Wednesday, December 26, 2012

MOÇAMBIQUE 2002 (III)



ÍNDICE
  
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 6
CAPÍTULO UM................................................................................................................ 9
DE LISBOA A MAPUTO................................................................................................. 9
No Aeroporto da Portela.............................................................................................. 10
Voo 705....................................................................................................................... 10
Leitura útil..................................................................................................................... 11
Razão desta viagem: Projecto Saua-Saua...................................................................... 11
CAPÍTULO DOIS........................................................................................................... 15
EM MAPUTO: ENTRE POLÍTICOS E PRIMEIRA REPORTAGEM............................. 15
1- Eng. Pedro Loforte e Presidente da Associação “Amigos da Ilha”............................. 16
2- Partida de dois elementos para Nampula................................................................... 17
3- Reportagem sobre o Hotel........................................................................................ 17
4- Entrega do CD sobre o Hotel................................................................................... 18
CAPÍTULO TRÊS........................................................................................................... 19
UMA PROMESSA E PERSPECTIVAS FUTURAS....................................................... 19
1- Promessas do Gerente do Carlton Hotel................................................................... 20
2- Loforte Telecomunicações e a beleza da negritude..................................................... 20
3- Saboreando as especialidades do Restaurante “Costa do Sol”................................... 21
4- Bairro Triunfo – Os “Maziones”................................................................................ 21
5- Um multa de lhe tirar o chapéu.................................................................................. 21
CAPITULO QUATRO.................................................................................................... 23
A GRAÇA DE UM CHECK-IN E DE UMA VIAGEM SUI GENERIS.......................... 23
1- O Pitoresco de uma partida...................................................................................... 24
2- Peripécias no Avião de Maputo a Nampula............................................................... 25
- De Quelimane só o cheiro........................................................................................... 26
4- A imponência dos “Inselbergs” de Nampula.............................................................. 26
5- O primeiro encontro com o dono de uma viatura famosa........................................... 26
6- Meios de que dispomos em Nampula........................................................................ 27
7- A Caminho das Chocas-Mar (Mossuril).................................................................... 27
CAPÍTULO CINCO........................................................................................................ 29
CHOCAS-MAR: QUARTEL-GENERAL DE DUAS COMPANHIAS........................... 29
1- Começo das obras de reabilitação das habitações de Saua-Saua............................... 30
2- Plantação de Saua-Saua e o seu Mangal................................................................... 30
3- Primeiro encontro entre Patroa e Trabalhadores........................................................ 31
4- Não te metas em contratos sem conheceres os usos e costumes................................ 32
5- Um elemento mais se junta ao grupo: a Isabel............................................................ 33
6- No Marulhar das ondas das Chocas-Mar................................................................. 34
7- O desenvolvimento de Moçambique em perspectiva.................................................. 35
8- Chegada às Chocas-Mar de mais um elemento da comitiva....................................... 38
CAPÍTULO SEIS............................................................................................................ 40
A ILHA DE MOÇAMBIQUE.......................................................................................... 40
1- Suas origens............................................................................................................. 40
2- À descoberta da Ilha................................................................................................ 41
3- Perto já da Fortaleza................................................................................................ 43
4- Na Fortaleza S. Sebastião........................................................................................ 44
5- Segunda visita à Ilha de Moçambique........................................................................ 45
6- Costumes a conhecer no mercado............................................................................. 46
7- E ao abastecer de combustível a sua viatura.............................................................. 46
CAPÍTULO SETE........................................................................................................... 47
DIA DE INTERCULTURALIDADE................................................................................ 47
1- Trabalhos na Plantação de Saua-Saua....................................................................... 48
2- Entrevista da Tabita.................................................................................................. 49
3- Interculturalidade no campo da Saúde....................................................................... 49
4- Oferta de alguns presentes........................................................................................ 50
CAPÍTULO OITO........................................................................................................... 51
TURISTA DAS CHOCAS ATÉ À CARRUSCA............................................................. 51
1- As meninas de Jarricain à Cabeça............................................................................. 52
2- Em direcção à Carrusca: pescadores e métodos de pesca......................................... 52
3- Horta até na rua!...................................................................................................... 53
4- Contadores de histórias............................................................................................ 54
5- Na aldeia das Chocas-Mar curiosidades do dia-a-dia............................................... 54
6- Trovoada de se lhe tirar o chapéu............................................................................. 55
7- Escola das Chocas-Mar........................................................................................... 57
8- Chegada de aprovisionamentos................................................................................. 59
9- Resultados do concurso Público para Alocação de Rotas.......................................... 60
CAPÍTULO NOVE......................................................................................................... 62
1ª IDA A GEBA E VISITA ÀS FABRICAS DE CAJU E SISAL.................................... 62
1- A caminho de Geba.................................................................................................. 63
2- Já na área das Fábricas............................................................................................. 64
3- Fábrica de caju......................................................................................................... 65
4- Fábrica de sisal......................................................................................................... 67
5- História do Ibondeiro:............................................................................................... 69
CAPÍTULO DEZ............................................................................................................. 71
TEMA DE REFLEXÃO E DE REPETIÇÃO DE PROVAS............................................. 71
1- Contas em dia e abertura dum Saco Azul.................................................................. 72
2- Em Geba e Saua-Saua.............................................................................................. 72
3- Um serão bem passado à luz da candeia................................................................... 73
4- Desproporções que bradam aos céus........................................................................ 75

INTRODUÇÃO

O tempo corre tão depressa que mal damos conta que ele se mede por segundos, minu­tos, horas, dias, meses, anos, lustres, séculos e milénios. E, se das cinco primeiras medi­das não fazemos caso, da sexta fazemos festa quase sempre, da sétima é frequente dei­xar algo como memória, da oitava pouquíssimos se lembram, e da nona ninguém se pode vangloriar.
Vem a propósito esta consideração pelo facto de que o que me propus escrever se pas­sou já há alguns anos. E o que vou relatar poderá não conter todas aquelas peripécias e belezas dessas mesmas, tais quais elas aconteceram entre um grupo de professores que decidiu partir de Lisboa, em demanda de Terras Africanas, mas as que, aqui ficam con­tadas poderão servir de “abre-apetite” para quem tenha a possibilidade de viajar. E não é obrigatório fazer o mesmo trajecto. Outros, também interessantes, estarão à espera de quem os vá percorrer.
Quem fez parte desse grupo não os menciono, agora, pois terão o seu lugar próprio no primeiro capítulo, nem os descrevo nunca, por modéstia e porque, a sua caracterização virá ao de cima, com a descrição que, de cada um, irá sendo feita, através das interven­ções que irão fazendo, ao longo da excursão. Tinham, porém, todos algo em comum: ir conhecer África, mais precisamente, Moçambique e retratar o mais fielmente possível, tanto os caminhos, que seus pés pisassem, quanto os locais e pessoas que seus olhos vis­sem.
O tempo que se lhes proporcionava não era longo, e os meios com que iriam contar não seriam famosos. Tinham, pelo menos, uma coisa certa: iriam para terras desconhecidas, habitadas por gentes de diferentes cores, credos e feitios. Seriam, portanto, postos à prova, tanto a abertura do seu espírito, quanto a maleabilidade da sua adaptação a outras circunstâncias, às vezes adversas e a outras pessoas de raças, credos e culturas diferen­tes. 
E, depois de fazerem uma visita ao médico para que os pusesse a par dos maiores pro­blemas que iriam encontrar no campo da saúde e lhes explicasse, não só a maneira de lidar com o clima, bebidas e comidas, como também a dosagem e intervalos da medi­camentação preventiva e curativa, lá seguiram para o aeroporto da Portela, no dia 21 de Julho de 2002, com destino a Moçambique.
O que acontece, desde a partida até ao regresso, será objecto da narrativa que agora vai começar. Peço ao leitor paciência para começar connosco e nos acompanhar, certo de que não se arrependerá do tempo que necessitar para chegar a fim desta aventura que, assim, se tornará sua, também. Siga o método utilizado pelo autor: a cada dia, o que lhe pertence.
Entretanto, terá oportunidade de conhecer os métodos de cultivo, preparação e exportação do algodão, caju, chá, sisal e tabaco, sem que para isso tenha de sair da sua mesa de leitura. Mas, se pertencer à classe daqueles que, para crerem, exigem “ver e tocar”, venha daí, e siga o mesmo roteiro! Estou certo de que valerá a pena, pois acredito, eu, que não será de “alma pequena”!

CAPÍTULO UM

DE LISBOA A MAPUTO

Estamos no dia 21 de Julho do ano 2002 (e entre o quarto crescente que foi dia 17 e a Lua cheia que será dia 24). São, talvez, bons presságios para quem acredita na interven­ção da Lua nos destinos humanos!

No Aeroporto da Portela

De carrinhos abarrotados de malas, sacos e embrulhos, chega a comitiva ao aeroporto da Portela, sendo cada um acompanhado por familiares e amigos. O grupo que demanda o Reino do Monomotapa, em Moçambique, compõe-se das seguintes pessoas: Tabita, Adelino, José, Fernando (professores e Sócios fundadores da Associação Mossáfrica, sendo o último também fotógrafo), Gil (professor e fotógrafo) e Luís, fotógrafo.
Ou porque estavam ansiosos, ou porque não tiveram tempo para olhar para a hora mar­cada no bilhete, chegaram por volta das catorze horas, quando o check-in seria, apenas, a partir das dezoito horas e quarenta e cinco minutos. Eu, porém fui porque me disse­ram que era necessário estar lá a essa hora, se não seria mesmo capaz de chegar só depois do avião ter partido. Não seria a primeira vez, de facto! Soube, então, que assim fora dito aos organizadores, de modo a serem evitados atrasos e filas intermináveis.
Durante aquela operação surgiram as dificuldades de costume: uns quilitos a mais, uns volumes chegados à última da hora e, outros ainda, de formas descomunais, tendo estes de dar entrada por outra porta. Levantou-se, então, um burburinho:

            “E agora que fazer”, perguntavam alguns.
            “Calma”, respondiam outros. “Tudo se há-de resolver”.
E, de facto, tudo teve uma solução agradável. Tudo e todos entraram no avião e cada um teve um lugar sem sobressaltos, depois de terminarem todas as formalidades aduaneiras e policiais.

Voo 705

Uma vez no avião – um 767-200ER, voo 705 – e depois de recebermos as boas vindas dadas pelo Capitão de bordo, seguidas das instruções sobre a segurança, arrancámos do lugar de embarque, em direcção à pista, da qual descolámos, às dezanove horas e nove minutos, sobrevoando o espaço português.
O tempo, entre essa hora e o anoitecer, apresentava o aspecto de um enamorado em tempo de despedida; uma figura que irradiava beleza infinda, toldada, no entanto, pela tristeza de quem ficava com pena de não poder partir também. O avião, por sua vez, parecia uma águia-real cortando, a par, dois firmamentos: o primeiro era formado pelo azul celeste salpicado de nimbos e de nuvens brancas, dando a impressão de estarmos debaixo duma abóbada resplandecente e recheada de figuras pintalgadas de várias cores, enquanto o segundo se apresentava todo matizado pelo manto verde das matas e pela toalha castanha dos terrenos incultos, à espera da enxada ou da charrua que tardam em regressar para os rasgar!
Com a chegada da noite, chegou também o jantar que era composto de carne ou peixe, à escolha. O prato da carne, aquele que eu escolhi, consistia em caril de frango, acompa­nhado de ervilha, cenourinha, salada, doce, vinho e café. Nada mau para quem já estava com grande apetite!

Leitura útil

Antes e após o jantar, uns leram, ou conversaram, outros dormiram ou ouviram música. Eu, também dormitei, mas pouco. Li, além disso, a revista Indico[1]da qual respiguei algu­mas novidades sobre a cultura e consumo do café e do chá, muito a peito entre os Moçambicanos.
O chá, embora se creia que foi introduzido na Europa através do porto de Veneza, sabe-se que foram os Jesuítas Portugueses, Gaspar da Cruz e João Lourenço que dele falaram cientificamente: O primeiro, falou dele, já em 1556, e o segundo, como botânico que era João LOUREIRO, fez a sua primeira classificação científica, no século XVIII, passando a ser conhecido por Thea Sinensis var. cantonensis LOUR. Denomi­nado Tchá em chinês de Cantão, esse mesmo nome foi aportuguesado em chá, nome por que é conhecido no mundo da língua de Camões. Foi também uma Princesa Portu­guesa, Da. Catarina de Bragança, filha de Dom João IV, casada com Carlos II de Inglaterra, que o transformou numa bebida habitual na Inglaterra.


Em relação ao café é bom notar que, apesar das suas trinta variedades existentes, apenas três se tornaram conhecidas e apreciadas como bebidas, sendo elas  a arábica (originária da Arábia), a robusta (originária da Abissínia) e a libéria (originária da Libéria e Costa do Marfim). Marselha foi a primeira cidade europeia a ter um estabelecimento especia­lizado na venda de café, seguindo-se a França, onde se tornaram célebres os cafés “Ber­nard” e “Procope”. Na Inglaterra, o primeiro café a abrir foi o “Garway”, em 1657, multiplicando-se, daí em diante, como os cogumelos. Assim, em 1700 havia, nada mais, nada menos, do que cerca de duas mil casas dedicadas a esta mesma bebida.
Em Portugal, como não podia deixar de ser, as casas de café foram surgindo, já nos princípios do século XIX com a abertura dos cafés Marrare, (Marrare de S. Carlos, Marrare das Sete Portas, Marrare do Cais do Sodré, Marrare do Polimento, no Chiado), fundados pelo siciliano António Marrare. Tornaram-se, também, célebres, em Lisboa, o café “Nicola”, a “Brasileira”, ou “Martinho”, em Lisboa, enquanto no Porto se celebrizaram, sobretudo, o “Magestic”, o “Chave de Ouro” (a antiga “Brasileira”), a “Águia de Ouro” e a “Garça-real”.

Razão desta viagem: Projecto Saua-Saua

Feita esta pequena incursão num mundo onde nos tornaremos a encontrar, justificada pelo facto de em Moçambique existir uma forte componente económica baseada na pro­dução dessas duas plantas, voltamos à Mossáfrica (Organização não Governamental para o Desenvolvimento), para referirmos, brevemente, os objectivos que a levaram a organizar esta viagem.
A Mossáfrica está esta em vias de ultimar um grande projecto cujos objectivos gerais são:
- “Promover a melhoria da qualidade de vida e da segurança alimentar da população local (no Distrito do Mossuril, Província de Nampula), capacitando a mesma dos conhecimentos técnicos necessários ao exercício de uma profissão, nos domínios com interesse social e económico para a região e garantir-lhe a protecção da natureza e do meio ambiente”, enquanto que tem por objectivos específicos:
- “Criar e implementar infra-estruturas polivalentes nos domínios da formação profis­sional/educação e da produção de bens e serviços, com vista ao apoio ao desenvolvi­mento da comunidade regional e local; desenvolver acções de qualifica­­cão aperfeiçoamento nas áreas da construção civil, agro-pecuária e serviços (hotela­ria e turismo/restauração; realizar acções de formação de Formadores, com vista à cria­ção de uma bolsa de formadores locais; formar e promover a criação do auto-emprego e de micro empresas na província; produzir e vender bens e serviços para satisfação das necessidades internas e abastecimento do mercado local; desenvolver actividades de apoio social à população local, nos domínios da educação, da saúde pública, do saneamento básico, da habitação e de outras necessidade elementares”[2]
Terá como alvo: A “valorização dos recursos humanos da região, com vista ao desen­volvimento socio-económico e cultural de: jovens, homens e mulheres, desempregados, deslocados e/ou refugiados através da sua qualificação técnicoprofissional; trabalha­dores de empresas e instituições públicas, por meio de formação contínua; formandos do projecto, através de apoio técnico ao auto-emprego e/ou à criação/gestão de micro-empresas; formandos seleccionados capazes de prosseguir cursos de formação de for­madores”.
E a sua estratégia obedece a critérios precisos, tais como: A “natureza e localização das actividades a desenvolver; selecção dos investimentos em bens e serviços a ofere­cer, dando prioridade à satisfação da procura pela actividade económica da região e às necessidades básicas da população; sociais, económicas e ambientais culturais. E a sua implementação compreenderá seis fases que são: a recuperação de todas as infra-estruturas físicas existentes e construção de outras necessárias, recorrendo às activida­des a desenvolver no âmbito das acções de formação programadas (Fase A); aquisição e instalação do mobiliário e dos equipamentos necessários ao arranque do projecto (Fase B); construção, apetrechamento e implementação de um conjunto de bungalows destinados ao desenvolvimento das actividades turísticas do empreendimento (Fase C); criação das infra-estruturas necessárias à implementação das culturas agrícolas e à criação de animais (Fase D); recrutamento de pessoal técnico, Administrativo e auxi­liar, a seleccionar de acordo com critérios de eficiência e, sempre que possível, a recrutar de entre os formandos e os formadores (Fase E); desenvolvimento das activi­dades de vendas de bens e serviços produzidos pela formação/produção”[3]
As Áreas profissionais contempladas são as seguintes: Agro-pecuária com Horto-fruti­cultura, operadores de Máquinas agrícolas, maneio de frango para abate, maneio de galinha poedeira; Construção civil com alvenaria/pedreiro, carpintaria, canaliza­ções/serralharia civil, electricidade B.T; Restauração com cozinha e tratamento de car­nes, panificação/Pastelaria; Hotelaria e Turismo com recepcionistas, camareiras, empregados de mesa e bar; Pedagógica com formação Pedagógica inicial de formado­res; Informática na óptica do utilizador “ [4]
Como actividade complementar, está programada a Criação de um banco de imagens visando a promoção dos Patrimónios Cultural, Arquitectónico e Paisagístico da Região e a Promoção/Publicação do Artesanato da mesma.
Para a implementação daquele grande projecto, foi decidido precedê-lo com esta última actividade complementar, pois percebeu-se que seria de grande utilidade fazer o levan­tamento fotográfico da região, e fazer dele publicidade, tanto por meio de um livro como por meio de exposições. Para este efeito, o Fernando, fotógrafo, idealizou um pro­jecto a que deu o nome de “Moçambique Vivo”que consisti­ria num levantamento foto­gráfico e literário, não só do Património arquitectónico e pai­sagístico, mas também de alguns hábitos e costumes mais comuns e para cuja realização seria necessário solicitar fundos junto de Mecenas benévolos ou Empresas interessadas na sua própria promoção.
A esta solicitação responderam já, com ajudas substanciais: o Instituto de Fotografia do Porto, as Linhas Aéreas Moçambicanas, a Firma ou Grupo João Ferreira dos Santos, a Empresa Loforte Telecomunicações e o Rovuma Carlton Hotel de Maputo. E é devido a estes mesmos contributos que esta viagem e consequente trabalho serão realizados em Moçambique, desde hoje até ao dia 23 de Agosto. De uma e de outro faremos eco, à medida do seu respectivo desenvolvimento. Esperamos que não se sintam defraudados nas suas legítimas expectativas.
Eis, pois a razão deste grupo e desta viagem a Moçambique: ao José caberia fazer a reportagem escrita dessa aventura, enquanto aos fotógrafos, Fernando, Gil e Luís ser-lhes-ia reservada a tarefa de elaborar um banco de imagens que, mais tarde, constitui­riam um livro e dariam azo a uma exposição em Lisboa e Maputo. Por seu lado a Tabita e o Adelino teriam mais a peito uma Plantação de coqueiros, pertença da primeira, em vias de reabilitação e na qual será levado a cabo a realização desse projecto de desen­volvimento a favor das populações locais.

CAPÍTULO DOIS

EM MAPUTO: ENTRE POLÍTICOS E PRIMEIRA REPORTAGEM


1- Eng. Pedro Loforte e o Presidente da Associação “Amigos da Ilha”

Às seis horas e doze minutos do dia 22 de Julho, 3ª-feira, o avião aterrou no aeroporto internacional de Maputo, onde nos aguardava o Engenheiro Pedro Loforte, como repre­sentante da Empresa de Telecomunicações do mesmo nome e como membro da Asso­ciação Mossáfrica. Foi ele que orientou a nossa ida para o Hotel, oferecendo, a alguns de nós, o seu próprio meio de transporte e indicando, a outros, o do Carlton Hotel.
Uma vez aqui chegados, fomos recebidos com um copo-d’água e com um sorriso amigo do gerente e de alguns dos seus subalternos.
Durante o almoço, oferecido pelo Engenheiro Loforte, tivemos a bela surpresa de ter como comensal o Dr. Luís Filipe Pereira, presidente do Conselho Fiscal da Associação “Amigos da Ilha de Moçambique” que muito nos ajudou com a sua experiência de pro­fessor e profissional dos serviços administrativos da região, servindo mesmo de laço de união entre o presente e o passado, uma vez que conheceu bem o Mossuril e inclusive os pais e avós[5] da, actual presidente da Mossáfrica. Pôs-nos ao corrente de nomes, acções, facilidades e contratempos que poderíamos encontrar. Forneceu-nos nomes de pessoas e instituições que poderiam ser-nos de grande utilidade, tanto em Maputo, como na Ilha e no Mossuril. Levou-nos, finalmente para o seu próprio gabinete onde passá­mos quase duas horas em amena cavaqueira, da qual muito de bom surgiu, como infor­mações e literatura útil para a nossa investigação em curso. De caminho, encontrámo-nos, por acaso, com o Sr. Dr. Simeão Cuamba, que nos foi apresentado como sendo o vice-presidente do Movimento político FUMO, mas sem algum compromisso de qual­quer ordem.
À noite, por indicação do Eng. Loforte, fomos jantar ao Mercado do peixe, num pequeno restaurante onde nos serviram uma grande variedade de marisco. Estiveram presentes: o Eng. Loforte, o Sr. Jeremias Pondeca, que nos foi, então apresentado como sendo deputado à Assembleia Nacional de Maputo pela RENAMO. Encontrando-se, ali, (por ser, afinal, dono do restaurante), deu-nos a honra de se sentar connosco, à mesa.
Falou-se de tudo com enorme à-vontade e sem magoar susceptibilidades políticas – ele pareceu ser um homem inteligente, comedido, e firme nas suas convicções e ideais. Admirámo-lo verdadeiramente, por essas características, sem nos comprometermos em nada, visto a nossa ida ao seu restaurante ter sido inocente, pelo menos no que nos tocava a nós próprios.
Será de registar que antes do jantar tivemos a desagradável notícia de que, ao colega e amigo Gil, lhe tinham violado a mala de viagem (antes ou depois do embarque?) ficando sem as pilhas das máquinas fotográficas, num valor aproximado de 30 mil escudos.
Ficou decidido que no dia seguinte, enquanto eu, ficava no Hotel a organizar os meus apontamentos que deram a reflexão que acabaram de ler, todos os outros da comitiva iriam com o Eng. Loforte comprar baterias de substituição para o Gil, a fim de se come­çar o trabalho fotográfico e a correspondente reportagem. 

2- Partida de dois elementos para Nampula

Às cinco horas da manhã do dia seguinte (23 de Julho), toca o telefone para acordar, pois a Tabita e o Adelino teriam de tomar o avião para Nampula, no intuito de negocia­rem o meio de transporte de que deveríamos dispor nas zonas de Nampula, Ilha, Mossu­ril e meio ambiente. Os restantes membros do grupo: fotógrafos e eu próprio continuá­mos em Maputo, para fazermos algumas reportagens.
Da parte da manhã, como fora decidido, os meus colegas de trabalho foram procurar o material fotográfico para substituir o que tinha sido roubado, ficando eu a redigir o texto que por aqui ficou.

3- Reportagem sobre o Hotel

Cerca das 13 horas e, até às quinze, fotografámos a suite presidencial do hotel (que tem 213 quartos, mas actualmente só 200 em serviço). Esta é composta por uma sala de entrada que contém uma escrivaninha ladeada de dois abat-jours e é encimada por um espelho; uma mesa arredonda com tampo em pedra negra, com cadeiras, a condizer; uma mesa baixa rectangular; um sofá e dois maples.
Entre esta sala e o quarto de dormir e sala de banho existe um Biombo em tecido bege com figura de macacos, num lado, e pintas idênticas às do leopardo, do outro. O quarto de dormir consta de uma grande cama com colcha do mesmo tecido do biombo, dois abat-jours sobre as duas mesinhas de cabeceira, uma escrivaninha com um espelho e, à cabeceira da cama, vê-se um quadro com motivos africanos.
Seguimos depois para a piscina que não é grande. A sua forma irregular é composta por dois rectângulos, encontrando-se, na sua junção, uma espécie de vaso com plantas. Encontra-se protegida, de um lado, por uma sebe feita em tiras de madeira entrelaçadas e, por outro, de um muro, enquanto do lado da Sé e da Câmara Municipal estava prote­gida por um corrimão metálico.
Passámos ao refeitório onde se encontram cerca de 30 mesas quadradas, com capaci­dade para quatro pessoas, cada uma; vários vasos de plantas suportados por dentes de elefantes, dentes esses que são cortados de alto a baixo; várias figuras estilizadas; três pentes encimados por um par humano, por detrás da mesa de recepções; várias outras figuras de artesanato e três punhais de formas curiosas; um, por exemplo, em forma de (S). De cada lado do arco central do serviço do refeitório encontram-se, fixas à parede, duas belas máscaras de cobra.
De seguida fotografámos o Bar (Sasek Bar) onde se encontram recantos belíssimos e mobiliários interessantíssimos, como alguns jarrões, feitos em madeira trabalhada, à mão. Admiram-se ainda lindas cadeiras e poltronas, algumas delas feitas em verga, outras em tecido. A marquise é grande, e está recheada de cadeiras e mesas a condizer com o ambiente exterior.
O hall de entrada tem, à sua direita, a mesa das relações públicas, uma salinha com quatro cadeiras e quatro abt-jours, duas poltronas e, num pequeno recanto, uma outra mesa ladeada por duas poltronas ao lado das quais se encontra um móvel para expor os desdobráveis e outro material de propaganda turística. Em frente de quem entra, está a recepção e, no lado direito, existe uma sala em forma de foice invertida com uma mesa nos dois extremos, sobre as quais se encontram, respectivamente, um abat-jour, assen­tos de napa e várias almofadas. Na parede, logo à entrada, estão quatro figuras estiliza­das de tamanho quase normal e nove ao longo dessa mesma, de tamanho e formas idên­ticas às primeiras.
Este trabalho tornou-se moroso, mas foi efeito a rir, tendo à mistura o profissiona­lismo admirável dos nossos fotógrafos que se complementam às mil maravilhas: uns com os olhos no alvo e dedo no botão, outros com os conselhos ajudam na escolha de ângulos, luminosidade e pondo à prova a sua sensibilidade de artistas plásticos e conhe­cedores da arte bem pensada e bem reproduzida por imagens.
De seguida fomos para os aposentos para ordenarmos o trabalho realizado, seleccio­nando, embelezando e gravando as imagens em CDs para serem oferecidos à Direcção do Hotel e escrevendo o texto que, mais tarde, poderá servir de base a futuros trabalhos impressos.
Às dezanove horas e trinta minutos, o Eng. Pedro Loforte veio buscar-nos ao hotel para irmos jantar ao restaurante “Escorpião”, propriedade do Sr. Silva, oriundo do Norte de Portugal. Ali comemos à portuguesa, com vinho branco do Alentejo a acompanhar os apetitosos bifes. Após o jantar fomos dar uma volta à cidade, visitando vários hotéis, nomeadamente o “Avenida”, “Cardoso”, “Holliday-in”, e “Polana”, ficando maravilha­dos com a beleza destes, sobretudo, do último pela sua magnifica entrada, pelo jardim, piscina e “Polana-Mar”.

4- Entrega do CD sobre o Hotel

Após o pequeno-almoço do dia 24, servido às 9 horas, fomos entregar, ao Sr. Ryszard Majewski, Director Presidente do Hotel, o CD com as imagens do hotel, feitas pelos nos­sos fotógrafos no dia anterior. Parece ter gostado do trabalho, pois ao falarmos de um possível regresso a Maputo para a exposição programada, ele garantiu-nos a oferta de nova estadia que deveria ser pedida por Fax.
Questionado sobre o a afluência do Turismo em Maputo, respondeu-nos que havia pouco e que acontecia o mesmo que costuma dar-se com as hienas. Onde vêem um osso com alguma carne, correm todas para o disputarem avidamente. Esta imagem, utilizada por ele, deveu-se ao facto de lhe termos dito que visitámos alguns hotéis novos que tinham acabado de abrir e de outros que estavam a ser construídos!
Questionado sobre o nome do decorador do seu hotel, respondeu-nos que era muito careiro. Instado, disse ser sul-africano, chamar-se Gert Gertzen e ter recolhido todas as imagens decorativas de várias partes de África, especialmente da África do Sul.

CAPÍTULO TRÊS

UMA PROMESSA E PERSPECTIVAS FUTURAS


1- Promessas do Gerente do Carlton Hotel

Após o pequeno-almoço do dia 24, servido às 9 horas, fomos entregar, ao Sr. Ryszard Majewski, Director Presidente do Hotel, o CD com as imagens feitas no dia anterior, pelos nossos fotógrafos
Parece ter gostado do trabalho, pois, ao falarmos-lhe de um possível regresso a Maputo para a exposição programada, ele garantiu-nos a oferta de nova estadia que deveria ser pedida por Fax.
Questionado sobre a afluência do Turismo em Maputo, respondeu-nos que havia pouca e que acontecia o mesmo que costuma dar-se com as hienas. Onde vêem um osso com alguma carne, correm todas para o disputarem avidamente. Esta imagem, utilizada por ele, deveu-se ao facto de lhe termos dito que visitámos alguns hotéis novos que tinham acabado de abrir e de outros que estavam a ser construídos!
Questionado, ainda, sobre o nome do decorador do seu hotel, respondeu-nos que era muito careiro. Instado, disse ser sul-africano, chamar-se Gert Gertzen e ter recolhido todas as imagens decorativas, em várias partes de África, especialmente na África do Sul.

2- Loforte Telecomunicações e a beleza da negritude

Às 10,30h encontrámo-nos no hall de entrada do hotel com o Eng. Pedro Loforte que nos levou à sua empresa[6], para nela serem feitas algumas imagens. Dedica-se a Equipa­mentos telefónicos – Fax – Inter-Comunicações, Vídeos Porteiros cctv, sistemas de rádio terrestres, marítimos, sistemas anti-roubo e anti-fogo, antenas parabólicas, telefo­nes via satélite, etc.
Depois de nos ser servido um café, começa o trabalho. À secretária está Cláudia Ana Cardoso, uma jovem cujas meninas dos olhos, quais duas azeitonas luzidias em plena maturação, brilham embutidos numa auréola branca cuja candura faz ressaltar a beleza da sua negritude de tímida gazela apetecida. Mais abaixo, perpendicular e paralela­mente, baloiça a suave doçura de duas romãs, envoltas furtivamente num decote que expõe, ao mais atrevido galã, um tesouro de raro valor, demandado à luz e calor africanos. Um pouco mais ao lado e à máquina fotocopiadora está uma outra menina que, embora de outra contextura física mui diferente, também ela dá a conhecer e faz invejar outras formas de beleza, na variedade infinda das filhas de Adão e Eva!
Agarrado ao telefone, está o Eng. Loforte que se desdobra, recebendo e enviando men­sagens, tomando notas de encomendas e pedidos a requisitar material, procurando dar-lhes resposta cabal com a maior brevidade possível e atendendo clientes que tocam a campainha com certa regularidade. É que, ele é o único representante, em todo o territó­rio de Moçambique, da ICOM, IRIDIUM e da HYBREX. Ele vende, instala e repara todos os aparelhos solicitados.
Vê-se, que existe, de facto, um movimento considerável neste pedacinho da grande capital moçambicana que procura acelerar o seu desenvolvimento, necessitando, no entanto, de um grande empurrão para que progrida mais rapidamente. O progresso assim o exige. O povo assim o merece.

3- Saboreando as especialidades do Restaurante “Costa do Sol”

Terminado o serviço, fomos convidados para almoçar no Restaurante “Costa do Sol”, onde experimentámos o camarão médio, grande e tigre, sem falar da garoupa, da salada grega e da salada de camarão. Soubemos que o restaurante é propriedade de uma família grega, radicada em Moçambique há muitos anos sendo, portanto, greco-moçambicana. E, de facto, um dos proprietários veio falar connosco, dizendo que já ali se encontrava há cerca de 32 anos. Fomos bem servidos sem nos vermos, nem sentirmos gregos.

4- Bairro Triunfo – Os “Maziones”

Após o almoço a professora Susana que, após uma longa estada em Portugal, regressou às suas origens, onde fundou uma escola para crianças de tenra idade, levou-nos a dar uma volta pelo Bairro Triunfo, onde presenciámos coisas maravilhosas, como: árvores com raízes fantasmagóricas, bidões a servirem de contentores do lixo com a inscrição “Associação dos residentes do Bairro Triunfo. Por favor, deito aqui o lixo”.
Presenciámos também os vendedores de artesanato, na marginal, e no centro Stanly Crfaft, assim como o baptismo e/ou os exorcismos dos “Maziones” cujo ritual consistia em introduzir as pessoas (crianças e adultos) no mar, mergulhando-os, várias vezes, na água (alguns até 30 vezes). Vestiam capas brancas com cruzes verdes, ou capas verdes com cruzes brancas. A cerimónia era realizada na Marginal, perto do autódromo, sendo acompanhada com o som do batuque e cânticos apropriados.
Um pouco mais adiante de quem vem da Costa do Sol para o Hotel Polana, encontra-se, ainda em ruínas, o último edifício cuja construção foi iniciada ainda no tempo colonial, mas nunca terminada. Parece uma torre fantasma, depois de uma catástrofe atómica. Só se vêem paredes, portais e janelas sem aros. Na sequência do fantasmagórico existem, junto à praia, diversas árvores cujas raízes, de formas contorcidas e à flor da areia, desa­fiam, valorosamente, os ventos agrestes e as ondas atrevidas do mar!

5- Um multa de lhe tirar o chapéu

De regresso ao hotel, passámos pela Associação dos Fotógrafos de Maputo (sita na Avenida Júlio Nyerère, n.º 618), onde apreciámos uma exposição de fotografia humana, sobre as populações de Angoche, feita pelo fotógrafo Naíta Ussane, actual presidente da Associação[7]. Encontrámos, na galeria o Sr. Sérgio Santimano[8], cujo assessor é o Sr. Rui Assubugi[9]. Fomos recebidos pelo Sr. Assane.
A exposição agradou-nos, no geral, e pensámos que essa mesma galeria poderia ser um óptimo local para a nossa exposição, quando esta estivesse preparada.
Pelo caminho, nessa mesma avenida, perto de um semáforo cuja luz vermelha indicava a proibição de seguir em frente, notámos que a própria polícia a passou sem parar!!!! Admirados, perante o facto, principalmente porque não se notou a sirene, nem coisa que se parecesse com ela, alguém comentou:
- “Que ordem é esta, que nem a polícia observa os sinais de trânsito?” – observou alguém
- “É simples”, - respondeu a Susana ....”É que, segundo as instruções que nos dá a própria polícia, na televisão, à noite, não devemos parar nos semáforos, mesmo que estejam vermelhos...Principalmente se o caso se passar com uma senhora...Deve-se abrandar, mas parar de todo, nunca”!
 E, se assim o pensava e disse, assim o fez, seguindo o carro da polícia, que se dei­xou ultrapassar, ao virar à direita. Cem metros ainda não eram percorridos e eis que a mesma patrulha nos faz sinais de luzes para pararmos, espe­rando que a Susana descesse de seu carro para que se explicasse! Vejam: em vez de serem eles a sair e a pedir os documentos, foi a cidadã que teve de se dirigir a eles...! E toca de discutir. A Susana dizia:
“Não foi isso que vocês nos ensinaram fazer durante a noite?”
“Não, Senhora. Houve transgressão e deve pagar a multa...”
E a discussão continuou: Quanto é..., quanto deveria ser.... E a situação ficou resolvida com duas notas de 100.000 para a cerveja! E pronto. Vá-se lá fiar um pândego nas leis, nos conselhos de quem quer que seja! O melhor é fazer escorre­gar uma ou duas notas ou, em muitos casos, descarregar uma grade ou, já que mais não seja, duas cervejitas  patrulha para matar a sede  que aperta, principal­mente no Verão.
De seguida, fomos até ao Holiday-in, onde nos rimos à grande, com as recordações da viagem, ao Kenyon americano, dos nossos amigos Luís, Fernando e Gil, sem esquecer a cena recente em que todos nós fomos protagonistas! Ricas histórias foram, ali, contadas, à mistura com peripécias de lhes tirar o chapéu!
Regressados ao nosso hotel, cada um foi para o seu trabalho: os fotógrafos a digitalizar e gravar, em CD, as imagens feitas na empresa do Pedro Loforte e eu, a redigir estas notas.

CAPITULO QUATRO

A GRAÇA DE UM CHECK-IN E DE UMA VIAGEM SUI GENERIS


1- O Pitoresco de uma partida

Sendo o dia 25 de Julho o dia de partida de Maputo para as Chocas-Mar, Saua-Saua, via Nampula, e, uma vez que tínhamos avião só às 14.00 horas, pudemos dormir até mais tarde.
Estava tudo agenciado com a direcção do Hotel para que nos levassem até ao Aero­porto, às 11.30 horas. A essa hora, os empregados do hotel receberam a nossa bagagem, e meteram-na no mini bus que nos levou ao destino. Uma vez ali chegados, por volta do meio-dia, pegámos em carrinhos, para transportarmos as malas e sacos, dando ares de caixeiros-viajantes. Ao passarmos pelo check-In tivemos dificuldade em convencer a senhora que estava no posto de controlo a deixar-nos passar com todos os nossos haveres, devido ao excesso de peso!
- “Sabe”, diziam o Fernando e o Luís, “são as armas da nossa guerra... os utensí­lios do nosso trabalho. Se algo se perde, lá ficamos nós sem o ganha-pão. Não podemos fazer nada! Somos fotógrafos, e já viu o que é ficarmos sem toda esta aparelhagem”!

Chora que não chora..... E a senhora oficial lá se deixou convencer!
Um pouco mais adiante, apresentou-se um outro funcionário que nos acompanhou até à porta do controle alfandegário. Não era precisa tal delicadeza, porque o espaço a percor­rer não ia além de cinco metros e a porta era bem visível, mas a gentileza demonstrada escondia intenções diferentes. O seu intuito não era, de facto, o de nos indicar a porta, mas sim a necessidade que ele sentia de que algum de nós metesse a mão ao bolso para dali retirar algumas notas para o seu almoço! Se elas não deslizaram sorrateiramente no check-in, tiveram de ser extorquidas, diplomaticamente, aqui!
Logo que passámos o vão dessa porta, demos de caras com o tapete rolante onde deveria passar a bagagem para ser sujeita ao olho perspicaz do Raio X. Mas, se o tapete rolante ali estava, o RX, se algum dia funcionou, presentemente parecia estar a descansar! Pas­sou tudo pelo lado, onde estavam dois funcionários a vistoriar e a questionar:
-     “Senhor, leva faca, objecto cortante, contundente, contrabando?”, pergunta o funcionário.
-    “Não, senhor”, responde o passageiro.
-     “Passa lá..... E Senhor, leva, faca, objecto cortante, contundente, contrabando?”
-      “Não, Senhor”, responde o Luís.
-      “Hé, Senhor! Que traz aqui nesta mala tão pesada?”
-      “Bom...”
-      “He, senhor! Dá saguat[10] a nós p’ra café”
-      “Então deixa fechar primeiro a mala”, responde o Luís.
-       “Tá”....
-       "Toma!"
E pronto, o Luís, alegre e contente (sabe-se lá porquê?) pega nos sacos e, pensa­tivo, junta-se ao grupo, dizendo:
-         “Já me comeram! E esta hein!”
Mais tarde, nas Chocas-Mar, relembrou um facto semelhante que lhe tinha acon­tecido em Maputo, anos antes. Estando no controle de bagagens, o agente pediu-lhe descaradamente dinheiro para uma bebida.
-         “Como? Em frente de tanta gente”, perguntou o Luís?
- “De repente” continua o Luís, “vejo e ouço o agente ordenar ao seu colega para que mandasse recuar a fila de pessoas que se encontravam no local, dizendo em seguida”:
-         “Patrão, agora já pode dar!”

2- Peripécias no Avião de Maputo a Nampula

As peripécias não terminariam por aqui. O Fernando perguntou-me se nos davam almoço no avião. Estávamos sobre as 13 horas e pouco.
-         “Sei lá”, respondi eu. “São capazes de nos dar uma sanduíche e um copo de sumo”, respondi.
-         “Não me digas...”
-         “A ver vamos, como diz o cego”.
Perto das 14 horas uma hospedeira da LAM veio pedir desculpa aos passageiros pelo atraso do avião que iria de Maputo a Nampula, via Quelimane. Passados 15 minutos fazem-nos sinal para nos dirigirmos ao avião.
Tendo sido dos primeiros a entrar, nós escolhemos os melhores lugares, isto é, os mais espaçosos e junto à janela da asa. Ainda mal tínhamos acabado de nos sentar, e eis que uma outra hospedeira, nos diz, com um belo sorriso:
-         “Como os senhores já devem saber, estão mesmo junto à porta de emergência. Se algo vier a acontecer, contamos com a vossa compreensão e auxílio”.
-         “Com certeza, respondeu delicadamente o Fernando, que estava ao meu lado....
Quanto a mim, nem sabia o que responder porque não percebi bem o que ela tinha dito, tendo de recorrer a ele, a fim de saber do que se tratava.
À hora da refeição (cerca das 15 horas), todos se preparavam religiosamente, arrega­çando as mangas e preparando as mesas para a função correspondente, tal era o apetite depois de 6 horas de jejum. Mas vejam a sorte macaca que saiu a todos os clientes da LAM: a oferta de uma sanduíche de queijo disfarçado, um copo de Coca-Cola, água ou chá e uma rodela de tarte doce! Desgraça das desgraças! O Fernando detesta o queijo, e eu, por ser diabético, não deveria tocar em coisas doces. E o que é que aconteceu? Nem o Fernando deu conta que dentro da minúscula carcaça quase desaparecia uma transparente lâmina de queijo fedorento (ou, se a viu, fez de conta que ali estava um suculento bife!) nem eu cumpri com as prescrições do meu médico, devorando a tal rodela doce, como se fosse uma de limão! Jurei, no entanto, a pés juntos, portar-me melhor, na próxima vez!

3- De Quelimane só o cheiro

Ao chegámos a Quelimane tivemos de sair para que o avião fosse limpo, assim nos dis­seram! Mas, se nem a nós nos deram tempo de ir às casas de banho para procedermos à nossa própria limpeza, como é que houve tempo para a do avião?!
Reentrámos no aparelho, após termos suportado as nuvens de vapores da atmosfera escal­dante e, uma vez já em voo, ofereceram-nos um minúsculo pacote de batatas fritas e um copo de água ou de Coca-Cola, à escolha, coisas que desapareceram num abrir e fechar de...boca ou, por outras palavras: enquanto o diabo esfrega um olho por causa de ver tão pouco!

4- A imponência dos “Inselbergs” de Nampula

Perto já de Nampula, ficámos admirados com o panorama que se avistava. Efectiva­mente, na imensidão de toda aquela área circundante avistam-se grandes morros de gra­nito que, em tom de desafio, apontam os seus mamilos ao céu. Provenientes da língua alemã (Insel, “ilha” e Berg, “montanha”), os Inselbergs correspondem a montanhas pré-cambrianas, são quase sempre monolíticas e constituídas por gnaisse e granito. A sua maior curiosidade consiste em elevarem-se inopinadamente do plano que os rodeia e apresentarem formas diversas e singulares!. Alguns desses “Inselbergs[11] chegam a ultrapassar os mil metros de altitude, sendo uma tentação para os montanhistas mais ousados. No entanto, não será nada inte­ligente aventurar-se a escalar um, sequer que seja, sem primeiro, pedir conselho aos habitantes da região, e, sem se munir de equipamento apropriado.

Um Inselber de Nampula

À chegada ao aeroporto de Nampula, esperava-nos o Senhor Figueiredo, empregado do Grupo João Ferreira dos Santo[12], que nos facilitou a recolha das malas e o controle das mesmas nos serviços alfandegários. Para o transporte, esperavam-nos o Senhor Roberto Duduli[13], de etnia indistinta (para não dizer “monhé”) e o jovem Dinho (entre os 20-25 anos) , que se dizia de raça negra, (mas, ao que parecia, com sangue à mistura de mulato). O primeiro era o proprietário e o segundo, o condutor do carro que tinha sido alugado pela Dra. Tabita e pelo Eng. Adelino. Também estes passam a ser actores das aven­turas que se seguirão.
Fomos com eles a um pequeno bar para merendarmos, e, ali mesmo, entregámos ao Sr. Roberto a quantia de 15.000.000 Mts, sendo assim descriminada: José 5.000.000 de Meti­cais; Fernando, Gil e Luís 3.333.350MTS, cada um. Foi-nos dito pelo mesmo que a Da. Tabita lhe tinha já entregue 5.000.000 MTS. Esta quantia com a que eu entreguei daria para a contribuição, nossa e do Adelino. Assim daria a primeira fatia (20.000.000,00Mts) da quantia (40.000.000Mts) pela qual tinha sida alugado o carro pelo período de um mês. A outra metade ser-lhe-ia entregue no fim do mês, à hora da despedida, no aero­porto.

6- Meios de que dispomos em Nampula

Bancos: Para trocar ou levantar dinheiro existem três bancos, pelo menos: o Banco Internacional de Moçambique (BIM), Banco Comercial de Moçambique (BCM), e o Banco Português de Investimento (BPI).
Telefones: para telefonar existem algumas cabinas públicas em vários pontos da cidade, inclusivamente uma no “lobby” do Hotel Lúrio. Em caso de emergência os cidadãos europeus poderão pedir apoio junto das suas embaixadas ou consulados. Para os portu­gueses existe, nesta cidade, o Consulado Honorário Português[14].
Hotéis e Pensões existentes: Pensão Marques, na avenida Paulo Samuel Kankhomba, perto da Estação de caminhos-de-ferro; Pousada Francisco; Hotel Brasília (à volta de 12 US$), perto do BIM; Hotel Lúrio cujo telefone é 212520 (entre 28-46 US$); Hotel Tropical (Tel. 212332) atrás do Museu Nacional de Etnografia e um bloco a Norte da avenida Eduardo Mondlane, rondando os preços, entre 55/80 US$.
Para comer temos os seguintes restaurantes: Café Carlos (Tel. 217960), Hotel Tropi­cal, Copacabana, Restaurante Lord, perto do Mercado, Clube de Tenis, na Av. Paulo Samuel Kankhomba, Almeida Garrett, na avenida Francisco Manyanga, Sporting Club, perto do Copacabana, o Pinto’s onde se come um belo naco na pedra e a Quinta de Galo, aberto só durante o dia, nos fins-de-semana.
Transportes: para chegar a Nampula existem os seguintes transportes: avião (LAM com voos diários de e para Maputo; semanais de e para Beira, Lichinga, Quelimane, Tete e Pemba); autocarro para Monapo, Ilha, Nacala, Pemba, Ribáué, Alto Molócué, Mocubaa, Quelimane. Um TSL vai duas vezes por semana para Maputo, via Mocuba, Milange, Blantyre, no Malawi, Tete e Chimoio. Parte às 4 horas da manhã, nas segun­das e quintas-feiras. Existe também o comboio diário que liga Nampula a Cuamba, e um semanal que liga Nampula a Nacala.

7- A Caminho das Chocas-Mar (Mossuril)

Saímos de Nampula, às sete horas da tarde e, depois de tentar levantar dinheiro em vários bancos, mas sem sucesso, e de abastecer o carro, partimos em direcção às Cho­cas-Mar. A poucos quilómetros de Nampula tivemos de parar junto a uma patrulha que nos perguntou para onde íamos. O condutor respondeu-lhe, meio a gaguejar:
-         “São meus familiares”
-         “E para onde vão?”
-         “Para o Namialo”.
-         “Acenda a luz do interior”.
-         Perante esta exigência – ele era negro e nós brancos, emendou:
-         “Vou levá-los a casa dos meus familiares!”
-         “E quando volta, você?”
-         “Amanhã, talvez. Ou depois. Ainda não sei bem”.
-         “Bom, então, falamos quando voltar. Stá bem?”
-         “Tá, Adeus”.
-         “Vão com cuidado ...  devagar, que a estrada está má e pode haver assaltos”.
-         “Obrigado”.
Pelo caminho, o tempo passava devagar. E com os buracos que se multiplicavam sem conta nem medida, ficámos com o corpinho mais maçado do que se tivesse sido massa­jado por um monstro nipónico.... Um daqueles que são exímios em judo e outras artes marciais.
Ao chegarmos às Chocas-Mar, vila marítima e simpática pertencente ao concelho do Mossuril, já a noite tinha feito uma boa soneca, enquanto a Tabita e o Adelino se inquietavam pelo nosso atraso. Pensando que tínhamos saído de Maputo de manhã, o que daria para chegar por volta do meio-dia, estavam preocupados, receando que algo, de grave, nos tivesse acontecido! Comunicar connosco, foi-lhes impossível e a nós com eles também, por falta de cobertura das antenas das telecomunicações.
Feitas as apresentações, fomos jantar. O que nos esperava era uma travessa de apetitosas lagostas e umas cervejas bem geladinhas! Apesar de ser tarde, ninguém quis fazer a desfeita aos anfitriões! Sentou-se toda a gente à mesa e, vai de ver, quem estava mais cansado! Pudera, lagosta parada no prato, não escapava nem ao mais lento bom alentejano, quanto mais a corredores de maratonas!

CAPÍTULO CINCO

CHOCAS-MAR: QUARTEL-GENERAL DE DUAS COMPANHIAS


Uma vez chegados às Chocas-Mar, reunimo-nos à Tabita e Adelino, continuando, então a formar dois grupos quase distintos intervindo estes dois elementos, mais directamente na Plantação de Saua-Saua, enquanto os fotógrafos se dedicariam ao trabalho da fotografia. Fazendo a ligação entre ambos e o trabalho de escritor e de visor de obras ficava eu, sem que para isso me tivesse sido atribuídas ajudas de custos... riam se acharem graça!

1- Começo das obras de reabilitação das habitações de Saua-Saua

Logo pela manhã do dia 26 de Julho[15] dirigimo-nos à plantação de Saua-Saua, onde encontrámos o guarda, João com o qual falámos, no intuito de nos procurar um pedreiro, um carpinteiro, e o médico tradicional, os primeiros para os contratar e o segundo para ser entrevistado sobre a medicina tradicional pela Tabita.

Plantação de Saua-Saua
 
Fomos, de seguida, dar uma volta pela plantação. E qual não foi o nosso espanto ao notarmos que nos tinham roubado a videira que ali tínhamos plantado no ano anterior, ano da nossa primeira visita com o intuito de fazermos o levantamento do património e procedermos às necessárias medições das habitações e das restantes construções. Deste primeiro contacto com Saua-Saua fizeram parte, além de nós, Maria do Carmo da Encarnação e sua filha Joana.


Foi no intuito da reabilitação de todo este conjunto que surgiu a Mossáfrica e que a nossa aventura começou. 
Relativamente ao começo das obras, descobrimos o local das antigas fossas da casa principal e vimos que os canos que iam da sanita à fossa estavam completamente obs­truídos, pelo que decidimos abrir umas novas, fazer nova canalização de esgotos e rea­bilitar todo o quarto de banho, conservando, no entanto, tudo o que podia ser aproveitado, tanto do chão como das paredes. Abrimos o primeiro poço para a fossa estanque e demos instruções para que, no dia seguinte, se abrisse outro para a fossa rota.

2- Plantação de Saua-Saua e o seu Mangal

Já agora, direi em poucas palavras, de que plantação se trata. O seu Nome é “Saua-Saua” e é uma propriedade de cerca de 100 hectares, constituída, essencialmente por um palmar de coqueiros, possuindo ainda outras árvores de fruto, como: mangueiras, cajueiros, papaieiras, alguns ibondeiros, uma ou outra  amendoeira, e terreno para vários tipos de cultura. Existem, ainda que em condições de grande degradação, várias casas de habitação, fábricas de descas­que de arroz e descaroçamento de algodão com os seus respectivos armazéns. Todas estas casas, em número de seis e ambas as fábricas funcionaram em pleno nos tempos do colonialismo, tendo sido postos em acção pelos avós e pais da Tabita. Mas a desco­lonização e a guerra intestina de Moçambique perturbaram e puseram termo ao ciclo de desenvolvimento, esperando, agora, por alguém que o  ressuscite e continue.
Naturalmente bela, esta plantação possui uma das mais belas praias da Baía da Condú­cia, pertencente ao distrito do Mossuril e um Mangal que é um verdadeiro brinco porque se encontra cheio de sonho e de mistério.
À primeira vista, o Mangal que se estende ao longo da costa oriental e ocidental da Plantação dá a impressão de um matagal desordenado e sem préstimo. Mas, uma vez ali chegados, e começando por observá-lo atenta e minuciosamente, essa ideia principia a desva­necer. É que, à medida que nos vamos embrenhando nele, vemos o ambiente a transformar-se pelos vários tamanhos e formas da sua vegetação que se vai multipli­cando em sombras contorcionistas e figuras fantasmagóricas, qual delas a mais bela e original!
 Parte do Mangal de Saua-Saua
Foto de JCM
Umas vezes são os rebentos das árvores adultas que apresentam formas curiosas: umas pequeninas quase a nascerem, outras de meia altura, ou já mais crescidinhas, mas ainda bebés. Temos então a sensação de estarmos perante um campo cultivado com pequenas manchas de espargos. Outras vezes ainda, damos de caras com uma clareira onde um, dois, ou mais troncos mortos se transformam em figuras quase humanas, semelhantes a estátuas de madeira, imóveis, cravadas na areia branca que se mistura à terra negra, a rebolar-se, praia a baixo, empurradas pela água doce que jorra, abundantemente, da encosta.

Rebentos do Mangal
JCM
Outras vezes é um pequenino lago que nos atrai, quer pela sua forma esbelta, quer pelo ambiente circundante que se forma pelos troncos secos, de mistura com as pegadas de humanos e de animais, o que empresta à vizinhança marítima um ar de campo e de cul­tura agrária.
Se nos vemos abafados pelo sol abrasador, é do Mangal que nos podemos servir, utili­zando a sua franca rama que contrasta com a furtiva sombra dos vizinhos coqueiros que se erguem, esguios, mas majestosos e que, de tanto baloiçarem ao vento que os agita e afaga num contínuo namoro cheio de segredos e calafrios, deixam desprender, de quando em quando, o fruto desses amores – um coco já maduro!
Tanto Saua-Saua, como o seu Mangal, meus caros amigos, são dignos de ser cantados por poetas e pintados por artista plásticos em poemas de rimas nobres e em quadros de variegadas cores. Tivera eu o “engenho e arte” de Camões ou a veia pictórica dum Miguel Ângelo ou dum Matisse que não deixaria, certamente, de imortalizar tamanha pérola de tão raro valor! Preciosidade tão bela que, mais do que realidade, parece ser um sonho e um mistério a serem embalados por uma canção que nos embala a nós próprios e nos faz adormecer para volver ao sonho dum eterno e acariciador embalar!

3- Primeiro encontro entre Patroa e Trabalhadores

No dia seguinte, dia 27, às cinco da manhã, a Tabita, o Adelino e eu levantámo-nos cedo para estarmos na plantação às seis e vinte. Ali nos esperavam: o João com os seus homens (dois guardas e dois sazonais), o Cabo, o pedreiro (Abdalah) e dois carpinteiros (Ussene Assumane e Oraíbo Pachir), preparados para começarem a trabalhar, a expen­sas da proprietária da Plantação e dos sócios Adelino Antunes, Maria do Carmo da Encarnação e José Coelho Matias. Ali ficámos os três, enquanto o motorista Dinho regressou às Chocas-Mar para trazer o Fernando, um pouco mais tarde.
Na Plantação mostrámos, primeiro, aos carpinteiros a casa que tinham de reabilitar, reparando portas e janelas, aproveitando todos os aros, portas e taipais de janelas que estivessem em boas condições. E todos os aros que estivessem estragados, (ao fundo principalmente) e portas e janelas que estivessem defeituosas deveriam ser reparados com enxertos de madeira igual (umbila, o mesmo que imbila) e tão bem feitos que não se notassem, de forma alguma, esses mesmos. Os carpinteiros garantiram que tudo fica­ria como novo, e como fora indicado. Verificámos quanto material era necessário e che­gámos à conclusão de que necessitariam, para começar, de 5 kg de pregos, 27 tábuas de madeira de dois metros e meio de comprido, 3 frascos de cola de madeira, 68 dobradi­ças, 3 limas trifácies.

Vila Tabita
 JCM

Falámos depois com o pedreiro para lhe darmos a conhecer o que seria necessário fazer: abrir novo poço para a fossa rota e empedrar ambas as fossas; abrir, cimentar e rebocar as fendas das paredes, do chão e do telhado da primeira casa; altear os terraços dando-lhes uma pequena inclinação de três centímetros na parte mais alta, de modo a que a água da chuva na estagnasse; cimentar as fendas do telhado, colocar um oleado por cima e um outro telhado de colmo; fazer a casa de banho segundo as instruções (ralo do chuveiro rodeado de um pequeno muro, bidé e sanita a ser assente mais perto do chu­veiro, e o lavabo, no sítio ocupado pelo antigo).

4- Não te metas em contratos sem conheceres os usos e costumes

Relativamente aos preços, fizemos um contrato mal feito com os carpinteiros (7 milhões durante um mês, mas com o serviço completo), enquanto que com o pedreiro não fize­mos contrato nenhum, deixando-o para o próximo dia. Pediu-nos que comprássemos, pelo menos, 2 sacos de cimento.
Depois de chegar o Fernando, deixámo-lo a fotografar a plantação, enquanto os três fomos comprar o material necessário. Não o conseguimos todo, nem em quantidade desejada por escassear no mercado. Comprámos, no entanto, o seguinte:

DESIGNAÇÃO
PREÇOS
3 Limas
65.000MTS
3 Frascos de cola
135.000MTS
4 Caixas de pregos
100.000MTS
68 Dobradiças
254.000MTS
4 Garrafas de água
30.000MTS
Abastecemos a viatura
290.469MTS
Gorjetas/ trabalhadores sazonais e guardas
250.000MTS
TOAL=
1.074.469 MTS
Ao regressarmos à plantação, cerca das três horas da tarde, o João abordou-nos e disse-nos que o contrato que tínhamos feito com os carpinteiros tinha sido nulo “porque foi mal feito por ignorância dos patrões”, explicou ele. “Os salários, aqui praticados, são muitíssimo mais baixos do que aqueles que nós acordámos. Desta forma, os salários seriam de tal forma inflacionados que os patrões vizinhos ficariam agastados”.
Perante tal advertência ele disse-nos que com 4 milhões já ficavam pagos acima da média praticada, ficando ainda muito beneficiados. Ficou ele mesmo de falar com os carpinteiros de modo a aceitarem esta segunda proposta. “Se não aceitarem”, disse “chamam-se outros, porque há muitos trabalhadores no mercado do trabalho”.
E, se bem o disse, melhor o fez. Conversou com os interessados e eles aceitaram a emenda e, vieram pedir-nos desculpa de nos terem induzido em erro! Atitude como esta é de admirar e louvar!
O João foi mostrar-nos as nascentes da água e os tanques, ficando de mandar limpar os dois principais e a mina. Pedimos-lhe para fazer esse serviço antes de nos irmos embora porque queríamos fazer novas análises à água. A propósito, a água doce jorra abundan­temente junto à costa e é proverbial a frescura, riqueza e sanidade desta água, havendo referências a ela em documentos antigos.

Nascente principal como a encontrámos
 e Bica geral
 Faltava-nos encontrar transporte para a madeira. Fomos procurar o Sr. Adão, morador no Mossuril. Não estava. Voltámos lá, à noite, de regresso da plantação. Também não estava. O filho disse-nos que tinha ido para as Chocas-Mar. Dirigimo-nos para esse local e, no caminho, cruzámo-nos com ele. Questionado, sobre o preço a praticar, per­guntou qual a proposta que nós próprios apresentávamos. Distemos-lhe que no dia seguinte falaria com ele o João. O transporte para a madeira teria de ser encontrado na terça-feira próxima, o que me pareceu ser tarde de mais.
Antes de chegarmos vimos a população vizinha em festa. Grupos de raparigas em trajes coloridos, dançando ao som de tambores e cantos. E que bem dançavam! A paisagem era magnífica: rapazes, crianças, adultos, anciãos, trajando festivamente. Uns (poucos) de bici­cleta, outros (a maioria), descalços, palmilhavam, a pé, os caminhos poeirentos. Os campos estavam vestidos também, mas do vermelho (a esta hora já mal se decifrava) da flor das mangueiras e dos cajueiros à mistura com o verde da sua folhagem, salpica­dos, aqui e ali, de figuras esquisitas, formadas pelas mandioqueiras ibondeiros, batidos pelo brilho do luar.
Regressámos a casa. Enquanto os meus colegas se refrescavam com um bom banho, na praia, eu fiquei a idealizar e a materializar estes apontamentos. Após o jantar no qual nos foi servido caranguejo, como aperitivo e salmonetes fresquinhos, como prato prin­cipal, fizemos a agenda para os próximos dias: ida a Nacala, Nampula, Gêba, Muchelia, Ilha, não só para apreciar, como também para fotografar as suas belezas.

5- Um elemento mais se junta ao grupo: a Isabel

Hoje, dia 28 de Julho, foi um dia que começou cedo, pelo menos para a Tabita, Ade­lino e Fernando que se levantaram às cinco, menos um quarto, para irem a Nampula com um objectivo múltiplo: esperar, no aeroporto, a Isabel; fazer algumas compras para abastecer a nossa despensa, e dar uma volta pela feira de Nampula, onde o Fernando aproveitou a deixa para fazer gosto ao dedo, pondo à prova a sua arte da imagem e para fazer sair da carteira alguns trocos, tal foi a cobiça do artesanato local!
A Isabel, professora e já “na ternura dos quarenta”, juntara-se a este grupo com uma dupla divisa: a de turista e a de conquistadora de namorados. Só no nosso grupo, para além do condutor que era um jovem mestiço, na casa dos vinte, havia 5 homens cuja idade ia dos 40 aos 62 anos. Terreno fértil e prometedor de boa colheita! Veremos, então, o que, ao longo da nossa estadia em Moçambique, consegue prevalecer: o turismo ou o amor?

6- No Marulhar das ondas das Chocas-Mar

Entretanto, eu levanto-me, por volta das seis horas, abro as portas da sala e ponho-me a observar o mar. O marulhar das ondas embala uma canção longínqua de pescadores solitários, transmitindo-me a sensação de ouvir os nossos mareantes de seiscentos. Uma vela branca, de mancha mais escura ao centro, demonstra que, com remendos ou manta de retalhos, também se podem sulcar as ondas e pescar no mar. Espelhado neste, o céu azul, entremeado de nuvens brancas, mostra ao longe, no extremo do horizonte, uma neblina misteriosa que se vai aproximando cada vez mais da orla marítima, deixando para trás uma figura enigmática, formada pelo abraço no qual o mar aperta o firma­mento!
Por entre duas enormes casuarinas procuro vislumbrar pescadores! Nenhum mais se vê. Mas eis que, de repente, raia o sol, dispersa-se a neblina e reaparecem dois pequeninos veleiros, chamados “lanchas” e três pirogas, chamadas “canoas” que não são maiores do que uma daquelas gamelas que são utilizadas, na Beira Alta, para os animais comerem as suas rações. Pequenas, sim, pois essas minúsculas embarcações são construídas, umas a partir de um tronco de árvore (um cajueiro ou mangueira) que é artisticamente escavado com utensílios rudimentares e outras a partir de pranchas de madeira inbila. A pouco e pouco aparecem rapazes trazendo, à cabeça, nas mãos ou em pequenos cestos feitos em folha de bananeira, uma grande variedade de peixe e marisco.
Saindo da minha meditação pergunto a um moço, ao Raimundo, o nosso cozinheiro, quais as variedades de peixe existentes na zona e como resposta disse-me:
- “O peixe mais comum é a garoupa, o salmonete, o peixe papagaio, peixe pedra, peixe vermelhão, peixe-serra, peixe-xareua, peixe-linguado (peixe de primeira e o mais apre­ciado) e peixe-atum, peixe-sardinha e polvo (peixe de segunda) ”.
- “E o marisco?” Continuei a perguntar?
- “O marisco mais comum é a lagosta, o caranguejo, o camarão, a amêijoa, a lula, as ostras que se encontram principalmente na Cabaceira Grande”.
- “E quanto ao preço? Digam-me como é que se vende o peixe, aqui”.
- “A garoupa, peixe papagaio, peixe-serra, peixe-pedra, salmonete, peixe-Xareuá: 20.000MTS; Polvo, peixe vermelho, sardinha e atum: 15.000MTS; Linguado: 17.000MTS; Amêijoa: 8.000MTS; Caranguejo: 12.500MTS; Lulas: 25.000MTS; Lagosta e camarão grande: 30.000MTS”.
É curioso, porém, ver a riqueza marinha a contrastar com a simplicidade humana cir­cundante! Muito peixe, mas fraquíssimos meios para tirar partido dessa mesma abun­dância. Não há outros recursos, além desses pequenos barcos! Não há escoamento, por falta de meios que facilitem a recolha e a distribuição em grandes mercados. O modo utilizado é o seguinte: dentro de uma canoa, o pescador rema apenas com um remo, desloca-se de um lado para o outro, cantando, primeiro, calando-se depois. Estacionado, virado normalmente para o horizonte, lança o anzol (!) e espera pacientemente que um peixe se deixe enganar, o que, em dias normais, não tarda a acontecer. O peixe morde, é puxado e lançado no fundo da canoa! Outro meio mais sofisticado é a lancha de seis remos e vela toda rota ou remendada com panos de cores diversas. Além dos seis rema­dores vão mais três ou quatro pescadores para lançarem a rede, coordenarem os movi­mentos e ajudarem na faina. Também estes não se afastam muito da costa.
O consumo local é mínimo porque os nativos não têm poder de compra e os turistas, nem sempre estão dispostos a comprar, ou porque as economias não dão para tudo, ou porque, são raros, ou porque não estão para comer peixe todos os dias! A exportação não existe! Para que ela existisse deveria haver uma ou mais unidades de frio que não existem, nem se vislumbra possibilidade nos tempos mais próximos. Disseram-nos alguns pescadores que de algum tempo para cá, costumam aparecer alguns chineses, vindos de Nampula que compram todo peixe que lhes apresentam, tendo preferência por algumas espécies. Talvez esta iniciativa seja um começo de desenvolvimento da indústria pes­queira, aqui na zona do Mossuril. Estamos no tempo em que se pesca só para ter “o peixe de cada dia”, poderia assim dizer Cristo, no Pai-nosso, se desejasse pregar pes­soalmente aos habitantes destas terras Macuas. E quem sabe? Talvez eles é que estão certos, embora um pouco mais de conforto e de alimentação não lhes fizessem nada mal!
Este cenário que acabo de escrever ainda não está completo. Acocorado na praia, está um outro rapaz lavando os peixes que vai metendo no seu cesto de folhas de bananeira. Coloca os melhores por cima e rega-os todos com água salgada para os refrescar. Termi­nada esta função, coloca-lhes uns raminhos de verdura, por cima, e levanta ferro, praia fora, em busca de algum comprador. Ao lado, debaixo de uma frondosa árvore que serve de habitáculo a ágeis esquilos e veloz passarada, estão outros três, “à boa vida”. Dois conversam, o outro saboreia o descanso, estendido sobre a areia. Numa coisa estão todos de acordo: o tempo tem que passar, nem que seja de papo p’ra o ar. Nesse momento posso, mais uma vez, admirar o acasalamento das nuvens com o mar por cujo amor diariamente engendram e dão à luz o Azul-marinho! Lugar de sonho! Sonho de esmorecer! E com encantos destes não apetece acordar jamais!
Às nove e vinte, deixo o computador para ir banhar-me à praia. A água está límpida, azulinha e morna! Ao longo da praia passeia uma senhora branca que, momentos depois, desaparece para regressar acompanhada de um cavalheiro. Ao passarem junto de mim saúdam-me em português. É um casal do meu país! E a conversa só teve de come­çar!

7- O desenvolvimento de Moçambique em perspectiva

Quanto ao desenvolvimento, vem a propósito um artigo que li na Revista “Moçambi­que[16], da autoria de Dina Cortinhas, com fotografias do Arquivo Editando. A entrevista­dora coloca umas oito questões ao Dr. Rafique Jusob, director do CIP (Centro de Promoção de Investimentos) relativas à implementação de novos investimentos em Moçambique. Esta entrevista teve lugar pela ocasião da Conferência de Investidores organizada pela Commonwealth Business Council, organizada, em Maputo de 25 a 27 de Fevereiro de 2002[17], conjuntamente pelo Commonwealth Business Council e pelo Governo moçambicano, tendo um grande envolvimento do Centro de Promoção de Investimentos e da Confederação das Associações Económicas (CTA), tomando parte nela cerca de 350 delegados.
Segundo o entrevistado, esta Conferência foi muito profícua, levando os participantes a conhecer a realidade industrial e económica de Moçambique actual, e está certo de que ela terá a sua continuação de modo a pôr todos os investidores ao corrente dos novos passos que a economia moçambicana irá dando. Dado que, segundo os analistas interna­cionais, o IDE, em África tem vindo a diminuir, para ele a “principal causa deste baixo fluxo de IDE deve-se ao fraco desenvolvimento de infra-estruturas, custos de operação bastante altos (em alguns casos imprevisíveis), mão-de-obra com baixo nível de qualifi­cação, sistema financeiro inadequado para as necessidades das empresas, entre outros factores”. E a redução desse índice não tem atingido tanto Moçambique, uma vez que “pequenas e médias empresas, provenientes de várias partes do globo (particularmente de Portugal e África do Sul) tem havido um fluxo considerável de IDE proveniente das Maurícias, da República Popular da China, de Hong-Kong, da Malásia, da Holanda e da Itália...”.
No que toca a grandes empreendimentos o mesmo adiantou que “tem sido possível atrair projectos de grande dimensão no sector industrial e de minas... graças a uma boa política de abertura ao investimento estrangeiro, à recuperação de infra-estruturas e ao processo de privatização”[18].
Relativamente às expectativas no futuro, pensa que as coisas irão melhorar, tanto em relação a toda a África, como, em particular, a Moçambique. Para o seu país, as coisas parecem estar facilitadas devido à sua posição geo-estratégica ao nível da SADC que prevê a eliminação das barreiras comerciais nessa região, o que facilitará e aumentará as trocas comerciais entre os países parceiros e, consequentemente, irá atrair novos inves­timentos estrangeiros.
Quanto aos projectos para Moçambique, o Dr. Rafique adiantou que, só em 2001 foram aprovados 129, cabendo a maior fatia à agricultura, indústria, turismo, transportes e comunicações. Para Maputo existe um projecto de um bilião de dólares americanos, cujo objectivo é a produção de aço; um outro na área do turismo no valor de 967.500.000 US$ a localizar em Cabo Delgado, com o objectivo de implementar infra-estruturas e unidades hoteleiras.
É do nosso conhecimento que alguns países têm cooperado com Moçambique no intuito de desenvolver e criar algumas infra-estruturas. Caso conhecido é o da Cooperação Suíça que compôs a estrada – terra batida para o Mossuril. E alguém nos disse que a Cooperação Italiana vai fazer uma nova ponte para a Ilha de Moçambique. Da Coopera­ção Portuguesa não conhecemos nada. Não sei se por não existir (o que seria de lamen­tar profundamente), ou por não ser publicitado!
No período compreendido entre 2002 e 2007, o novo programa indicativo contempla a afectação de verbas do 9º Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), no âmbito do acordo de parceria, assinado em Cotonou, em Junho de 2000, entre 15 países europeus e os 71 países africanos, as Caraíbas e o Pacífico.
O primeiro “envelope”, ou seja, 274 milhões de euros será repartido da forma seguinte: 45 a 55% irá privilegiar o apoio macro-económico e orçamental; 25 a 35% beneficiará as infra-estruturas de transportes; 15% contemplará o sector de segurança alimentar e a agricultura. É de assinalar que entre 10 a 15 por cento será aplicado no apoio a outros sectores como a saúde, especialmente a luta contra o HIV/SIDA.
Nos dois últimos anos a União Europeia despendeu, em média, 118 milhões de euros/ ano, valor que aumenta substancialmente com o actual quadro. O Banco Europeu de Investimento (BEI)[19], que actua em Moçambique desde 1987, através de operações de financiamento a projectos desenvolvidos nos principais sectores da actividade do país, entre os quais se destacam os do algodão, caju, açúcar, pescas, cimento, hidroeléctrica e transmissão de energia eléctrica, comunicações, alumínio e minerais, disponibilizou já mais de 184 milhões de euros. Os projectos que mais têm sido apoiados pertencem ao sector privado e, como exemplo, temos os da Mozal (1ª e 2ª fases), Hidroeléctrica de Cahora Bassa, Maragra, Motraco, Cimentos de Moçambique, Pescamar, Monapo, Lomaco, Grafites de Ancuabe, Caju de Nacala. Participa também em projectos do sector público estatal, assinalando-se, neste âmbito, por exemplo, a expansão da rede móvel da Telecomunicações de Moçambique (TDM), participação da Electricidade de Moçambi­que (EDM) no projecto Motraco, etc.

O BEI apoia também “pequenas e médias empresas locais, através quer de empréstimos globais (linhas de crédito) canalizados pelo sector financeiro quer de operações de capital de risco”. Até ao final de 2001, Moçambique acordou com o BEI 183.873.293 milhões de euros, assim distribuídos:
4 Projectos para          Agricultura e Pescas               19.000.000
4 Projectos para           Indústria                                 84.000.000
2 Projectos para          Sec.Mineiro                              3.850.000
2 Projectos para          Electricidade                           49.100.000
1 Projecto para            Telecomunicações                    9.000.000
3 Projectos para sec    Financeiro/Créditos globais     18.923.293
1 Projecto para            Estudos                                    1.000.000
TOTAL =                                                                183.873.293
Dos quais 136.890.552 foram desembolsados, no total desses 17 projectos.
De acordo com palavras de Francisco Jordão Gaspar, delegado de operações do BEI para Moçambique, essa instituição europeia “tem actualmente em avaliação projectos importantes nas áreas da energia eléctrica, transportes, gás natural e indústria mineira. Parte destes novos empreendimentos deverão ser já financiados com recursos financei­ros provenientes da Investment Facility, o instrumento financeiro criado no âmbito do Acordo Cotonou, que irá ser gerido pelo BEI” (p. 20 de Moçambique, Maio 2002).
Ainda no campo do desenvolvimento de Moçambique, está relançado o programa de Reabilitação das Escolas de Artes e Ofícios (PREAO), resultante de uma parceria esta­belecida entre a “Fundação Portugal-África”, a “Associação Empresarial de Portu­gal”e Moçambique. Iniciado em 1998, com o levantamento no terreno, da situação real das 37 escolas de artes e ofícios (EAO) existentes nas dez províncias de Moçambique, este projecto visa a reabilitação faseada de todas essas escolas, transformando-as em Escolas profissionais, o que passa por uma reorganização curricular e pelo apetrecha­mento e reabilitação dos edifícios, reciclagem e requalificação dos recursos humanos.
A implementação desse projecto começou em 2001 com a criação de uma unidade de acompanhamento e apoio. Um dos técnicos-consultores portugueses que acompanham o desenvolvimento do projecto, José Abreu, encontra-se em Moçambique desde Março de 2001. Segundo ele, numa primeira fase, irão ser apoiadas cinco escolas (Moamba, na província de Maputo; Inhamissa, na província de Gaza, Massinga, em Inhambane; Songo, em Tete e Ilha de Moçambique, na província de Nampula). O programa vai estender-se, numa segunda fase, às restantes 32 escolas.
Segundo o mesmo técnico-consultor, os cursos ministrados nessas cinco escolas, já em funcionamento desde Fevereiro de 2002, foram definidos a partir do seu contexto sócio-económico e a selecção resultou de uma auscultação feita aos “diferentes actores sociais locais”. Esta fase constitui a fase das “Escolas piloto”.
Um outro grande projecto a desenvolver em Moçambique é aquele que leva o nome de “Abastecimento de água às comunidades rurais em Moçambique”, da autoria da organi­zação não governamental portuguesa OIKOS – cooperação e desenvolvimento –, com o patrocínio de “Água de Luso”. Este projecto tem por objectivo a abertura de 50 poços de água em Moçambique. Cada poço irá beneficiar, em média, cerca de 500 pessoas, apontando as previsões para um total de 25 mil famílias.
Está, dentro desta mesma perspectiva o Projecto Saua-Saua – no valor aproximado de 2.000.000 dólares –, a cargo da Associação Mossáfrica (Organização não Governamen­tal para o desenvolvimento) com o objectivo de recuperar infra-estruturas já existentes, transformando-as num empreendimento que inclua uma escola com vertentes diversas, tais como: turismo, artes e ofícios, preparação de Formadores, construção civil, e agro-pecuária que seja capaz de auto-sustentar o próprio empreendimento.
Também no campo da higiene e saúde públicas, está nas intenções desta mesma Asso­ciação construir uma conduta de água, um chafariz, tanques para lavagens e sanitários nas povoações: Saua-Saua e de Nacoma, bombeando a água potável das suas nascentes da Plantação que está em vias de reabilitação, ou perfurando poços junto às mesmas. Assim o queiram e facilitem as autoridades competentes.

8- Chegada às Chocas-Mar de mais um elemento da comitiva

Pela noitinha, isto é, por volta das oito da noite chega a casa a Isabel Oliveira que vinha acompanhada da Tabita, Adelino e Fernando. Todos, mas principalmente este último, vinham carregados de compras. Depois de colherem no aeroporto a bela adormecida, tinham ido à Feira de Nampula e não conseguiram resistir à tentação do artesanato local, sobretudo ao do pau-preto.
Depois de um banho restaurador, fomos jantar. Sobre a mesa reluzia uma travessa recheada de caranguejos, como aperitivo, seguindo-se, depois, uma outra de amêijoas, sendo ambas bem regadinhas com cerveja, coca-cola, chá e água para os mais abstémios Tudo à discrição dos comensais. E, se os “animaizinhos” tinham dimensões apreciáveis, o arranjo e o condimento estavam um primor. Parabéns aos cozinheiros e seus ajudan­tes!
Depois do jantar o Adelino, Tabita e Fernando sentaram-se à mesa para pôr as contas em dia. Tudo é repartido irmãmente, pelos membros do grupo Apesar de bem comer­mos, a quota pessoal não foi por aí além! O mesmo, já não seria dito, se as compras tivessem sido feitas, em Portugal!

  CAPÍTULO SEIS

A ILHA DE MOÇAMBIQUE

1- Suas origens

Separada do continente por um canal de 5 km de largura, a Ilha de Moçambique tem 2.500 m de comprimento, 1.200m de largura e 5.000m de perímetro e encontra-se ligada ao continente por uma estreita ponte de 3 quilómetros, sendo, ainda hoje, uma das prin­cipais, atracções turísticas. Foi ali que os Portugueses, comandados por Vasco da Gama, abordaram pela primeira vez, a 2 de Março de 1498, a caminho da Índia, vindo a esta­belecer-se, aí, de modo contínuo em 1507.
Nela vivia uma colónia árabe, oriunda do litoral do Mar Vermelho, sendo ali que se estabelecia o porto de escala entre Sofala e Quiloa, pertencentes também a esses povos maometanos. Depois de algumas dificuldades, os Portugueses vieram a estabelecer-se nela, em 1506, mas a colonização portugueses deverá ter iniciado em 1502, isto é, dois anos depois que Álvares Cabral ali passou, depois de navegar, ao longo da costa, até Quelimane.
Daqui, os Portugueses da Ilha, querendo intensificar o comércio com os africanos do continente, ocuparam as Cabaceiras (grande e pequena) e o Mossuril, até cerca de uma légua para o interior. Algum tempo depois os habitantes da Ilha conquistaram as ilhas Quirimbas e edificaram fortes em algumas delas, por exemplo, em Cabo Delgado, seguidas, em 1510, pelo estabelecimento de uma Feitoria na baía do Tungue.
Por ordem de Afonso de Albuquerque foi construída, logo após fixação portuguesa, a Fortaleza de S. Gabriel que foi substituída, em 1542, pela actual Fortaleza de S. Sebastião, mandada construir por D. João de Castro. A Ilha tornou-se, então o ponto de apoio da carreira para a Índia e da exploração do ouro do reino do Monomotapa e pas­sou a ser, durante muito tempo, um florescente centro comercial, com ligações fortes a Madagáscar, Pérsia e Arábia.
Pode dizer-se com propriedade, que a Ilha de Moçambique, que passou à categoria de vila, em 19-01-1763 e de cidade, em 17 de Setembro de 1818, se transformou em uma presença Lusitana no Oceano Índico, durante largos anos, capital, quer da Província colonial, quer da província de Nampula. Da primeira foi-o até à construção de Lou­renço Marques e da segunda, em detrimento da cidade de Nampula até 31-12-1934. Nunca Sofala, outro centro comercial português, chegou a ultrapassá-la quer em pode­rio, quer em importância.
A Ilha prosperou durante largos anos, quer como centro comercial, quer como base naval e foi um ponto de passagem obrigatório para Goa e Macau. Para defesa da guar­nição portuguesa foi construída, no século 16, a Fortaleza de São Sebastião, passando a cidade da Ilha a desempenhar a função de Capital Portuguesa da África Oriental, até ao século 19, altura em que Lourenço Marques (nome herdado do governador dessa época) lhe levou a palma.

2- À descoberta da Ilha

Estávamos no dia 29 de Julho. Ao aproximarmo-nos da ponte que liga a Ilha ao conti­nente temos a impressão de que a viatura (neste caso um jipe), não cabe entre os pilares da entrada. Mas dá para passar e, até ao presente, é a única passagem. Uma vez chega­dos, começamos por percorrer a rua central, denominada actualmente “Avenida 25 de Junho”. Até lá apreciámos, à esquerda de quem entra, a estação de serviço, a Capelinha de S. Francisco Xavier e grupos de pescadores a preparar as redes para a pesca, enquanto à direita se ouvia o burburinho de gente que enchia a rua, tanto nos passeios laterais, como no centro que, contra o princípio ocupavam o lugar das viaturas. Tudo ali acontecia, um barbeiro inclusive, cuja cadeira e utensílios da especialidade se encontra­vam à sombra de uma grande figueira (sem figos dos nossos, é claro), segundo a nomenclatura local.
Continuando mais adiante, e ainda sobre o lado direito e antes de chagar à dita travessa, encontra-se o Bairro e Igreja de Santo António, onde pulula um formigueiro de gente pobre, mas alegre.
Continuando pela mesma avenida temos, do lado direito, a Casa Helena. E, a partir daqui, damos com a Travessa dos Fornos, a partir da qual encontramos duas grandes cidades satélites, feitas de chapa, e colmo: a de Esteo do lado esquerdo, donde saiu a pedra para a construção da Fortaleza, segundo nos dizem os cicerones e a de Makuti, do lado direito, onde se pode apreciar o Mercado nocturno e os grupos folclóricos que, em dias festivos, cantam e dançam áreas regionais (o tufo), como tivemos oportunidade de presenciar, mais precisamente desde a avenida 25 de Junho até ao bairro de St. António (assim chamado devido à Igreja ou capela do mesmo nome junto à qual se encontra um mini-estaleiro, praticamente desactivado). Entrar lá dentro de qualquer uma é seme­lhante a entrar num formigueiro pleno de azáfama! Mas vale a pena! Já que mais não seja, para sentir o calor humano misturado ao odor da pele negra! Na cidade do Esteo podemos apreciar, além das fisionomias e risos francos, os jardins privados, pertencen­tes à Casa Luís e a Igreja da Saúde.
Continuando pela mesma avenida vemos, do lado esquerdo, o Hospital e os Serviços administrativos Coloniais, de um lado, e um jardim, pouco bem tratado, do outro. Sente-se, deveras, uma tristeza inaudita ao olhar para aquele monumento que, por mais belo e útil que tenha sido no passado, denuncia incapacidade de resposta ao desafio da corro­são dos tempos do abandono, por falta de posses ou de brio! Ao lado direito, estão os Serviços da Marinha?
Deixando para trás a Avenida 25 de Junho temos três hipóteses: ou entramos na avenida dos Heróis, a cuja direita se encontra o Templo Hindu, ou nos dirigimos um pouco à esquerda para seguirmos a Av. Amílcar Cabral, onde encontraremos o Banco Comer­cial, indo dar à Avenida da República, depois de termos apreciado o estado do porto, ou virarmos à direita para tomarmos a Avenida dos Combatentes, onde poderemos ver o Complexo Índico. Seguindo sempre em frente chegamos à Cidade de Pedra, assim chamada devido ao material de que é feita a maioria dos edifícios e à calçada de algu­mas das suas ruas, em tipos idos. É, digamos, a cidade nobre da Ilha.
Num rectângulo formado pela Avenida da República, continuada pela Avenida dos Continuadores, por um lado, e a Rua dos Combatentes, pelo outro, existem belíssimos edifícios, como por exemplo: o Palácio São Paulo, constituído por uma Igreja e um grande edifício que foi o Colégio dos Jesuítas, construído no século XVII e que, depois de ter sido adaptado, serviu de Residência aos Governadores-Gerais, desde 1763 até à mudança da capital para Lourenço Marques. Em 1971 sofreu novas adaptações para poder receber hóspedes ilustres e a instalação do Museu de Artes Decorativas que aí permanece até aos dias de hoje. Em frente, ao centro da praça, vela a estátua de Vasco da Gama, que estava a ser reparada, no momento em que passei. Estavam a colocar-lhe as pedras da fiada superior. As placas das inscrições tinham desaparecido, vendo-se apenas os furos dos cravos que as seguravam.
Em frente, à esquerda encontram-se ainda os vestígios, bem fortes, de um pontão que ser­via para as cargas e descargas das mercadorias e os edifícios que serviram de Alfân­dega, bem conservados. No pilar da esquerda do pontão lê-se ainda esta inscrição: “À CAUZA PUBLICA PELLO GOVERNADOR CAPITÃO GENERAL IZIDRO D’ALMEIDA DE SOUZA E AS – EM 1802
A paredes-meias com o Palácio S. Paulo estão o Hospital da Misericórdia e o Museu de Arte Sacra, rico em ourivesaria em prata, esculturas em madeira, mobiliário, pintura e têxteis, arte indo-portuguesa dos Séculos XVI-XVIII. Em frente ao hospital está o Adro da Alfândega, onde começa a rua do mesmo nome, erguendo-se, ali perto, um impo­nente edifício, em forma qua­drada, que foi a primeira Casa Comercial de João Ferreira dos Santos. Embora em ruínas, este edifício mani­festa ainda o que teria sido nos seus tempos áureos.
Se continuarmos, seguimos já pela Rua dos Continuadores, onde encontraremos a antiga Polícia, em ruínas, tendo em frente a Capitania dos Portos com duas grandes âncoras e dois canhões, em frente do qual se vê o Comando Distrital da P.R. M da Ilha de Moçambique; mais adiante, à direita está o Arsenal de Moçambique e um pouco mais adiante vamos encontrar a antiga Escola de Artes e Ofícios, em plena reconstrução e os Archeonautas –, Arqueologia Subaquática –, orientada e feita por alemães.
Também se pode ver a Casa Oikos, no mesmo largo onde se encontra a estátua de Camões, ou seja, na Avenida dos Combatentes.

3- Perto já da Fortaleza

Dirigindo-nos para a Fortaleza, passamos pela Escola Secundária, em frente da qual se encontra um espaçoso jardim onde, poderemos admirar a imponência do Reservatório, e das figueiras circundantes, jardim esse que se encontrava sujeito a trabalhos de embele­zamento. Ali mesmo estão as antigas instalações (em ruínas praticamente) do Sporting, a cujo lado se vê o belo Hotel OMUHI’PITI, a contrastar. Aqui pode-se almoçar ou jantar, se a carteira assim o permitir e se o turista quiser seguir à risca a etiqueta euro­peia. A diária ronda os 80/90 US$ (O contacto é o seguinte: Telefone é 526351, Fax 526356.).
 Perto dali, avista-se o complexo da piscina que se encontra completamente arruinado. No entanto, bem curiosas são as rochas que se erguem na praia. Alinhadas como solda­dos em ordem de batalha, dão ao viandante a sensação de que se está perante seres extraterrestres petrificados que ficaram fulminados e cravados na praia após uma queda brusca e inesperada, em noite de embate estrondoso de meteoritos desnorteados! Con­tou-me o miúdo que me seguia que, na altura do ataque dos holandeses, os militares portugueses, que eram poucos, vestiram essas pedra com as suas roupas bélicas, fazendo crer aos inimigos tratar-se de um exército enorme e bem compacto, pronto para atacar em força e ordeiramente!
Antes mesmo de chegarmos à Fortaleza, aparece-nos um grupo de “cicerones” que começaram por nos saudar e não cessaram de nos acompanhar e de nos querer vender missangas, moedas antigas, vinténs, etc. Por mais que os tenhamos “enxotado”, não arredaram pé até à porta. Lá venderam o seu peixe como puderam. Um deles, com umas moedas na mão, ofereceu-me a de D. Luís, dizendo que tinha sido o “primeiro rei de Portugal”! Leu mal o que estava inscrito nela: D. LUIS I, REI DE PORTUGAL. Quando lhe fiz o reparo, foi gargalhada geral da parte dos seus companheiros.

4- Na Fortaleza S. Sebastião

À porta estava o “Cicerone oficial”, pois que tinha as chaves das portas que ainda podiam abrir-se (duas apenas). Lá se foi desenvencilhando com uma literatura lacónica, quase monossilábica e imperceptível. O que melhor soube fazer foi indicar o caminho a seguir e apontar para os sítios, dizendo os nomes. Nada mal!
Valeu-nos a explicação que nos deu da Maqueta que se encontra, logo à entrada. Segundo esta, os quatro baluartes da Fortaleza de S. Sebastião em forma de X ocupam a seguinte posição S. Gabriel à esquerda de quem entra, S. João à direita; Nossa Senhora do Baluarte directamente oposta ao de S. Bárbara que, por sua vez se opõe ao de S. João.
Ao fundo do Baluarte de “Nossa Senhora do Baluarte”, encontra-se a capela do mesmo nome que foi construída em 1552, onde ainda existem três lápides funerárias com as datas 29-12-69 (1869), 31-8-68 e 14-12-1873, respectivamente. Segundo parece esta capela é a construção europeia mais antiga em todo o Hemisfério Sul, enquanto o Forte que come­çou a ser construído em 1558 e foi terminado só cinquenta anos mais tarde, se tornou o mais antigo Forte europeu em toda a África sub-Sahariana.

 Capela “Nossa Senhora do Baluarte” na Fortaleza da Ilha de Moçambique
 Do Baluarte “Nossa Senhora do Baluarte” avistam-se a Ilha de Goa, por servir de ponto de passagem para Goa e a Ilha dos Por­tugueses. A primeira é também conhecida sob o nome de Ilha de Sena por se encontrar situada na antiga via mercantil marítima que passava pela povoação árabe Syouna, hoje chamada Sena, situada no Rio Zambèze, na qual os portugueses tinham estabelecido um entreposto comercial nos anos 1530 e 1540. Tirando o Farol e algumas piscinas em rochedos com alguma vegetação, pouco mais existe de interesse especial.
Junto à ponta sul da Ilha de Moçambique ergue-se impávida e solitária a pequeníssima ilha de S. Lourenço, a qual foi coberta por completo pelo pequeno Forte do mesmo nome e que data do ano 1695. Durante a maré baixa pode uma pessoa chegar até ela, devendo ter cuidado em não se deixar apanhar pela subida das águas. Para subir e entrar nesse Forte havia, outrora, uma escada, hoje, porém, desaparecida!
De todos os Baluartes da Fortaleza pode desfrutar-se de uma panorâmica estupenda. A partir do Baluarte S. Gabriel, avistam-se o Mossuril, a Cabaceira Grande e a Cabaceira Pequena.
O que mais confrange o turista português é o estado de abandono em que se encontra a essa Fortaleza. De estrutura bem concebida e de construção sólida, perdurou, aguen­tando os desafios de tudo e todos. Só o que era mais frágil: portas, janelas e afins foi levado, quer pelos elementos da natureza, tais como os ventos, a chuva e a corrosão do sal marinho, quer pela incúria, inépcia e ignorância do ser humano. Está tudo em ruínas. Existem apenas paredes despidas, mal tratadas. A forma em X imperfeito, apro­veitando e adaptando-se à configuração do terreno, facilitava a defesa por todos os lados. As bar­racas militares ou aquartelamentos e anexos estão construídos de modo a formarem um claustro ou praça muito espaçosa, quase em quadrado.
Os terraços, substituindo o telhado europeu, são feitos de forma inclinada e bem impermeabilizados de modo a recolher e a canalizar as águas das chuvas para três enor­mes cisternas: uma debaixo da Capela principal que mede 23 largos passos de comprido e 6 de largo, ao funda qual existem duas pequenas janelas circulares; outra ao centro do claustro (hoje tapada com uma placa de cimento, sobre a qual foi colocado um estrado de madeira para actuarem grupos, em dias de festa; e uma terceira, a “Reserva”, a maior, ao fundo do quadrado, do lado esquerdo. Esta é, de facto, uma enorme cisterna em forma de tina deitada. Pelo menos esta, e a que se encontra debaixo da capela abas­tecem, ainda hoje, muitos moradores da Fortaleza e de outros que vêm de fora.
À direita da “Reserva” encontra-se um belo refeitório, com oito arcos. Mede 32 passos por 6,5 e, a entrada, tem no topo um brasão, enquanto no lado direito existe uma lápide que reza assim: “REINADO MUITO ALTO PODEROSO REI DE PORTUGAL DÕ MA Fº VI ANTº D MELLO D CASRO DOSEU CONSSª.E GUVOR DESTA FOR­TALEZA MººV. F.Zª. ESTE ALMZ E MEP.OR AGU I ESTA MEMORIA AOS O DSEPTRº DE 1666
Na esquina do complexo da mesma “Reserva” lê-se esta inscrição: “NUINO VELHO PR.Q FOI OP Rº CAPITÃO Q POVO OV ESTA FORTALEZA MÃ. DO SEÑS E APOVSEN­TOS OPRANU. Q TOMOU POSSE DELA D 1583 FOI IMPREITEIRO DESTA O BRA ALUFR AQUIMORADOR”.
Do Aeródromo do Lumbo voa uma avioneta para Nampula e Pemba, fazendo o trajecto em forma triangular às terças e quintas-feiras. Parte de Nampula, passa pelo Lumbo e fica em Pemba até quinta-feira dia em que refaz o mesmo trajecto de regressa. Assim nos informaram.

5- Segunda Visita à Ilha de Moçambique

esta vez seguimos, de carro, pela marginal do lado esquerdo de quem entra na Ilha e íamos com intenção de, como crítico e não com turista, procurar analisar alguns deta­lhes. À medida que íamos avançando arregalavam-se-nos os olhos de admiração perante o que víamos à nossa frente: ruas sem concerto, casas “fantasmeadas”, crianças, adul­tos, jovens e anciãos em trajes reveladores das necessidades mais básicas.
Seguindo mais adiante, fomos dar ao estaleiro que fica por detrás da Mesquita principal. Mas, coisa inaudita e inacreditável! A praia, que fora um dia de areia branca, encontra-se agora conspurcada com lixo, algas e excrementos humanos em tal abundância, que avançar sem ver bem onde se punham os pés seria arriscado e imprudente. Tais cogu­melos inesperados pululam, por todo o lado, exalando um cheirete que tresanda.
Deixando para trás esta visão dantesca avançamos, rumo a uma nova descoberta. Che­gámos à praça ou largo da Alfândega e ao Palácio Governamental. Este, hoje museu, em parte, com a Igreja soberba que se levanta ali contígua, foi, na sua origem construída pelos Jesuítas para seu primeiro Colégio na Ilha, como já tivemos ocasião de o dizer. Diante, ergue-se a estátua de Vasco da Gama à qual lhe faltam ainda as placas comemo­rativas e respectivas inscrições.
Seguimos, depois para a Fortaleza, que já descrevi também anteriormente. Ali e mesmo já antes, fazemos uma série de fotografias que ficarão para memória da nossa passagem.
Finalmente vamos até ao Mercado, onde pudemos presenciar a pouca variedade e abun­dância de víveres. Aqui fazemos as nossas compras, que não passam além de batatas, fruta e limões. A propósito leia, atentamente, o parágrafo que se segue e aprenda a fazer compras.

6- Costumes a conhecer no Mercado

Sabe o que significa a expressão “cinco conto cada lugar”? (sic) Talvez saiba ou talvez não.
Seja como for, aqui vai a explicação. Numa manhã de calmaria e já sobre as onze e meia, dirigimo-nos ao mercado. Ao apreçarmos a fruta, neste caso a tangerina, pergun­tamos:
- Quanto custa a tangerina?
- Cinco conto cada lugar.
- Está bem, meta no saco.
De imediato, reparámos e ficámos de boca aberta, quando vimos a mulherzita a meter dentro do saco apenas 4 tangerinitas de casca verde como a lima.
- Só, perguntei eu?
- Sim, cada lugar custa cinco conto”, respondeu a mulher apontando para os vários montículos de tangerinas.
Reparando melhor, olhamos e vemos que, de facto, as tangerinas estão todas agrupadas em conjuntos de 4, colocadas umas sobre as outras: três por base e uma em cima, for­mando um cone. Este conjunto (vejam bem os de matemática!) chama-se, aqui, “um lugar”. Ainda nos rimos, no momento, juntamente com a mulher e vizinha, e continua­mos a repetir a risada, cada vez que o caso nos vem à memória.

7- E ao abastecer de combustível a sua viatura...

O que aqui se pode chamar “postos de abastecimento” não podem vocês imaginar, aí, o que seja. Talvez pensem que são como as nossas estações de serviço ou como as nossas bombas antigas. Mas, não. Aqui, na zona, bombas parecidas às vossas, mas ainda mais modestas só existem duas: uma no Monapo e outro na Ilha. Entre as outras localidades existe uma outra espécie de postos: os de garrafões de cinco litros, garrafas de litro e meio ou de litro, sobre uma tábua, à beira da estrada. E sirva-se o cliente, sem olhar para trás, porque senão terá de ficar em terra ou à espera, horas a fio, por alguém que o venha desempanar.
Os preços aqui praticados são um tanto mais elevados do que nas Bombas normais, mas compensa, quando só existem estas a longa distância. O litro do gasóleo custa, nestes postos, entre 11.000,00 Mts. (no Lumbo) e 12.000,00 Mts. (nas Chocas), enquanto nas Bombas normais custa 10,250,00 Mts, o óleo para o motor para ambos os tipos de motor é, nestes postos, de 30.000 Mts.

CAPÍTULO SETE

DIA DE INTERCULTURALIDADE


1- Trabalhos na Plantação de Saua-Saua

Logo pela manhã do dia 30 de Julho, dirigiu-se o grupo para a Plantação de Saua-Saua, onde nos aguardavam já o Régulo, o Médico tradicional, o João e vários trabalhadores, incluindo alguns que, até então, não tinham encontrado patrão que os contratasse.
Outro serviço que pareceu bem feito foi o tratamento das fendas das paredes da sala cir­cular que foram tapadas, em parte, as do corredor e as de alguns quartos. Tirando pequenos reparos, o trabalho parece ter sido feito com sentido de responsabilidade e conhecimento do assunto. Ao pedirem-nos mais cimento, disse-lhes que fossem abrindo as fendas que houvesse, por dentro e por fora e abrindo os roços na casa de banho, até termos transporte para o cimento e louças sanitárias.
Quanto ao trabalho que os carpinteiros estavam a realizar, à sombra do depósito princi­pal e da mangueira que ali se ergue com imponência, verificámos que, mesmo sem a lixa que tinham pedido, e que nós, anteriormente, procurámos, em vão, no Lumbo, tinham já algumas janelas, bem raspadinhas, parecendo que tinham sido feitas de novo. O material utilizado (que eu já tinha visto quando pequeno e moço), não era mais do que pedaços de vidro. E que bem eles trabalhavam! Encorajámo-los e entregámos-lhes, finalmente, um maço de folhas de lixa de duas qualidades que eles muito apreciaram.
Existiam já duas escadas, de altura mais que suficiente para subir até ao depósito da água, pela qual subi eu próprio para me inteirar do seu estado. Fiquei satisfeito ao ver como o depósito se encontrava em excelentes condições, pois as paredes têm a espes­sura de, pelo menos 20 centímetros. Necessitava, sim, de uma limpeza, de um banho talvez de cimento, à cautela, e da restauração do telhado de protecção, devendo ser feito com chapa de zinco ou de lusalite, sobreposta de colmo. A base de suporte necessitava também de uma camadinha de argamassa para cobrir a verga de ferro que, em alguns luares, estava já a descoberto.
Verificámos que existia outra escada (também esta feita de barrotes aproveitados das casas arruinadas), na nascente principal de água que se encontrava já toda limpa, e sen­timos a satisfação de vermos os vários pontos onde a água brota, tanto dos lados da encosta, como da base do grande tanque. Mais abaixo, a limpeza estava já feita e o grupo de trabalhadores esfregava as paredes do tanque com a parte exterior do coco, a copra.
O João, todo orgulhoso, foi-nos mostrando o trabalho feito: outros tanques e os locais onde jorrava mais água, com alguns canos rotos, à superfície. Verificámos que esses canos deveriam estar ligados a pequenas represas em socalcos superiores, pelo que, para nos certificarmos, mandámos limpar uma represa que supusemos ser a que alimentava esses canos e pedimos para verificar se aí se encontravam vestígios de canalizações metidos nas paredes. No dia seguinte iríamos ver os resultados.

2- Entrevista da Tabita

Entretanto continuava a entrevista[20] que a Tabita pedira ao Médico tradicional e ao Régulo, à qual eu fui assistir, mais tarde. O mais curioso que ali notei, não foi tanto as questões postas aos entrevistados, nem as respostas que foram dadas. Foi, mais, o ambiente autenticamente fraterno. A Tabita punha as questões que eram traduzidas em língua Macua pelo João; o médico e o régulo respondiam em Macua, sendo as respecti­vas respostas traduzidas em Português pelo mesmo tradutor.
Frequentemente, as perguntas e respostas eram intercaladas com risadas e apartes, num clima verdadeiramente ameno e saudável. Era um único grupo, composto de pessoas de duas cores ou raças, de várias idades, de profissões e ideais diferentes, mas todos irma­nados e cobertos pela sombra da mesma árvore que é, de certo, o símbolo e o testemu­nho de outras vivências realizadas também assim, em comum, por outro grupo de tex­tura idêntica, mas já desaparecido da convivência dos humanos.
É que, essa mesma árvore que está junto à casa principal da Plantação é testemunho e recordação do trabalho realizado pelos avós e pais da Dra. Tabita, em colaboração com os pais de alguns Macuas, ali presentes e (caso curioso!), em colaboração com o mesmo pedreiro que, agora, ali, se encontra, de novo, para ajudar a reconstruir um o mesmo sonho! Não acham coincidência a mais!?

3- Interculturalidade no campo da Saúde

Mais curioso ainda foi ver como a Interculturalidade se estabeleceu e se manifestou também ao nível da saúde. Se, por um lado, é já Intercultural em saúde, um europeu interessar-se pela cultura médica africana, demonstrada pela entrevista que ali estava a ter lugar, por outro, desmoronavam-se todas as barreiras porque, frente a frente, se encontravam, na prática, as duas medicinas em benefício dos mesmos pacientes. Isto não podia acontecer da melhor maneira do que aquela que sucedeu neste dia e debaixo duma mangueira de Saua-Saua!
Em cima da mesma mesa onde jaziam os pedaços de casca de árvores, plantas e outras substân­cias, utilizadas na medicina tradicional, colocámos nós sem pensarmos nisso, uma grande mala cheia de medicamentos para ser entregue ao Centro de saúde do Mos­suril através do seu Régulo, ali, presente.
Ao abrirmos a mala, em frente mesmo do médico tradicional, tivemos logo pedidos das pessoas presentes:
-         “Patroa”, diz o João, “pode dar-me alguns a mim para a febre..?.”
-         E para mim? Não tem remédio para asma? Perguntou, de olhos arregala­dos e inquiridores, o régulo ao João
Busca que não busca e lá se encontraram alguns para o João e, felizmente, um para o Régulo que, depois de lhe ser explicado o seu funcionamento (comprimido que deve ser colocado dentro de um pequeno dispositivo em forma de bomba de spray que deve ser, depois introduzido na boca, apertado e aspirado), foi por ele guardado no bolso com uma alegria imensa, notada naqueles olhos negros que deixavam transparecer a agudeza da sua inteligência e a força da experiência dos seus longos anos!
Por seu lado, o médico tradicional presenciava aquela cena que eu classificarei de emocio­nante, com um ar de espanto e de certa satisfação, embora reservada. Ele tinha dito a determinada altura da entrevista que, quando não podia curar os seus pacientes, os man­dava ao hospital para receberem tratamento através de medicinas diferentes da sua.
Aqui, ele via, com seus próprios olhos a magia da medicina ocidental. Via o seu próprio chefe, o Régulo e um dos seus conterrâneos, o João a pedirem remédios europeus para os seus males. Será, pensaria ele, que estes medicamentos serão mais eficazes do que aqueles que eu vou procurar, entre a variedade imensa das ervas e plantas do campo coberto de mato?! Pelo menos apresentam melhor forma para serem transportados e armazenados! Gostaria, de verdade, entrar dentro daquela cabecinha de curandeiro/feiticeiro, dito, por outras palavras mais suaves, médico tradicional para poder apreciar o turbilhão que deveria remoinhar por lá!

4- Oferta de alguns presentes

Depois deste banho de Interculturalidade em saúde, demos ao Régulo duas camisas para ele próprio, algumas bolas de futebol e material escolar para distribuir pelas cinco escolas que existem no seu regulado, gesto que ele agradeceu com um grande sorriso e palavras de apreço. Prontificou-se a distribuir, ele mesmo, esses materiais, dizendo que seria uma alegria imensa para a garotada.
Pela tarde, ao regressarmos às Chocas, passámos pelo Centro de Saúde do Mossuril para entregarmos os medicamentos. Ao perguntarmos pelo responsável, apareceu-nos um latagão, bem apresentado, mas que não era o enfermeiro. Conduziu-nos ao local onde se guardam os materiais e, ao ver que a mala continha muitos medicamentos, ficou admirado e perguntou se eram dados. Perante a resposta afirmativa, respondeu que não poderia ser ele a recebê-los, pois era muita coisa e “era muita responsabilidade”. Teria de ir chamar a enfermeira.
Chegada esta, de nome Arminda, reconheceu-nos imediatamente como sendo os mes­mos que lhe tinham dado medicamentos, no ano anterior. Saudou-nos com um largo sorriso e, admirada com a quantidade que lhe oferecíamos desta vez, recebeu-os e agra­deceu-os, cheia de satisfação. Foi alertada, no entanto, para o uso correcto desses mes­mos medicamentos, uma vez que alguns eram bem específicos.
Uma referência que devemos fazer com justiça é a modificação que foi operada nesse mesmo Centro. Logo ao chegarmos verificámos que o edifício tinha sido todo pintado. Dando uma espreitadela para o interior das enfermarias, verificámos que também estas estavam pintadas e que possuíam camas e colchões novos! Completamente diferente e muitíssimo mais humanizado do que no ano passado. Também a higiene, em geral, foi aperfeiçoada. Tais e tantos melhoramentos são obra da filantropia da Primeira-dama da República de Moçambique, segundo nos foi dito.
Regressando às Chocas, para comemorar os vários eventos deste dia comprámos, de caminho, 8 quilos de camarão, que foi preparado de duas maneiras diferentes, ou seja: um cozido, outro grelhado. Com o camarão foi servida ainda uma travessa de lagosta. E...como não podia deixar de ser, tudo bem regadinho com boas garrafas de 2M, a boa cerveja moçambicana.

CAPÍTULO OITO

TURISTA DESDE AS CHOCAS ATÉ À CARRUSCA


Estamos no dia 31 de Julho de 2002 e, neste dia, utilizando, mais a sério, o meu sentido de apreciador, gravei na minha memória e desta passei ao papel coisas que já tinha visto antes, mas que não me tinham ferido o meu olhar clínico. De tais particularidades fiz a resenha que passo a oferecer-vos.

1- As meninas de Jarricain à Cabeça

Tempos idos? Qual o quê. Aqui, no distrito do Mossuril, é a “água de cada dia” que se pede a Deus, símbolo do poço onde ela é procurada! Apetecida, intensamente, procu­rada em todo o lado, carregada, através de caminhos desfavoráveis e longínquos, ela chega às casas como a bênção do céu mais almejada!
Logo, de manhã, e à tarde – duas partes do dia por excelência –, mas também a outras horas e sob o sol escaldante, é normal vermos um contínuo vaivém, formado por crian­ças, na sua maioria do sexo feminino, e mulheres, indo de vasilhas vazias e regressando com elas cheias de água para o consumo doméstico. Percorrem quilómetros desde casa ao poço mais próximo, embora este não ofereça a melhor água para beber, pois nem todos têm a profundidade adequada e alguns encontram-se em péssimas condições de higiene.
 Crianças de jarrican à cabreça
As nascentes, consideradas como as nascentes por excelência, fornecedoras de água “boa” para beber, encontram-se precisamente na Plantação de Saua-Saua, mesmo junto à praia. Estas servem, tanto para consumo próprio e doméstico, como para banhos ao ar livre e lavagem de roupa ou de materiais.
E o modo utilizado para o transporte é sempre o mesmo: meninas ou mulheres (de vez em quando um rapaz ou homem) que levam à cabeça um jarrican e na mão uma latinha para com esta sacar a água do poço e deitá-la naquele que não é outra coisa do que uma adaptação dos bidões do óleo, na maioria dos casos importados da Indonésia. Os feli­zardos que moram mais perto da Plantação de Saua-Saua não necessitam senão do jar­rican, pois basta-lhes colocar este debaixo das bicas que ainda ali permanecem desde o tempo dos colonizadores portugueses.

2- Em direcção à Carrusca: pescadores e métodos de pesca

Hoje, dividiu-se o grupo. Os três fotógrafos tomaram o carro, por volta das 6 horas e vinte minutos, com destino à Ilha de Moçambique par aí completarem o registo fotográ­fico encetado, no dia 29, enquanto os restantes elementos aproveitaram a deixa para pôr em dia um sono reparador, levantando-se, apenas, às sete horas e meia.
Tomado o pequeno-almoço, dirigi-me à praia, fazendo uma caminhada ao longo desta, em direcção à ponta da Carrusca. Presenciei duas particularidades interessantes relati­vas à pesca artesanal, praticada na zona.
A primeira está relacionada com a construção das canoas. Estas são de duas espécies. Umas são escavadas num tronco de árvore, num monobloco pesado, mas sem qualquer fenda no seu bojo. E as árvores que são preferidas são o cajueiro e a mangueira, devido à sua grossura e solidez. Outras são feitas a partir de grandes cascas de árvores apro­priadas, ligadas umas às outras por cordéis tecidos com fios da copra do coco, depois de ter apodrecido debaixo da areia molhada, na praia, por um período de três meses. A sua estrutura é feita por canas bem amarradas e os intervalos, tanto das cascas protectoras, como da estrutura interna, são preenchidos pelo mesmo material que é utilizado para as suturas ou por farrapinhos que são torcidos, em forma de corda. Estas duas formas são aquelas que presenciei num grupo de canoas que estavam sem ninguém debaixo de uma árvore, junto à praia.
A segunda particularidade tem a ver com o modo como conduzem essas pequenas embarcações. Lançado ao mar, dentro da sua canoa, o pescador condu-la e impele-a ape­nas com um remo cuja pá apresenta a forma de um coração espalmado ou cortado ao meio, de alto a baixo. À chegada de cada onda ele dá um impulso, em frente, como se fosse ele próprio a nadar. Um minuto depois a barquinha enche-se de água que ele deita fora com as próprias mãos, num movimento alternado, para a frente e para trás. Tirada a água, é tempo de lançar o anzol para a pesca. Se pescará ou não, isso já não saberei por­que não ficarei à espera de ver os resultados. Terei de continuar o meu passeio e as minhas outras descobertas.
Consta, porém, que hoje não houve pescadores, à porta de casa, para vender peixe o que todos nós estranhámos. Consultando o nosso cozinheiro, ficámos a saber que o tempo de hoje não era propício para a pesca. As ondas estavam diferentes, mais picadinhas, e o céu ameaçava chuva. Estamos, é claro, no quarto minguante e a luz, ontem à noite levantara-se uma hora mais tarde, em relação ao dia anterior. Ontem a lua apareceu, de facto, só às vinte e duas horas e quinze minutos.
Uma outra curiosidade verificada na praia foi a quantidade de algas lançadas pelas vagas, em certas zonas da praia. Belo fertilizante para as terras das machambas, pensei eu! Mas não havia vestígios de tal aproveitamento. Também este quadro foi enriquecido por um grupo de migretes que, quais estátuas imóveis permaneciam impávidas, a pou­cos metros da nossa presença. Só com a nossa aproximação se moveram e decidiram levantar voo, indo repousar, um pouco mais à frente, em tom de brincadeira desafiadora.
Mais um pouco e estávamos na ponta da Carrusca, avistando-se, dali a Ilha de Moçam­bique.

3- Horta até na rua!

Tomado o banho refrescante, regressei a casa para almoçar, após o que fomos todos tomar café ao Complexo Hélder. Caminhando, em amena cavaqueira, encontrámos quatro pés de tomate e três de papaieira, plantados e regados, na própria rua, mesmo defronte a uma vivenda que nem parecia de gente pobre! Estranho ou prático vá lá um pândego descobrir! O certo é que, em volta dos pés dessas espécies hortícolas, havia o círculo que se faz para receberem a abençoada água refrescante e regeneradora!

Até a rua serve de horta
 De volta a casa, apreciámos o chafariz da aldeia: um cano corrido que abastece quatro torneiras que não têm descanso senão durante a noite. Perto destas estão dois depósitos, um quadrado, mais baixo, outro, cónico, que é suportado por um alto pedestal. Questio­nando dois senhores que se encontravam no posto telefónico fiquei a saber que a água é bombeada para o depósito inferior, vinda de um poço que foi escavado sobre um lençol de água, a cerca de 2 quilómetros e que depois é bombeada para o depósito superior da qual parte, aberta a torneira geral, para abastecer depósitos particulares ou bicas públi­cas.
Mal chegámos a casa, peguei no computador para alinhavar estas curtas notas. E cerca das quatro horas e meia começa a esgalhar água. É a primeira vez que chove, após a nossa chegada a Moçambique!
Por volta das sete horas da noite chegam os três colegas que tinham ido fotografar a Ilha, pela segunda vez. Vinham bastante desgostosos pelo estado em que encontraram a praia dessa que fora a primeira capital de Moçambique. A causa desse desgosto era o facto de se ter transformado em latrina pública, o que é, deveras, uma lástima! Tal apontamento levou-me a escrever o flashA Praia Sanita”.

4- Contadores de histórias

No dia 2 de Agosto levantei-me às sete horas da manhã. O sol entrava, então, pela janela do meu quarto, mas pouco depois, desapareceu para nunca mais voltar, pelo menos até às nove, hora em que comecei a escrever.
Quando cheguei à mesa para tomar o pequeno-almoço já lá estava a Isabel. O Fernando e o Gil já tinham saído para uma digressão pela aldeia, enquanto o Luís continuava a dormir. Pouco depois começaram a cair umas gotinhas de água, mas, chuva, chuva, de verdade, não caiu.
Conversámos um pouco com o Raimundo que nos pareceu bem disposto. Aproveitando a sua boa disposição, perguntei-lhe se conhecia histórias antigas, ao que ele me retor­quiu que ainda era muito jovem para saber e contar histórias antigas. Acrescentou, porém, que aonde há ainda bastantes pessoas – velhas – que sabem e podem contar muitas e belas histórias antigas e sobre a chegada dos portugueses, é em Nampula e na Ilha.
Raimundo
- “Eles”, continuou, “sabem mesmo qual foi a primeira casa que eles construíram e tudo o mais. Aqui, nas chocas, também há algumas pessoas que sabem algumas histó­rias”.
Pedi-lhe, então, que falasse com elas e me levasse a suas casas para que me contassem essas histórias...Que pensassem bem nelas, antes de as contarem e que, depois, eu lhes daria um bom saguat.
Neste momento são dez horas e um quarto. O tempo continua fosco. Sol? Nem vê-lo. Está bom para dar um passeio, ao longo da praia e no interior da povoação. Pode ser que encontre algo que desperte, em mim, um título e me dê matéria para mais um curto apontamento.

5- Na aldeia das Chocas-Mar curiosidades do dia-a-dia

Meto-me pela rua principal, para o lado da Capela de Nossa Senhora de Fátima. Chego ao primeiro poço. Ali encontro dois miúdos que tiram água com um pequeno jarricain ao qual tinham cortado a parte superior da cada lado da asa, para assim consegui­rem captar a água. Esse jarricain, substituto do balde, é lançado ao nível da água com uma corda que, depois é puxada, trazendo atrás de si o dispositivo cheio de água. Deitam-na no jarricain maior ou numa lata que, primeiro, servira para tintas ou óleo e, pondo-a à cabeça, regres­sam a suas casas.
A seguir a este poço encontra-se o ringue, que outrora servira para a patinagem, e, ime­diatamente depois, um outro poço onde se aglomeram sete pessoas: três crianças e qua­tro mulheres. Também estas estão tirando água deste segundo poço, carregando-a para as palhotas ou casas respectivas. Pelo que nos foi dado observar, esta povoação das Cho­cas-Mar é rica em água.
Contígua a esse complexo, vejo um edifício de belas proporções e arquitectura do tipo colonial. Trata-se da antiga escola. É composta por dois pavilhões: um com duas gran­des salas, munida de cacifos (hoje destruídos), uns balneários, uma cozinha com des­pensa e um outro menor que teria sido o refeitório e serviços afins. As paredes e tecto pareciam estar em perfeito estado, mas careciam de portas e as janelas já não tinham vidros.
Porque terá sido abandonada? E porque será que, a cerca de duzentos metros, construí­ram, uma nova escola primária, inferior à anterior, tanto quanto à arquitectura e material de construção, quanto à adaptação ao clima? A antiga oferecia sombra todo o dia, devido à disposição e arcadas, a toda a volta, enquanto a última carece de tudo isso. A propósito, a escola daqui só vai até à quinta classe. Para fazerem a sexta e sétima classe, os miúdos terão de palmilhar sete quilómetros para irem ao Mossuril.
Continuando a minha caminhada encontro uma senhora e dois senhores, sentados, em frente da porta de uma casa – não sei se era a deles ou de outrem. Ela tem um cesto cheio de qualquer coisa que eu não consigo descobrir e eles seguram duas galinhas de patas atadas, à espera de alguém que passe e as compre.
Cheguei ao bar Miramar, ainda não inaugurado. Foi feito a partir de um Contentor que foi pintado de azul. À frente pintaram sobre ele o nome, e várias figuras de pescado: lagosta, camarão, caranguejo etc. atrás, fizeram um pequeno muro e entre este e o conten­tor fizeram a cozinha. Está interessante. E a ideia foi genial.
Passam, agora, três pescadores. Um carrega os remos, outro traz dois polvos enormes e um pequeno peixe, tudo (e não era muito) pendurado numa das mãos e um terceiro car­rega um balde com algum peixe e duas canas telescópicas.
-         Então, a pesca, hoje, que tal, pergunto, eu?
-         “Muito má”, respondem eles. “O tempo, hoje, não presta”

6- Trovoada de se lhe tirar o chapéu

Com efeito, o tempo está muito mau. As nuvens estão negras e ameaçam dar chuva a qualquer momento. No entanto, dirijo-me para a praia, com a intenção de esticar as per­nas.
A dado momento, olho para trás e descortino, lá ao longe, o Fernando Matos. Esperei por ele e, ambos continuámos o passeio até à Carrusca. Durante o trajecto, o Fernando vai apanhando conchas e eu continuo a observar a paisagem que, desta vez não é muito variada: algumas crianças brincando na areia, um miúdo à espera de um velhote que puxa do mar a sua piroga, feita de casca de árvore.
Dirigimo-nos a ele e conversamos com ele, durante alguns instantes, sobre o tempo que não lhe facilita nada a pesca. Prova disso mostra-nos um punhado de pequeninos peixes que são o único fruto do seu trabalho, de toda a manhã.
Mais à frente, vêem-se outros quatro pescadores, metidos na água até à cintura, e pés assentes na racha coberta pelas vagas, lançando repetidamente o anzol com o isco, sem pescarem nada.
Seguindo mais em frente, a dada altura, chamo a atenção do Fernando para uns grandes olhos de água brotando da praia. À medida que as ondas recuavam viam-se esses olhos a brotar da areia, como nunca visto noutras partes dessa mesma praia. Questionamo-nos sobre a origem de tal fenómeno. Será a própria água do mar que, formando cavernas inferiores, libertam essa água quando as ondas recuam? Ou será uma nascente de água doce, que provém de algum lençol, existente na planície costeira? Eu provo essa água, e ela apresenta características de ser meio-salgada. Mas poderá ser salgada devido ao encontro desta com a areia e água do mar. Seria um caso a considerar e a estudar.
Chegados à ponta, da qual se vê a última baía, entes de alcançar a ponta da Cabaceira Pequena, pergunto a um dos pescadores que acabara de sair do mar com o seu barqui­nho, como se chamava o lugar onde nos encontrávamos. É, nada mais, nada menos, a ponta da Carrusca.
São já as doze horas e vinte minutos. E nós estamos na ponta da Carrusca, donde se avista a última baía antes de chegar à Cabaceira Pequena. Olhando para o céu carregado de nuvens negras que, ao longe, parecem estar já a desfazer-se em borrasca, dizemos um para o outro:
- Desta já não nos livramos nós.
- E o pior é que não temos onde nos recolher.
- Debaixo daquelas árvores,
- Nem pensar. Mas também não vale a pena correr porque ela anda mais depressa do que nós.
- Realmente, estamos na praia e pouco interessa se a água vem de cima ou se ela já está cá em baixo.
Palavras não eram ditas e eis que começa a esgalhar água como o Fernando nunca tinha visto. Ela fustiga fortemente e cai tão rápidamente e tão espessa como se fosse uma corrente eléc­trica contínua. Para maior sensação, ela é tocada pelo vento a muitos quilómetros hora e escorre de nossas cabeças como se fontes fossem em pleno Inverno.
No meio desta bela e sensacional trovoada somos ainda abordados por dois moços que trazem um cesto, cheio de caranguejos, e nos perguntam se queremos comprá-los. Sem pararmos, pois não é a ocasião mais oportuna, mandamo-los ir ter com o cozinheiro Raimundo que, de certo, ficará com eles. Eles, porém, dão meia volta e demandam outra direcção. Também eles não estão em vias de desafiar esta grande trovoada!
E nós, sem parar, lá continuamos a nossa marcha forçada. O Fernando com as mãos cheias de conchas e eu com o pequeno gravador embrulhado no chapéu e resguardado por uma grande concha que o Fernando me emprestara. Atrás, entalados, entre o corpo e os calções, levo os chinelos; à frente, pendurados nos mesmos calções, estão os óculos. Levá-los em cima do nariz, é inútil, pois não possuem escovas de limpeza e, sem estas, eles embaciam e escorrem água sem fim, impossibilitando a visão. Agora, a chuva intensifica a sua acção e não se descortina nada a poucos metros, em frente. Caminha­mos, apressadamente, mas por intuição!
Perto já de casa, a chuva amaina um pouco e o Fernando comenta:
-         Ao chegarmos, vai ser um gozo. Os colegas vão se rir de nós que nem perdidos!.
-         Quero lá saber. O certo é que é agradável e sensacional, continuo eu.
Ao chegarmos, vemo-los, à varanda, com ares de quem está aflito e de quem parece ter visto almas do outro mundo! Parece que sentiram falta da arca de Noé. A chuva entrou-lhes pela casa dentro e viram-se e desejaram-se para não serem levados pela corrente. Tiveram de andar de rabo alçado e de toalhas na mão a empurrar a água para fora de casa. Ora, digam-me lá, se não foi mais sossegado e interessante ter apanhado a chuva na praia com o vento de feição!?
Ao almoço, tivemos batatas guisadas com lulas. Estavam tão boas que foi comer e cho­rar por mais! E isto não é uma figura de retórica. De facto, estavam tão boas, que até houve gente, tida por muito bem-educada, que arrebanhou, para não dizer “lambeu”, o molho da travessa, com pedaços de pão e, pouco faltou, para comer a ponta dos dedos! E quando o cozinheiro apareceu e viu tudo limpinho disse em nosso favor:
-         “Assim, eu gosta de ver pratos limpos. É sinal de tudo estar bom.”
-         “É mesmo verdade, as lulas estavam uma delícia”.
-         “É pena, comentou alguém que não haja mais cerveja. Desta vez há apenas uma garrafa.”
-         “Se a Tabita e o Adelino não vierem, hoje, ficamos nas lonas”.
-          “A despensa está vazia”.
Cada um ia fazendo os seus comentários e bem à sua maneira, de copo cheio ou a esva­ziar-se e a encher-se, numa linha mágica de sucessão. Não identifico quem dizia o quê, quanto comia ou bebia para todos ficarem a coberto e livres de suspeições! Mas, que todos fizeram o seu melhor e comentaram, hilariantemente, as peripécias desse dia, lá isso é verdade!
São agora, precisamente, quatro horas e um quarto. Os abastecimentos ainda não chegaram. Eu vou parar com estas considerações e descansar a vista que, já, tenho can­sada.

7- Escola das Chocas-Mar

Depois de algum tempo, vou de novo até à praia. Daí a pouco chega o Fernando, a Isa­bel e, mais tarde o Luís. O objectivo destes últimos é o de apanharem algumas conchas, aproveitando o Fernando a ocasião para registar algumas imagens, na sua máquina fotográ­fica. A volta, porém não foi grande, regressando, cada um a casa com a sensação de ter cumprido com o seu dever, ou de ter satisfeito as suas curiosidades
Eu, porém, não me sentindo com a consciência, assim tão tranquila de um dever bem cumprido, regresso à aldeia, indo, de novo até à Escola velha. É, já, noite. Mesmo assim dou uma, duas voltas a todo o seu exterior. Observo bem a sua construção e a sua arquitectura. Conto as colunas que se encontram a toda a volta. Olho para paredes, telhado, portas e janelas. Entro e bisbilhoto tudo. Saio e pasmo!
Está construída para o clima daqui. Elevado a cerca de 30 centímetros do chão, tem um patamar onde assenta toda a estrutura. Esta tem, a toda a volta um alpendre, sustentado por 34 colunas, o que permite haver sombra a todas as horas do dia, se não num lado, noutro. As paredes estão boas. Necessitariam apenas de ser pintadas. Bastaria repará-las. O telhado, não está completamente bom, mas podia facilmente ser concertado. Atrás possui um largo terreno, direito, onde as crianças poderiam brincar livremente. Porque é que não foi reparada esta escola?
Mais acima, numa pequenina encosta, está já a funcionar uma escola nova, que come­çou a ser construída em 2001, com o patrocínio da Embaixada Americana. Esta não tem beleza absolutamente nenhuma. E sob o ponto de vista arquitectónico não pode compa­rar-se, de maneira alguma, com a escola velha. Sob o ponto de vista ambiental é um zero. É constituída por uma única ala, a duas águas, enquanto a velha é a quatro águas e tem duas alas separadas pelas casas de banho e cozinha; É, a nova, toda corrida e sem protecção contra o sol, enquanto a velha possui alpendres, a toda a, refrescando as pare­des e as salas e oferecendo sombra e abrigo a todas as horas do dia; a nova tem terreno, à frente, mas é inclinado, enquanto o da velha é atrás e é plano.
O que terá acontecido? Será que a escola velha foi considerada casa assombrada? E os Americanos? Será que eles saíram, algum dia, da Embaixada, cheia de aparelhos de ar condicionado, para vir ver as condições climatéricas das Chocas-Mar? Talvez pudessem aprender alguma coisa com os Portugueses que por ali andaram e por ali construíram casas para si próprios e para as gentes nativas dessas mesmas paragens! Não poderiam ter aproveitado a escola que já existia, acrescentando-lhe melhorias, se é que a nova passou a tê-las? Eis tantas questões às quais gostaria que alguém me desse uma res­posta.
Ainda pergunto a um senhor que passava, mas ele não me sabe responder. Consigo, no entanto, a informação acerca do número actual de alunos. São, mais ou menos, mil e quinhentos, mas não são todos daqui. Alguns vêm de povoações vizinhas que só têm escola que vai desde a primeira até à terceira classe. Vêm para aqui para fazer a quarta e quinta classe.
A propósito: terminada a quinta classe, os miúdos terão de fazer diariamente duas vezes sete quilómetros para fazerem a sexta e sétima classes, no Mossuril. E terminada esta, ou vão para a rua porque não há trabalho, ou, se quiserem continuar os estudos, terão de ir para a Ilha, onde poderão fazer o oitavo, nono e décimo anos ou para Nampula, onde poderão concluir, inclusive, a Universidade. Mas isto é incomportável para quase todos os habitantes desta zona, porque os alunos terão de ficar internados, o que supõe muito dinheiro, coisa que é privilégio de muito poucas ou nenhumas famílias macuas.

8- Chegada de aprovisionamentos

Às dezanove horas e meia, mais ou menos, do mesmo dia, 2 de Agosto, a Tabita e o Adelino chegam de Nampula, para onde tinham partido, no dia anterior, em viagem de... negócios... compras, etc. Mas, como não conseguiram despachar-se no mesmo dia, viram-se obrigados a pernoitar, ali, até ao dia seguinte.
Eis o diário que me passaram para constar do nosso roteiro e que eu terminei de trans­crever às 23.40h.
“1/8/02 – 5ª Feira
7.30h – Partida das Chocas
8.00h – Chegada a Saua-Saua,
Depois de termos levado o filho (Arlindo) do Raimundo à escola, em Saua-Saua, fomos ver a mina que já está em fase de ser limpa; esperámos que o tanque fosse despejado; pagámos “uma pipa de massa” aos trabalha­dores (7) que são contratados para reali­zarem as tarefas de: limpeza dos tanques. Demos um “saguate” a um velhote que que­ria trabalho, mas que não reunia as condi­ções. Tinha 80 anos e trabalhou nas planta­ções. Cerca das 9.00h fomos encher as gar­rafas para as análises e viemos embora para Nampula onde chegámos às 13.00h. Entregámos as amostras da água ao mesmo senhor (deficiente) que o ano passado que falou conhecer e ter estado nesta fonte em Janeiro.
Fomos falar com o Sr. Raul Amarchande sobre a visita às plantações de Geba e do Gurué. Ficou tudo organizado. Disse-nos que estava tudo em ordem.
Relativamente à estadia da última noite, ficou resolvido que pernoitaríamos na casa grande de Nampula. Levantámos dinheiro no BIM e soubemos que se pode abrir uma conta com 1000 dólares ou 15 milhões de Meticais.
Esperámos 1.30h pelo Dinho que foi com o carro à oficina. Fomos ao Banco levantar dinheiro 3,5.106 + 6,106. Comprámos pilhas para o Fernando Matos e carregámos as loiças. Fartámo-nos de fazer experiências com os tubos grandes e acabámos por deixá-los, uma vez que se podia apanhar multa. Caiu uma grande carga de água. Almoçamos no hotel Tropical como ontem. Falámos com o Sr. Amarchande no sentido de adiar a viagem do electricista para 2ª feira a fim de amanhã irmos a Geba.
Organizámos com este a entrega de dinheiro a fim de se continuarem as obras em Saua-Saua. Levantámos os materiais na “Ferragens Reunidos”, tendo deixado lá os tubos grandes das descargas da sanita. Iremos buscá-los mais tarde. Trouxemos dois sacos de cimento a 140,103 MTS, pois já não chegaríamos ao Monapo a tempo de os levantar. Demorámos quase cinco horas até às Chocas. Estivemos mais ou menos 2 horas para levantar 6.106MTS do Adelino”.
Também apresentaram a lista do material comprado para Saua-Saua e os respectivos custos, como seguem[21]:
                                  
DESIGNAÇÃO
PREÇOS RESPEC­TIVOS
Sanita
850.000MTS
Tampa/sanita
100.000MTS
Autoclismo
1.200.000MTS
Bidé
900.000MTS
Lavatório grande
495.000MTS
Sifão plástico 1’1/4
95.000MTS
2 Torneiras PL cavam
250.000MTS
Sifão Bidé
345.000MTS
1 Tubo P.VC 110vN3
325.000MTS
Joelho de PVC
110.000MTS
4 Tubos PVC 110 143
1.300.000MTS
24 m Tubo 1’1/4
720.000MTS
+660.000MTS
Total =
6.021.000MTS

 

9- Resultados do concurso Público para Alocação de Rotas

São 24 horas, menos dois minutos. São horas de ir dormir. Vão ser, agora, acrescentados às notas deste dia, os resultados do Concurso Público para Alocação de Rotas, a que fizemos alusão, no dia 26 de Julho.
Publicados, no jornal Savana, temos os dados seguintes:
Resultados
1.      No âmbito do Acordo de Transporte Aéreo entre a República de Moçambique e a República da África do Sul, assinado em Maputo aos 1o de Maio do ano em curso, foi lançado um concurso público para a alocação de rotas que foram, na devida altura, publicitadas nos jornais de maior circulação no país.
2.      Concorreram, para o efeito, várias empresas tendo-se constituído um júri de avaliação. Os elementos de avaliação basearam-se nos requisitos das empresas concorrentes, documentação submetida e nos critérios de selecção definidos à luz do Decreto nº39/98, de 26 de Agosto de 1998
.
3.      Em função do perfil dos candidatos e da documentação, por cada concorrente submetida, é o seguinte o quadro de resultados:

Nº DE ORDEM
ROTAS CONCORRIDAS
EMPRESA ATRIBUÍDA
1
Beira-Nelspruit-Beira
ASAS DE MOÇAMBIQUE
2
Maputo-Cape Town-Maputo
TRANSAIRWAIS
3
Maputo-Durban-.Maputo
LAM-SARL
4
Maputo-Lanséria-Maputo
MEX-SARL
5
Maputo-Nelspruit-Maputo
TRANSAIRWAIS
6
Namapula-Johannesburg-Pemba
MEX-SARL
7
Pemba-Johannesburg-Pemba
LAM-SARL
8
Vilanculo-Lanséria-Vilanculo
MEX-SARL
9
Vilanculo-Nelspruit-Vilanculo
ASAS DE MOÇAMBIQUE
Maputo, aos 26 de Julho de 2002.

CAPÍTULO NOVE

1ª IDA A GEBA E VISITA ÀS FABRICAS DE CAJU E SISAL


1- A caminho de Geba[22]

Por volta das 8 horas do dia 3 de Agosto do corrente ano, entrámos no carro com des­tino a Geba. Trata-se de uma Plantação de Cajueiros e Sisal, onde se encontram as fábricas correspondentes de caju e da fibra do sisal, e ainda umas salinas, pertencentes ao Grupo João Ferreira dos Santos.
A primeira etapa terminaria em Nacala, depois de termos enveredado por uma picada do interior, onde apreciámos a dança, de árvore em árvore, de bandos de macacos. Chega­dos a Matibane (Chicoma), às 9.55h, confrangeu-se-nos o coração ao vermos o estado degradado em que se encontrava o antigo hospital e maternidade e, mal também, a capela.
Desejando continuar caminho que nos era desconhecido, perguntámos a um guarda se íamos bem para Nacala.
- “Sim, Sr., andar boa viagem”, respondeu-nos com toda a simpatia.
- Muito obrigado, e felicidades, respondemos, todos, em coro.
Continuando o nosso caminho, encontrámo-nos, quase sempre, rodeados de mato e plantas frutíferas, como: cajueiros, coqueiros, mandioqueiras, etc.
Chegados à aldeia de Tanquini, ficámos admirados por ver, nas ruas, postes eléctricos. Embora poucos, davam às gentes do local um bem que não existe noutras aldeias, talvez de maior população. Um pouco mais adiante fomos dar com a Missão católica, S. José.
Antes de se chegar à cidade de Nacala encontrava-se, à esquerda, o “SAMIR CENTRE”, ainda em vias de acabamento. Mais à frente, à entrada de Nacala a Nova, onde chegá­mos, às 11.00 horas, encontra-se uma espécie de triângulo com uma placa que indica Nacala Porto, (à esquerda) e Nacala Verde (à direita).
Em Nacala Porto, a Tabita foi falar com o Sr. Ciríaco[23] sobre a possibilidade de adqui­rir, na Empresa JFS, material para as obras de Saua-Saua. Ao dizer-lhe que já tínhamos começado as obras numa das casas, ele disse:
- “Fazem muito bem. É bom ser independente ”.
- “Realmente, é verdade”, respondeu a Tabita, achando eu que tal observação deveria trazer água no bico.
Soubemos, então, por ele, que, nessa Empresa, o saco de cimento custava, 125.MTS.
ÀS 11.30h partimos para Geba, metendo 31,594L, ao custo unitário de 11, 310MTS, pagando, no total, 357.50000MTS. Às 11,50 atravessámos a linha-férrea que vai de Nam­pula a Nacala-Nova e, cir­cundando a baía de Nacala chegamos a Nacala-Velha, passando pelo Namarral[24], às 12,30h. Pelo caminho, vimos uma grande manada de vacas indianas que têm a particularidade de terem bossa e, ainda, uma pequena planta­ção de tabaco.
A determinada altura chegámos a uma pequena aldeia, chamada “7 de Abril”, assim chamada para honrar a data do aniversário de Josina Machel, denominada “ A Primeira-dama” quando era esposa do presidente de quem tirou o nome. Ali, vira-se à direita para se ir dar à Plantação de Geba.
Por todo o caminho abundam: Cajueiros, Mangueiras, mandioqueiras, feijoeiros, batata doce e,, de quando em vez, um majestoso e enigmático Ibondeiro. Entre esta povoação e a Plantação de Geba encontram-se, sob o lado esquerdo da picada, dois enormes morros graníticos, de figuras curiosíssimas.
No regresso, feito já de noite, o Luís fez algumas imagens que são verdadeiras obras de arte, cheias de beleza e mistério, não faltando, de facto, um ibondeiro que ficará na memória, não apenas de todos nós, mas também de quem tiver a dita de o admirar no livro que, um dia, será publicado sobre todas estas andanças
Chegámos a Geba às 13.30h. Após a primeira placa “Plantação de Geba de JFS” vêm-se Cajueiros e sisal a perder de vista. A seguir, uma segunda placa marca a entrada para a área das Fábricas de descasque do caju e do desfibramento de sisal, respectivamente onde se lê o seguinte: “Bem-vindo à Fábrica de Descasque de Caju de Geba”.

2- Já na área das Fábricas

À entrada há um largo, com uma rotunda a envolvê-lo, estando do lado esquerdo o refeitório (desactivado). Mais abaixo, do ledo esquerdo, está a cantina onde os trabalhado­res podem comprar víveres, etc. No centro há um poço donde tiram a água para consumo. Exteriormente vê-se toda a plantação, porque a fábrica está numa pequena elevação, notando-se, então, dali, as salinas que também fazem parte da mesma propriedade.
Ao chegarmos, damos conta de cantos, misturados à algazarra dos operários e dos ran­ger de uma e outra máquina. Pouco depois chega o Gerente, Sr. Vítor Pires[25] que se dis­pôs a dar-nos todas as informações que desejássemos e a conduzir-nos através, de todas as secções das Fábricas.
O complexo da plantação, portanto, é composto por três grupos distintos: Plantação de Cajueiro com um número aproximado de 16.800 pés; Plantação de Sisal e Salinas.
A Fábrica é composta por dois grupos: o de descasque de caju e o do desfibramento de sisal que, exigindo muita água para esse efeito e para a lavagem, foi necessária construir uma pequena barragem para o seu armazenamento.
Durante o tempo colonial a plantação tinha Hospital com Heliporto, Escola e Capela. Hoje está tudo desactivado, à excepção da escola. Em vez do hospital encontra-se, fora da plantação, um pequeno Posto de Saúde com a assistência periódica de um médico e de uma enfermeira, sendo as doenças mais comuns, na região, a Malária e a cólera.

3- Fábrica de caju

Ao chegarmos, fizemos algumas perguntas ao seu gerente, entre as quais seleccionei as seguintes:
-         Quantos trabalhadores têm na fábrica?
-         “Neste momento, incluindo a parte da fábrica de Caju, as salinas e a fábrica e corte de sisal temos à volta de 820 pes­soas”.
-         E qual é o horário de trabalho?
-         “Trabalham desde as seis horas. Mas eles trabalham em regime de tarefas. Isto é: quem acabar mais cedo, volta para casa mais cedo”.
-         E quando é a sua floração?
-         “Nasce, após a floração que se dá entre os meses de Julho e Setembro, sendo colhido nos fins de Outubro”.
-         E depois?
-         “Depois vem a fase da execução do tratamento que começa em Novembro e se estende por todo o ano”.
-         Mas a plantação fornece caju suficiente para tanto trabalhador e para todo o ano?
-         “Bom o caju que tratamos aqui não é só da plantação da empresa JFS. Recebe­mos caju das redondezas”
Segundo a sua explicação e o que nós pudemos verificar, o procedimento do descasque passa por várias secções, entre as quais estão a de armazenamento, calibragem, coze­dura, estufagem, descasque, despelicolagem, revisão, selecção, embalagem e a de expe­dição.
De seguida, indicou-nos o caminho para a secção do armazenamento (a primeira) da castanha de caju, vindo, em grandes sacos, da plantação de JFS e das aldeias vizinhas, passando, depois à secção da calibragem, onde é escolhida pelo tamanho, através de um crivo giratório, em forma de tubo, que se divide em várias secções consoante a largura dos buracos. Ao passar, o caju vai caindo dentro de sacos, consoante calibragem dese­jada, recebendo a qualificação numérica de calibres 18 (milímetros), 20, 22, 28 e 30 ou gigante, sendo a partir desta classificação que se fazem as encomendas. O cliente pede a quantidade segundo o calibre e fabricante avia as encomenda segundo esse pedido.
Passando à secção da cozedura, começámos por nos inteirar deste processo e julgando sabermos já alguma coisa perguntámos-lhe:
-         Depois torram a castanha não é?
-         “Não, ela não é torrada como em outras partes. Nós aqui usamos o processo da cozedura. A castanha é cozida, numa caldeira que é aquecida. O vapor que sai do Roaster (leva 4 sacos de oitenta quilos) vai ser também utilizado para a secagem que é feita na estufa”.
-         Quer dizer: é um duplo aproveitamento do calor produzido por essa caldeira
-         “Exactamente. E o óleo tem múltiplo aproveitamento, desde a utilização para combustível, até à utilização na indús­tria e, inclusive, na composição do alcatrão. Depois de sair do Roaster, a castanha ou amêndoa vai a secar”.
Passa, depois, à secção da estufagem, o que é feito numa gigantesca estufa, onde per­manece a secar, durante 8 horas. A estufa tem a capacidade para duas toneladas, em simultâneo e distribuídas em e carrinhos que comportam uma carga de 150 quilos, cada.
Na Secção do descasque, composta por umas 300 máquinas à qual está um homem, a castanha é dividida e pesada, em lotes de 36 quilos consoante o calibre e depois esses lotes de 36 kg são distribuídos a cada trabalhador. Esta é a tarefa diária. Do trabalho de descasque deve, cada um, apresentar 7 quilos e meio de castanha inteira. Se for da cas­tanha gigante tem de apresentar oito quilos e meio. Cada trabalhador coloca, então, diante de si, num tabuleiro, o monte da castanha com casca exterior. Desta vai fazendo três montes, separando as três qualidades do produto já descascado: amêndoa inteira, amêndoa partida e amêndoa triturada, enquanto a podre é lançada fora.
Ali estavam, 300 homens, diante, cada um, da sua maquineta que é constituída por uma pequena banca sobre a qual está um tabuleiro, e um pequeno instrumento, formado por duas lâminas entre as quais se coloca, manualmente, e com rapidez, a castanha de caju. Simultaneamente dão à manivela com a mão e baixam um pedal com o pé e a castanha sai descascada. É o processo indiano.
Nesta operação é usado óleo oqui para não queimarem os dedos, pois o óleo do caju é corrosivo. Depois de ser trabalhada, a amêndoa vai para a balança, é pesada. Só, então, é que é registada a tarefa do dia, no cartão minuciosamente elaborado, com o nome do cada indivíduo, dias do mês, que, curiosa­mente seguem a ordem de um a quinze, do lado esquerdo e de 16 a trinta e um, do lado direito. O Apontador assinala, com um visto (v), o cumprimento da tarefa nesse cartão pessoal, e quando o trabalhador não apa­rece, assinala-lhe a falta respectiva. Existe uma folha geral com o nome de todos os tra­balhadores que se apresentaram ao serviço, onde é marcada a tarefa, assim como os resultados obtidos, segundo a qualidade da castanha descascada. Esta folha vai, todos os dias, para o escritório, onde se vão acumulando até ao fim da semana e do mês, para as contas gerais. Frequentemente, alguns trabalhadores faltam. Quando se apanham com um pouco de dinheiro, passam uns dias, sem regressar. Acabados estes, voltam e reco­meçam os trabalhos, à tarefa. É bom conhecer estes costumes, não vamos, nós ser dema­siado rígidos.
- Quando as lâminas se partem, precisa o mestre, são substituídas por outras que são feitas aqui, a partir de serras partidas, vindas das fábricas de algodão do Namialo. Aproveitamos esses pedaços para fazermos lâminas novas. Antes requisitávamo-las lá fora, mas demoravam muito tempo e o serviço atrasava-se. Ora, aqui não podemos esperar.
Terminada aquela operação, procede-se a uma outra mais delicada: a despelicolagem, ou seja, a retirada da película interior. Esta é feita geralmente por mulheres e crianças (notemos que na secção de descasque eram apenas homens porque é um trabalho mais duro e perigoso devido a corrosibilidade do óleo do caju). Nesta secção, porém, traba­lham, actualmente, 220 mulheres e jovens.
Na secção de revisão encontram-se pessoas com bons olhos, pois que são elas que vão passar, “a dedo fino”, toda a castanha, para ver se nenhuma passa com alguma pequena parte de película. Passa em frente a que está limpa, e a imperfeita passa para a parte lateral do tabuleiro, junto ao qual estão duas mulheres que acabam por depilá-la, à per­feição.
Na secção que se segue, a de selecção, a amêndoa é, de novo, seleccionada, sendo cate­gorizada no seu tipo próprio. Aqui é escolhida segundo o seu tipo de castanha. São 22 os tipos de amêndoa, indo da inteira, à partida e desde a grande até à pequena, existindo entre estas vários tamanhos.
Para a embalagem, que é feita depois de pesada, em sacos plásticos de 11,340 kg, existe actualmente, uma máquina embaladora, da marca VALEER Pakaging Worlwide, que tem a propriedade de embalar a amêndoa com CO2 para criar o vácuo, podendo conser­var-se em bom estado durante um ano. Esta máquina veio substituir o velho processo de utilizar latas de metal que eram soldadas, evitando os inconvenientes da soldadura cair para dentro e danificar a castanha enlatada e providenciar para que não haja reclama­ções da parte dos clientes. 
Na secção da embalagem notámos uma grande pilha de caixas de cartão, já aviadas para serem transportadas para a Central, donde seguirão para os seus destinos. Curiosamente quisemos saber quantos quilos pesava cada uma, pelo que lhe perguntámos:
- Quanto pesa cada caixa?
- “22,680Kg, porque cada uma leva dois sacos de 11,340kg, a que é acrescido s o peso da caixa de cartão”.
-         E quanto custa cada caixa?
-         “Isso, já não sei dizer-lhe. Eu sou apenas fabricante. Daqui vai para Nacala e o preço é fixado pela administração, estando à frente disso o Sr. Ciríaco”.
-         Para onde é exportado?
-         “Para vários países. Para Portugal, também. O melhor comprador é/são os Esta­dos Unidos da América, indo mais para Nova Iorque”.
  

4- Fábrica de sisal

O sisal passa pelas seguintes fases
a-      Depois de amanhada a terra dos viveiros, lança-se a semente que cresce até poder ser arraçado e atado em molhos para ser levado para o terreno, também este amanhado para o plantio;
b-     De seguida, leva o seu tempo a crescer e a produzir a primeira colheita que con­siste no corte das folhas adultas, o que é feito por tarefas, isto é: cada homem faz molhinhos de 25 folhas, cada um, num total de 180 molhinho, por dia;
c-      Esses molhos são colocados em atrelados que, cheios, comportam, cada um, 2.435kg;
d-     Depois de haver 25 atrelados vão ao desfibramento;
e-      Um homem toma, então, nota da tarefa cumprida por cada trabalhador.
f-       De quatro 4. 435kg, depois de tudo limpo, ficam, apenas 1,800kg de fibra de pri­meira classe. Isto quer dizer que, para haver rendimento, terá de se alcançar, pelo menos, 3% de fibra limpa por cada 4.435kg;
g-       Para o desfibramento, feito numa máquina antiga, necessita-se de água que vem de uma barragem que foi feita na mesma Plantação;
h-      Depois de desfibrado vai a secar durante 24 horas, formando um imenso manto branco;
i-        Uma vez seco é limpo, escovado através de uma máquina por onde passam as fibras, puxadas por homens que, devido ao pó, tomam um ar esquisito, pois tanto as sobrancelhas como os cabelos e roupas ficam todos branquinhos.
j-       A estopa que fica – os restos da primeira escovagem ou derriçagem -  é, de novo, escolhida, em fibras mais curtinhas e os seus resíduos (fibras enoveladas e muito curtinhas), são exportados para se encherem colchões, almofadas, etc.. Um dos que estavam neste serviço chamava-se Paulo Mepupe, ao qual o Fernando Matos fez várias fotografias.
k-     Depois de preparado, o sisal é classificado em três categorias ou classes, a saber: 3L, o melhor; R o médio e Estopa que é o refugo, mas aproveitada;
l-        Depois temos a secção de enfardamento, em fardos de 50kg ou 25kg, seguindo para os mercados nacionais e estrangeiros;
m-    Para a fabricação de cordas, existe nesta mesma Fábrica um engenho muito sim­ples que é composto por duas espécies de dobadouras, tendo cada uma quatro ganchos onde se atam as fibras que, através de uma manivela, em cada doba­doura, vão sendo torcidos e entrelaçados, uns nos outros. Fazem cordas de vários tipos, quer na espessura, quer no comprimento.
Entre a visita à Fábrica do descasque de caju e a vista à Fábrica do Sisal fomos almoçar à Residência da Plantação onde o Sr. Vítor tinha mandado arranjar frango assado, caril de frango, esparguete e arroz. À chegada, fomos recebidos, à porta, pelos empregados Bachir (o velho jardineiro que ainda se lembrava muito bem da sua antiga patroa, Da Maria Domingues Ferreira dos Santos), António (o cozinheiro) e Sebastião Bakar (o guarda).
Igualmente, à porta, estavam no momento da despedida. Depois de fotografias rápidas tiradas com eles, despedimo-nos de todos e partimos para as Chocas, às dezassete horas.

5- História do Ibondeiro:

De regresso às Chocas-Mar e já mais descontraídos, embora um pouco cansados e de corpo moído devido aos solavancos causados, não só pelo mau estado das picadas, mas também das condições da velha carrinha que nos transportava, fomos contando anedo­tas, entrecalando-as com histórias. Para memória, aqui fica a do ibondeiro.
É uma árvore que, nesta época, é curiosa. De porte colossal, possui um tronco que se alarga gradualmente, de cima para baixo, dando a impressão da saia de uma mulher. Os ramos são despidos completamente, sem uma folha para amostra, mas com frutos gran­des e ovais, assemelhando-se aos lampiões.
É considerada, aqui, como árvore ligada ao feitiço. Ninguém gosta de ficar por baixo dela. Dizem que, se alguém construir a palhota junto dele, em breve, terá de a mudar para outro lado. Disse-nos um empregado – Raimundo –, que o Ibondeiro não serve para nada, nem para sombra, nem para lenha. Quando seca apodrece. Serve, para os ele­fantes. Estes, como são enormes e pesados, dormem de pé. E por isso encontram nestas árvores um encosto privilegiado para melhor e mais seguramente dormirem.
Inclusive o seu fruto, não é muito apreciado, entre os moçambicanos. É composto de uma casaca dura, parecida ao do coco, mas menos dura e de forma mais uniformemente oval. No seu interior tem a parte comestível, uma espécie de serradura cheia de líquido. É esta parte, apenas, que é comestível. Hoje, em dia, a casca é utilizada para objectos de decoração, como candeeiros ou campânulas, das quais pendem conchinhas ou búzios enfiados numa linha, que servem para espantar os espíritos. Para conservarmos o pito­resco da história, vamos reproduzir as palavras do Raimundo, seu autor:
-         “Como é o Ibondeiro?”
-         “Bem. Só, aquilo ali mesmo, o Ibondeiro, os camponeses, os próprios campo­neses agricultores, n’é. Aquilo ali serve de sinal. Para a preparação dos coisos dos campos da machamba, si. Então basta ver o Ibondeiro a começar dar folhas; então qualquer camponês fica muito preocupado em limpar machamba e começar a semear. Se for aqueles que costumam preve­nir, no é. Começar a semear mesmo que não cai chuva. Começa semear: milho,         qualquer qui... aquela produção que é principal, como é semear. Prontos”
-         “Então?”
-         “Então, prontos. Ali deixa começar... não. Não acaba os dois, ou três primei­ros meses, sem começar a cair as chuvas. Então aquele começa a desenvolver as folhas; ao mesmo tempo começa a dar flores”
-         “De que cor é a flore”?
-         “As flores dele? Ficam, fica.... Tem cor branca. Então, daqui já basta cobrir-se... aquilo tudo coberto de folhas. É quando a chuva já está para chegar: Dezembro Janeiro e Fevereiro. Aquele tempo em que a chuva já acaba e a produção já está a ficar pronta. O Ibondeiro já esta, já deu aquele fruto Então quando aquele fruto dele fica pronto, cai, cai, já vem o tempo bom”.
-         “Quando é a colheita do fruto?”
-         “Aquilo ali no, ninguém colhe. Nada, Só, às vezes, apanha, assim mesmo sim­plesmente. Pode comer-se, mas ninguém come. Gente não aprecia muito”
-         “O que é que aquela gente faz com o fruto do Ibondeiro?” Perguntou a Tabita.
-         “Aquela coisa, aquela casca dele. As pessoas tiram caroço fora, tratam bem e furam, furam e penduram miçanga nele; e vendem. A senhora, a patroa nunca viu? Começam a vender lá, nas Chocas; muita gente compra”.
-         “Missangas, conchinhas e búzios, não é?” Continuei eu.
-         “Sim, põem conchas, búzios. Eu recordo: não foi a senhora que comprou, não foi a patroa que comprou? Fica bonito e muita gente compra., n’é?”
-         “Não, eu não. Não vi, nem comprei”, respondeu a Tabita.
-         “Fui eu que vi, mas não comprei”, respondi eu.
-         “Ah!”.
E, assim, termina a história do Ibondeiro, que, pelo seu porte de tronco gigantesco, per­nadas nuas e de fruto a descoberto dá, especialmente durante a noite, um ar de mistério e incute certo respeito ou medo a quem por ele passa. Para mais, aqui, ele é associado ao mundo dos espíritos, tirando dele grande partido, praticamente todos os feiticeiros das zonas, onde esta árvore nasce e cresce.

CAPÍTULO DEZ

TEMA DE REFLEXÃO E DE REPETIÇÃO DE PROVAS


1- Contas em dia e abertura dum Saco Azul

Dia 4 de Agosto, acordámos, todos mais tarde; a Tabita e eu, por volta das 8.30h, enquanto os restantes, algum tempo depois.
Depois do pequeno-almoço, o Fernando fez algumas fotografias a “Cacás” macuas, pelas quais o dono lhe pediu 100.000MTS. Isto porque o Gil, dias atrás, tinha dado igual quantia a outro por aves semelhantes.
Da varanda víamos vir as ondas do mar partir-se contra as rochas da praia, numa repeti­ção ruidosa e agastante. Com ele assim não apetecia ir tomar banho. Por isso, ninguém foi à praia
Eu sentei-me a ordenar e desenvolver as notas referentes ao dia de ontem e estas que, agora se seguem, enquanto a Tabita e o Adelino ordenaram as contas e puseram à con­sideração de todos a abertura de um saco azul. Em vez de se dividirem as despesas todos os dias, ou todas as semanas, colocava cada um, num saco comum, o que era determinado pelo chefe da cozinha – a Tabita – e, tornava-se a encher, logo que esti­vesse vazio. As compras estavam a cargo dos chefes, mas todos podíamos substitui-los quando víssemos coisa que nos agradasse.
Depois de eu ter pago a parte que me cabia das despesas anteriores (738.000.00MTS eu dei só 700.000.00 por falta de trocos), continuei a escrever e eles continuaram a fazer contas. Pouco depois, ele e a Tabita, foram para a praia passear, porque nadar não pare­cia ser muito prudente, continuando eu na minha tarefa. Passados alguns minutos, o Adelino regressou, para me pedir 250.000MTS para o Saco Azul já constituído e saiu. Eu, depois de lhe ter dado essa quantia, continuei a escrever as notas do dia 3, permane­cendo nesta lida até às três horas da tarde. O almoço foi por volta das 4 horas.
Após este, regressei à minha mesa de trabalho, para continuar a escrever matéria do dia três, o que fiz até às seis horas e dez minutos. Para isso, nem fui ao café, com os colegas que estranharam a minha ausência, assim como o facto de ter saído da mesa sem tomar a sobremesa.
Terminada essa tarefa, retomei as notas de hoje e soube, quando voltaram do café que tinham aproveitado a oportunidade para telefonarem ao Sr. Vítor Pires, de modo a pre­pararem uma segunda visita a Geba, desta vez com a bomba de água da máquina do sisal a trabalhar em condições.
Perto de mim, o Luís preparava as imagens ou fotos feitas em Geba, aquando da pri­meira visita, no intuito de puder repetir, na segunda ida, aquelas que não o satisfizes­sem. As que lhe agradaram guardou-as num CD e escolheu algumas que ofereceu à Tabita para utilizar na sua Tese de Mestrado: o hospital dessa Plantação e o ibondeiro que tinha servido de reflexão. Eu tive a ocasião de ver a maior parte delas e fiquei, deveras, maravilhado. O próprio autor ficou satisfeito, pois renunciou repetir a sessão.

2- Em Geba e Saua-Saua

O dia 5 de Agosto foi um dia em que o grupo se desfez em três: um ficou em casa – o Luís –, outro, em Saua-Saua – Adelino, Tabita, Raimundo e eu –, e um terceiro regres­sou a Geba – o Fernando e Gil, para completarem o trabalho de recolha de fotografias – e a Isabel porque não tinha ido da primeira vez. Para um dia, assim repartido, e porque tínhamos apenas uma viatura que deveria deixar uns em Saua-Saua, enquanto levava os outros a Geba, tivemos que levantar-nos cedinho, às 4 horas e meia.
Como tinha sido planeado, o carro passou pela Plantação de Saua-Saua para ali nos dei­xar e seguiu para o terceiro grupo. Ao chegarmos ao Mossuril, o Fernando quis ficar ali à espera, enquanto nós seguimos para Saua-Saua. Com ele ficaram, então o Gil e a Isa­bel. Depois de nos ter deixado, o Dinho, condutor do veículo regressou ao Mossuril para os recolher e levar ao seu destino. Do que se passou em Geba só eles o poderiam des­crever, o que não fizeram.
O que aconteceu em Saua-Saua, porém, é da minha conta e, aqui estou para isso mesmo. Inspeccionámos os trabalhos desenvolvidos, demos uma volta pela baixa, para ver as nascentes da água. Mandámos dar mais uma limpeza à mina, colocámos-lhe, no fundo, e a toda a extensão, pedrinhas brancas que foram recolhidas, na praia por três miúdos a quem demos um bom saguate. 
Fizemos a análise da água utilizando uma gota de hipocloreto de potássio que lançámos numa garrafa cheia de água; agitámo-la bem e deixamo-la are pousar durante umas quatro horas. Deitámos-lhe, depois, um comprimido como reactivo e a água tornou-se cor-de-rosa. Afinal a água é potável. Fomos, de novo à mina retirámos uma nova amos­tra. Lançámos-lhe o comprimido imediatamente, mas sem a gota de hipocloreto e não houve nenhuma reacção. Retirámos nova amostra, adicionámos-lhe o hipocloreto e dei­xámo-la repousar durante vinte quatro horas. Isto foi feito às dezassete horas de hoje. Esperámos até esta mesma hora do dia seguinte para ver o resultado.
Medimos e estudámos o melhor processo de introduzir um tubo novo na mina, utili­zando o velho que ainda lá estava, mas muito ferrugento. A hipótese encontrada foi a de introduzir neste último, que é largo, um outro mais estreito, fazê-lo subir um pouco mais, e betumar os espaços vazios. Para isso mandámos comprar vinte metros de tubo de uma polegada e um quarto, quatro curvas para adaptar a esse mesmo e um escopro de ponta afiada para a realização desses trabalhos. Esta encomenda será aviada pelo João e Dinho que para isso terão de se deslocar à cidade de Nampula.
O trabalho que tem sido feito pelos pedreiros e carpinteiros afigurou-se-nos satisfatório, tendo especialmente em conta os utensílios utilizados. O pedreiro não tem mais do que um escopro de 10 centímetros de comprimento, um martelo, um pedaço de madeira a servir de talocha, um esponja, uma vassourita e um copo de alumínio com água para ir molhando o cimento aplicado e o rasgo aberto na parede. Os carpinteiros, têm uma plaina, um cinzel, um serrote, e uma banca que é feita de um tronco com quatro patas.
O nosso almoço foi arroz de polvo, e ananás como sobremesa.

3- Um serão bem passado à luz da candeia

Depois de termos feito o que estava ao nosso alcance, ficámos à espera que os colegas regressassem de Geba para, com eles voltarmos às Chocas, nosso quartel-general. Mas isto nunca mais acontecia. Imaginem o que é esperar das cinco horas (aqui, a esta hora, já é noite), até às nove horas e vinte minutos. Não havia outra luz, senão a da trémula chama de uma candeia a petróleo, emprestada pelo João. Ora todos juntos ora, separa­dos, de vez em quando, lá nos íamos entretendo, conversando e rindo.
Uma vez em que a Tabita e o Adelino se afastaram um pouco, fiquei eu a sós com o João, aproveitando da ocasião para conseguir sacar-lhe coisas que desconhecia, como, por exemplo, que:
-         Na plantação existem três trabalhadores efectivos: o João (responsável), o Ebrahim e o Joaquim João Marraguda; 2 contratados: Aquilo Morrocha, Domingos Muchamo;
-         Neste momento tem, além daqueles, mais quatro sazonais, dos quais dois fazem limpeza à plantação e os outros traçam macute (as folhas dos coquei­ros) para ser vendido e para cobrir a Maternidade da Muchelia da empresa JFS;
-         Os cocos se vendem
-         O dinheiro dessa venda, recebido pelo João vai, directamente, para a conta dessa firma JFS;
-         O livro de Nota de Entrada de tudo isto está na Muchelia;
-         Os produtos cultivados pelo João, na Plantação de Saua-Saua: arroz, man­dioca, etc. são para o próprio João;
-         Os cajueiros que crescem ao longo da rua central foram mandados plantar pela Firma, mas quem idealizou a sua plantação e a supervisionou foi o João;
-         O salário mensal dos efectivos é de 920.000 MTS,
-         O salário diário de um trabalhador sazonal é de 15.000MTS (=150$00, ou seja, 0,75 €).
-         O João mostra um certo descontentamento por receber o mesmo salário que os outros efectivos, aduzindo a razão da grande responsabilidade que pesa sobre os seus ombros (Ele, de facto, supervisiona tudo e todos, contrata homens, orienta os trabalhos, etc.
-          Segundo ele, seria justo, uma pequena diferença, já que mais não fosse, um pequeno subsídio extra para o diferenciar dos outros;
-         Tem sentido a necessidade de uma motorizada para sair da Plantação, visto a bicicleta ser morosa e já lhe custar um pouco pedalar, a longas distâncias e pelos caminhos que aqui existem;
-         Uma motorizada razoável custa, actualmente, entre seis a sete milhões de meti­cais?!
-         A educação não favorece nada os pobres, pois funciona desta forma:
-         Até à segunda classe, os pais só pagam a matrícula, sendo o Estado a dar o material escolar; a partir da 3ªa classe os estudos não são obrigatórios;
-         Se aparecem na escola são aceites, se não aparecem, não são, por isso, importu­nados, nem eles nem os seus pais;
-         Mas, a partir dessa classe, os alunos já pagam a matrícula e todo o material escolar;
-         Os alunos das Chocas, por exemplo, se quiserem fazer a 6ª e 7ª classes (ou 6º e 7º graus) terão de ir, ou para o Mossuril que fica a 7 km de distância, ou ficar internos, tendo de pagar, neste caso, cerca de nove milhões de meticais pelos nove meses escolares, ou seja, um milhão por mês (este preço é o de 2001-2002);
-         Para fazer a 8, 9ª e 10ª graus os alunos terão de ir para a Ilha ou para Nam­pula, tendo que ficar, ou em casa de familiares, se os tiverem, ou internados, pagando uma mensalidade insuportável para a maior parte das famílias
-         O ensino, disse-me um pai, é gratuito (curioso!) para os filhos de:
o       Funcionários públicos,
o       Forças militares e militarizadas,
o       Médicos e paramédicos.

4- Desproporções que bradam aos céus

Vejam como as coisas são! Como é possível o desenvolvimento do país? Estão a criar-se estruturas sociais onde existem apenas duas classes: a dos muito ricos, e a dos muito pobres. A classe média não existe. Ora, nós sabemos que é esta que faz a ligação entre as outras duas. É verdade que nos países onde falta a classe média se encontra o subde­senvolvimento e a pobreza.
Por aqui já poderemos fazer uma pequena ideia de quanto seja difícil um simples operá­rio ascender, a não ser por milagre! Por outro lado, se olharmos bem para os custos dos materiais de construção e das refeições num restaurante da cidade, ou de uma diária num hotel por exemplo, verificamos que existe uma desproporção abismal quando são comparados com os salários auferidos pelos trabalhadores da classe baixa.
Vejam só! Um operário que é efectivo numa empresa privada ganha, actualmente 900 a 920 mil meticais; um jornaleiro ganha 15 mil, apenas. Façam as contas e vejam se estes operários têm possibilidades de mandar os filhos estudar. Comparem também esses salários com os preços praticados nos restaurantes, onde nós vamos, nos quais não se come por menos de 120.000Mts. E este preço é dos mais baixos. Quem pode ir a restau­rantes? Só estrangeiros.
Passemos, agora, aos preços dos materiais de construção e instrumentos de trabalho. O Adelino e Tabita pediram orçamentos a várias casas e eis o resultado. Pomos 4, em forma sinóptica para vermos melhor as diferenças:
QUANT
MATERIAL
Ferragens Reuni­dos (Mts)
Infermetal(Mts)
Gani Comercial LDA (Mts)

1
Sanita
850.000
695.000
1 Jogo sanitário SPC
5.300.00
1
Tampa
100.000
90.000
1 Adaptador p/sanita
195.000
1
Autoclismo
1.200.000
1.450.000
2 Bichas fl.p/lavatório
120.000
1
Bidé
900.000
1.250.000
1 Sifão PVC 11/4 p/ lavatório
85.000
1
Lavatório
495.000
1.150.000
1 Sifão p/bidé
145.000
1
Sifão grande
95.000
2950.000
3 Tubos coprelene 4’’x6

2
Torneira/lavatório
250.000
530.000
1 Misturadora p/ lavat. galizes
690.000
1
Sifão Bidé
345.000
520.000
1 Torneira p. lava­tório
95.000
1
Tubo P.VC 1’3/4
325.000
199.500
1 Bicha flex.1/2x60
60.00
1
Joelho
110.000



4
Tubos P.VC 1’ e ¾
1.300.000
520.00 (20m)


24m
Tubo P.VC 1’ e ¼
720.00



S/TOTAL

6690.000





669.000



TOTAL

6.021.000

TOTAL:
9.330.000 Mts
NB. Um Berbequim custa 120.000$00).
O carro, que tinha o escape rebentado, chegou, apenas, às 9,20 da noite e só depois de ter ido levar os outros colegas às Chocas. Partimos, depois de termos descarregado 5 sacos de cimento, chegando às Chocas, às dez horas da noite. Cansado, e um tanto abor­recido, porque as coisas, comigo, não estavam nada bem, fui deitar-me, sem jantar. O mesmo fez a Tabita.



[1] Revista de Bordo da LAM, Série II, nº 20 – Julho/Setembro 2002.
[2] Memória Descritiva do Projecto “Saua-Saua”, promovido pela MOSSÁFRICA, com a consultoria da AEDES/ISCSP).
[3] Ibidem, p. 17.s
[4] Ibidem, p. 18
[5] Comendador João Ferreira dos Santos, o iniciador e consolidador da Firma J.F.S. e seu esposa Maria Tabita Ferreira dos Santos
[6] Sita na Av. 24 de Julho, 3985 – C.P. 370 – Tel/Fax 408 186/7  (e-mail: ploforte@teledata.mz;
 Site: wwwlofortetelecomunicações.com; ceil: 082 326 545)
[7] Tel. 082-324831
[8] Tel. 082-301677
[9] Tel. 082-898893
[10] “Saguat” significa, entre eles, o que, entre nós significa “gorjeta”
[11] Este termo significa, à letra, monte-ilha. Tem a forma geralmente suave, arredondada e de vertentes abruptas, constituindo uma massa rochosa, residual e salienta-se nitidamente da superfície de erosão. Sobressai curiosamente da paisagem de savana num período do ciclo de erosão.
[12] Sita na Avenida Francisco Maninga, nº 6 – Nampula, (Fax 213400, Telex 4-237, Telefs. 3466/2107/2109/212255)
[13] Cujo telefone é o 082,454 925
[14] Cujo número de telefone é o seguinte: 212162
[15] Neste dia, saiu o resultado do Concurso Público para alocação de Rotas, em Moçambique, feito pelo Ministério dos Transportes e Comunicações. (cf. Nossa Crónica de 2 de Agosto de 2002 onde damos os resultados do mesmo, publicados no Jornal SAVANA desse dia).
[16] Revista de investimentos, economia e negócios, N.º 32, Maio de 2002, pp. 12-14).
[17] Ibidem, p. 04, art.  “Investimento em análise em Maputo – Commonwealth Mozambique Investment Conference”, Texto de Cristina Casaleiro e fotografia do Arquivo Editando e Arquivo CFM
[18] Ibidem, p.13
[19] Criado em 1958 no âmbito do Tratado de Roma, facilita mediante a concessão de empréstimos e de garantias, sem prosseguir qualquer fim lucrativo, o financiamento dos seguintes projectos em todos os sectores da economia: projectos para a valorização das regiões menos desenvolvidas; projectos de modernização de empresas ou de criação de novas actividades necessárias ao estabeleci­mento progressivo do mercado comum que, pela sua amplitude ou natureza, não possam ser inteiramente financiados pelos diversos meios existentes em cada um dos Estados-Membros; projectos de interesse comum para vários Estados-Membros que, pela sua amplitude ou natureza, não possam ser inteiramente financiados pelos diversos meios existentes em cada um dos Estados-Mem­bros”.
[20]  A Tabita, formada em Línguas e Literaturas Modernas, está preparando o seu Mestrado em “Comunicação em Saúde”
[21] Despesas feitas em “Ferragens Reunidos”, C.P. 154. Tf.212916/213644; Fax 214975 – Nampula):
[22] Não se deve confundir com GÊBA que significa corcunda, bossa e é o mesmo que giba. Geba, embora possa ser nome do posto administrativo da circunscrição de Bafatá, na Guiné, ex-colónia portuguesa, é, aqui, um nome dado a uma plantação, vindo-lhe de um rio que tem o mesmo nome e é afluente do Lúrio. Ele junta-se com o rio Nafiugo.
[23] (Cujo telefone é o seguinte: 526555
[24] Pertencendo, então ao distrito da Ilha de Moçambique, foi ali que, em 1896 e 1897, se desenrolaram as operações militares, chamadas “Namarrais” que foram iniciadas e dirigidas por Mouzinho de Albuquerque, após ter, pacificado Gaza e submetido Maputo e logo que foi nomeado governador-geral da província de Moçambique. Por “Namarrais”, entende-se, etnologicamente, o povo aguerrido da costa oriental da África, que pertence ao Povo Macua.
[25] Cujo número de telemóvel é o seguinte: 082-601477

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