sem pensarmos nisso, uma grande mala
cheia de medicamentos para ser entregue ao Centro de saúde do Mossuril através
do seu Régulo, ali, presente.
Ao abrirmos a mala, em frente
mesmo do médico tradicional, tivemos logo pedidos das pessoas presentes:
-
“Patroa”,
diz o João, “pode dar-me alguns a mim para a febre..?.”
-
“E para mim? Não tem remédio para asma? ” Perguntou, de olhos arregalados e
inquiridores, o régulo ao João
Busca que não busca e lá se
encontraram alguns para o João e, felizmente, um para o Régulo que, depois de
lhe ser explicado o seu funcionamento (comprimido que deve ser colocado dentro
de um pequeno dispositivo em forma de bomba de spray que deve ser, depois
introduzido na boca, apertado e aspirado), foi por ele guardado no bolso com
uma alegria imensa, notada naqueles olhos negros que deixavam transparecer a
agudeza da sua inteligência e a força da experiência dos seus longos anos!
Por seu lado, o médico
tradicional presenciava aquela cena que eu classificarei de emocionante, com
um ar de espanto e de certa satisfação, embora reservada. Ele tinha dito a
determinada altura da entrevista que, quando não podia curar os seus pacientes,
os mandava ao hospital para receberem tratamento através de medicinas
diferentes da sua.
Aqui, ele via, com seus próprios
olhos a magia da medicina ocidental. Via o seu próprio chefe, o Régulo e um dos
seus conterrâneos, o João a pedirem remédios europeus para os seus males. Será,
pensaria ele, que estes medicamentos serão mais eficazes do que aqueles que eu
vou procurar, entre a variedade imensa das ervas e plantas do campo coberto de
mato?! Pelo menos apresentam melhor forma para serem transportados e
armazenados! Gostaria, de verdade, entrar dentro daquela cabecinha de curandeiro/feiticeiro,
dito, por outras palavras mais suaves, médico tradicional para poder apreciar o
turbilhão que deveria remoinhar por lá!
4- Oferta de alguns presentes
Depois deste banho de
Interculturalidade em saúde, demos ao Régulo duas camisas para ele próprio,
algumas bolas de futebol e material escolar para distribuir pelas cinco escolas
que existem no seu regulado, gesto que ele agradeceu com um grande sorriso e
palavras de apreço. Prontificou-se a distribuir, ele mesmo, esses materiais,
dizendo que seria uma alegria imensa para a garotada.
Pela tarde, ao regressarmos às
Chocas, passámos pelo Centro de Saúde do Mossuril para entregarmos os
medicamentos. Ao perguntarmos pelo responsável, apareceu-nos um latagão, bem
apresentado, mas que não era o enfermeiro. Conduziu-nos ao local onde se
guardam os materiais e, ao ver que a mala continha muitos medicamentos, ficou
admirado e perguntou se eram dados. Perante a resposta afirmativa, respondeu
que não poderia ser ele a recebê-los, pois era muita coisa e “era muita responsabilidade”. Teria de ir
chamar a enfermeira.
Chegada esta, de nome Arminda,
reconheceu-nos imediatamente como sendo os mesmos que lhe tinham dado
medicamentos, no ano anterior. Saudou-nos com um largo sorriso e, admirada com
a quantidade que lhe oferecíamos desta vez, recebeu-os e agradeceu-os, cheia
de satisfação. Foi alertada, no entanto, para o uso correcto desses mesmos
medicamentos, uma vez que alguns eram bem específicos.
Uma referência que devemos fazer
com justiça é a modificação que foi operada nesse mesmo Centro. Logo ao
chegarmos verificámos que o edifício tinha sido todo pintado. Dando uma
espreitadela para o interior das enfermarias, verificámos que também estas
estavam pintadas e que possuíam camas e colchões novos! Completamente diferente
e muitíssimo mais humanizado do que no ano passado. Também a higiene, em geral,
foi aperfeiçoada. Tais e tantos melhoramentos são obra da filantropia da
Primeira-dama da República de Moçambique, segundo nos foi dito.
Regressando às Chocas, para
comemorar os vários eventos deste dia comprámos, de caminho, 8 quilos de
camarão, que foi preparado de duas maneiras diferentes, ou seja: um cozido,
outro grelhado. Com o camarão foi servida ainda uma travessa de lagosta.
E...como não podia deixar de ser, tudo bem regadinho com boas garrafas de 2M, a
boa cerveja moçambicana.
CAPÍTULO OITO
TURISTA DESDE AS CHOCAS ATÉ À CARRUSCA
Estamos no dia 31 de Julho de 2002 e, neste dia,
utilizando, mais a sério, o meu sentido de apreciador, gravei na minha memória
e desta passei ao papel coisas que já tinha visto antes, mas que não me tinham
ferido o meu olhar clínico. De tais particularidades fiz a resenha que passo a
oferecer-vos.
1- As meninas de Jarricain à Cabeça
Tempos idos? Qual o quê. Aqui,
no distrito do Mossuril, é a “água de
cada dia” que se pede a Deus, símbolo do poço onde ela é procurada!
Apetecida, intensamente, procurada em todo o lado, carregada, através de
caminhos desfavoráveis e longínquos, ela chega às casas como a bênção do céu
mais almejada!
Logo, de manhã, e à tarde – duas
partes do dia por excelência –, mas também a outras horas e sob o sol
escaldante, é normal vermos um contínuo vaivém, formado por crianças, na sua
maioria do sexo feminino, e mulheres, indo de vasilhas vazias e regressando com
elas cheias de água para o consumo doméstico. Percorrem quilómetros desde casa
ao poço mais próximo, embora este não ofereça a melhor água para beber, pois
nem todos têm a profundidade adequada e alguns encontram-se em péssimas condições
de higiene.
Crianças de jarrican à cabreça
As nascentes, consideradas como
as nascentes por excelência, fornecedoras de água “boa” para beber,
encontram-se precisamente na Plantação de Saua-Saua, mesmo junto à praia. Estas
servem, tanto para consumo próprio e doméstico, como para banhos ao ar livre e
lavagem de roupa ou de materiais.
E o modo utilizado para o
transporte é sempre o mesmo: meninas ou mulheres (de vez em quando um rapaz ou
homem) que levam à cabeça um jarrican
e na mão uma latinha para com esta sacar a água do poço e deitá-la naquele que
não é outra coisa do que uma adaptação dos bidões do óleo, na maioria dos casos
importados da Indonésia. Os felizardos que moram mais perto da Plantação de
Saua-Saua não necessitam senão do jarrican,
pois basta-lhes colocar este debaixo das bicas que ainda ali permanecem desde o
tempo dos colonizadores portugueses.
2- Em direcção à Carrusca: pescadores e métodos de pesca
Hoje, dividiu-se o grupo. Os
três fotógrafos tomaram o carro, por volta das 6 horas e vinte minutos, com
destino à Ilha de Moçambique par aí completarem o registo fotográfico
encetado, no dia 29, enquanto os restantes elementos aproveitaram a deixa para
pôr em dia um sono reparador, levantando-se, apenas, às sete horas e meia.
Tomado o pequeno-almoço,
dirigi-me à praia, fazendo uma caminhada ao longo desta, em direcção à ponta da
Carrusca. Presenciei duas particularidades interessantes relativas
à pesca artesanal, praticada na zona.
A primeira está relacionada com
a construção das canoas. Estas são de duas espécies. Umas são escavadas num
tronco de árvore, num monobloco pesado, mas sem qualquer fenda no seu bojo. E
as árvores que são preferidas são o cajueiro e a mangueira, devido à sua
grossura e solidez. Outras são feitas a partir de grandes cascas de árvores apropriadas,
ligadas umas às outras por cordéis tecidos com fios da copra do coco, depois de
ter apodrecido debaixo da areia molhada, na praia, por um período de três
meses. A sua estrutura é feita por canas bem amarradas e os intervalos, tanto
das cascas protectoras, como da estrutura interna, são preenchidos pelo mesmo
material que é utilizado para as suturas ou por farrapinhos que são torcidos,
em forma de corda. Estas duas formas são aquelas que presenciei num grupo de
canoas que estavam sem ninguém debaixo de uma árvore, junto à praia.
A segunda particularidade tem a
ver com o modo como conduzem essas pequenas embarcações. Lançado ao mar, dentro
da sua canoa, o pescador condu-la e impele-a apenas com um remo cuja pá
apresenta a forma de um coração espalmado ou cortado ao meio, de alto a baixo.
À chegada de cada onda ele dá um impulso, em frente, como se fosse ele próprio
a nadar. Um minuto depois a barquinha enche-se de água que ele deita fora com
as próprias mãos, num movimento alternado, para a frente e para trás. Tirada a
água, é tempo de lançar o anzol para a pesca. Se pescará ou não, isso já não
saberei porque não ficarei à espera de ver os resultados. Terei de continuar o
meu passeio e as minhas outras descobertas.
Consta, porém, que hoje não
houve pescadores, à porta de casa, para vender peixe o que todos nós
estranhámos. Consultando o nosso cozinheiro, ficámos a saber que o tempo de
hoje não era propício para a pesca. As ondas estavam diferentes, mais
picadinhas, e o céu ameaçava chuva. Estamos, é claro, no quarto minguante e a
luz, ontem à noite levantara-se uma hora mais tarde, em relação ao dia
anterior. Ontem a lua apareceu, de facto, só às vinte e duas horas e quinze
minutos.
Uma outra curiosidade verificada
na praia foi a quantidade de algas lançadas pelas vagas, em certas zonas da
praia. Belo fertilizante para as terras das machambas, pensei eu! Mas não havia
vestígios de tal aproveitamento. Também este quadro foi enriquecido por um
grupo de migretes que, quais estátuas imóveis permaneciam impávidas, a poucos
metros da nossa presença. Só com a nossa aproximação se moveram e decidiram
levantar voo, indo repousar, um pouco mais à frente, em tom de brincadeira
desafiadora.
Mais um pouco e estávamos na
ponta da Carrusca, avistando-se, dali a Ilha de Moçambique.
3- Horta até na rua!
Tomado o banho refrescante,
regressei a casa para almoçar, após o que fomos todos tomar café ao Complexo
Hélder. Caminhando, em amena cavaqueira, encontrámos quatro pés de tomate e
três de papaieira, plantados e regados, na própria rua, mesmo defronte a uma
vivenda que nem parecia de gente pobre! Estranho ou prático vá lá um pândego
descobrir! O certo é que, em volta dos pés dessas espécies hortícolas, havia o
círculo que se faz para receberem a abençoada água refrescante e regeneradora!
Até a rua serve de horta
De volta a casa, apreciámos o
chafariz da aldeia: um cano corrido que abastece quatro torneiras que não têm
descanso senão durante a noite. Perto destas estão dois depósitos, um quadrado,
mais baixo, outro, cónico, que é suportado por um alto pedestal. Questionando
dois senhores que se encontravam no posto telefónico fiquei a saber que a água
é bombeada para o depósito inferior, vinda de um poço que foi escavado sobre um
lençol de água, a cerca de 2 quilómetros e que depois é bombeada para o
depósito superior da qual parte, aberta a torneira geral, para abastecer
depósitos particulares ou bicas públicas.
Mal chegámos a casa, peguei no
computador para alinhavar estas curtas notas. E cerca das quatro horas e meia
começa a esgalhar água. É a primeira vez que chove, após a nossa chegada a
Moçambique!
Por volta das sete horas da
noite chegam os três colegas que tinham ido fotografar a Ilha, pela segunda
vez. Vinham bastante desgostosos pelo estado em que encontraram a praia dessa
que fora a primeira capital de Moçambique. A causa desse desgosto era o facto
de se ter transformado em latrina pública, o que é, deveras, uma lástima! Tal
apontamento levou-me a escrever o flash “A Praia Sanita”.
4- Contadores de histórias
No dia 2 de Agosto levantei-me às sete horas da manhã. O sol entrava,
então, pela janela do meu quarto, mas pouco depois, desapareceu para nunca mais
voltar, pelo menos até às nove, hora em que comecei a escrever.
Quando cheguei à mesa para tomar
o pequeno-almoço já lá estava a Isabel. O Fernando e o Gil já tinham saído para
uma digressão pela aldeia, enquanto o Luís continuava a dormir. Pouco depois
começaram a cair umas gotinhas de água, mas, chuva, chuva, de verdade, não
caiu.
Conversámos um pouco com o
Raimundo que nos pareceu bem disposto. Aproveitando a sua boa disposição,
perguntei-lhe se conhecia histórias antigas, ao que ele me retorquiu que ainda
era muito jovem para saber e contar histórias antigas. Acrescentou, porém, que
aonde há ainda bastantes pessoas – velhas – que sabem e podem contar muitas e
belas histórias antigas e sobre a chegada dos portugueses, é em Nampula e na
Ilha.
Raimundo
Raimundo
- “Eles”, continuou, “sabem mesmo qual foi a primeira casa que eles
construíram e tudo o mais. Aqui, nas chocas, também há algumas pessoas que sabem
algumas histórias”.
Pedi-lhe, então, que falasse com
elas e me levasse a suas casas para que me contassem essas histórias...Que
pensassem bem nelas, antes de as contarem e que, depois, eu lhes daria um bom saguat.
Neste momento são dez horas e um
quarto. O tempo continua fosco. Sol? Nem vê-lo. Está bom para dar um passeio,
ao longo da praia e no interior da povoação. Pode ser que encontre algo que
desperte, em mim, um título e me dê matéria para mais um curto apontamento.
5- Na aldeia das Chocas-Mar curiosidades do dia-a-dia
Meto-me pela rua principal, para
o lado da Capela de Nossa Senhora de Fátima. Chego ao primeiro poço. Ali
encontro dois miúdos que tiram água com um pequeno jarricain ao qual tinham cortado a parte superior da cada lado da
asa, para assim conseguirem captar a água. Esse jarricain, substituto do balde, é lançado ao nível da água com uma
corda que, depois é puxada, trazendo atrás de si o dispositivo cheio de água.
Deitam-na no jarricain maior ou numa
lata que, primeiro, servira para tintas ou óleo e, pondo-a à cabeça, regressam
a suas casas.
A seguir a este poço encontra-se
o ringue, que outrora servira para a patinagem, e, imediatamente depois, um
outro poço onde se aglomeram sete pessoas: três crianças e quatro mulheres.
Também estas estão tirando água deste segundo poço, carregando-a para as
palhotas ou casas respectivas. Pelo que nos foi dado observar, esta povoação
das Chocas-Mar é rica em água.
Contígua a esse complexo, vejo
um edifício de belas proporções e arquitectura do tipo colonial. Trata-se da
antiga escola. É composta por dois pavilhões: um com duas grandes salas,
munida de cacifos (hoje destruídos), uns balneários, uma cozinha com despensa
e um outro menor que teria sido o refeitório e serviços afins. As paredes e tecto
pareciam estar em perfeito estado, mas careciam de portas e as janelas já não
tinham vidros.
Porque terá sido abandonada? E
porque será que, a cerca de duzentos metros, construíram, uma nova escola
primária, inferior à anterior, tanto quanto à arquitectura e material de
construção, quanto à adaptação ao clima? A antiga oferecia sombra todo o dia,
devido à disposição e arcadas, a toda a volta, enquanto a última carece de tudo
isso. A propósito, a escola daqui só vai até à quinta classe. Para fazerem a sexta
e sétima classe, os miúdos terão de palmilhar sete quilómetros para irem ao
Mossuril.
Continuando a minha caminhada
encontro uma senhora e dois senhores, sentados, em frente da porta de uma casa
– não sei se era a deles ou de outrem. Ela tem um cesto cheio de qualquer coisa
que eu não consigo descobrir e eles seguram duas galinhas de patas atadas, à
espera de alguém que passe e as compre.
Cheguei ao bar Miramar,
ainda não inaugurado. Foi feito a partir de um Contentor que foi pintado de
azul. À frente pintaram sobre ele o nome, e várias figuras de pescado: lagosta,
camarão, caranguejo etc. atrás, fizeram um pequeno muro e entre este e o contentor
fizeram a cozinha. Está interessante. E a ideia foi genial.
Passam, agora, três pescadores.
Um carrega os remos, outro traz dois polvos enormes e um pequeno peixe, tudo (e
não era muito) pendurado numa das mãos e um terceiro carrega um balde com
algum peixe e duas canas telescópicas.
-
Então,
a pesca, hoje, que tal, pergunto, eu?
-
“Muito
má”, respondem eles. “O tempo, hoje, não presta”
6- Trovoada de se lhe tirar o chapéu
Com efeito, o tempo está muito
mau. As nuvens estão negras e ameaçam dar chuva a qualquer momento. No entanto,
dirijo-me para a praia, com a intenção de esticar as pernas.
A dado momento, olho para trás e
descortino, lá ao longe, o Fernando Matos. Esperei por ele e, ambos continuámos
o passeio até à Carrusca. Durante o trajecto, o Fernando vai apanhando
conchas e eu continuo a observar a paisagem que, desta vez não é muito variada:
algumas crianças brincando na areia, um miúdo à espera de um velhote que puxa
do mar a sua piroga, feita de casca de árvore.
Dirigimo-nos a ele e conversamos
com ele, durante alguns instantes, sobre o tempo que não lhe facilita nada a
pesca. Prova disso mostra-nos um punhado de pequeninos peixes que são o único
fruto do seu trabalho, de toda a manhã.
Mais à frente, vêem-se outros
quatro pescadores, metidos na água até à cintura, e pés assentes na racha
coberta pelas vagas, lançando repetidamente o anzol com o isco, sem pescarem
nada.
Seguindo mais em frente, a dada
altura, chamo a atenção do Fernando para uns grandes olhos de água brotando da
praia. À medida que as ondas recuavam viam-se esses olhos a brotar da areia,
como nunca visto noutras partes dessa mesma praia. Questionamo-nos sobre a
origem de tal fenómeno. Será a própria água do mar que, formando cavernas
inferiores, libertam essa água quando as ondas recuam? Ou será uma nascente de
água doce, que provém de algum lençol, existente na planície costeira? Eu provo
essa água, e ela apresenta características de ser meio-salgada. Mas poderá ser
salgada devido ao encontro desta com a areia e água do mar. Seria um caso a
considerar e a estudar.
Chegados à ponta, da qual se vê
a última baía, entes de alcançar a ponta da Cabaceira Pequena, pergunto a um
dos pescadores que acabara de sair do mar com o seu barquinho, como se chamava
o lugar onde nos encontrávamos. É, nada mais, nada menos, a ponta da Carrusca.
São já as doze horas e vinte
minutos. E nós estamos na ponta da Carrusca, donde se avista a última baía
antes de chegar à Cabaceira Pequena. Olhando para o céu carregado de nuvens
negras que, ao longe, parecem estar já a desfazer-se em borrasca, dizemos um
para o outro:
- Desta já não nos livramos nós.
- E o pior é que não temos onde nos
recolher.
- Debaixo daquelas árvores,
- Nem pensar. Mas também não vale a pena correr porque ela anda mais
depressa do que nós.
- Realmente, estamos na praia e pouco interessa se a água vem de cima
ou se ela já está cá em baixo.
Palavras não eram ditas e eis
que começa a esgalhar água como o Fernando nunca tinha visto. Ela fustiga
fortemente e cai tão rápidamente e tão espessa como se fosse uma corrente eléctrica
contínua. Para maior sensação, ela é tocada pelo vento a muitos quilómetros hora
e escorre de nossas cabeças como se fontes fossem em pleno Inverno.
No meio desta bela e sensacional
trovoada somos ainda abordados por dois moços que trazem um cesto, cheio de
caranguejos, e nos perguntam se queremos comprá-los. Sem pararmos, pois não é a
ocasião mais oportuna, mandamo-los ir ter com o cozinheiro Raimundo que, de
certo, ficará com eles. Eles, porém, dão meia volta e demandam outra direcção.
Também eles não estão em vias de desafiar esta grande trovoada!
E nós, sem parar, lá continuamos
a nossa marcha forçada. O Fernando com as mãos cheias de conchas e eu com o
pequeno gravador embrulhado no chapéu e resguardado por uma grande concha que o
Fernando me emprestara. Atrás, entalados, entre o corpo e os calções, levo os
chinelos; à frente, pendurados nos mesmos calções, estão os óculos. Levá-los em
cima do nariz, é inútil, pois não possuem escovas de limpeza e, sem estas, eles
embaciam e escorrem água sem fim, impossibilitando a visão. Agora, a chuva
intensifica a sua acção e não se descortina nada a poucos metros, em frente.
Caminhamos, apressadamente, mas por intuição!
Perto já de casa, a chuva amaina
um pouco e o Fernando comenta:
-
Ao
chegarmos, vai ser um gozo. Os colegas vão se rir de nós que nem perdidos!.
-
Quero
lá saber. O certo é que é agradável e sensacional, continuo eu.
Ao chegarmos, vemo-los, à
varanda, com ares de quem está aflito e de quem parece ter visto almas do outro
mundo! Parece que sentiram falta da arca de Noé. A chuva entrou-lhes pela casa
dentro e viram-se e desejaram-se para não serem levados pela corrente. Tiveram
de andar de rabo alçado e de toalhas na mão a empurrar a água para fora de
casa. Ora, digam-me lá, se não foi mais sossegado e interessante ter apanhado a
chuva na praia com o vento de feição!?
Ao almoço, tivemos batatas
guisadas com lulas. Estavam tão boas que foi comer e chorar por mais! E isto
não é uma figura de retórica. De facto, estavam tão boas, que até houve gente,
tida por muito bem-educada, que arrebanhou, para não dizer “lambeu”, o molho da
travessa, com pedaços de pão e, pouco faltou, para comer a ponta dos dedos! E
quando o cozinheiro apareceu e viu tudo limpinho disse em nosso favor:
-
“Assim,
eu gosta de ver pratos limpos. É sinal de tudo estar bom.”
-
“É
mesmo verdade, as lulas estavam uma delícia”.
-
“É
pena, comentou alguém que não haja mais cerveja. Desta vez há apenas uma
garrafa.”
-
“Se
a Tabita e o Adelino não vierem, hoje, ficamos nas lonas”.
-
“A despensa está vazia”.
Cada um ia fazendo os seus
comentários e bem à sua maneira, de copo cheio ou a esvaziar-se e a encher-se,
numa linha mágica de sucessão. Não identifico quem dizia o quê, quanto comia ou
bebia para todos ficarem a coberto e livres de suspeições! Mas, que todos
fizeram o seu melhor e comentaram, hilariantemente, as peripécias desse dia, lá
isso é verdade!
São agora, precisamente, quatro
horas e um quarto. Os abastecimentos ainda não chegaram. Eu vou parar com estas
considerações e descansar a vista que, já, tenho cansada.
7- Escola das Chocas-Mar
Depois de algum tempo, vou de
novo até à praia. Daí a pouco chega o Fernando, a Isabel e, mais tarde o Luís.
O objectivo destes últimos é o de apanharem algumas conchas, aproveitando o
Fernando a ocasião para registar algumas imagens, na sua máquina fotográfica.
A volta, porém não foi grande, regressando, cada um a casa com a sensação de
ter cumprido com o seu dever, ou de ter satisfeito as suas curiosidades
Eu, porém, não me sentindo com a
consciência, assim tão tranquila de um dever bem cumprido, regresso à aldeia,
indo, de novo até à Escola velha. É, já, noite. Mesmo assim dou uma, duas
voltas a todo o seu exterior. Observo bem a sua construção e a sua
arquitectura. Conto as colunas que se encontram a toda a volta. Olho para
paredes, telhado, portas e janelas. Entro e bisbilhoto tudo. Saio e pasmo!
Está construída para o clima
daqui. Elevado a cerca de 30 centímetros do chão, tem um patamar onde assenta
toda a estrutura. Esta tem, a toda a volta um alpendre, sustentado por 34
colunas, o que permite haver sombra a todas as horas do dia, se não num lado,
noutro. As paredes estão boas. Necessitariam apenas de ser pintadas. Bastaria
repará-las. O telhado, não está completamente bom, mas podia facilmente ser
concertado. Atrás possui um largo terreno, direito, onde as crianças poderiam
brincar livremente. Porque é que não foi reparada esta escola?
Mais acima, numa pequenina
encosta, está já a funcionar uma escola nova, que começou a ser construída em
2001, com o patrocínio da Embaixada Americana. Esta não tem beleza
absolutamente nenhuma. E sob o ponto de vista arquitectónico não pode comparar-se,
de maneira alguma, com a escola velha. Sob o ponto de vista ambiental é um
zero. É constituída por uma única ala, a duas águas, enquanto a velha é a
quatro águas e tem duas alas separadas pelas casas de banho e cozinha; É, a
nova, toda corrida e sem protecção contra o sol, enquanto a velha possui
alpendres, a toda a, refrescando as paredes e as salas e oferecendo sombra e
abrigo a todas as horas do dia; a nova tem terreno, à frente, mas é inclinado,
enquanto o da velha é atrás e é plano.
O que terá acontecido? Será que
a escola velha foi considerada casa assombrada? E os Americanos? Será que eles
saíram, algum dia, da Embaixada, cheia de aparelhos de ar condicionado, para
vir ver as condições climatéricas das Chocas-Mar? Talvez pudessem aprender
alguma coisa com os Portugueses que por ali andaram e por ali construíram casas
para si próprios e para as gentes nativas dessas mesmas paragens! Não poderiam
ter aproveitado a escola que já existia, acrescentando-lhe melhorias, se é que
a nova passou a tê-las? Eis tantas questões às quais gostaria que alguém me
desse uma resposta.
Ainda pergunto a um senhor que
passava, mas ele não me sabe responder. Consigo, no entanto, a informação
acerca do número actual de alunos. São, mais ou menos, mil e quinhentos, mas
não são todos daqui. Alguns vêm de povoações vizinhas que só têm escola que vai
desde a primeira até à terceira classe. Vêm para aqui para fazer a quarta e
quinta classe.
A propósito: terminada a quinta
classe, os miúdos terão de fazer diariamente duas vezes sete quilómetros para
fazerem a sexta e sétima classes, no Mossuril. E terminada esta, ou vão para a
rua porque não há trabalho, ou, se quiserem continuar os estudos, terão de ir
para a Ilha, onde poderão fazer o oitavo, nono e décimo anos ou para Nampula,
onde poderão concluir, inclusive, a Universidade. Mas isto é incomportável para
quase todos os habitantes desta zona, porque os alunos terão de ficar
internados, o que supõe muito dinheiro, coisa que é privilégio de muito poucas
ou nenhumas famílias macuas.
8- Chegada de aprovisionamentos
Às dezanove horas e meia, mais
ou menos, do mesmo dia, 2 de Agosto,
a Tabita e o Adelino chegam de Nampula, para onde tinham partido, no dia
anterior, em viagem de... negócios... compras, etc. Mas, como não conseguiram
despachar-se no mesmo dia, viram-se obrigados a pernoitar, ali, até ao dia
seguinte.
Eis o diário que me passaram
para constar do nosso roteiro e que eu terminei de transcrever às 23.40h.
“1/8/02 – 5ª Feira
7.30h – Partida das Chocas
8.00h – Chegada a Saua-Saua,
Depois de termos levado o filho
(Arlindo) do Raimundo à escola, em Saua-Saua, fomos ver a mina que já está em
fase de ser limpa; esperámos que o tanque fosse despejado; pagámos “uma pipa de
massa” aos trabalhadores (7) que são contratados para realizarem as tarefas
de: limpeza dos tanques. Demos um “saguate” a um velhote que queria trabalho,
mas que não reunia as condições. Tinha 80 anos e trabalhou nas plantações.
Cerca das 9.00h fomos encher as garrafas para as análises e viemos embora para
Nampula onde chegámos às 13.00h. Entregámos as amostras da água ao mesmo senhor
(deficiente) que o ano passado que falou conhecer e ter estado nesta fonte em
Janeiro.
Fomos falar com o Sr. Raul Amarchande sobre a visita às plantações de
Geba e do Gurué. Ficou tudo organizado. Disse-nos que estava tudo em ordem.
Relativamente à estadia da última noite, ficou resolvido que
pernoitaríamos na casa grande de Nampula. Levantámos dinheiro no BIM e soubemos
que se pode abrir uma conta com 1000 dólares ou 15 milhões de Meticais.
Esperámos 1.30h pelo Dinho que foi com o carro à oficina. Fomos ao
Banco levantar dinheiro 3,5.106 + 6,106. Comprámos pilhas para o Fernando Matos
e carregámos as loiças. Fartámo-nos de fazer experiências com os tubos grandes
e acabámos por deixá-los, uma vez que se podia apanhar multa. Caiu uma grande
carga de água. Almoçamos no hotel Tropical como ontem. Falámos com o Sr.
Amarchande no sentido de adiar a viagem do electricista para 2ª feira a fim de
amanhã irmos a Geba.
Organizámos com este a entrega de dinheiro a fim de se continuarem as
obras em Saua-Saua. Levantámos os materiais na “Ferragens Reunidos”, tendo
deixado lá os tubos grandes das descargas da sanita. Iremos buscá-los mais
tarde. Trouxemos dois sacos de cimento a 140,103 MTS, pois já não chegaríamos
ao Monapo a tempo de os levantar. Demorámos quase cinco horas até às Chocas.
Estivemos mais ou menos 2 horas para levantar 6.106MTS do Adelino”.
Também apresentaram a lista do
material comprado para Saua-Saua e os respectivos custos, como seguem[21]:
DESIGNAÇÃO
|
PREÇOS RESPECTIVOS
|
Sanita
|
850.000MTS
|
Tampa/sanita
|
100.000MTS
|
Autoclismo
|
1.200.000MTS
|
Bidé
|
900.000MTS
|
Lavatório grande
|
495.000MTS
|
Sifão plástico 1’1/4
|
95.000MTS
|
2 Torneiras PL cavam
|
250.000MTS
|
Sifão Bidé
|
345.000MTS
|
1 Tubo P.VC 110vN3
|
325.000MTS
|
Joelho de PVC
|
110.000MTS
|
4 Tubos PVC 110 143
|
1.300.000MTS
|
24 m Tubo 1’1/4
|
720.000MTS
+660.000MTS
|
Total =
|
6.021.000MTS
|
9- Resultados do concurso Público para Alocação de Rotas
São 24 horas, menos dois
minutos. São horas de ir dormir. Vão ser, agora, acrescentados às notas deste
dia, os resultados do Concurso Público para Alocação de Rotas, a que fizemos
alusão, no dia 26 de Julho.
Publicados, no jornal Savana,
temos os dados seguintes:
Resultados
1. No âmbito do Acordo de Transporte Aéreo entre a República de Moçambique
e a República da África do Sul, assinado em Maputo aos 1o de Maio do
ano em curso, foi lançado um concurso público para a alocação de rotas que
foram, na devida altura, publicitadas nos jornais de maior circulação no país.
2. Concorreram, para o efeito, várias empresas tendo-se constituído um
júri de avaliação. Os elementos de avaliação basearam-se nos requisitos das
empresas concorrentes, documentação submetida e nos critérios de selecção
definidos à luz do Decreto nº39/98, de 26 de Agosto de 1998
.
3. Em função do perfil dos candidatos e da documentação, por cada
concorrente submetida, é o seguinte o quadro de resultados:
Nº DE ORDEM
|
ROTAS CONCORRIDAS
|
EMPRESA ATRIBUÍDA
|
1
|
Beira-Nelspruit-Beira
|
ASAS
DE MOÇAMBIQUE
|
2
|
Maputo-Cape Town-Maputo
|
TRANSAIRWAIS
|
3
|
Maputo-Durban-.Maputo
|
LAM-SARL
|
4
|
Maputo-Lanséria-Maputo
|
MEX-SARL
|
5
|
Maputo-Nelspruit-Maputo
|
TRANSAIRWAIS
|
6
|
Namapula-Johannesburg-Pemba
|
MEX-SARL
|
7
|
Pemba-Johannesburg-Pemba
|
LAM-SARL
|
8
|
Vilanculo-Lanséria-Vilanculo
|
MEX-SARL
|
9
|
Vilanculo-Nelspruit-Vilanculo
|
ASAS DE MOÇAMBIQUE
|
Maputo, aos 26 de Julho de 2002.
CAPÍTULO NOVE
1ª IDA A GEBA E VISITA ÀS FABRICAS DE CAJU E SISAL
1- A caminho de Geba[22]
Por volta das 8 horas do dia 3 de Agosto do corrente ano, entrámos
no carro com destino a Geba. Trata-se de uma Plantação de Cajueiros e Sisal,
onde se encontram as fábricas correspondentes de caju e da fibra do sisal, e
ainda umas salinas, pertencentes ao Grupo João Ferreira dos Santos.
A primeira etapa terminaria em
Nacala, depois de termos enveredado por uma picada do interior, onde apreciámos
a dança, de árvore em árvore, de bandos de macacos. Chegados a Matibane
(Chicoma), às 9.55h, confrangeu-se-nos o coração ao vermos o estado degradado
em que se encontrava o antigo hospital e maternidade e, mal também, a capela.
Desejando continuar caminho que
nos era desconhecido, perguntámos a um guarda se íamos bem para Nacala.
- “Sim, Sr., andar boa viagem”, respondeu-nos com toda a simpatia.
- Muito obrigado, e
felicidades, respondemos, todos, em coro.
Continuando o nosso caminho,
encontrámo-nos, quase sempre, rodeados de mato e plantas frutíferas, como:
cajueiros, coqueiros, mandioqueiras, etc.
Chegados à aldeia de Tanquini,
ficámos admirados por ver, nas ruas, postes eléctricos. Embora poucos, davam às
gentes do local um bem que não existe noutras aldeias, talvez de maior
população. Um pouco mais adiante fomos dar com a Missão católica, S. José.
Antes de se chegar à cidade de
Nacala encontrava-se, à esquerda, o “SAMIR
CENTRE”, ainda em vias de acabamento. Mais à frente, à entrada de Nacala a
Nova, onde chegámos, às 11.00 horas, encontra-se uma espécie de triângulo com
uma placa que indica Nacala Porto, (à esquerda) e Nacala
Verde (à direita).
Em Nacala Porto, a Tabita foi
falar com o Sr. Ciríaco[23]
sobre a possibilidade de adquirir, na Empresa JFS, material para as obras de
Saua-Saua. Ao dizer-lhe que já tínhamos começado as obras numa das casas, ele
disse:
- “Fazem muito bem. É bom ser independente ”.
- “Realmente, é verdade”, respondeu a Tabita, achando eu que tal
observação deveria trazer água no bico.
Soubemos, então, por ele, que,
nessa Empresa, o saco de cimento custava, 125.MTS.
ÀS 11.30h partimos para Geba,
metendo 31,594L, ao custo unitário de 11, 310MTS, pagando, no total,
357.50000MTS. Às 11,50 atravessámos a linha-férrea que vai de Nampula a
Nacala-Nova e, circundando a baía de Nacala chegamos a Nacala-Velha, passando
pelo Namarral[24], às
12,30h. Pelo caminho, vimos uma grande manada de vacas indianas que têm a
particularidade de terem bossa e, ainda, uma pequena plantação de tabaco.
A determinada altura chegámos a
uma pequena aldeia, chamada “7 de
Abril”, assim chamada para honrar a data do aniversário de Josina
Machel, denominada “ A Primeira-dama”
quando era esposa do presidente de quem tirou o nome. Ali, vira-se à direita
para se ir dar à Plantação de Geba.
Por todo o caminho abundam:
Cajueiros, Mangueiras, mandioqueiras, feijoeiros, batata doce e,, de quando em
vez, um majestoso e enigmático Ibondeiro. Entre esta povoação e a Plantação de
Geba encontram-se, sob o lado esquerdo da picada, dois enormes morros
graníticos, de figuras curiosíssimas.
No regresso, feito já de noite,
o Luís fez algumas imagens que são verdadeiras obras de arte, cheias de beleza
e mistério, não faltando, de facto, um ibondeiro que ficará na memória, não
apenas de todos nós, mas também de quem tiver a dita de o admirar no livro que,
um dia, será publicado sobre todas estas andanças
Chegámos a Geba às 13.30h. Após
a primeira placa “Plantação de Geba de
JFS” vêm-se Cajueiros e sisal a perder de vista. A seguir, uma segunda
placa marca a entrada para a área das Fábricas de descasque do caju e do
desfibramento de sisal, respectivamente onde se lê o seguinte: “Bem-vindo à Fábrica de Descasque de Caju de
Geba”.
2- Já na área das Fábricas
À entrada há um largo, com uma
rotunda a envolvê-lo, estando do lado esquerdo o refeitório (desactivado). Mais
abaixo, do ledo esquerdo, está a cantina onde os trabalhadores podem comprar
víveres, etc. No centro há um poço donde tiram a água para consumo.
Exteriormente vê-se toda a plantação, porque a fábrica está numa pequena
elevação, notando-se, então, dali, as salinas que também fazem parte da mesma
propriedade.
Ao chegarmos, damos conta de
cantos, misturados à algazarra dos operários e dos ranger de uma e outra
máquina. Pouco depois chega o Gerente,
Sr. Vítor Pires[25]
que se dispôs a dar-nos todas as informações que desejássemos e a conduzir-nos
através, de todas as secções das Fábricas.
O complexo da plantação,
portanto, é composto por três grupos distintos: Plantação de Cajueiro com um
número aproximado de 16.800 pés; Plantação de Sisal e Salinas.
A Fábrica é composta por dois
grupos: o de descasque de caju e o do desfibramento de sisal que, exigindo
muita água para esse efeito e para a lavagem, foi necessária construir uma
pequena barragem para o seu armazenamento.
Durante o tempo
colonial a plantação tinha Hospital com Heliporto, Escola e Capela. Hoje está
tudo desactivado, à excepção da escola. Em vez do hospital encontra-se, fora da
plantação, um pequeno Posto de Saúde com a assistência periódica de um médico e
de uma enfermeira, sendo as doenças mais comuns, na região, a Malária e a
cólera.
3- Fábrica de caju
Ao chegarmos, fizemos algumas
perguntas ao seu gerente, entre as quais seleccionei as seguintes:
-
Quantos
trabalhadores têm na fábrica?
-
“Neste
momento, incluindo a parte da fábrica de Caju, as salinas e a fábrica e corte
de sisal temos à volta de 820 pessoas”.
-
E
qual é o horário de trabalho?
-
“Trabalham
desde as seis horas. Mas eles trabalham em regime de tarefas. Isto é: quem
acabar mais cedo, volta para casa mais cedo”.
-
E
quando é a sua floração?
-
“Nasce,
após a floração que se dá entre os meses de Julho e Setembro, sendo colhido nos
fins de Outubro”.
-
E
depois?
-
“Depois
vem a fase da execução do tratamento que começa em Novembro e se estende por
todo o ano”.
-
Mas
a plantação fornece caju suficiente para tanto trabalhador e para todo o ano?
-
“Bom
o caju que tratamos aqui não é só da plantação da empresa JFS. Recebemos caju
das redondezas”
Segundo a sua explicação e o que nós pudemos verificar, o procedimento do
descasque passa por várias secções, entre as quais estão a de
armazenamento, calibragem, cozedura, estufagem, descasque, despelicolagem, revisão, selecção,
embalagem e a de expedição.
De seguida, indicou-nos o
caminho para a secção do armazenamento (a primeira) da castanha de caju, vindo,
em grandes sacos, da plantação de JFS e das aldeias vizinhas, passando, depois
à secção da calibragem, onde é escolhida pelo tamanho, através de um crivo
giratório, em forma de tubo, que se divide em várias secções consoante a
largura dos buracos. Ao passar, o caju vai caindo dentro de sacos, consoante
calibragem desejada, recebendo a qualificação numérica de calibres 18
(milímetros), 20, 22, 28 e 30 ou gigante, sendo a partir desta classificação
que se fazem as encomendas. O cliente pede a quantidade segundo o calibre e
fabricante avia as encomenda segundo esse pedido.
Passando à secção da cozedura,
começámos por nos inteirar deste processo e julgando sabermos já alguma coisa
perguntámos-lhe:
-
Depois
torram a castanha não é?
-
“Não,
ela não é torrada como em outras partes. Nós aqui usamos o processo da
cozedura. A castanha é cozida, numa caldeira que é aquecida. O vapor que sai do
Roaster (leva 4 sacos de oitenta quilos) vai ser também utilizado para a
secagem que é feita na estufa”.
-
Quer
dizer: é um duplo aproveitamento do calor produzido por essa caldeira
-
“Exactamente.
E o óleo tem múltiplo aproveitamento, desde a utilização para combustível, até
à utilização na indústria e, inclusive, na composição do alcatrão. Depois de
sair do Roaster, a castanha ou amêndoa vai a secar”.
Passa, depois, à secção da
estufagem, o que é feito numa gigantesca estufa, onde permanece a secar,
durante 8 horas. A estufa tem a capacidade para duas toneladas, em simultâneo e
distribuídas em e carrinhos que comportam uma carga de 150 quilos, cada.
Na Secção do descasque, composta
por umas 300 máquinas à qual está um homem, a castanha é dividida e pesada, em
lotes de 36 quilos consoante o calibre e depois esses lotes de 36 kg são
distribuídos a cada trabalhador. Esta é a tarefa diária. Do trabalho de
descasque deve, cada um, apresentar 7 quilos e meio de castanha inteira. Se for
da castanha gigante tem de apresentar oito quilos e meio. Cada trabalhador
coloca, então, diante de si, num tabuleiro, o monte da castanha com casca
exterior. Desta vai fazendo três montes, separando as três qualidades do
produto já descascado: amêndoa inteira, amêndoa partida e amêndoa triturada,
enquanto a podre é lançada fora.
Ali estavam, 300 homens, diante,
cada um, da sua maquineta que é constituída por uma pequena banca sobre a qual
está um tabuleiro, e um pequeno instrumento, formado por duas lâminas entre as
quais se coloca, manualmente, e com rapidez, a castanha de caju.
Simultaneamente dão à manivela com a mão e baixam um pedal com o pé e a
castanha sai descascada. É o processo indiano.
Nesta operação é usado óleo oqui
para não queimarem os dedos, pois o óleo do caju é corrosivo. Depois de ser
trabalhada, a amêndoa vai para a balança, é pesada. Só, então, é que é
registada a tarefa do dia, no cartão minuciosamente elaborado, com o nome do
cada indivíduo, dias do mês, que, curiosamente seguem a ordem de um a quinze,
do lado esquerdo e de 16 a trinta e um, do lado direito. O Apontador assinala,
com um visto (v), o cumprimento da tarefa nesse cartão pessoal, e quando o
trabalhador não aparece, assinala-lhe a falta respectiva. Existe uma folha
geral com o nome de todos os trabalhadores que se apresentaram ao serviço,
onde é marcada a tarefa, assim como os resultados obtidos, segundo a qualidade
da castanha descascada. Esta folha vai, todos os dias, para o escritório, onde
se vão acumulando até ao fim da semana e do mês, para as contas gerais. Frequentemente,
alguns trabalhadores faltam. Quando se apanham com um pouco de dinheiro, passam
uns dias, sem regressar. Acabados estes, voltam e recomeçam os trabalhos, à
tarefa. É bom conhecer estes costumes, não vamos, nós ser demasiado rígidos.
- Quando as lâminas se partem, precisa o mestre, são substituídas por
outras que são feitas aqui, a partir de serras partidas, vindas das fábricas de
algodão do Namialo. Aproveitamos esses pedaços para fazermos lâminas novas.
Antes requisitávamo-las lá fora, mas demoravam muito tempo e o serviço
atrasava-se. Ora, aqui não podemos esperar.
Terminada
aquela operação, procede-se a uma outra mais delicada: a despelicolagem, ou seja, a retirada da película interior. Esta é feita geralmente por mulheres e crianças
(notemos que na secção de descasque eram apenas homens porque é um trabalho
mais duro e perigoso devido a corrosibilidade do óleo do caju). Nesta secção,
porém, trabalham, actualmente, 220 mulheres e jovens.
Na secção de revisão
encontram-se pessoas com bons olhos, pois que são elas que vão passar, “a dedo fino”, toda a castanha, para ver
se nenhuma passa com alguma pequena parte de película. Passa em frente a que
está limpa, e a imperfeita passa para a parte lateral do tabuleiro, junto ao
qual estão duas mulheres que acabam por depilá-la, à perfeição.
Na secção que se segue, a de selecção, a amêndoa é, de novo,
seleccionada, sendo categorizada no seu tipo próprio. Aqui é escolhida segundo
o seu tipo de castanha. São 22 os tipos de amêndoa, indo da inteira, à partida
e desde a grande até à pequena, existindo entre estas vários tamanhos.
Para a embalagem, que é feita
depois de pesada, em sacos plásticos de 11,340 kg, existe actualmente, uma
máquina embaladora, da marca VALEER Pakaging Worlwide, que tem a
propriedade de embalar a amêndoa com CO2 para criar o vácuo, podendo conservar-se
em bom estado durante um ano. Esta máquina veio substituir o velho processo de
utilizar latas de metal que eram soldadas, evitando os inconvenientes da
soldadura cair para dentro e danificar a castanha enlatada e providenciar para
que não haja reclamações da parte dos clientes.
Na secção da embalagem notámos
uma grande pilha de caixas de cartão, já aviadas para serem transportadas para
a Central, donde seguirão para os seus destinos. Curiosamente quisemos saber
quantos quilos pesava cada uma, pelo que lhe perguntámos:
- Quanto pesa cada caixa?
- “22,680Kg, porque cada uma leva dois sacos de 11,340kg, a que é
acrescido s o peso da caixa de cartão”.
-
E
quanto custa cada caixa?
-
“Isso,
já não sei dizer-lhe. Eu sou apenas fabricante. Daqui vai para Nacala e o preço
é fixado pela administração, estando à frente disso o Sr. Ciríaco”.
-
Para
onde é exportado?
-
“Para
vários países. Para Portugal, também. O melhor comprador é/são os Estados
Unidos da América, indo mais para Nova Iorque”.
4- Fábrica de sisal
O sisal passa pelas seguintes
fases
a-
Depois de amanhada a terra dos viveiros,
lança-se a semente que cresce até poder ser arraçado e atado em molhos para ser
levado para o terreno, também este amanhado para o plantio;
b-
De seguida, leva o seu tempo a crescer e
a produzir a primeira colheita que consiste no corte das folhas adultas, o que
é feito por tarefas, isto é: cada homem faz molhinhos de 25 folhas, cada um,
num total de 180 molhinho, por dia;
c-
Esses molhos são colocados em atrelados
que, cheios, comportam, cada um, 2.435kg;
d-
Depois de haver 25 atrelados vão ao
desfibramento;
e-
Um homem toma, então, nota da tarefa
cumprida por cada trabalhador.
f-
De quatro 4. 435kg, depois de tudo limpo,
ficam, apenas 1,800kg de fibra de primeira classe. Isto quer dizer que, para
haver rendimento, terá de se alcançar, pelo menos, 3% de fibra limpa por cada
4.435kg;
g-
Para o desfibramento, feito numa máquina
antiga, necessita-se de água que vem de uma barragem que foi feita na mesma
Plantação;
h-
Depois de desfibrado vai a secar durante
24 horas, formando um imenso manto branco;
i-
Uma vez seco é limpo, escovado através de
uma máquina por onde passam as fibras, puxadas por homens que, devido ao pó,
tomam um ar esquisito, pois tanto as sobrancelhas como os cabelos e roupas
ficam todos branquinhos.
j-
A estopa que fica – os restos da primeira
escovagem ou derriçagem - é, de novo,
escolhida, em fibras mais curtinhas e os seus resíduos (fibras enoveladas e
muito curtinhas), são exportados para se encherem colchões, almofadas, etc.. Um
dos que estavam neste serviço chamava-se Paulo Mepupe, ao qual o
Fernando Matos fez várias fotografias.
k-
Depois de preparado, o sisal é
classificado em três categorias ou classes, a saber: 3L, o melhor; R
o médio e Estopa que é o refugo, mas aproveitada;
l-
Depois temos a secção de enfardamento, em
fardos de 50kg ou 25kg, seguindo para os mercados nacionais e estrangeiros;
m-
Para a fabricação de cordas, existe nesta
mesma Fábrica um engenho muito simples que é composto por duas espécies de
dobadouras, tendo cada uma quatro ganchos onde se atam as fibras que, através
de uma manivela, em cada dobadoura, vão sendo torcidos e entrelaçados, uns nos
outros. Fazem cordas de vários tipos, quer na espessura, quer no comprimento.
Entre a visita à Fábrica do
descasque de caju e a vista à Fábrica do Sisal fomos almoçar à Residência da
Plantação onde o Sr. Vítor tinha mandado arranjar frango assado, caril de
frango, esparguete e arroz. À chegada, fomos recebidos, à porta, pelos
empregados Bachir (o velho jardineiro que ainda se lembrava muito bem da
sua antiga patroa, Da Maria Domingues Ferreira dos Santos), António (o
cozinheiro) e Sebastião Bakar (o guarda).
Igualmente, à porta, estavam no
momento da despedida. Depois de fotografias rápidas tiradas com eles,
despedimo-nos de todos e partimos para as Chocas, às dezassete horas.
5- História do Ibondeiro:
De regresso às Chocas-Mar e já
mais descontraídos, embora um pouco cansados e de corpo moído devido aos
solavancos causados, não só pelo mau estado das picadas, mas também das
condições da velha carrinha que nos transportava, fomos contando anedotas,
entrecalando-as com histórias. Para memória, aqui fica a do ibondeiro.
É uma árvore que, nesta época, é
curiosa. De porte colossal, possui um tronco que se alarga gradualmente, de
cima para baixo, dando a impressão da saia de uma mulher. Os ramos são despidos
completamente, sem uma folha para amostra, mas com frutos grandes e ovais,
assemelhando-se aos lampiões.
É considerada, aqui, como árvore
ligada ao feitiço. Ninguém gosta de ficar por baixo dela. Dizem que, se alguém
construir a palhota junto dele, em breve, terá de a mudar para outro lado.
Disse-nos um empregado – Raimundo –, que o Ibondeiro não serve para nada, nem
para sombra, nem para lenha. Quando seca apodrece. Serve, para os elefantes.
Estes, como são enormes e pesados, dormem de pé. E por isso encontram nestas
árvores um encosto privilegiado para melhor e mais seguramente dormirem.
Inclusive o seu fruto, não é
muito apreciado, entre os moçambicanos. É composto de uma casaca dura, parecida
ao do coco, mas menos dura e de forma mais uniformemente oval. No seu interior
tem a parte comestível, uma espécie de serradura cheia de líquido. É esta
parte, apenas, que é comestível. Hoje, em dia, a casca é utilizada para
objectos de decoração, como candeeiros ou campânulas, das quais pendem
conchinhas ou búzios enfiados numa linha, que servem para espantar os
espíritos. Para conservarmos o pitoresco da história, vamos reproduzir as
palavras do Raimundo, seu autor:
-
“Como
é o Ibondeiro?”
-
“Bem.
Só, aquilo ali mesmo, o Ibondeiro, os camponeses, os próprios camponeses
agricultores, n’é. Aquilo ali serve de sinal. Para a preparação dos coisos dos
campos da machamba, si. Então basta ver o Ibondeiro a começar dar folhas; então
qualquer camponês fica muito preocupado em limpar machamba e começar a semear.
Se for aqueles que costumam prevenir, no é. Começar a semear mesmo que não cai
chuva. Começa semear: milho, qualquer
qui... aquela produção que é principal, como é semear. Prontos”
-
“Então?”
-
“Então,
prontos. Ali deixa começar... não. Não acaba os dois, ou três primeiros meses,
sem começar a cair as chuvas. Então aquele começa a desenvolver as folhas; ao
mesmo tempo começa a dar flores”
-
“De
que cor é a flore”?
-
“As
flores dele? Ficam, fica.... Tem cor branca. Então, daqui já basta cobrir-se...
aquilo tudo coberto de folhas. É quando a chuva já está para chegar: Dezembro
Janeiro e Fevereiro. Aquele tempo em que a chuva já acaba e a produção já está
a ficar pronta. O Ibondeiro já esta, já deu aquele fruto Então quando aquele
fruto dele fica pronto, cai, cai, já vem o tempo bom”.
-
“Quando
é a colheita do fruto?”
-
“Aquilo
ali no, ninguém colhe. Nada, Só, às vezes, apanha, assim mesmo simplesmente.
Pode comer-se, mas ninguém come. Gente não aprecia muito”
-
“O
que é que aquela gente faz com o fruto do Ibondeiro?” Perguntou a Tabita.
-
“Aquela
coisa, aquela casca dele. As pessoas tiram caroço fora, tratam bem e furam,
furam e penduram miçanga nele; e vendem. A senhora, a patroa nunca viu? Começam
a vender lá, nas Chocas; muita gente compra”.
-
“Missangas,
conchinhas e búzios, não é?” Continuei eu.
-
“Sim,
põem conchas, búzios. Eu recordo: não foi a senhora que comprou, não foi a
patroa que comprou? Fica bonito e muita gente compra., n’é?”
-
“Não,
eu não. Não vi, nem comprei”, respondeu a Tabita.
-
“Fui
eu que vi, mas não comprei”, respondi eu.
-
“Ah!”.
E, assim, termina a história do
Ibondeiro, que, pelo seu porte de tronco gigantesco, pernadas nuas e de fruto
a descoberto dá, especialmente durante a noite, um ar de mistério e incute
certo respeito ou medo a quem por ele passa. Para mais, aqui, ele é associado
ao mundo dos espíritos, tirando dele grande partido, praticamente todos os
feiticeiros das zonas, onde esta árvore nasce e cresce.
CAPÍTULO DEZ
TEMA DE REFLEXÃO E DE REPETIÇÃO DE PROVAS
1- Contas em dia e abertura dum Saco Azul
Dia 4 de Agosto, acordámos, todos mais tarde; a Tabita e eu, por volta
das 8.30h, enquanto os restantes, algum tempo depois.
Depois do pequeno-almoço, o
Fernando fez algumas fotografias a “Cacás” macuas, pelas quais o dono
lhe pediu 100.000MTS. Isto porque o Gil, dias atrás, tinha dado igual quantia a
outro por aves semelhantes.
Da varanda víamos vir as ondas
do mar partir-se contra as rochas da praia, numa repetição ruidosa e
agastante. Com ele assim não apetecia ir tomar banho. Por isso, ninguém foi à praia
Eu sentei-me a ordenar e
desenvolver as notas referentes ao dia de ontem e estas que, agora se seguem,
enquanto a Tabita e o Adelino ordenaram as contas e puseram à consideração de
todos a abertura de um saco azul. Em vez de se dividirem as despesas todos os
dias, ou todas as semanas, colocava cada um, num saco comum, o que era
determinado pelo chefe da cozinha – a Tabita – e, tornava-se a encher, logo que
estivesse vazio. As compras estavam a cargo dos chefes, mas todos podíamos
substitui-los quando víssemos coisa que nos agradasse.
Depois de eu ter pago a parte
que me cabia das despesas anteriores (738.000.00MTS eu dei só 700.000.00 por
falta de trocos), continuei a escrever e eles continuaram a fazer contas. Pouco
depois, ele e a Tabita, foram para a praia passear, porque nadar não parecia
ser muito prudente, continuando eu na minha tarefa. Passados alguns minutos, o
Adelino regressou, para me pedir 250.000MTS para o Saco Azul já constituído e
saiu. Eu, depois de lhe ter dado essa quantia, continuei a escrever as notas do
dia 3, permanecendo nesta lida até às três horas da tarde. O almoço foi por
volta das 4 horas.
Após este, regressei à minha
mesa de trabalho, para continuar a escrever matéria do dia três, o que fiz até
às seis horas e dez minutos. Para isso, nem fui ao café, com os colegas que
estranharam a minha ausência, assim como o facto de ter saído da mesa sem tomar
a sobremesa.
Terminada essa tarefa, retomei
as notas de hoje e soube, quando voltaram do café que tinham aproveitado a
oportunidade para telefonarem ao Sr. Vítor Pires, de modo a prepararem uma
segunda visita a Geba, desta vez com a bomba de água da máquina do sisal a
trabalhar em condições.
Perto de mim, o Luís preparava
as imagens ou fotos feitas em Geba, aquando da primeira visita, no intuito de
puder repetir, na segunda ida, aquelas que não o satisfizessem. As que lhe
agradaram guardou-as num CD e escolheu algumas que ofereceu à Tabita para
utilizar na sua Tese de Mestrado: o hospital dessa Plantação e o ibondeiro que
tinha servido de reflexão. Eu tive a ocasião de ver a maior parte delas e
fiquei, deveras, maravilhado. O próprio autor ficou satisfeito, pois renunciou
repetir a sessão.
2- Em Geba e Saua-Saua
O dia 5 de Agosto foi um dia em que o grupo se desfez em três: um ficou
em casa – o Luís –, outro, em Saua-Saua – Adelino, Tabita, Raimundo e eu –, e
um terceiro regressou a Geba – o Fernando e Gil, para completarem o trabalho
de recolha de fotografias – e a Isabel porque não tinha ido da primeira vez.
Para um dia, assim repartido, e porque tínhamos apenas uma viatura que deveria
deixar uns em Saua-Saua, enquanto levava os outros a Geba, tivemos que
levantar-nos cedinho, às 4 horas e meia.
Como tinha sido planeado, o
carro passou pela Plantação de Saua-Saua para ali nos deixar e seguiu para o
terceiro grupo. Ao chegarmos ao Mossuril, o Fernando quis ficar ali à espera,
enquanto nós seguimos para Saua-Saua. Com ele ficaram, então o Gil e a Isabel.
Depois de nos ter deixado, o Dinho, condutor do veículo regressou ao Mossuril
para os recolher e levar ao seu destino. Do que se passou em Geba só eles o
poderiam descrever, o que não fizeram.
O que aconteceu em Saua-Saua,
porém, é da minha conta e, aqui estou para isso mesmo. Inspeccionámos os
trabalhos desenvolvidos, demos uma volta pela baixa, para ver as nascentes da
água. Mandámos dar mais uma limpeza à mina, colocámos-lhe, no fundo, e a toda a
extensão, pedrinhas brancas que foram recolhidas, na praia por três miúdos a
quem demos um bom saguate.
Fizemos a análise da água
utilizando uma gota de hipocloreto de potássio que lançámos numa garrafa cheia
de água; agitámo-la bem e deixamo-la are pousar durante umas quatro horas.
Deitámos-lhe, depois, um comprimido como reactivo e a água tornou-se
cor-de-rosa. Afinal a água é potável. Fomos, de novo à mina retirámos uma nova
amostra. Lançámos-lhe o comprimido imediatamente, mas sem a gota de
hipocloreto e não houve nenhuma reacção. Retirámos nova amostra,
adicionámos-lhe o hipocloreto e deixámo-la repousar durante vinte quatro horas.
Isto foi feito às dezassete horas de hoje. Esperámos até esta mesma hora do dia
seguinte para ver o resultado.
Medimos e estudámos o melhor
processo de introduzir um tubo novo na mina, utilizando o velho que ainda lá
estava, mas muito ferrugento. A hipótese encontrada foi a de introduzir neste
último, que é largo, um outro mais estreito, fazê-lo subir um pouco mais, e
betumar os espaços vazios. Para isso mandámos comprar vinte metros de tubo de
uma polegada e um quarto, quatro curvas para adaptar a esse mesmo e um escopro
de ponta afiada para a realização desses trabalhos. Esta encomenda será aviada
pelo João e Dinho que para isso terão de se deslocar à cidade de Nampula.
O trabalho que tem sido feito
pelos pedreiros e carpinteiros afigurou-se-nos satisfatório, tendo
especialmente em conta os utensílios utilizados. O pedreiro não tem mais do que
um escopro de 10 centímetros de comprimento, um martelo, um pedaço de madeira a
servir de talocha, um esponja, uma vassourita e um copo de alumínio com água para
ir molhando o cimento aplicado e o rasgo aberto na parede. Os carpinteiros, têm
uma plaina, um cinzel, um serrote, e uma banca que é feita de um tronco com
quatro patas.
O nosso almoço foi arroz de
polvo, e ananás como sobremesa.
3- Um serão bem passado à luz da candeia
Depois de termos feito o que
estava ao nosso alcance, ficámos à espera que os colegas regressassem de Geba
para, com eles voltarmos às Chocas, nosso quartel-general. Mas isto nunca mais
acontecia. Imaginem o que é esperar das cinco horas (aqui, a esta hora, já é
noite), até às nove horas e vinte minutos. Não havia outra luz, senão a da
trémula chama de uma candeia a petróleo, emprestada pelo João. Ora todos juntos
ora, separados, de vez em quando, lá nos íamos entretendo, conversando e rindo.
Uma vez em que a Tabita e o Adelino se afastaram um pouco,
fiquei eu a sós com o João, aproveitando da ocasião para conseguir sacar-lhe
coisas que desconhecia, como, por exemplo, que:
-
Na
plantação existem três trabalhadores efectivos: o João (responsável), o Ebrahim
e o Joaquim João Marraguda; 2 contratados: Aquilo Morrocha, Domingos Muchamo;
-
Neste
momento tem, além daqueles, mais quatro sazonais, dos quais dois fazem limpeza
à plantação e os outros traçam macute (as folhas dos coqueiros) para
ser vendido e para cobrir a Maternidade da Muchelia da empresa JFS;
-
Os
cocos se vendem
-
O
dinheiro dessa venda, recebido pelo João vai, directamente, para a conta dessa
firma JFS;
-
O
livro de Nota de Entrada de tudo isto está na Muchelia;
-
Os
produtos cultivados pelo João, na Plantação de Saua-Saua: arroz, mandioca,
etc. são para o próprio João;
-
Os
cajueiros que crescem ao longo da rua central foram mandados plantar pela
Firma, mas quem idealizou a sua plantação e a supervisionou foi o João;
-
O
salário mensal dos efectivos é de 920.000 MTS,
-
O
salário diário de um trabalhador sazonal é de 15.000MTS (=150$00, ou seja, 0,75
€).
-
O
João mostra um certo descontentamento por receber o mesmo salário que os outros
efectivos, aduzindo a razão da grande responsabilidade que pesa sobre os seus
ombros (Ele, de facto, supervisiona tudo e todos, contrata homens, orienta os
trabalhos, etc.
-
Segundo ele, seria justo, uma pequena
diferença, já que mais não fosse, um pequeno subsídio extra para o diferenciar
dos outros;
-
Tem
sentido a necessidade de uma motorizada para sair da Plantação, visto a
bicicleta ser morosa e já lhe custar um pouco pedalar, a longas distâncias e
pelos caminhos que aqui existem;
-
Uma
motorizada razoável custa, actualmente, entre seis a sete milhões de meticais?!
-
A
educação não favorece nada os pobres, pois funciona desta forma:
-
Até
à segunda classe, os pais só pagam a matrícula, sendo o Estado a dar o material
escolar; a partir da 3ªa classe os estudos não são obrigatórios;
-
Se
aparecem na escola são aceites, se não aparecem, não são, por isso, importunados,
nem eles nem os seus pais;
-
Mas,
a partir dessa classe, os alunos já pagam a matrícula e todo o material
escolar;
-
Os
alunos das Chocas, por exemplo, se quiserem fazer a 6ª e 7ª classes (ou 6º e 7º
graus) terão de ir, ou para o Mossuril que fica a 7 km de distância, ou ficar
internos, tendo de pagar, neste caso, cerca de nove milhões de meticais pelos
nove meses escolares, ou seja, um milhão por mês (este preço é o de 2001-2002);
-
Para
fazer a 8, 9ª e 10ª graus os alunos terão de ir para a Ilha ou para Nampula,
tendo que ficar, ou em casa de familiares, se os tiverem, ou internados,
pagando uma mensalidade insuportável para a maior parte das famílias
-
O
ensino, disse-me um pai, é gratuito (curioso!) para os filhos de:
o Funcionários públicos,
o Forças militares e militarizadas,
o Médicos e paramédicos.
4- Desproporções que bradam aos céus
Vejam como as coisas são! Como é
possível o desenvolvimento do país? Estão a criar-se estruturas sociais onde
existem apenas duas classes: a dos muito ricos, e a dos muito pobres. A classe
média não existe. Ora, nós sabemos que é esta que faz a ligação entre as outras
duas. É verdade que nos países onde falta a classe média se encontra o subdesenvolvimento
e a pobreza.
Por aqui já poderemos fazer uma
pequena ideia de quanto seja difícil um simples operário ascender, a não ser
por milagre! Por outro lado, se olharmos bem para os custos dos materiais de
construção e das refeições num restaurante da cidade, ou de uma diária num
hotel por exemplo, verificamos que existe uma desproporção abismal quando são
comparados com os salários auferidos pelos trabalhadores da classe baixa.
Vejam só! Um operário que é
efectivo numa empresa privada ganha, actualmente 900 a 920 mil meticais; um
jornaleiro ganha 15 mil, apenas. Façam as contas e vejam se estes operários têm
possibilidades de mandar os filhos estudar. Comparem também esses salários com
os preços praticados nos restaurantes, onde nós vamos, nos quais não se come
por menos de 120.000Mts. E este preço é dos mais baixos. Quem pode ir a restaurantes?
Só estrangeiros.
Passemos, agora, aos preços dos
materiais de construção e instrumentos de trabalho. O Adelino e Tabita pediram
orçamentos a várias casas e eis o resultado. Pomos 4, em forma sinóptica para
vermos melhor as diferenças:
QUANT
|
MATERIAL
|
Ferragens
Reunidos (Mts)
|
Infermetal(Mts)
|
Gani
Comercial LDA (Mts)
|
|
1
|
Sanita
|
850.000
|
695.000
|
1 Jogo sanitário SPC
|
5.300.00
|
1
|
Tampa
|
100.000
|
90.000
|
1 Adaptador p/sanita
|
195.000
|
1
|
Autoclismo
|
1.200.000
|
1.450.000
|
2 Bichas fl.p/lavatório
|
120.000
|
1
|
Bidé
|
900.000
|
1.250.000
|
1 Sifão PVC 11/4 p/ lavatório
|
85.000
|
1
|
Lavatório
|
495.000
|
1.150.000
|
1 Sifão p/bidé
|
145.000
|
1
|
Sifão grande
|
95.000
|
2950.000
|
3 Tubos coprelene 4’’x6
|
|
2
|
Torneira/lavatório
|
250.000
|
530.000
|
1 Misturadora p/ lavat. galizes
|
690.000
|
1
|
Sifão Bidé
|
345.000
|
520.000
|
1 Torneira p. lavatório
|
95.000
|
1
|
Tubo P.VC 1’3/4
|
325.000
|
199.500
|
1 Bicha flex.1/2x60
|
60.00
|
1
|
Joelho
|
110.000
|
|||
4
|
Tubos P.VC 1’ e ¾
|
1.300.000
|
520.00 (20m)
|
||
24m
|
Tubo P.VC 1’ e ¼
|
720.00
|
|||
S/TOTAL
|
6690.000
|
||||
669.000
|
|||||
TOTAL
|
6.021.000
|
TOTAL:
|
9.330.000 Mts
|
NB. Um Berbequim custa
120.000$00).
O carro, que tinha o escape
rebentado, chegou, apenas, às 9,20 da noite e só depois de ter ido levar os
outros colegas às Chocas. Partimos, depois de termos descarregado 5 sacos de
cimento, chegando às Chocas, às dez horas da noite. Cansado, e um tanto aborrecido,
porque as coisas, comigo, não estavam nada bem, fui deitar-me, sem jantar. O
mesmo fez a Tabita.
[1] Revista de Bordo da LAM, Série II, nº 20 – Julho/Setembro 2002.
[2] Memória Descritiva do Projecto “Saua-Saua”, promovido pela MOSSÁFRICA, com a consultoria da
AEDES/ISCSP).
[3] Ibidem, p.
17.s
[4] Ibidem, p. 18
[5] Comendador João Ferreira dos Santos, o iniciador e consolidador da Firma
J.F.S. e seu esposa Maria Tabita Ferreira dos Santos
[6] Sita na Av. 24 de Julho, 3985 – C.P. 370 – Tel/Fax 408 186/7 (e-mail: ploforte@teledata.mz;
Site: wwwlofortetelecomunicações.com; ceil: 082 326
545)
[7] Tel.
082-324831
[8] Tel. 082-301677
[9] Tel. 082-898893
[10] “Saguat” significa, entre
eles, o que, entre nós significa “gorjeta”
[11] Este termo significa, à letra, monte-ilha.
Tem a forma geralmente suave, arredondada e de vertentes abruptas, constituindo
uma massa rochosa, residual e salienta-se nitidamente da superfície de erosão.
Sobressai curiosamente da paisagem de savana num período do ciclo de erosão.
[12] Sita na Avenida Francisco Maninga, nº 6 – Nampula, (Fax 213400, Telex
4-237, Telefs. 3466/2107/2109/212255)
[13] Cujo telefone é o 082,454 925
[14] Cujo número de telefone é o seguinte: 212162
[15] Neste dia, saiu o resultado do Concurso Público para alocação de
Rotas, em Moçambique, feito pelo Ministério dos Transportes e
Comunicações. (cf. Nossa Crónica de 2 de Agosto de 2002 onde damos os
resultados do mesmo, publicados no Jornal SAVANA
desse dia).
[16] Revista de investimentos, economia e negócios, N.º 32, Maio de 2002, pp.
12-14).
[17] Ibidem, p. 04, art.
“Investimento em análise em Maputo – Commonwealth
Mozambique Investment Conference”, Texto de Cristina Casaleiro e fotografia
do Arquivo Editando e Arquivo CFM
[18] Ibidem, p.13
[19] Criado em 1958 no âmbito do Tratado de Roma, facilita
mediante a concessão de empréstimos e de garantias, sem prosseguir qualquer fim
lucrativo, o financiamento dos seguintes projectos em todos os sectores da
economia: projectos para a valorização das regiões menos desenvolvidas;
projectos de modernização de empresas ou de criação de novas actividades
necessárias ao estabelecimento progressivo do mercado comum que, pela sua
amplitude ou natureza, não possam ser inteiramente financiados pelos diversos
meios existentes em cada um dos Estados-Membros; projectos de interesse comum
para vários Estados-Membros que, pela sua amplitude ou natureza, não possam ser
inteiramente financiados pelos diversos meios existentes em cada um dos
Estados-Membros”.
[20] A Tabita,
formada em Línguas e Literaturas Modernas, está preparando o seu Mestrado em “Comunicação
em Saúde”
[21] Despesas
feitas em “Ferragens
Reunidos”, C.P. 154. Tf.212916/213644; Fax 214975 – Nampula):
[22] Não se deve confundir com GÊBA
que significa corcunda, bossa e é o mesmo que giba. Geba, embora possa ser nome do posto administrativo da
circunscrição de Bafatá, na Guiné, ex-colónia portuguesa, é, aqui, um nome dado
a uma plantação, vindo-lhe de um rio que tem o mesmo nome e é afluente do
Lúrio. Ele junta-se com o rio Nafiugo.
[23] (Cujo telefone é o seguinte: 526555
[24] Pertencendo, então ao distrito da Ilha de Moçambique,
foi ali que, em 1896 e 1897, se desenrolaram as operações militares, chamadas
“Namarrais” que foram iniciadas e dirigidas por Mouzinho de Albuquerque, após
ter, pacificado Gaza e submetido Maputo e logo que foi nomeado governador-geral
da província de Moçambique. Por “Namarrais”, entende-se, etnologicamente, o
povo aguerrido da costa oriental da África, que pertence ao Povo Macua.
[25] Cujo número de telemóvel é o seguinte: 082-601477
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