Tuesday, November 22, 2011

Pedro Álvares Cabral e o mistério dos seus restos mortais



Conteúdos
Resumo
Preâmbulo
Uma explicação um tanto anedótica
Origem da ossada do carneiro
Significado do termo carneiro
Onde estão, realmente os ossos de Cabral?
O que se tem por histórico neste assunto.
Leitura do epitáfio
Conclusão
Referências Bibliográficas

Resumo
Apesar de muito se ter escrito sobre as ossadas de Cabral, nem tudo o que se tem dito merece credibilidade. Há quem mistura a história com afirmações erradas que deslizam mesmo para terreno anedótico ou mítico, como é o caso de alguns artigos que confundem o vocábulo “carneiro” (usado no contexto de “câmara funerária”) com as ossadas de um animal ovino a serem encontradas a quando da abertura da sepultura para se proceder à exumação das ossadas de Cabral (!)
Lembro, no entanto, que, apesar de tudo, a pessoa e a memória desse homem continuam ligadas a dois continentes representados por Portugal e Brasil e a três cidades que podem considerar-se almas gémeas: Belmonte, onde nasceu; Rio de Janeiro, ex-capital do País por ele descoberto, em 1500 e Santarém, onde faleceu e foi enterrado em 1520, e onde actualmente permanece, em campa rasa e rosa, após dela ter sido exumado muitas vezes.
Preâmbulo
Depois de muitas andanças por Portugal e Brasil, Pedro Álvares Cabral, foi passar os seus últimos anos da sua vida a Santarém, onde morreu e foi enterrado num local, ainda hoje, desconhecid ou discutido. Porém, os seus restos mortais, por mais esquecidos que tenham ficado, durante muito tempo, passaram a ser objecto de contínuas exumações e de uma tríplice requisição como se fossem pertença exclusiva de cada uma das partes, cidades e países que os reclamaram e continuam a reclamar.
Nesta disputa, encontram-se duas cidades de Portugal (Belmonte, onde nasceu e Santarém, onde faleceu e foi enterrado) e uma do Brasil (o Rio de Janeiro, que, como capital que foi do País por ele descoberto, em 22 de Abril de 1500, se arrogou, também, o direito de reclamar a posse dos seus restos mortais).


Frederico R. de Abranches Viotti, pretendendo desvendar o mistério desta figura, depois da morte, escreveu um artigo intitulado Pedro Álvares Cabral que publicou em Lepanto, Frente Universitária[1], no qual afirma ter a sua sepultura permanecido desconhecida ou perdida durante o século XVII-XVIII, mas, finalmente, descoberta, em 1839, na sacristia da Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Santarém pelo historiador brasileiro, Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro.
Mais tarde, em 1903, continua o mesmo articulista, parte dos seus restos mortais foram levados para o Brasil por Bel. Alberto de Carvalho, tendo sido depositados na capela-mor da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro.


Uma explicação um tanto anedótica
Frederico R. de Abranches Viotti, pretendendo desvendar o mistério desta figura, depois da morte, escreveu um artigo intitulado Pedro Álvares Cabral que publicou em Lepanto, Frente Universitária
[1], no qual afirma ter a sua sepultura permanecido desconhecida ou perdida durante o século XVII-XVIII, mas, finalmente, descoberta, em 1839, na sacristia da Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Santarém pelo historiador brasileiro, Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro.
Mais tarde, em 1903, continua o mesmo articulista, parte dos seus restos mortais foram levados para o Brasil pelo Bel. Alberto de Carvalho, tendo sido depositados na capela-mor da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, enquanto a parte restante continuou na Igreja da Graça, em Santarém.
Embora aceite o que diz no primeiro parágrafo, já o mesmo não faço relativamente ao segundo, pois será mesmo verdade que nessa urna foram alguns ossos de Cabral?
Uma outra versão que foi “postada” por Bismark Santos na internet
[2], a 28 de Janeiro de 2009, intitulada Onde está a ossada de Pedro Alvares Cabral? e ao qual acedi no dia 14 de Maio de 2009, classifica o facto como "envolto em mistério". Porém fá-lo derrapar para o anedótico, como passarei a mostrar.
Num primeiro momento, observa ele, e bem, o seu corpo foi sepultado provisoriamente num local que se desconhece e só, em 1526, é que foi exumado e as suas ossadas transladadas e sepultadas, juntamente com o corpo de sua esposa, Isabel de Castro, para a Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Santarém. No entanto, esse túmulo permaneceu ignorado durante os séculos XVII e XVIII.
Este silêncio acerca do assunto levou muitos curiosos, especialmente turistas, a levantar a questão sobre o local onde se encontraria o túmulo de Pedro Álvares Cabral. Tal pergunta acicatou os ânimos dos Escalabitanos que, movidos pela nobreza das suas tradições, organizaram um inquérito, em 1882, a fim de poderem ser recolhidas informações sobre esse assunto.
Apesar do que fica dito até aqui parecer concordar com os factos que também conheço, o que vem de seguida parece uma saga, para não dizer anedota. Segundo esse autor, logo que foi descoberto o local que se supunha albergarem as ossadas procuradas e que, então se julgava serem três - a de Pedro Alvares Cabral, a de sua esposa e a de seu filho (portanto, dois homens e uma mulher), e logo que se procedeu à sua exumação, algo de estranho se verificou: para além das ossadas de três pessoas, mais uma foi encontrada, pertencente a um carneiro, como diz o articulista por meio destas “ipssissimas” palavras: "Com isso um inquérito foi aberto para investigar o caso, em 1882, constatou-se que no jazigo havia restos de um carneiro e as ossadas de três humanos, pertencentes a duas mulheres e a um homem".
A corroborar esta versão sobre a existência de "restos de um carneiro", encontrei ainda na Internet
[3] outro artigo, intitulado "A ossada desaparecida de Pedro Álvares Cabral que diz a mesma coisa, utilizando as mesmíssimas palavras: Com isso um inquérito foi aberto para investigar o caso, em 1882, constatou-se que no jazigo havia restos de um carneiro e ossada de três humanos, sendo duas mulheres e um homem".
Quer dizer, estes dois últimos autores têm uma versão parecida, utilizando as mesmas palavras quando se referem à existência da ossada de um carneiro no túmulo da família Cabral, o que mostra uma dependência servil de um em relação ao outro (sem se saber qual deles foi o primeiro). Por outro lado, se ambos beberam numa outra fonte anterior, ou já foi numa fonte errada ou foi numa fonte erroneamente compreendida.
Efectivamente, na fonte original fala-se, de um carneiro, mas num contexto completamente diferente e com um significado muitíssimo distinto. Os vocábulos portugueses, aliás, não costumam ter apenas um significado, mas dois ou três, ou, às vezes mais! A fonte que deu azo a esse equívoco vocabular utilizou a palavra carneiro para significar, não um animal ovino, mas sim um espaço reservado à colocação de corpos de defuntos, como explicarei a seu tempo!
O articulista recorda, ainda, e bem, que como na altura não havia possibilidade de identificar as ossadas dos três humanos, uma vez que, continua o mesmo autor, "não tendo muitos recursos na época, não tiveram como fazer a identificação dos corpos".
A partir dessa data as ossadas de Cabral, pelo que nos deixa transparecer o articulista, fundem-se com o mítico e o burlesco, pois que, não se sabe porque razões, entre elas se encontrariam "restos da ossada de um carneiro"(animal ovino)! Mas que coincidência ou que piada! Não seria, por acaso, uma oferta que os vivos lhe tinham feito, no caso de pensarem que, após a morte ainda tivesse necessidade de continuar a saborear a cozinha escalabitana?
Estamos a desvendar e a procurar conhecer onde se encontram os Restos Mortais de Pedro Álvares Cabral ou a brincar aos “quadrinhos”, como se diz lá no Brasil, inventados para divertir os que se interessam mais pela chalaça do que pela verdade histórica?
Possivelmente o articulista não leu bem o documento que utilizou o vocábulo “carneiro” ou desconhecia, no momento em que escreveu o seu artigo, um outro significado que esse vocábulo pode ter e tem, de facto, no contexto em que ele o encontrou!
Mais adiante o articulista continuou na senda da descoberta das ossadas e diz que:
"Em 1903, a campanha nacionalista iniciada em 1871 por dom Pedro II, requeria o translado dos restos mortais de Cabral para o Rio de Janeiro. Porém neste momento, o sepulcro que deveria conter as ossadas de Pedro Álvares Cabral já possuía cinco ossadas masculinas, uma feminina e duas de crianças".
Foi, então que se fez a vontade aos Brasileiros, mas, diz o articulista: "Uma parte da ossada que veio para o Brasil estava toda misturada, terminando por afirmar que além disso, em 1961, a Igreja de São Tiago, de Belmonte, cidade onde Cabral nasceu, recebeu uma oferta de Santarém: para guardar o que seria sua verdadeira ossada".
Não chego a entender. Como é que para o Brasil foi "uma parte … toda misturada, ficando em Santarém a verdadeira ossada que pôde ser oferecida, mais tarde a Belmonte … para guardar o que seria sua verdadeira ossada?? E o que é que ficou em Santarém? E que terá sido feito da ossada do “carneiro”!?

Origem da ossada do "carneiro"
A ossada do “carneiro” que, segundo o articulista supra citado, foi encontrada ao serem exumados os ossos de Pedro Álvares Cabral e dos seus familiares é uma miragem de quem não leu ou não percebeu o documento que, em primeiro lugar, usou esse termo, isto é, a "CERTIDÃO DO AUTO DA EXISTÊNCIA DE PEDRO ÁLVARES CABRAL – NA SEPULTURA QUE EXISTE COM O SEU EPITÁFIO NA IGREJA DE N. Sª DA GRAÇA EM SANTARÉM, lavrada e certificada por Augusto Cyriaco de Pina, Secretário da Câmara Municipal de Santarém, no ano de mil oito contos (sic) e oitenta e dois do nascimento de Cristo, aos seis do mez de Agosto, nesta cidade de Santarém e Templo de N. Senhora da Graça….escrivão, etc".
No segundo parágrafo deste documento lê-se o seguinte acerca do termo carneiro que assinalo a negrito para o fazer ressaltar:
"E aceitando os referidos facultativos o encargo de fazerem aquella verificação, e passando-se a afastar a pedra sepulcral, appareceu um carneiro amplo, de dois metros e quarenta centimetros de largo e noventa de comprido por um metro e vinte e cinco centímetros de largo e noventa centímetros de profundo, e no fundo d’elle declararam os peritos que encontraram uma camada de terra, de um a dois decímetros, d’espessura, e, por debaixo desta as ossadas de três esqueletos distinctos … Mais para o fundo do carneiro, está outro esqueleto…. E finalmente para o lado esquerdo um terceiro que parece ali foi colocado em ocasião diversa da dos dois primeiros. Não se podendo hoje, demonstrar, de modo fácil, qual destes esqueletos é o do navegador portuguez, há pela grande vetustez, que todos inculcam ter, a certeza moral que um deles lhe pertence, e que os outros são de pessoas de sua família…"
Este mesmo termo "carneiro", foi, mais tarde, utilizado, mas neste mesmo contexto, por Alberto de Carvalho num escrito denominado – "Memória a Respeito da Sepultura rosa do Descobridor do Brasil Pedro Álvares Cabral, na Igreja da Graça em Santarém" que foi editado em Lisboa. Tipo do Comércio, em 1902 que, em forma de sermão se referiu a esse auto e que diz ter sido "arquivado em duplicata na Torre do Tombo e na Câmara Municipal de Santarém … e que ella refere-se ao corpo de Cabral".
Neste último autor e obra, repete-se o teor da Certidão anteriormente referida, dizendo: “Passando-se a afastar a pedra sepulcral, apareceu um carneiro amplo de dois metros e quarenta centímetros de comprido, etc".
Significado do termo carneiro
Lendo atentamente as duas passagens que citámos, podemos ver não se tratar de um carneiro animal, pois as medias que dele são apresentadas, não se coadunam, de maneira alguma, com qualquer ovino por maior que pudesse ser! Trata-se, sem dúvida, de algo diferente e, certamente, de um espaço onde podiam estar contidos, primeiro os corpos e, depois, as ossadas de uma, duas, três e 5 pessoas.
E, de facto, não é preciso ir muito longe para descobrir que o termo carneiro tem mais alguns significados, para além de animal ovino. Recorro, em primeiro lugar, a cinco dicionários: um de Língua Espanhola e quatro de Língua Portuguesa. O termo carneiro pode significar:
Além deste significado que é o que foi usado na Certidão, passada pelo escrivão de Santarém, na presença de uma Comissão organizada para fazer a exumação das ossadas da sepultura que a tradição diz encontrarem-se em Santarém outros significados existem da mesma palavra. Assim pode ser:

"Lugar donde se echan los cuerpos de los difuntos// osario, ou, ainda, sepulcro de familia que suele haber en algunas iglesias, elevado como una vara del suelo", segundo Enciclopedia Ilustrada Europa-Americana (sem data, Tom. XI, p. 1185);
· "Casa subterrânea onde os cadáveres eram sepultados", segundo Lemos, (sem data, Vol. II, p. 569);
· "(Do b. lat. Carnariu-): Ossário, sepulcro", segundo Machado (1981, Vol II, p. 616);
· "Ossário, Jazigo, sepulcro. Pp Cemitério", segundo Figueiredo (1996, Vol. I, p. 533);
· "[De carne + suf. eiro]. Lugar onde se depositam ossos; jazigo, ossário ou sepulcro", segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001, Vol. I, p. 704). Lisboa: Ed. Verbo).
Em segundo lugar, esses significados são corroborados por meio de outra literatura referente ao enterramento dos humanos, como, por exemplo, pela obra de Philippe Ariès (2000, pp. 66-73).
Este autor coloca precisamente o vocábulo "Carneiro" na categoria de "Galeria" e de "Ossário", significando estes dois termos "lugares onde se colocavam os cadáveres". As suas três últimas linhas da página 67, diz que ‘galeria’ e ‘carneiro’ "são as palavras mais velhas que designam o cemitério na língua falada". E na página 69 continua dizendo que: «Uma segunda palavra foi empregada como sinónimo de galeria: o carneiro. Uma e outra são usadas na Canção de Rolando (…). No fim da Idade Média, parece que o emprego da palavra 'carneiro' foi bastante difundido e que se substituiu à palavra 'galeria'».

Além deste significado que é o que foi usado na Certidão, passada pelo escrivão de Santarém, na presença de uma Comissão organizada para fazer a exumação das ossadas da sepultura que a tradição e inquérito afirmavam ser a de Pedro Álvares Cabral, um outro autor – Rablais – emprega o mesmo termo com o significado de ”despensa” ou lugar "onde se guarda o toucinho, como em Plauto" (Ibidem). Nesta mesma página (69) do mesmo autor afirma-se igualmente que R: -J Bernard, nos seus Annales ESC, 1969, p. 1454, nº 1, diz que esse mesmo termo carneiro se encontra no século XIX no Gévaudan (Le Gévaudan, Gavaudan ou Gevaudan en occitan designa uma antiga província frances que, depois da Revolução Francesa se tornou o Departamento de Lozère), com o significado de “despensa” e que estava "muitas vezes situado nas proximidades do quarto do dono da casa".
Portanto, a palavra "carneiro" apresenta, segundo estas referências que acabo de apresentar, pelo menos três significados muito diferentes: um referente a um animal e foi o que perceberam e empregaram, erradamente, os autores do artigos publicados na Internet aos quais nos referimos; outro, significando o local onde se guarda ou salga a carne, sinónimo de salgadeira (em Rablais e R:-J Bernard); e um terceiro que se refere ao local onde são enterrados os mortos, sinónimo de galeria ou ossário, que, no caso de ser destinado a uma família tinha, evidentemente, umas medidas consideráveis.
Ora foi neste último sentido que foi empregue pelo Escrivão de Santarém ao dar testemunho da dificuldade em identificar os ossos de Pedro Álvares Cabral quando, ao serem exumados, no dia seis de Agosto de 1882, foram encontradas misturadas com as ossadas de mais humanos.
Onde estão, realmente os ossos de Cabral?
Se para Bismark e outros, a "parte da ossada de Pedro Álvares Cabral, que veio para o Brasil estava toda misturada", para outros, por exemplo para Viotti
[4], parte dos ossos de Cabral foram para o Rio de Janeiro, pois assim o diz por meio destas palavras: "Em 1903, o Bel. (Bacharel) Alberto de Carvalho trouxe para o Brasil parte dos restos mortais de Pedro Álvares Cabral, que foram depositados em uma urna na capela-mor da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro". A forma mais plausível de convencer ou iludir os Brasileiros de que nessa urna se encontravam, pelo menos, parte dos ossos de Cabral era dizer que esses ossos estavam misturados e que entre eles alguns deveriam ser do descobridor. Desta forma nessa teriam ido, ainda que misturados com os de outros, alguns ossos de Cabral.
Quanto aos restantes ossos, o senhor Bismark Santos, depois de, erroneamente, ter envolvido no caso um carneiro e de dizer que as ossadas de Cabral constituíam, um mistério diz o seguinte: "Além disso, em 1961, a Igreja de São Tiago, de Belmonte, cidade onde Cabral nasceu, recebeu uma oferta de Santarém: para guardar o que seria sua verdadeira ossada"
[5].
Ora, com esta explicação o mistério dos ossos de Cabral ainda se adensa muito mais, retirando a Santarém (cidade da sua morte que pode, com plausibilidade, crer-se ter ocorrido em 1520, como no-lo afirma Peres (1982, p. 189) tudo o que pertencia aos restos mortais do seu herói, em favor de Belmonte (vila que lhe servira de berço, pelos anos de 1467 ou 1468, segundo opinião correntemente seguida, na opinião de Peres (Idem, p. 5).
No caso de admitirmos essa afirmação de Bismark ficaríamos na dúvida se a oferta feita por Santarém a Belmonte continha as ossadas completas de Cabral (à excepção da parte que foi supostamente para o Brasil) ou apenas parte delas! Em todo o caso falta explicar como é que chegaram a descobrir os ossos que a ele pertenciam, se não se conseguiu identificá-los, nem separá-los quando se quis levar parte deles para o Brasil!
O que se tem por histórico neste assunto
Seja a história, e não a lenda, nem o anedótico a indicar-nos o que foi feito e o que permanece ainda actualmente acerca dos Restos Mortais de Pedro Álvares Cabral. Damião Peres, depois de ter escrito que o descobridor do Brasil morrera por volta do ano 1520 e de ter vivido apenas uns 53 anos, é explícito relativamente ao local onde foi sepultado, dizendo: Os seus restos mortais foram, primeiro, sepultados na Igreja da Graça, de Santarém (idem, p. 189).
Ao empregar o termo primeiro, deixa prever que depois desse enterro outro ou outros mais se seguiriam, após respectivas exumações. De facto, o mesmo autor continua dizendo, que, mais tarde foram transladados para túmulo próprio, que numa capela desse templo D. Isabel de Castro mandara construir. Até aqui temos o segundo enterro, se assim se pode dizer.
De seguida, em data incerta, foram fazer-lhe companhia os restos mortais do seu filho António Cabral e, em 1538, seriam aí depositados igualmente os restos mortais da mãe deste e esposa daquele (Idem, p. 190).
Esta é, portanto, a quarta vez que os ossos de Pedro Álvares Cabral recebem uma lufada do ar fresco de Santarém e da bênção amiga das águas do ibérico Tejo.
Mas ainda: não seria desta vez que eles ficariam em paz até ao dia de Juízo Final! E é o mesmo Peres que nos relata como, mais uma vez (a 5ª, portanto), esses ossos vieram à superfície: "Em 1882, a 6 de Agosto, ao tempo em que se cogitava de erigir um monumento consagrado ao descobridor do Brasil, foi o referido túmulo aberto em cerimónia oficial, com o fim de se verificar a existência dos seus restos mortais (…)" (Ibidem).
O resultado desta 5ª abertura do túmulo de Pedro Álvares Cabral, foi em vão, pois, segundo o mesmo autor "(…) não pôde ir-se além da convicção moral de que um dos três esqueletos encontrados lhe pertenceria" (Ibidem). Peres prossegue e cita, nas páginas 190-193, o auto ou Certidão que eu já referi anteriormente, acrescentando:
"Dois decénios após esta primeira verificação, realizada por diligências de uma comissão da qual fora principal animador o oficial do Exército e escritor Zeferino Brandão, outra se realizou, esta por iniciativa dum brasileiro, o advogado Alberto de Carvalho, com o fim de melhorar, se possível, as frustes conclusões a que na primeira se chegara, conforme consta da portaria que em 12 de Fevereiro de 1903 se publicou, autorizando a nova abertura do túmulo" (Peres, 1982, pp. 193-194).
Dando seguimento a essa autorização, procedeu-se a mais uma reabertura do túmulo para nova verificação, estando presente, desta vez, "um médico e arqueólogo Dr. Leite de Vasconcelos e o então professor de anatomia da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, Dr. Serrano".
Mas, ainda não seria desta vez que as ossadas de Pedro Álvares Cabral teriam uma cabal identificação, impossibilidade que se ficou a dever ao complicado facto de, nessa ocasião haver aumentado o número de mortos aí enterrados. Nada mais do que "seis ossadas de adultos e duas de crianças", como o declara o mesmo autor na página 194.
A conclusão foi óbvia: apesar da perícia médica e arqueológica, desta vez empregue, "não se chegou a resultados mais categóricos", mas, pelo menos, uma "prova evidente daí resultou: a de ter a sepultura servido, como dispusera a sua instituidora, para tumulação, não só dos seus próprios restos mortais, e dos de seu defunto marido e filho António, mas também dos demais descendentes" (Peres, 1982, p. 194).
Perante a impossibilidade de distinguir entre os muitos ossos que existiam no sepulcro, dito de Cabral, "(…) o Dr. Alberto de Carvalho, que trazia consigo uma urna, talvez com intenção de colher alguns ossos de Cabral, e, obtida autorização, para transportá-los para o Brasil, encheu-a de terra retirada do sepulcro. Essa urna veio a ser inserida na capela-mor da catedral do Rio de Janeiro em 3 de Dezembro de 1903, ficando isso memorado em uma lápide onde se diz que ela contém ‘os resíduos mortuários de Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, extraídos aos XIV-III-MCMIII de sua sepultura na igreja da Graça de Santarém" (Peres, 1982, p. 194-196).
Estas diligências do Dr. Alberto Carvalho e, principalmente a legenda inscrita na dita urna levou vários periódicos brasileiros e por mais do que uma vez, a levantar o problema sobre a verdade histórica da ida para o Brasil dos restos mortais de Cabral o que fizeram, uma vez no Diário da Noite e, mais recentemente, na Revista Cruzeiro.
Esta questão foi elucidada, ambas as vezes, que o problema foi levantado pelos periódicos brasileiros referido, no Correio do Ribatejo pelo seu director, Dr. Virgílio Arruda, onde "esclareceu o caso, mostrando, sem deixar qualquer dúvida, que no Rio de Janeiro está apenas terra do sepulcro de Cabral, terra venerável é certo, mas a que não cabe a designação de ‘resíduos mortais" (Peres, 1982, pp. 196-197).
Este mesmo autor, antes de terminar o seu livro, editado em 1982, deixa mais esta certeza acerca dos restos mortais de Cabral: "confundidos embora com os de parentes próximos, os restos mortais de Pedro Álvares Cabral, tumulado há quatro séculos na escalabitana igreja da Graça, aí permanecem" (…). Daí para cá não consta que tenha havido qualquer outra modificação.
As ossadas encontradas, entre as quais as de Pedro Álvares Cabral, pelo menos segundo o afirma a tradição, foram de novo colocados na campa rasa que, ainda hoje, se pode visitar, como eu o fiz e fotografei, com a autorização da Sra. Directora da Biblioteca e Museu de N. Senhora da Graça de Santarém, Dra. Teresa Lopes, no dia 14 de Maio de 2009, por volta das 11:00 horas, ficando, aqui, para que conste, da laje funerária, onde se lê o seguinte
epitáfio:

"Aquy Jaz pedral varez
Cabral e dona Isabel de
Castro sua mulher cuja he esta
Capella he de todos seos herdey
Ros aquall depois da morte de seu
Marido foy camareyra mor da
Infant dona Marya fylha del
Rey dõ João noso snor ho terceyro
deste nome".
______________________________________
Esta laje e o referido epitáfio terminam com a seguinte informação:
6 agosto 1882. Estão aqui os ossos de P. A. Cabral. (Está este) auto na Torre do Tombo, e Ca Mal de Santarem e é assinado por P. Marinho Jr. (Carvalho, 1902, p. 11). Fonte: Peres, 1982, p. 195).


Da existência deste túmulo atribuído a Pedro Álvares Cabral, falava já, em 1740, Inácio da Piedade Vasconcelos na sua obra Historia de Santarém Edificada, por meio destas palavras:
"Outra sepultura grande raza se vê nesta Capella (da Senhora da Vida
[6]), com este epitáfio: Aqui jàs Pedroalvares Cabral, e sua mulher Dona Isabel de Castro, cuja he esta Capella; a qual, depois de morto seu marido, foy Camareira mòr da Senhora Infante Dona Maria, filha del Rey D. Joaõ o terceiro deste nome. E nesta Capella està outro letreiro sem ter mais que a seguinte inscrição: Aqui jàs Dona Violante, mulher que foy de D. Afonso de Noronha". (Vasconcelos, 1740, Parte Primeira, Livro I, cap. XV, p. 135).
E esse túmulo deveria ser tão importante e digno de apreço que Almeida Garrett na sua obra Viagens na Minha Terra (cuja narrativa começou a ser publicada em 1843 em folhetim na Revista Universal Lisbonense, dirigida por Feliciano de Castilho e interrompida após o VI capítulo, sendo retomada em 1845 e terminada em 1846) tem este desabafo quando, ao chegar a Santarém, se viu impossibilitado de visitar a sepultura de Pedro Alvares Cabral:
"Inclinámos o nosso caminho para a esquerda, e fomos passar diante do arrendado e elegante frontispício gótico da Graça. A ausência de não sei que regedor, ou insignificante personagem de igual importância que tem as chaves da igreja e convento, nos fez perder toda a esperança de visitar a sepultura de Pedr’Álvares Cabral que ali jaz, assim como outras belas e interessantes antiguidades de não menor preço" (Garrett, 1994, cap. XXXVII, p. 195).
Catorze anos depois da exumação de 1882, Ramalho Ortigão fala, igualmente desse mesmo túmulo de Cabral na sua obra O Culto da Arte em Portugal, publicada em 1896, onde, nas páginas 47 e 48 escreve estas palavras, dignas de toda a consideração:
"A sepultura de Pedro Álvares Cabral está na igreja da Graça, um dos belos templos da fundação da monarquia em Santarém. Esta igreja é cedida pelo governo à pobre irmandade dos Passos. A irmandade carecia de meios para custear o decoro do culto e a conservação do edifício. Ocorria generosamente a essa despesa o proprietário do convento anexo à igreja. O dono do convento faleceu recentemente, legando a casa a um asilo que nela fundou. A igreja da Graça de Santarém está portanto, a bem dizer, desamparada. A quem é que se acha confiado o túmulo de Pedro Álvares Cabral? Não se sabe bem, e são grandes, como pessoalmente tive a ocasião de experimentar, as dificuldades que encontra quem deseje dar com o depositário das chaves para ver a igreja. Às gloriosas cinzas daquele que nos deu o Brasil, a gente nem sequer sabe dar um guarda".
Conclusão
Na Certidão do auto da existência de Pedro Álvares Cabral na Sepultura que existe com o seu epitáfio na Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Santarém, lavrada a oito de Agosto de 1882 lê-se a seguinte notícia:
"E aceitando os referidos facultativos o encargo de fazerem aquella verificação, e passando se a afastar a pedra sepulcral, appareceu um carneiro amplo, de dois metros e quarenta centimetros de largo e noventa de comprido por um metro e vinte e cinco centímetros de largo e noventa centímetros de profundo, e no fundo d’elle declararam os peritos que encontraram uma camada de terra, de um a dois decímetros, d’espessura, e, por debaixo desta as ossadas de três esqueletos distinctos … Mais para o fundo do carneiro, está outro esqueleto…. E finalmente para o lado esquerdo um terceiro que parece ali foi colocado em ocasião diversa da dos dois primeiros".
Este documento foi utilizado por alguns autores cujos artigos li na Internet, fazendo descambar a história numa verdadeira anedota, pois que ao referirem-se à exumação de 1882 apresentam a existência das ossadas de um carneiro, ainda antes de se chegar às ossadas do Pedro Álvares Cabral. Isto significa que não compreenderam o que leram ou desconheciam, no momento, a riqueza polissémica do termo “carneiro”.
“Carneiro”, neste documento, significa “galeria” ou “câmara funerária” onde se depositavam os cadáveres dos familiares, à medida que iam morrendo.
Damião Peres, depois de ter escrito que o descobridor do Brasil tinha morrido por volta do ano 1520 e de ter vivido "apenas uns 53 anos, é explícito relativamente ao local onde foi sepultado, dizendo: Os seus restos mortais foram, primeiro, sepultados na Igreja da Graça, de Santarém (idem, p. 189). Mais tarde foram transladados par túmulo próprio, que numa capela desse templo D. Isabel de Castro mandara construir".
De seguida (em data incerta) foram fazer-lhe companhia os restos mortais do seu filho António Cabral e em 1538 seriam aí depositados, igualmente, os restos mortais da mãe deste e esposa daquele (Idem, p. 190).
"Em 1882, a 6 de Agosto, ao tempo em que se cogitava de erigir um monumento consagrado ao descobridor do Brasil, foi o referido túmulo aberto em cerimónia oficial, com o fim de se verificar a existência dos seus restos mortais (…) não pôde ir-se além da convicção moral de que um dos três esqueletos encontrados lhe pertenceria "(Ibidem).
Em 1903, por iniciativas de um Brasileiro procedeu-se a mais uma reabertura do túmulo para nova verificação, estando presentes, desta vez, "um médico e arqueólogo Dr. Leite de Vasconcelos e o então professor de anatomia da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, Dr. Serrano".
"Não se chegou a resultados mais categóricos, mas, pelo menos, uma prova evidente daí resultou: a de ter a sepultura servido, como dispusera a sua instituidora, para tumulação, não só dos seus próprios restos mortais, e dos de seu defunto marido e filho António, mas também dos demais descendentes" (Peres, 1982, p. 194).
"O Dr. Alberto de Carvalho, que trazia consigo uma urna, talvez com intenção de colher alguns ossos de Cabral …. encheu-a de terra retirada do sepulcro… Essa urna veio a ser inserida na capela-mor da catedral do Rio de Janeiro em 3 de Dezembro de 1903".
Portanto, pode supor-se legitimamente que o túmulo de Pedro Álvares Cabral está em Santarém; alguma terra dessa sepultura encontra-se na urna da Capela-mor da Catedral do Rio de Janeiro; uma outra porção idêntica foi oferecida por Santarém a Belmonte que a depositou, também, numa urna que se guarda no Panteão dos Cabrais.


Notas
[1] [On-line] [Cons. 22-11-2011] Disponível em: http://www.lepanto.com.br/dados/TSC3.html.
[2] [On-line] [Cons. 22-11-2011] Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/ossada-desaparecida-pedro-alvares-cabral.htm.

[3] [On-line] [Cons. 22-11-2011] Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/ossada-desaparecida-pedro-alvares-cabral.htm.
[4] [On-line] [Cons. 13-05-09 e 22-11-2011] Disponível em: http://www.lepanto.com.br/dados/TSC3.html.
Actualmente, a urna pode ser visitada na antiga sé situada na Rua Primeiro de Março.
[5] [On-line] [Cons. 1\3-05-09 e 22-11-2011] Disponível em: http://historicoscuriosos.blogspot.com/2009/01/onde-esta-ossada-de-pedro-lvares.html.
[6] Na página anterior explica que a outra Capella era collateral, que fica da mayor à parte da Espistola, he correspondente à do Santo Crucifixo, e dedicada a Nossa Senhora da Vida.
Referências Bibliográficas
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Certidão do Auto de Verificação da Existência dos Restos Mortais de Pedro Alvares Cabral na Sepultura que existe com o seu epitáfio na Igreja de N. Sra da Graça em Santarém (1882). Lavrado por Augusto Cyriaco de Pina, Secretário da Câmara Municipal de Santarém em 1882. (In Carvalho, Alberto (1902). Memoria a Respeito da Sepultura Rosa do Descobridor do Brazil Pedro Alvares Cabral, na Igreja da Graça em Santarém. (pp.21-23). Lisboa: Typ. do Commercio.
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Vasconcelos, Inácio da Piedade (1740) - História de Santarém edificada : que dá noticia da sua fundação, e das couzas mais notaveis nella succedidas: a saber das fundaçoens de todas as suas Igrejas, assim das paroquias, como dos conventos, e ermidas, dos prodigiosos milagres ali succedidos... Primeira [-segunda parte] / composta pelo padre Ignacio da Piedade e Vasconcellos...; dada à luz por hum curioso amante da ditta Villa. Lisboa: Tipografia Ocidental.








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