MOÇAMBIQUE 2002 (IV)
CAPITULO ONZE
SITUAÇÃO DO MOSSURIL
Como hoje, dia 6 de Agosto, não saímos das Chocas-Mar,
resolvi organizar algumas notas que tinha já comigo sobre o Mossuril. Não
queiram encontrar aqui um estudo exaustivo e perfeito, mas, tão-somente, uma
visão, um tanto pessoal, porquanto o realizei, mais com o coração e com as
pequenas entrevistas que foi fazendo ao longo dos dias que por aqui passei, do
que com uma investigação documental. Assim sendo julguei ser melhor
descrevê-lo, atendo-me a estes pontos:
1- Área e População
Numa extensão territorial de
3.424 km2 com uma população de 162.415 habitantes, o distrito tem uma densidade
populacional de 47 habitantes por m2. A capital terá cerca de 37.000, enquanto
os deslocados atingirão os 0,6%, ou seja, cerca de 1000 indivíduos[1]. Este
distrito situa-se numa das seis zonas do país que foram classificadas como
férteis segundo MSF/CIS. As colheitas
são feitas geralmente no mês de Julho e o pior período que pode trazer fome é
por volta de Dezembro. Quando as reservas acabam, as pessoas recorrem ao
empréstimo junto de familiares e amigos e procuram trabalho sazonal. Os
principais mercados abastecedores são Nampula, Nacala, Ilha e Monapo.
2- Meios de subsistência
A actividade principal é a
agricultura, feita de maneira artesanal, chamada a agricultura doméstica. Esta
actividade, porém, utiliza, sensivelmente 5% do território do distrito, ou
seja, cerca de 17.256 hectares, o que representa quase nada, em comparação com
os 3.424 km2 que compõem o distrito.
É sabido que para uma boa
agricultura muito contribui a água. E por causa desta e da posse das terras há,
de vez em quando, rixas entre os camponeses. A terra é paga quer aos
familiares, quer aos amigos, vizinhos, governo ou partidos não identificados.
As espécies agrícolas mais
comuns são o milho, arroz, cassava,
sorgo, feijão e mandioca. Segundo dados fornecidos pela FAO e WEP em 1996
havia 9.835 hectares de cassava,
1.380 de feijão, igual número de sorgo, 1.242 de arroz e 1207 de milho. Existem
algumas variedades de vegetais. Mas o grande problema com que se debate a
população é a falta de sementes, fertilizantes e pesticidas. No que diz
respeito a carne, os animais mais utilizados são a galinha, o pato, o pombo, a
cabra, a ovelha, considerados domésticos e também a gazela, o kudu, a impala, a girafa, o porco-bravo
que são, sem dúvida, animais selvagens. Também as árvores servem de alimento,
como: a mangueira, o cajueiro, a papaieira, a goiabeira, a laranjeira, a
bananeira, etc.
3- Recursos energéticos
Para cozinhar utiliza-se
ordinariamente a lenha e o carvão, embora haja quem utilize também a
electricidade. A água é considerada, aqui, mais que em qualquer outro lado, um
elemento de energia pessoal. Sem ela morre-se. Por isso se procura em todo o
lado e se vai buscar a distâncias incríveis. O acesso às fontes é crítico.
Existem 12 furos simples e 43 poços no distrito, mas nenhum ou pouquíssimos
têm bomba. Segundo as entidades governamentais do distrito não há participação
local na manutenção desses mananciais de água. Deixam acumular a sujidade,
terra ou folhas, mas nunca se dão ao trabalho de fazer a devida limpeza.
Exemplo disto encontramo-lo em Saua-Saua, onde várias fontes e tanques de
propriedade particular, foram e são ainda utilizadas pelos habitantes das
aldeias vizinhas, mas deixaram entulhar tudo de lixo e pedras, e nunca mexeram
uma palha ou pedra para as limpar. Foi preciso, a dona vir de férias e mandar
fazer a devida limpeza, a seus próprios custos.
4- Bancos ou correios
Não há nenhum Banco, nem caixa
Multibanco. O mesmo se diga de postos de Correio. Para ter acesso aos serviços
destes bens, terão os habitantes de deslocar-se, ou à Ilha, a Nacala ou a
Nampula
5- Transportes e Comunicações
O distrito é servido por serviço
rodoviário e marítimo. Há estradas que ligam as povoações, mas muito poucas em
bom estado. A maior parte delas são picadas que se tornam quase intransitáveis,
no tempo de chuvas. Só jipes conseguem passar e, mesmo estes, por vezes vêem-se
em apuros para conseguir passar, principalmente em locais onde as pontes ficam
danificadas e nos locais de lama. As melhores estradas são aquelas que ligam
Nampula, Nacala, Ilha e Mossuril; Mossuril, Chocas, Matibane, Motomonho,
Quixaxe e Mogincual. O transporte mais comum é o “Chapa 100” que anda quase
sempre super lutado.
6- Saúde
O Mossuril possui apenas o nível
primário relativo aos serviços de saúde, isto é: possui centros e postos de
saúde. Os centros são três: o primeiro, na capital e tem vinte e três camas, o
segundo, em Nuacha, com nove camas e o terceiro em Lunga com 10 camas. Este
último não tem posto fixo de vacinação.
Os postos de saúde são quatro, e
situam-se em Matibane (9 camas), Cabaceira Grande (sem nenhuma cama), Nomigo (1
cama), Chocas-Mar, com posto de vacinação, mas sem camas. Não existe médico
permanente em nenhum Centro ou Posto. Existem, sim, assistentes ou auxiliares
com conhecimentos básicos e/ou elementares.
7- Educação:
a)- Antes
Em 1995/97 o Distrito do Mossuril não tinha escola
secundária, isto é do oitavo ano para cima. E hoje também ainda não tem. O
nível mais elevado que possui é o 7º grau ou 7ª classe, ou seja a Escola
Primária 2 (EP2) que tem a sua sede na Capital, Mossuril. Embora não houvesse
camas nos dormitórios, havia oito latrinas. A escola que tinha sido reabilitada
pela German Agro Action (GAA), tinha 4 salas, mas sem mesas. Tinha, ao
todo, 135 rapazes e 28 raparigas, tutelados por seis professores.
Passando agora ao nível inferior
Escola Primária 1 (EP1), segundo os dados recolhidos, havia, em 1982, 43
escolas em todo o distrito, mas só 31 estavam em funcionamento, enquanto as
outras doze continuavam fechadas devido aos estragos causados pela guerra e por
falta de alunos e de professores. Até 1995 nenhuma dessas tinha sido
reabilitada. Assim, as escolas que estavam em funcionamento tinham, ao todo,
100 salas de aula e 5.596 alunos matriculados, sendo ensinados por 11
professores.
Ambos os níveis de escolaridade
recebiam livros de texto, manuais do professor, livro de exercícios e giz,
fornecidos pelo Fundo Escolar, em 1995, havendo, a partir deste ano em todo o
distrito, 117 professores que eram responsáveis por 5.759 alunos, numa proporção
de 49 alunos por cada professor.
Relativamente à classificação
profissional dos professores, existe a informação sobre 122 professores, o que
quer dizer que alguns professores possuem outras qualificações que não sejam a
de professor.
Em 1995, segundo os dados
recolhidos, 59 Professores tinham o 6º grau e mais um ano de estágio; 28
Professores tinham o 6º grau e mais 3 anos de estágio; 3 possuíam o 9º grau (um
com dois anos de estágio e dois com três anos de estágio); 32 não tinham estágio
nenhum.
Segundo informação da
administração do distrito não há participação da comunidade no sector da
educação e não há meios para incentivar a população a essa participação
Os principais problemas neste
sector são a escassez de Professores preparados, Materiais escolares,
Alojamento para professores. Pois, na altura, havia apenas uma casa do pessoal
e sete estavam em construção.
b) Actualmente
No dia 7 de Agosto de 2002 tivemos acesso a informação, acerca de duas
Escolas do distrito:
-
Da Escola das Chocas-Mar (EP1) onde nos
foram fornecidos os dados seguintes:
É uma escola nova, acabada de
construir com o financiamento da Embaixada dos Estados Unidos; começou a ser
construída a 25 de Outubro de 2001; tem 6 professores e 413 alunos, sendo 231
rapazes e 182 meninas.
A escola tem três salas
equipadas com carteiras à antiga portuguesa, um gabinete do director,
actualmente chamado, Muedine Abdalah; uma pequena sala de professores e
sanitários;
Fomos recebidos pela professora
Ana Soares, que é nova nesta escola. Depois de nos ter dado algumas
informações, chegou o director pedagógico, Prof. Abílio Betão que adicionou
outras, tais como: A primeira classe tem 110 alunos, divididos em duas turmas;
a 2ª classe tem apenas uma turma de 81 alunos; a 3ª tem 83 alunos numa única
turma e a 5ª tem 82 alunos divididos em duas turmas;
As turmas são constituídas
segundo os critérios de idade e do equilíbrio proveniente da distribuição dos
sexos;
A razão pela qual existem três
classes (2ª, 3ª e 4ª) com uma única turma, é simples: não há professores
suficientes;
Não há cantina. Os alunos comem
em casa, uma vez que as aulas são apenas de 3 horas diárias e por turnos: 1º
das 6.30h às 10.10h; 2º das 10.20h às 13.45h; 3º das 14.20 às 17.00h;
Da 1ª à 4ª classe os alunos não
têm exames, passam de ano, normalmente. No 5º ano, os alunos têm de se sujeitar
a um exame nacional cujas provas vêm de Maputo;
Os professores são, alguns
deles, formados no IMAP (Instituto do Magistério Primário), que
se encontra em Nampula e prepara professores para ensinarem desde a 1ª à 7ª
classes. Este Instituto aceita candidatos que tenham o 10º ano e dá o diploma
ao cabo de um ano aos alunos diurnos, ou ao cabo de dois anos, no caso de
cursos nocturnos; e, enquanto não arranjam casa própria, pelo menos nas
Chocas-Mar, ficam hospedados na antiga residência do professor primário que é
propriedade do Ministério da Educação;
Os pais pagam as matrículas (que
custam 10.000Mts), os materiais escolares, como cadernos, lápis borracha,
etc., enquanto os livros de texto são fornecidos pela Direcção Regional de
Educação;
Questionado sobre as doenças
mais frequentes, o director disse que eram as febres, dores de cabeça e
diarreias. Nestes casos, são mandados ao Posto de Saúde que se encontra a
poucos metros mais abaixo ou Centro Médico do Mossuril, quando o caso é mais
grave;
Também lhe perguntámos se, pelo
menos às vezes, lhes indicavam o Curandeiro, sendo a resposta redondamente
negativa: “Nada. Não senhor”;
O início das aulas é anunciado
com um toque estridente, produzido por uma jante de automóvel suspensa numa
árvore que é percutida por um varão de ferro e a bola que rodava no terreiro
era de trapos, parecida àquelas que eu chutei na minha aldeia beirã, nos anos
50;
Também, como no meu tempo de
criança, a Bandeira Nacional de Moçambique é, todos os dias, hasteada na
escola.
Acerca da Escola da Capital – Mossuril (EP2).
Segundo dados recolhidos através
de um aluno, esta escola possui: Dois dormitórios separados para meninos e
meninas com camas, em beliches: de ferro e com esponja as das meninas; de
madeira e com esteira, as dos meninos; Carteiras, à portuguesa, sentando-se
dois alunos em cada uma.
Além de internos, a escola tem
alunos também externos; os alunos pagam tudo: matrículas, livros e materiais
escolares. Tem, neste ano, de 2002, 78 rapazes e 15 raparigas.
8- Recursos naturais e amores que vão crescendo
Ainda no dia 7 de Agosto, houve
oportunidade para descobrirmos outras facetas do distrito do Mossuril. Logo
pela manhã, por volta das seis da manhã, os fotógrafos e a Isabel saíram, sem
destino certo. Deste grupo, uns teriam por objectivo descobrir belas paisagens,
sem que a isso fossem obrigados por ninguém (pois os trilhos pisados por outros
já não têm os mesmo encantos!), outros, porém, teriam em mente voos mais altos,
ou conversas e amores, de todo secretos. Que a uns e a outros chovam bênçãos lá
do alto e ardente empíreo, para que se diversifique a sua felicidade que,
certamente, bem a merecem!
Nós, os restantes ficámos por
casa. Uns puseram o sono em dia, outros lançaram mão do que lhes estava mais a
peito. Eu, como já é costume, sentei-me, frente ao computador, e lancei para o
seu mini extensível cérebro, notas mal alinhavadas, como estas que se seguem
sobre as Cabaceiras, Pequena e Grande.
A pouca distância das
Chocas-Mar encontra-se a Cabaceira Pequena, que, nem sempre se pode visitar,
completamente, sobretudo o seu extenso mangal, devido às águas que o inundam.
Existem zonas, porém, principalmente as que ficam junto à costa que se podem
visitar, facilmente.
Ultimamente tem-se notado
uma certa azáfama da parte das autoridades, no tocante à venda ou concessão de
terrenos que são procurados por estrangeiros para os transformar em estâncias
turísticas, ou já que mais não seja para os reservar para o que der e vier. É o
que parece estar por detrás de uma grande extensão ao longo da costa, a cerca
de dois quilómetros das Chocas.
Com espanto nosso,
verificámos, numa segunda visita à Cabaceira Pequena, que, ao longo da zona
costeira e prolongando-se por bons quilómetros, a partir da Carrusca, existem 9
“Varandas”, isto é cabanas, feitas em colmo, para repouso, possuindo uma mesa,
ao centro, e um pequeno terreiro próprio para a montagem de uma ou duas tendas.
Viemos a saber, por meio do guia de um pequeno grupo, com o qual nos cruzámos,
que se destinavam ao aluguer de quem quer que esteja interessado. Quanto ao
modo do aproveitamento duma zona que se supunha pública, disse-nos o guia que é
o fruto de um convénio entre um particular holandês, a Comunidade e a autoridade
política do Lugar. Não será este holandês o mesmo que tem espoliado os antigos
palácios portugueses?
Mais além, a cerca de 2
horas de agradável passeio, fica a Cabaceira Grande. Situada a Norte da Ilha de
Moçambique, é uma localidade agradável, vivendo nela gente curiosa, como por
exemplo, o P. Cirilo, um missionário italiano dos tempos de antanho, que por
aqui ficou, tornando-se um autêntico filho da terra, pois que, com eles,
comunga de todos os seus hábitos sociais e, até certo ponto, religiosos. É um
bom falador, tornando-se, por vezes maçador. Mas a sua solidão, no que respeita
a gente branca, faz com que se apegue a esta quando por ali aparece e lhe
concede três dedos de conversa. Serve também de cicerone às suas visitas.
Do passado português,
existem ali, como pudemos comprová-lo pessoalmente, muitos vestígios. Ali se
pode admirar a grandeza de um grande terreno de cultivo, de uma Missão
Católica com a sua Igreja, Escola e Creche, assim como a beleza do Palácio de
Verão do Governador da Ilha de Moçambique, construído em 1765 e do Colégios das
meninas órfãs, dizem uns, ou meninas nascidas de uniões furtivas de militares
com nativas da zona, segundo outros. Vimos os poços que, segundo a tradição,
abasteceram os marinheiros portugueses quando aportaram à Ilha e durante os
primeiros tempos que ali viveram.
Perante aquele complexo
grandioso, embora em ruínas, sobretudo o palácio, surgiu-nos a ideia de
procurarmos meios de os reabilitar para os adaptar a uma escola, ideia que não
é nossa apenas. Encontrámos, mais tarde, outras pessoas que comungavam destas
mesmas. Será que este sonho virá algum dia a tornar-se realidade?
CAPÍTULO DOZE
ESCASSEZ DE MATERIAIS E DE MEIOS DE TRANSPORTE
1- Procura de Material
Tínhamos determinado ir, hoje,
dia 9 de Agosto, a Saua-Saua, para
apreciarmos o que já tinha sido feito, combinarmos o trabalho a ser desenvolvido
a seguir, diligenciarmos a compra dos materiais necessários para o canalizador
que, vivendo na Ilha, o contratáramos para fazer a canalização da Casa Grande.
Por isso, levantámo-nos às 5.30h
e saímos por volta das 6.00h, chegando à plantação cerca das 6.30 horas. Ao
chegarmos dirigiram-se a nós, imediatamente, o João e o canalizador. Este
mostrou-nos o trabalho já realizado, ou seja, a descoberta de todos os canos
velhos e que precisavam de ser substituídos; a rede de esgotos ali antes
existente: uma fossa exclusiva para a cozinha e duas, separadas, para a casa de
banho (uma só para a sanita e outra para as águas do bidé e do lavatório).
Afinal estava um trabalho de engenharia apurado. E, depois de nos ter indicado
o que era preciso comprar, partimos em direcção a Naguema para ali deixar o
João e Dinho que deveriam ir a Nampula para carregarem o material que tinha
sido comprado no dia 31 de Julho pelo Adelino e Tabita e não trazido por não
caber no carro. Ele só poderia ser transportado pelo autocarro público até
Naguema e, daqui para Saua-Saua, por meio do “Chapa 100”.
Continuámos viagem até ao Lumbo,
para ali deixarmos a esposa do Raimundo, de modo a assistir a sua avó que se
encontravam doente. De regresso a Saua-Saua e passando, de novo, em Naguema, vimos
que o João e o Dinho ainda ali estavam à espera de transporte para Nampula.
Pegámos neles e levámo-los ao Monapo, porque, ali, era mais fácil apanhar
transportes, autocarro ou chapa que fazem carreira de Nacala a Nampula. Deixando-os,
regressámos à Plantação.
2- Génese de um Museu
Aqui chegados pusemo-nos ao
serviço: verificámos que os trabalhadores contratados, tinham já feito a
limpeza ao tanque que servia as pocilgas e estavam a limpar o que servia a
máquina de descasque de arroz; limparam também as ervas que estavam dentro e
fora dos tanques, dando-lhes outro aspecto mais apresentável; inspeccionámos os
trabalhos realizados pelos pedreiros e carpinteiros e estudámos a melhor
maneira de dar nova utilização à antiga cozinha da Casa Grande, uma vez que a
cozinha exterior parecia ser suficiente para as encomendas. Achámos por bem
transformá-la em pequeno escritório de apoio, conservando a chaminé e o lavabo,
depois de limpos. Quanto ao telhado que está todo negro, achámos que deveria
ser substituído e o fogão, que é de ferro e grande, fomos de opinião que
deveria fazer parte do futuro museu a ser criado para ser recheado com todas as
peças antigas que por ali ainda andam espalhadas, como, por exemplo, o cofre,
as máquinas de descasque de arroz, e do algodão, um tractor e outras coisas que
desejamos não se extraviem.
3- Primeiras visitas
Tivemos a agradável surpresa de
encontrar três casais estrangeiros que, ao ver-nos chegar, se aproximaram de
nós para nos saudar, pedir desculpas por terem invadido a propriedade e para
nos perguntarem qual a intenção dos trabalhos agora começados. Foi também
agradável saber que, pelo menos um deles, trabalhava e já tinha reabilitado uma
casa na Ilha. Quando lhe perguntámos se, nessa localidade, se encontrava de
tudo, deu-nos a seguinte resposta: “Há de tudo se houver dinheiro”.
Pareceu-nos serem italianos e pertencerem à Cooperação Italiana.
4- Falta de materiais
Junto dos operários,
especialmente dos carpinteiros, tivemos o pedido de ferramentas, lá para o ano
que vem. Ferramentas, dizem eles, que aqui não existem, como quinadeiras,
berbequins, serras eléctricas, etc. De facto, é uma dor de alma ver como estes
trabalhadores são pobres em tudo. O material que trouxeram para o trabalho foi
um vidro para raspar, uma plaina para aplainar e um martelo para o que desse e
viesse. E fazem maravilhas. Que faria se tivessem ao seu dispor ferramentas
modernas, dessas que qualquer operário deste ofício tem aí, em Portugal! O
pedreiro também me pediu se lhe dava os restos de chumbo das torneiras e tubos
das casas de banho, pedido a que eu anui de bom grado, dando conhecimento do
facto à Tabita e ao Adelino.
5- Nova análise da Água de Saua-Saua
Quisemos fazer, de novo, a
análise à água da Fonte Grande. Tirando a água do cano velho, analisámo-la,
logo ali, com o hipocloreto de potássio (?) e pelo comprimido teste e ficámos,
verdadeiramente, bem surpreendidos quando nos deu logo a cor rosa na garrafa.
Temos boa água também nesta fonte que é a de maior caudal e parece ser inesgotável.
Após o almoço cujo prato
principal foi esparguete de frango e ananás, por sobremesa, permanecemos, por
algum tempo, em amena leitura, à sombra da segunda mangueira, após o que
regressámos às Chocas-Mar, onde chegámos, por volta das 16.30horas. Encontrámos
em casa, só o Luís, agarrado ao seu computador e ordenando as suas fotografias
do dia anterior. Nessa altura não vi os outros colegas. E, como vim logo para
os meus aposentos, sentei-me em frente do computador para escrever estas notas,
o que fiz até às 17 horas, não dando conta se estavam em casa a descansar ou se
tinham saído.
6- Uma oficina à maneira
Eram as 7 horas e cinco minutos
da manhã do dia 9 de Agosto. Pegámos em nós e fomos ao Mossuril, para arranjar
o carro. Pelo caminho demos boleia ao Arlindo e levámo-lo mesmo até à sua
Escola. Aqui tivemos a oportunidade de apreciar o largo Administrativo,
constituído pela Administração, Escola (Ep2) – Direcção Distrital de Educação e
a Sede da Acção Agrária Alemã (AAA ou, em Inglês GAA) que funciona com o apoio
da Comunidade Europeia e, ainda, por um outro grande edifício que estava sendo
reabilitado. Mais ao longe, do lado esquerdo de quem entra no largo, vê-se o
Pontão São João. Todo este complexo é embelezado pela grande Baía do Mossuril.
Visto este complexo urbanístico
de certo valor, seguimos em direcção à oficina para nos repararem o carro.
Pasmem os mecânicos europeus que se queixam de falta de condições de trabalho,
quando se avaria o ar condicionado ou quando uma janela se estraga e espera por
concerto! Pasmem os seus ajudantes que se encostam às paredes, quando lhes
falta um macaco hidráulico ou eléctrico para levantar os automóveis e mudar o
óleo ou para consertar as suspensões! Venham até aqui e verão como e em que
condições se trabalha!
A oficina é ao ar livre. Esperam
encontrar um edifício grande e bem arranjado, com tectos e bem seccionados?
Nada disso. Por muros tinha os arbustos do campo, por tecto, tinha a sombra de
um soberbo cajueiro cujo tronco dava poiso também a várias peças velhas de
automóveis e tractores que um dia rasgaram por picadas e terrenos de cultivo!
Mais ao lado, havia um “telheiro” ou “colmelheiro” porque era feito de canas
entrelaçadas que eram sobrepostas de colmo seco e bem liso, debaixo do qual
estava a bancada com os dois tornos. E a ferramenta? Essa encontrava-se dentro
da palhota do mecânico e só, de lá saía, quando este a pedia. Terminados os
seus préstimos, ela voltava para o seu lugar.
O conjunto do material não vai
muito além dum amontoado desirmanado de chaves de bocas, um martelo e uma ou
duas chaves de fendas. Macacos? Só nas árvores do mato ou no carro que vai a
compor. Maços de apoio? Para tal efeito servem os pedaços de madeira de
camionetas que ali estacionam para serem arranjados, e/ou jantes de carros velhos,
já desfeitos, ou tampos de motores gastos pelo tempo e corroídos pela ferrugem!
Óleo lubrificador ou sprays corrosivos da ferrugem? Em sua vez, vai-se
tirar um pouco de óleo dos travões do próprio carro para por nas porcas que se
negam a desandar, devido à ferrugem e à calcinação, causadas pelo tempo, uso,
temperaturas e poeira que se levanta em quase todas as estradas, penetrando por
tudo o que seja frestas, buracos e janelas de plástico, improvisadas para
manter o carro que no servia minimamente apresentável!
Ao chegarmos, o primeiro
letreiro que vimos a indicar a oficina, foi a matrícula MMB-66-22 de um grande
e velho tractor ao qual já faltavam algumas peças. Ao vê-lo pensei que fosse
móvel da casa e sinal a marcar e indicar a garagem. Qual o quê! Era de um
português das salinas que o trouxera para ali por causa de verter óleo, mas que
nunca mais o tinha vindo buscar. Os rapazes estavam até preocupados porque
temiam que alguém viesse durante a noite e o roubasse, ou lhe tirasse peças.
7- O conserto do Carro
O carro, uma carrinha toyota,
levou:
-
Afinação
do travão de mão,
-
Lubrificação
do acelerador,
-
Arranjo
das molas da suspensão de trás, lados esquerdo e direito,
-
Arranjo
da mola de suspensão da roda direita da frente que já roçava no guarda-lamas,
-
Alinhamento
da roda de trás, do lado esquerdo que gastava o pneu.
-
Soldagem
e reforço do Tubo de Escape,
-
Manivela
de tirar e colocar, no sítio apropriado, o pneu de reserva. Só esta manivela
custou, 50.000MTS.
O total de despesas do
carro que tínhamos alugado foi de 350.000Mts, assim descriminadas: 250.000MTS
de mão-de-obra e de algum material; 50.000MTS da manivela; 50.000MTS de gorjeta
Os trabalhos do
conserto terminaram às 10.20h, após o que regressámos às Chocas-Mar. A Tabita e
o Adelino, saíram de novo, depois de terem comido uma sanduíche cada um, indo
encontrar-se com o João e o Dinho que, supostamente, trariam os materiais
pedidos para a canalização da casa de banho. Saíram sem esperarem pela Isabel
que também desejava ir para levantar dinheiro, como tinha sido combinado,
segundo me disse ela toda aborrecida, quando soube da sua partida.
O Gil ainda fez algumas
fotografias a pescadores, nas Chocas, mas teve de as pagar ou com dinheiro ou
com “postal rápido de pessoa ”, assim chamavam os pescadores às
fotografias da máquina polaróide.
8- Saídas inesperadas e consertos a fio
Por volta da 15.30
horas regressaram às Chocas, sem terem ido a Nacala. O Dinho e o João só tinham
saído de Nampula às 9.00 horas, chegando às 13. 30 horas ao destino onde os
esperavam o Adelino e a Tabita. Ficaram em Nampula os tubos finos galvanizados
da água que não puderam vir. O Dinho falou com o motorista do “Chapa 100” que
lhe garantiu que os traria na manhã do dia seguinte. Seria necessário,
portanto, que o nosso condutor os fosse busca a Naguema. Como o carregar, levar
e descarregar em Saua-Saua levou bastante tempo, não lhes deu para ir a Nacala,
regressando, por isso, às Chocas-Mar, à hora supra mencionada.
Pouco tempo depois o
carro teve de ir, de novo, ao mecânico, para afinar os travões, pois ele
guinava, cada vez que se fazia uma travagem a fundo. Com o Dinho, condutor,
saiu a Isabel que aproveitou a boleia para fazer compras, às apalpadelas de
mistura com afagos e olhares plenos de perspicácia!
9- Algumas ervas medicinais
Enquanto uns ajudantes do mecânico foram
soldar o Tubo de escape a outro lado, outros dos que tinham ficado connosco
foram-nos falando do poder curativo e comestível de algumas ervas e plantas que
havia, por ali, e que iriam enriquecer a tese de mestrado que a Tabita andava
preparando, como já dissemos, em Comunicação em Saúde. Eis aquelas que, também
eu pude apurar:
Café (bom para a
tensão arterial): é uma planta que não tem nada a ver com o verdadeiro café; é
uma pequena planta de flor amarela e composta de 5 pétalas. As sementes são
parecidas à linhaça ou a uma lentilha pequenina e é criada dentro de uma
pequena vagem estreita. As sementes são cozidas. A água da cozedura bebe-se
para levantar a tensão arterial.
Coqueiro (contra as dores
de dentes): a sua
raiz, sendo mastigada, tira as dores de dentes.
Mucacana (contra a
febre): é uma espécie de era. Fervem-se as folhas e bebe-se a sua água. A
semente encontra-se dentro de um balão que, quando maduro, é amarelo. As
sementes estão envolvidas numa película vermelha, sem a qual têm a aparência e
o tamanho de uma pevide ainda não madura de uma pequena melancia. A folha tem
também o recorte do da melancia, mas é menor.
Nachico (contra os
torcicolos): É uma erva, espécie de corroios. Arranca-se ou corta-se e
coloca-se à volta do pescoço. Três dias depois a dor passa.
Namicajuni (contra
as hérnias): Esmagam-se as folhas num copo; escoa-se a água que se bebe. Cura,
principalmente, as dores das hérnias do umbigo das crianças
Nhengueiro (Contra
os inchaços): é uma árvore de grande porte, folhas pequenas e arredondadas, de
flor pequena, tendo o formato das bocas de lobo; as sementes são trilobulares
e encontram-se, dentro de vagens longas, e bastante avolumadas. As suas folhas
servem para alimentação: ao serem cozidas, deitam uma água colorida que se
deita fora. As folhas, depois de cozidas, podem preparar-se com outros
alimentos. As suas raízes servem de bálsamo para feridas e inchaços. Para ser
obter este bálsamo, esfregam-se e o sabugo que sai delas amassa-se e coloca-se
em cima da ferida ou do inchaço.
Nunculaco (contra
as cataratas) é uma erva que deita hastes compridas e cheias de sementes que se
escondem dentro de invólucros, dando a sensação de um formigueiro agarrado a
uma palha. As sementes são pequeníssimas. Tirando-as dos seus invólucros e
colocando-as nos olhos que tenham cataratas, estas desaparecem, depois de uns
dias. As folhas que são aromáticas, parece que podem ser usadas no macarrão
para lhe dar o gosto.
Reperepe (contra a
asma): é uma planta pequena, de flor amarela, semelhante à das giestas amarelas
e de semente que cresce dentro de uma pequena vagem. As folhas são fervidas e o
seu vapor deve ser aspirado para curar a asma.
Tapadia (contra os
inchaços): corta-se um pedaço do tronco; raspa-se; o pó que sai é amassado com
água morna que se coloca no inchaço ou ferida; é um bálsamo muito bom.
Uncurajava (contra
a asma): é um arbusto de folhas largas terminadas em bico; dá uma flor em forma
de taça de champanhe, bastante cumprida e virada para cima. A flor, depois de
seca, esmaga-se e enrola-se num papel; fuma-se como se fosse um cigarro. As
sementes encontram-se dentro de uma espécie de balão, defendido por bicos e,
quando verdes, têm o cheiro de pimentão verde.
Unflor, também
chamada “Beijo di “Mulata” (contra a diarreia): Coze-se a raiz durante
45 minutos. A água fica colorida de verde e é amarga. Uma hora depois de
ingerida deverá fazer efeito, parando a diarreia.
Uracaca (Contra a
Asma e sinusite): serve para
curar a asma e também a sinusite, por meio de aspiração do vapor.
Para além de reparadores de
carros, irreparáveis à primeira vista, estes rapazes moçambicanos possuíam
também o dom de Hipócrates.
Ao chegar a casa, a Tabita pediu
ao Luís para fotografar essas plantas medicinais, ao que ele reagiu mal, devido
aos maus humores com que tinha acordado, possivelmente. Perante a estupefacção
dos presentes, e movido pela contrição de um procedimento, talvez inadvertido,
lá acedeu, momentos depois, ao pedido que lhe fora dirigido, fazendo umas belas
imagens que ficarão para memória, na tese da Tabita!
10- Noite de descontentamento e notoriedade de um romance
À noite, entre as 17.00
horas e a hora de jantar foi tempo de sala de estudo para os meninos Tabita e
Adelino, enquanto eu ia pondo estas notas em dia. Do outro lado, os colegas
fotógrafos iam passando o tempo, muito insatisfeitos e desapontados (devido aos
contratempos do carro e dos materiais para Saua-Saua que lhes ia atrasando o
serviço de profissionais da imagem). Também uma certa má vontade notada no
condutor, e o contínuo apego da Isabel a este, desejando acompanhá-lo sempre
que os fotógrafos queriam sair para fotografar, concorreu para aumentar esse
descontentamento. Começou a ser notório o romance entre os dois!
Na falta de melhor, os
fotógrafos divertiam-se a jogar às cartas no computador e a conversar, sabe
Deus como e de que assuntos! Talvez do carro, do seu estado e do seu uso para
os trabalhos de Saua-Saua e de companhias e seu modo de actuar que nunca aceitaram
de bom grado.
11- Primeiro copo de água de Saua-Saua
Ao jantar teremos
frango assado na brasa, com piripiri, ou sem ele para quem lhe custa o seu
ardor. Já está a crescer água na boca! A propósito de água: Hoje, há pouco mais
de meia hora, bebemos a primeira água de Saua-Saua, depois de vermos o
resultado cor-de-rosa num frasco que enchemos da garrafa que tinha sido
recolhida na Fonte Grande, vinte quatro horas antes. As cobaias foram por ordem
de veterania, o José, o Adelino e a Tabita. Se a experiência der para o torto
preparem-se as tabuletas do cemitério, nesta mesma ordem! Mas os três foram
unânimes em reconhecer a leveza e o agradável sabor dessa mesma, confirmando,
assim, o seu aspecto fino e límpido e a esperança de um dia puder vir a ser
engarrafada e comercializada.
CAPÍTULO TREZE
UM DIA DE MOVIMENTO E APUROS
É já o dia 10 de Agosto, o futuro de Saua-Saua exige uma conveniente
preparação, porquanto ali falta tudo. Existe o terreno a ser posto a produzir
e as habitações, fábricas e armazéns a serem reabilitados. E o tempo urge.
Enquanto os fotógrafos e a
Isabel ficaram a dormir, a Tabita, o Adelino e eu levantámo-nos às 4.30 horas
da manhã e saímos às 5.20 em direcção à Ilha para irmos buscar os
electricistas, Srs. Lino e Mário[2].
Chegados à Ilha, às 6.45 horas, não os encontrámos, ali, mas tinham deixado
recado de que poderíamos encontrá-los em Naguema.
De regresso, fizemos algumas
compras (manteiga, batatas vinagre, guardanapos e dois sacos de plástico), num
total de 220 meticais e mais não comprámos porque o mercado estava mesmo fraco,
talvez por ser ainda muito cedo. Ao sairmos da ponte encontrámos o Sr. Lino que
nos esperava, ali mesmo, e não em Naguema.
Feitas as apresentações,
disse-nos para esperarmos algum tempo, enquanto ia chamar o seu colega, Sr.
Mário, que vivia, ou se encontrava no Lumbo[3]. O
tempo ia passando e eles não apareciam. É bem certo: aqui não há horas para
nada. Marca-se o encontro, a uma hora, e não se chega, nem se parte no momento
indigitado. Protelar o tempo parece ser próprio de quem deseja viver mais tempo
do que aquele que lhe está afixado pela Providência. É que, acontecem sempre
imprevistos, numa terra onde as insuficiências são grandes e as pessoas vivem
ao sabor das conveniências próprias e do tempo que aquece e amolece contra a
própria vontade. Logo que chegaram, convidámo-los a entraram no calhambeque
memorável e lá fomos nós para o Mossuril, onde chegámos por volta das 8.00
horas.
2- Contada a distância, estabelece-se o número de postes
Chegados ao poste139 (que fica
perto do Centro de Saúde), do qual sairia a linha para Saua-Saua, os dois
electricistas, o Adelino e eu descemos do carro, enquanto a Tabita e o Dinho
seguiram, nele, pela picada, até Saua-Saua. Tínhamos de medir a distância desde
esse poste até à entrada da Plantação de Saua-Saua, quer, pela picada, quer, a
direito através dos campos e em linha recta.
Pela picada, o
“conta-quilómetros”, marcou 2 km até
à entrada da plantação e 1 km desta
à Casa Grande, enquanto, através dos campos e em linha recta, a distância que
medimos, a olho, deu cerca de 1,5 km
ou, no máximo, 2 km. Ao todo, e
contando já com imprevistos, seriam necessários dez postes e três
pórticos até à entrada da Plantação, onde, segundo os técnicos, ficaria
melhor o Posto de transformação (PT), porque assim servir-nos-ia a nós e à
população vizinha, se, mais tarde, esta o desejar e puder utilizar.
3- Custos, por alto
É usual cada poste custar um
milhão de meticais e 350.000 para pô-lo de pé. O cabo de alta tensão é de
45.000 meticais o metro. Vamos optar por um transformador aéreo de 250 ou 315
KVA.
Segundo ele será preferível que
compremos, nós próprios, o transformador, caso contrário haverá um atraso
considerável na realização da obra. Possivelmente serão necessários 1.5 km a 2 km de cabo de alta tensão e 1
km de cabo de baixa tensão para a linha interna, acrescidos dos metros
necessários para as baixadas para cada edifício. Os electricistas prometeram
ter o projecto feito, lá para 5ª – feira próxima.
4- Os contínuos problemas do carro enervam os fotógrafos
O Dinho regressou à Ilha para
levar os electricistas e trazer para Saua-Saua os tubos da água. No caminho
rebentou-lhe um pneu. Como não tinha chave para desenroscar os parafusos,
viu-se grego, embora em África. Teve de esperar que alguém passasse e o
desenrascasse. Chegou a casa, apenas, às 17.00h.
Como no dia seguinte os
fotógrafos, a Isabel e eu teríamos de partir para o Gurué, o carro teria de ser
arranjado, nesse mesmo dia. Por isso, a Tabita, o Adelino e a Isabel saíram com
ele, dirigindo-se ao mecânico, para ver se este resolvia o problema da chave.
Saíram por volta das 17.20h. Eu fiquei a arranjar a maleta para a viagem à
terra do chá. Afinal o calhambeque tem-nos feito a vida negra! Talvez isso
tenha sido para não destoar com a Terra em que nos encontrávamos!
Os fotógrafos, então, já não se
calam:
-
“Há
já dez dias que não fotografamos. Dez dias perdidos”, dizia o Gil.
-
“Pois
é.... É uma chatice”, continuava o Fernando.
Entretanto, o Luís abana a
cabeça, sem dizer palavra, dando, no entanto, sinais de estar deveras
desagradado e com pena de ter vindo a Moçambique, nestas condições tão desfavoráveis
para o seu trabalho que nada tinha a ver com as suas digressões pelo Bazaruto
e outras do mesmo jaez! Mas, o que é que se há-de fazer? Ninguém esperava por
aquilo que está a acontecer. Esperemos que, daqui em diante, as coisas
melhorem.
Hoje trocámos dinheiro nas
Chocas-Mar. O “cambista”, passe o
termo, que nos deu muito jeito, foi o Sr. Falcão, um português que, tendo vindo
para Moçambique como soldado, nos anos 70, por aqui se deixou ficar, possuindo,
agora, um estabelecimento que serve de café e de mercearia, uma bela casa, uma
manada de vacas, um pequeno negócio de recolha e congelação de peixe (que
depois distribui por “casas certas”, em Nacala, Nampula e outras localidades) e
um bar, feito de um contentor, que espera inaugurar em breve. Trabalhou com o
Hélder numa empresa de congelação de peixe que deu para o torto, porque os
sócios não souberam ou não quiseram aguentar, juntos, o barco.
Pareceu-nos simpático e prometeu
falar com um seu conhecido para nos alugar um jipe de tracção às 4 rodas, no
próximo ano. Ele, no entanto prontificou-se, sempre que fosse preciso, a
fazer-nos fretes (pagos, é claro) e para onde quer que fosse. O primeiro frete
que ficou, mais ou menos, combinado seria para Nacala, a fim de levar a Tabita
e o Adelino, carregar umas grades de cervejas vazias, substituindo-as por
outras cheias e comprar alguns sacos de cimento. O custo desse frete seria o de
um milhão de meticais, ou “mil contos”, no seu português da terra, acrescentando, com ar de satisfação:
- “É este o preço porque eu não quero ter fregueses só para uma só
vez”.
5- O Arlindo e o sonho da sua bicicleta
À tardinha, enquanto esperávamos
pelo Dinho, em casa, apareceu um senhor com uma bicicleta, novinha, em folha.
Chamaram o Gil, o Luís e a Isabel que a examinaram e ofereceram ao Arlindo,
filho do Raimundo. Esta prenda facilitar-lhe-ia a sua ida às aulas, no
Mossuril. Os 20 km que tem de fazer
diariamente parecerão mais curtos, uma vez que irão ser feitos com maior
rapidez e num transporte que tem a particularidade de ser accionado pelo
próprio utilizador.
A cara do miúdo quando lhe
entregaram a bicicleta era, toda ela, uma surpresa. De olhos meigos, a sua face
iluminou-se com um raio de admiração e incredulidade à mistura, ficando mudo,
por instantes, por não saber se havia de sorrir ou de chorar. Ao lado, o pai,
todo embevecido, sorria e não parava de olhar, ora para a bicicleta, ora para
os benfeitores, ora para o filho que não movia o corpo, mas apenas os olhos
humedecidos pela emoção! Depois de algumas palavras encorajadoras, o miúdo
pegou na bicicleta e deu as suas primeiras voltas. Parecia um rico senhor, em
dia de triunfo, sendo admirado e invejado pelos amigos e vizinhos!
6- Pai e filho em apuros na estrada
À noitinha, chega o Dinho
completamento desgostoso. Tinha-lhe rebentado outro pneu e o sobresselente não
tinha ar. Finalmente conseguiu desenrascar-se com a ajuda de um outro motorista
que por ele passou. Mas, caso inaudito, o carro não tinha chaves, nem para
desaparafusar as rodas, nem para abrir o depósito da gasolina. (As nossas descobertas
acerca do carro vão aumentando a nossa admiração e apreensão!) Pouco depois,
para cúmulo da desgraça, ele soube que o seu próprio pai se encontrava, numa
situação, igualmente embaraçosa, pois o seu próprio carro teria de ser rebocado
para a Ilha. Pediu, portanto, ajuda ao filho, o que fez, mas só depois de ter
vindo pedir autorização aos patrões.
Decidimos, então o seguinte: ele
iria rebocar o carro do pai para a Ilha. Aí pernoitaria, para, logo pela manhã,
tentar arranjar mais um pneu em bom estado, a chave para os pneus e (mais outra!)
a chave do depósito da gasolina. Este carro é o máximo! Deveria regressar, por
volta das 10 horas, de maneira a poder levar-nos à Muchelia, às 13.30h, onde os fotógrafos poderiam realizar algumas
imagens e eu tirar alguns apontamentos.
7- Nem tudo foi mau
Já de volta a casa, o jantar
esteve muito bom. Foi caranguejo recheado com arroz de tomate e cenoura. Como
sobremesa, tivemos um belo creme de papaia, mas o Luís, que não gosta de tal
iguaria, serviu-se de metade de uma toranja, vinda de Saua-Saua. E quando
dissemos ao Raimundo que o prato estava muito bom, mas que tinha dado muito
trabalho, ele respondeu que teve muito gosto e que tinha dado por bem empregue
todo o tempo que gastou na sua preparação.
CAPÍTULO CATORZE
IDA À MUCHELIA
1- Novos conhecimentos e nova Escola
Hoje, Domingo, dia 11 de Agosto, levantámo-nos todos mais
tarde. O Adelino, distraído ou por maldade deixou-me fechado! Quando quis
sair, tive de saltar pela janela. Após o pequeno-almoço, os três fotógrafos
foram ver a escola que tinha sido construída por um indiano com o qual fizeram
amizade há dois dias, e pelo qual foram convidados para tomarem chá em casa
dele, ontem à noite, e irem fotografar a chegada de carteiras para essa mesma
escola.
O Dinho, conforme o prometido,
embora um pouco atrasado, chega ao portão das Chocas-Mar às 11.15 horas, agora
mesmo, enquanto estou a escrever. Dar-lhe-á tempo mais do que o suficiente para
almoçar e nos levar à Mucehlia.
2- Um veleiro à nossa saída
Antes de partirmos, aparece-nos
um rapaz com um peixe enorme. Era, nada mais, nada menos, do que um Veleiro. Um
desses peixes que são dos mais difíceis de pescar e dão luta ao pescador. No
concurso de pesca, diz o Luís, este é o mais pontuado, porque é preciso muita
paciência para o apanhar. Depois de picar o anzol, é preciso dar-lhe linha até
cansá-lo.
O Luís, já há muito que andava
com ânsia de fazer gosto ao dedinho de artista da imagem, para fotografar um
bichinho destes. Tinha mesmo prometido, a um moço, que lhe daria 200 contos se
lhe trouxesse um peixe desses e se o deixasse fotografar com ele, em tronco nu.
Consta que já não era a primeira vez que aqui aparecia com um exemplar
parecido, mas, cada vez que chegava, nem o Luís, nem outro fotógrafo se
encontravam em casa. Desta vez calhou, mas por pouco, pois estávamos preparados
para sair.
Quando vimos o bicharoco, foi
reboliço geral. Ninguém queria acreditar no que estava a ver. Sabem quanto
pesava? Exactamente 30 kg. E sabem quais eram as suas medidas? Então tomem lá,
que é para verem. Se não quiserem acreditar, não acreditem, mas quem o mediu
fui eu mesmo. Pois de envergadura media 2,20 metros e de grossura, na parte
junto à cabeça, tinha o diâmetro de 0,70 m. Digam-me lá se não era um peixe a
valer! “E esta hein!”, diria o saudoso
observador e jornalista Fernando Pessa, se tivesse a oportunidade de o ver
como nós a tivemos!
Quem ficou a ganhar foram as
fotógrafas que deram ali um show a todas a gente, quer da nossa, quer da vila
de Chocas-Mar. Muita, ali, se juntou e se admirou, tanto daquela beleza de
peixe, como dessoutras maravilhosas poses do rapaz que o segurava de várias
formas e feitios. E, de facto, todo aquele ritual, numa passerelle natural
feita de areia, pedra, coral e mar, merecia ser visto! E, ainda por cima, de
graça e tendo como fotógrafos, profissionais já consagrados no mundo da arte
da imagem! Quem não aproveitaria?
3- Entre a beleza do gado bovino
Terminado o “show”, partimos para a Muchelia, às
14.00 horas, para ali chegarmos às 15.20 horas. Ao chegarmos ficámos um pouco
decepcionados com o ar de abandono que apresentava o complexo residencial e
industrial. O que nos deixou com mais pena, ainda, foi a fábrica de sisal que,
está desactivada e a maquinaria a apodrecer, de tanta ferrugem e inacção.
A contrabalançar com esta
desolação estavam as várias manadas de gado bovino, qual delas a mais formosa
pela gordura que apresentavam. Aqui, mais uma vez, segundo os chineses (e não
só!) a “Gordura é formosura”.
Num pasto mais viçoso e perto da
maternidade, estão as “mamãs” com os
seus “bebés”; lá, mais ao longe,
várias manadas a pastar, para onde foram levadas, a partir das 4,30 da manhã.
Em breve, por volta das 16 e 16.30 horas, regressarão, aos estábulos, pachorrentas
de fartas e satisfeitas.
E assim acontece. Daí a poucos
minutos começam a chegar, manada por manada; e, cada uma destas, tocadas por
dois pastores. Mansas, belas, anafadas e de olhos meigos, parece quererem,
posar para a fotografia. Algumas delas até param e se viram para a máquina
fotográfica, como que a dizer: “Tira,
agora, se não desconchavo-me toda!”
Os fotógrafos não têm mãos a medir nem máquinas que cheguem. O Gil, se quiser
tirar uma fotografia.... (“Daquelas que
saem logo!” como dizem, por cá, os miúdos), a cada uma das vacas que pára e
olha meigamente para ele não ganha para a cerveja, nem muito menos para os
comprimidos, e tem de se aviar a tempo e horas pois a validade dos que tem só
vai até 2004!
Passamos, agora à Casa Grande,
ou seja, à residência. Para mal dos nossos pecados está fechada. Temos pouca
sorte, neste capítulo. Procuramos, mas não encontramos, nem o gerente, nem o
Veterinário. Ninguém que nos possa fornecer informações credíveis.
Ainda assim, tomo nota de alguns
dados que deixo aqui, sob reserva. A Plantação consta de um campo imenso de
sisal, terras de cultivo e pasto que nunca mais acabam. Parece que,
actualmente, ali pastam 3.000 cabeças, divididas em manadas de 200 cabeças
cada, sendo, cada uma das manadas, guardada por dois pastores. No total, trabalham,
aqui, 200 trabalhadores.
4- O lindo“Beijo di Mulata”
Notando, por ali, alguns pés de
buganvília quase a perderem-se, por ninguém cuidar delas, e por estarem perto
do “Beijo di Multa”, também esta a
perder-se em terra inculta e esquecida sinto pena e podo-as, tirando, de cada
uma delas, uma pequena noça para transplantar em Saua-Saua. Aqui, junto a mim,
talvez um dia, mais tarde, elas poderão perpetuar a minha memória, unindo-a à
daqueles que, na Muchelia, iniciaram o seu ciclo de vida.
5- Origem da palavra “Muchelia”
Por volta das 16.30 horas,
deixamos esta bela plantação que bem merece melhor tratamento. No caminho, o
Raimundo pergunta-nos se sabemos a razão do nome “Muchelia”. É claro, ninguém
sabe.
-
É
capaz, então, de nos dizer donde vem tal palavra? Pergunto eu.
-
«Claro.
Então eu vou contar. No princípio, sabe? No início, tempo de João, o patrão,
quando ele vinha visitar trabalhadores e queria ser agradável, procurava
perguntar em Macua como estavam eles. Ora, em língua Macua a pergunta “Como
está?” diz-se “Mu-cheli-lia” que é uma pergunta. A resposta é “Co-cheli-lia”.
Então patrão como não sabia bem, diz “Muchelia”. E assim ficou nome dele.
Então, as pessoas que trabalhavam na plantação de João quando queriam dizer aos amigos e vizinhos onde
trabalhavam diziam: “Trabalho no Muchelia”. Assim a plantação começou a
chamar-se “Muchelia” e, até agora, assim ficou».
6- O sol do anoitecer
Pela estrada, perto de Naguema,
o sol beija a terra, sofregamente, antes de se recolher aos seus aposentos. E
as nuvens que o acariciam, com doçura, dão a impressão de querer retê-lo, mas
sem sucesso, pois, minutos não são passados, e elas já não possuem dele senão a
saudade! O Sol, aqui, é de abraços rápidos e fugidios, tanto quando nasce, como
quando desvanece. A noite, por sua vez, avança também tão rápida, como a manhã.
E, nem uma, nem outra se podem gabar de o apertar prender por muito tempo. É
bem verdade: galã que tenha dois aposentos, e mais que uma amante, não tem
tempo p’ra descansar!
CPÍTULO QUINZE
DAS CHOCAS- MAR (MOSSURIL) A MALEMA:
UM DIA A NÃO ESQUECER
1- Surpreendidos entre Naguema e Namialo
A saída estava marcada para as
5.30 horas, do dia 12 de Agosto,
mas, como o sol despontava a essa hora, o Gil fez questão de o fotografar. Nós
assistimos, então, a um evento maravilhoso que, um dia mais tarde, gostaria de
rever e descrever.
Às 5.45h saímos, ficando em
casa, isto é nas Chocas-Mar, o Adelino e a Tabita, como já vem sendo habitual.
É que o carro não comporta tanta gente que, ainda para mais se faz acompanhar
por um montão de bagagem necessária ao trabalho que viemos fazer. Connosco
seguia até ao Namialo o Cláudio Pedro, irmão do Abdalah, dizendo que ia buscar
dinheiro porque já não tinham o suficiente para comprar comida. Fiquei admirado
pelo facto e dei-lhe algum dinheiro e uma sanduíche que comeu imediatamente.
Quando nos encontrávamos já no
alcatrão, entre Naguema[4] e o
Monapo[5], o
carro começa a soluçar e aos solavancos.
-
O que poderá ser? Perguntamos nós.
-
Querem
ver que vamos ficar em terra, responde o Gil.
-
Deve
ser a falta de gasolina ou o carburador sujo, devido à gasolina estar já na
reserva, digo eu.
-
Mas
o ponteiro ainda não chegou à reserva, comenta o Gil, que é o “Pendura”.
-
Dinho,
será falta de gasolina?
-
É
possível.
E eis que, palavras não eram
ditas e o carro para mesmo na estrada, no meio do mato.
-
Dinho
tem triângulo?
-
Que
pergunta, num carro sem nada do que é necessário, comenta alguém.
-
E,
no Monapo, há, mesmo, gasolina?
-
Há-de
haver, responde o Dinho, “mas às vezes falta, até por um mês inteiro”, continua
ele.
Olha que não olha, mexe que não
mexe, e o Dinho constata que deveria ser falta de gasolina. A nossa sorte éi
passar por aqui e agora mesmo um Chapa 100 que é o do Sr. Adam, já nosso
conhecido pelos fretes que nos tem feito para Saua-Saua. Este prontifica-se a
trazer-nos gasolina, para o que a Isabel
lhe dá uma nota de 100.000 Meticais
-
Este
carro é o máximo! Umas vezes é o sistema eléctrico, outras, o cano de escape,
outras é o pneu, eu sei lá mais o quê, comenta o Gil.
E olhando para o motor, o Gil
continua:
-
O
motor até está com boa aparência. A cablagem também.
-
À
parte dalguns pormenores, acrescenta o Fernando.
-
Pois
é isso que faz a diferença, continua, ainda, o Gil.
-
E a
matricula, observa outro, olhem como é que ela está afixada: com uma simples
fita adesiva! Assim é mais fácil mudá-la para outro carro!
-
Sabe-se
lá se este carro não é roubado e nós a fazer turismo com ele. Daqui a pouco
ainda a polícia nos revista e ficamos todos presos, diz o Gil.
Entretanto, eu ia escrevendo
algumas palavras directrizes. Vendo-me nestes preparos o Gil pergunta:
-
Estás
a escrever as memórias?
-
Podem
servir de indicação.
-
Olha,
então podem ter o seguinte título “Memórias dum grupo de tansos por terras
d’África”.
Daí a pouco, passa um grupo de
camponeses que se admiram de nos ver a penates
-
“Coitados”,
dirão eles, “estes brancos devem ser uns tesos. Num carro destes e a estas
horas! Devem ser alguns “drogaditos” ou tontos, que vêm correr mundo em busca de
melhor sorte”!
-
De
facto, em parte, até tinham razão. E, quem soubesse ler, ficaria a pensar que
era mesmo certo, pois na porta de trás estava escrito: “EL MARGINAL”.
-
Olhem, lá vem mais um “chapa”! Que
inveja tenho eu dos carros que passam, diz o Gil com o seu chapéu na cabeça. Chapéu que era branco, mas que
o não será durante muito tempo, pois, já está a tornar-se castanho, tanta é a
poeira que entra pelos buracos, sem fim, do dito calhambeque!
-
Aí vem o meu pai, diz o Dinho, ao avistar uma carrinha bege.
-
Agora é a tua vez, diz o pai, ao parar e cumprimentar o filho (Dias
antes fora o Dinho que tivera de desempanar)
Feitas as apresentações, o
Senhor dá uma vista de olhos ao motor e diz que, na verdade, é falta de
gasolina. Esta chega dentro de momentos, ao mesmo tempo em que são devolvidos
30.000 meticais como troco dos 100.000, adiantados pela Isabel. O pai do Dinho
desenrasca-nos, mexendo aqui e ali e metendo gasolina no carburador para ferrar
o motor.
Às 8.30 horas recomeçamos a
nossa viagem, até ao Monapo onde abastecemos, metendo 60 litros de combustível,
num valor de 686.000Mts que são pagos pelo Gil.
2- Do Monapo a Nampula, via Namialo: a magia dos buracos
Já a caminho, os buracos são
tantos, que, quando a estrada se apresenta com melhor aspecto, o Fernando diz:
“Aqui há falta de buraco”. Pela
estrada fora encontram-se carros em estado semelhante: uns sem gasolina,
outros com pneus furados, outros, ainda, sem um ou mais pneus.
Tal é a desgraça que por aqui
vamos vendo que o Fernando comenta, a determinado momento:
-
E
ainda dizíamos mal de Marrocos, o ano passado!
-
É
para veres, retorqui eu. Bem te dizia que Marrocos comparado com Moçambique
era um paraíso, no que diz respeito a estradas, gasolina e carros empanados.
-
Olhem-me
para aquele Chapa. Vai a arrastar com o peso de tanta gente que se amontoa como
fardos de palha e se agarram uns aos outros com unhas e dentes para não caírem
dele abaixo!
Eu, que vou atrás, até volto a
ser fumador, com o fumo dos fumadores que vão nos bancos da frente. Tal situação
poderá inverter-se se os lugares fossem invertidos. Mas o certo é que ninguém
se, além de mim, se lembra ou quer lembrar-se disso e eu não me atrevo a propor
mudança alguma.
Perto do Namialo vemos alguns
algodoais, mas já sem algodão. Às 9,15h chegamos a essa povoação, onde paramos
para deixar o Cláudio e irmos ao café. Ao regressarmos ao carro para seguirmos
caminho, verificamos que este está, outra vez, em dificuldades e o Dinho em
apuros. Não há energia, segundo ele. Olha que não olha, o Luís vê que a
corrente está cortada por um botão que tinha sido accionado inadvertidamente.
Regularizada a anomalia, retomamos o caminho, em direcção a Nampula.
À medida que nos aproximamos
desta cidade vamos avistando morros colossais bem desatacados da planície. Ao
princípio parecem mesmo cogumelos a surgir da terra, após as primeiras chuvas
de Inverno! Mas, vistos, melhor e de mais perto são morros de formas, deveras
insólitas, como já o tínhamos notado quando sobrevoámos essa zona. São os
célebres “inselbergs”.
Perto já da cidade, são tantos e
tão profundos os buracos na estrada que é preciso sair dela e metermo-nos pelas
bermas ou campos contíguos. Topógrafos, vemos nós que estão medindo, mas para
quando será a reparação, isso é que está e continuará a estar no segredo dos
deuses! E depois de ter visto uma casa curiosa com este letreiro engraçado:”Assim
começa a vida”, olho para dentro de mim e aplico-o a tudo o que nos tem
acontecido. Os ponteiros do meu relógio estão sobre as 11.00 horas e damos
entrada na cidade de Nampula. Mais uns 8 minutos e chegmos a casa do Sr.
Roberto Duduli[6], o dono do carro.
3- Curto intervalo em Nampula
Como ele não se encontra em casa
por ter ido ao aeroporto, esperamos. Ao chegar, lamenta-se porque estamos a
gastar muita gasolina. Ao dizermos que o carro está muito velho, ele responde
que estava, supostamente em condições para umas pequenas voltas nas Chocas,
Nampula, e por ali, mas não para ir a Gurué. Dizia que o contrato não previa
tal situação!
Depois de alguma discussão propõe
ir ele connosco e deixar o Dinho em Nampula. Nós recusamos e pegamos de nós e
vamos procurar chaves para o pneu e outro material que julgámos necessário,
como um bidão para transportar gasolina (que custa 50.000 Meticais, pagos pelo
Gil), não fôssemos nós ficar, outra vez, em terra.
Dirigimo-nos, de seguida, à Casa
Grande de JFS, chegando à 12.35h. Aqui
espera-nos, ansiosamente, o gerente Ebraim. Apresenta-nos o guia,
Calisto Eduardo e diz-nos que fizéssemos a volta ao contrário, do que tínhamos
programado, ou seja: Malema, Mutuali
e Gurué. Poderíamos ficar a
dormir em Mutuali, se lá chegássemos
a boas horas ou em Malema, no caso contrário.
Saindo dali, vomos almoçar ao
Hotel Tropical, onde nos é servido um prego no prato e uma cerveja, ficando a
conta, nossa e dos acompanhantes, depois de arredondada com a gorjeta, em
800.000 meticais Perguntando pelos preços duma diária, é-nos dito que um casal
poderá dormir por 80 US dólares.
4- De Nampula a Malema
À saída, metemos gasolina
enchemos os dois bidões (435.000MTS e metemo-nos a caminho, parando na zona de
Canroa (= “não vou”). Uma
picada formidável. Há mato e capim por todo o lado. Bom para fotografar. O
capim, nesta zona ultrapassa os dois metros de altura e era muito espesso.
-
Isto
é que é a África de que nos falavam, dizi o Gil. São, agora, catorze horas e
quinze.
-
Com
um Ibondeiro e tudo, coisa que já não víamos, há muito tempo, diz o Fernando.
-
E
alguma árvore de sumaúma, à mistura, acrescento eu.
-
O
carro até anda melhor, parece que está a regenerar, comenta alguém.
-
Que
belas imagens irão ficar, diz o Gil
Mais à frente vê-se um grupo
grande de pessoas sentadas na linha do comboio que liga Nacala, Nampula, Interlago e Kuamba. Estamos em Mintinga
-
Que
estão a fazer?
-
Estão
esperando pelo comboio que é puxado ainda a lenha, responde o Calisto.
-
Olhem,
como está a estação! Toda destruída. Os vagões a apodrecer, e a casa do chefe
da estação, sem concerto.
-
Foi
a guerra, continua o Calisto.
-
Guerra
maldita, que não deixou nada para ninguém, penso eu!
Seguimos para Caramajoa
1. O panorama é espectacular! A toda a nossa volta erguem-se
majestosamente uns montes de porte incrível! Um chamado Bussu albergando
uma caverna, à esquerda, outro à nossa retaguarda, de nome Chalaua (assim
denominado, em honra de um antigo e célebre régulo da região)! Nas margens da
picada baloiçam, em gestos melancólicos, bambus da china e descortinam-se, mais
ao longe, campos salpicados de árvores frutíferas: mangueiras e cajueiros.
Perguntamos ao nosso guia se há
leões, por ali. A sua resposta é rápida e concisa:
-
Nada.
-
E
cobras?
-
Pode
vir a existir
-
São
venenosas?
-
Algumas,
sim.
Em Necubure,
distrito de NAMINA, passa o comboio, a apitar e a largar fumo, formando um
rasto de nuvens escuras, atrás de si. Junto da estação, amontoam-se troncos grossíssimos
de Chanfuda, madeira muito leve e
que, por isso mesmo, serve para fabricar embalagens.
Daí a pouco, damos entrada no
distrito de RIBAUÉ[7].
São as 16.37 horas e o sol prepara-se para fazer as suas despedidas. O
Fernando faz, aqui, algumas fotografias. Seguindo viagem, chegamos a Chica,
nome dado, tanto à povoação, como ao Monte que existe perto. Neste vêem-se
algumas cascatas de água ou de calcário, que, neste caso parecem ser vestígios
de cascatas autênticas noutras estações ou noutras eras.
Mais à frente, vê-se, lá ao
longe, do lado esquerdo de quem anda, um monte arredondado, sendo todo ele
constituído por areia, segundo dados fornecidos pelo Calisto Eduardo. Andando,
sob o céu afogueado, reflexo do galopar do astro rei a correr para o lado de lá
dos montes, chegamos a Caiaia, às 17.20h. Aqui e a esta
hora o Luís recolhe as últimas imagens deste quadro fabuloso, pintado pelo
artista Sol na tela imensa que se forma pela conjunção da Terra e do
Firmamento!
Passamos, agora, pelo Posto
Administrativo de NAM ICONHA e, às 18.00h damos entrada na Vila de Ribaué, onde
existem armazéns de Tabaco de JFS. Aqui descansamos durante alguns minutos e,
depois de tomar alguns refrescos num café que se encontra à saída (perto das
instalações de uma ONG, onde se pode pernoitar, segundo nos disse o rapaz do
café), saímos para Malema que se encontra a 65 km, e que é servida por uma picada
infernal!
5- Em Malema: o fantasma de um mosquiteiro
Ao chegarmos não vemos ninguém à
nossa espera. Deveria receber-nos, Da. Joana António Correia, mas esta, só
aparece depois de um empregada a ir chamar. Esta chega, cumprimenta-nos
amavelmente e pede-nos desculpas por não estar prevenida.
-
Mas,
não faz mal, iremos jantar ali em cima,
diz ela, com um sorriso nos lábios,
E, metendo-se no nosso carro,
conduzi-nos até ao complexo turístico, Lodge Mapuanha e Filhos onde
iremos jantar e pernoitar[8]. Uma
vez ali chegados, leva-nos às Informações e pede para nos distribuírem por
bungalows e nos servirem jantar e pequeno-almoço, ficando as despesas por conta
da Empresa JFS.
Depois de instalados, cada um
recolhe-se na sua própria intimidade e, só, depois passará palavra aos
restantes.
Eu, no banho senti-me mal. Ia
desmaiando, mas lá me aguentei, indo jantar, sem nenhum apetite. Nessa noite
encontravam-se, ali hospedados, muitos estudantes universitários que, ali, se
tinham juntado para um encontro de juventude. À noite, e por ela dentro,
dançaram e divertiram-se, à grande, em nada diferente ao que acontece com a
nossa juventude portuguesa, em dias ou noites de discoteca.
Após o jantar saí mais cedo,
depois de pedir licença aos outros elementos do grupo, e fui deitar-me. Antes
dos restantes se deitarem, o Luís teve a gentileza de bater à porta do meu
quarto, dizendo-me que o acordasse, a qualquer hora da noite, se me sentisse
mal, pelo que eu agradeci, reconhecido.
A noite passei-a bastante bem e
sem problemas. Problemas teve ele, afinal, e o Fernando, devido ao Mosquiteiro
e à falta de energia. Tanto um, como o outro, pelos vistos, nunca tinham
dormido debaixo de uma rede daquelas.
Bonita figura! A determinada
altura, sentem-se como peixe capturado, ou como tigre enjaulado. O Luís, de
livro na mão, e a ler o que pôde encontrar para enganar o sono, julga-se um
mísero mortal a sofrer de claustrofobia e amaldiçoa aquele pequena, mas
ameaçadora boneca circular e bojuda de saiotes brancos a querer tapar-lhe a sua
quebrada inocência!
Ainda, assim, pensativo,
apagam-se as luzes! É, então o fim da macacada. Aterrorizado, não sabe o que
fazer. Metido entre uma rede, e sem luz para ver o que poderá acontecer-lhe,
sente tantos e tais calafrios que fica imóvel, por alguns instantes! Daí a
pouco, e movido pelo medo, ou respeito pelo desconhecido, acende o isqueiro, e
com este a vela que se encontra já preparada na mesa-de-cabeceira. Fica, então,
a saber, que a luz pode ir-se embora, de vez em quando. A vela é sinal disso.
Se a luz não voltar, pensa ele, não vou dormir sozinho. Terei que ir para o
quarto de outro colega. Ainda com estas lucubrações, ouve ruídos que vêm do
quarto do lado. É o Fernando que se debate também com a figura sinistra do
mosquiteiro.
-
He pá! És tu, Fernando?
-
Sim,
não consigo adormecer.
-
Eu
também, não. Com esta coisa aqui por cima de mim, nem sei o que pareço. Vou-me
levantar e sair daqui.
-
Mas,
olha, que não há luz.
-
Porquê?
-
Desligaram
o gerador. A festa acabou.
-
Que
gerador?
-
O
que dá luz a todo o complexo, pois não há outra espécie de electricidade!
-
Ah,
sim? Então o melhor é procurar dormir, mesmo assim.
E lá passaram a noite, quer entre
sons estridentes, vindos de perto e de longe, quer debaixo de sombras nocturnas
inventadas pela imaginação ou motivadas por alguma barata voadora ou por algum
mosquito que espreitava apanhar a sua vítima fora da rede protectora!
De regresso às Chocas-Mar o
Adelino descreveu em poucas palavras o que se passou, ali, e, em Saua-Saua, na nossa ausência:
“12-08-04:Adelino e Tabita. Alvorada às 5.30h. Fomos a Saua-Saua no
Chapa 100 ver o andamento das obras e saber das necessidades dos vários mestres
(pedreiro, carpinteiro e canalizador). Foi-nos pedido para comprar: fita
métrica de 5m; lixa, pregos parafusos, ferro para se fazer a tampa da fossa e
50 m de rede mosquiteira (para as janelas, precise-se). Ao fim do dia tivemos
um encontro com o Sr. Falcão (o português do café), no sentido de nos levar a
Nacala para levantar dinheiro e transportar materiais que iríamos adquirir”.
CAPÍTULO DEZASSEIS
DE MALEMA A MUTUALI: O TABACO E O ALGODÃO
1- Ainda em Malema[9]
No dia 13 de Agosto, acordei às 5.30 da
manhã. Esperei pela Isabel que se encontrava
no quarto ao lado e, como esta me disse que esperava pelo Dinho que
dormiu com o Calisto noutro Bungalow, ao lado, fiquei com ela à espera também.
Caindo na conta, porém, de que melhor seria deixá-la sozinha, porque ser-lhe-ia
mais agradável esta última situação e comodemorassem, aproveitei e fui andando
para o restaurante, sentando-me à espera do Fernando que, pensava eu, andava a
fotografar. Mal sabia eu, nessa altura, que ele e o Luís tinham passado as
passas do Algarve, o que me foi contado, logo que ele chegou, sendo a partir
da sua descrição, depois corroborada pela do Luís, que fiz a descrição do
capítulo anterior.
Como tinha sido combinado, na
noite anterior, o Fernando deveria ir fotografar a plantação e a fábrica de
Tabaco, e eu faria a cobertura jornalística. Assim, logo pela manhã,
dirigimo-nos ao dito local, indo connosco também a Isabel que, já tinha dado
sinais, à saciedade, de gostar muito da pessoa do condutor, ao ponto de lhe
jorrar água da boca, cada vez que nele pensava ou sempre que o podia ver e
desfrutar. Sem ofensa, mas as coisas são como são e, contra a maré, é difícil
remar, mesmo que nos esforcemos por isso! Além disso, nada tenho contra um
romance de amor, sobretudo quando ele é bem vivido e sem incomodar ninguém! Ao
chegarmos, ali nos esperava, já, a Da. Joana A. Correia.
2- Processo de fabricação do tabaco
Apresentadas as saudações
matinais, conduziu-nos, primeiro à fábrica e depois à plantação. Na fábrica
explicou-nos que toda a industrialização do tabaco funcionava por meio de dois
sistemas: o sistema empresarial e o sistema Familiar. Enquanto no primeiro,
todos os mecanismos dependem e são accionados pela própria empresa, no segundo,
os mecanismos repartem-se pela Empresa e pelas famílias camponesas. Isto é: os
camponeses põem o terreno e o trabalho, ficando a cargo da Empresa a oferta
dos “insumos”, ou seja, de tudo o
resto: ensinamento e acompanhamento técnicos constantes, fornecimento dos
materiais e adubos necessários para que haja uma boa campanha.
Depois, mostrou-nos as várias
fases pelas quais passa a elaboração do tabaco que vai desde a preparação da
terra em canteiros, passando à dos viveiros e ao plantio ou transplante para
terras mais duras e secas. Desta passa ao crescimento e amadurecimento das
folhas e, a partir daqui, ao corte ou desfolhada, indo directamente para a
secagem.
A planta, começando a contar da
folha mais velha até à mais nova, produz quatro classes de folhas que levam a
nomenclatura X, C, M L, no sentido de importância e valor. A planta é muito
complexa e bonita, mudando de cor – do verde ao amarelo –, à medida que vai
crescendo e tornando-se adulta. O corte da folha processa-se lenta e sucessivamente,
seguindo o tempo da sua maturação.
A secagem é diferente para cada
uma das qualidades de tabaco, ali produzidas. O Tabaco Burley, já muito em voga
na região e na Empresa JFS, é levado e pendurado ou colocado em redes numa casa
ampla, ou telheiro que são bem arejados. Ali, à sombra, mas em contacto com o
ar fresco e constante, vai perdendo a humidade e secando lentamente. Depois é
atado em pequenos manhuços, ou manocas, segundo a qualidade das folhas,
chegando-se a constituir as seguintes classes: X1; C1; X2; X3; X1S; X6S; X7S.
Esta é a última qualidade. Esta última operação deve ser feita pela manhã,
quando as folhas estão ainda brandas. A partir das 10 horas, começam a
tornar-se ásperas e partem com facilidade.
Às folhas que se transformam em
refugo, e que já não servem para a constituição de manocas, tira-se a nervura e
aproveitam-se os restos que são triturados, servindo para o consumo. Por último
o tabaco entra numa espécie de prensa, onde se encontra uma forma, para ser
calcado e tomar a forma adaptada ao saco e ao espaço que irá ocupar no
contentor de transporte. Feito isto, é ensacado e etiquetado, ficando, assim,
preparado para ser enviado para os compradores que o transformarão em provisões
de consumo.
3- A caminho de Mutuali
Após a explicação fornecida pala
Da. Joana e seus colaboradores, sobre o modo de cultivar o tabaco, desde a
preparação da terra até à colheita, regressámos ao Complexo Mapuanha e Filhos, a fim de pegarmos nos
outros elementos do grupo e partirmos para Mutuali.
Ao chegarmos, por volta das
9.30h, ainda eles não estavam preparados, nem para tomar o pequeno-almoço,
quanto mais para partir! Fomos, então atestar o depósito de gasolina, à Estação
de Serviço, mas esta não tinha gasolina. Voltámos à JFS para nos fornecerem o
combustível necessário, após o que regressámos, por volta das 10.00h,
encontrando ainda os nossos amigos sem estarem completamente preparados para
partir. Já passava das marcas! Gente que não se preocupa em estar pronta a
horas dá poucas garantias de ser bom companheiro de viagem!
Partimos, pois, cerca das
11.00h. Pelo caminho presenciámos uma cena arrepiante. No rio Malema ( nascido
no Monte Namuli e cujas águas eram amarelas devido à poluição), vimos um miúdo
que se debruçava sobre elas para matar a sua sede, ignorando que, talvez
estivesse a abreviar a sua própria vida. Apesar da poluição, mais que evidente,
ele próprio a contaminara, lavando o seu corpo nela e lançando sobre ela um
nojento escarro! E ainda se admiram que haja cólera! O que falta parece ser,
antes de mais, uma boa educação para a saúde e higiene pública e privada.
4- Na região de Nacata
Em Nacata 2, encontrámos um magote de populares, debaixo de uma
árvore, com um monte de sacos de algodão. Esperavam a passagem de camiões e de
compradores. Mal viram os fotógrafos, movimentaram-se de maneira desordenada
para serem fotografados.
Mais, à frente, em Nacata1 (Namarrocola), encontrámos um
pelotão de militares, ou equipa de desminagem – The Hallow Trust. Programa de
Desminagem, sob a orientação de Alemães e Italianos. A prestação dos
seus serviços dividia-se em dois períodos de seis semanas no mato e uma na
cidade, correspondendo o salário dum militar nativo a seis milhões de meticais,
num país onde o salário médio é de um milhão.
5- Chegada a Mutuali
A chegada a Mutuali deu-se
por volta das 13.40 horas. Sacudimos o pó das maletas e da roupa, que não só
das sandálias, tal era a camada que nos cobria, por fora e nos atulhava por
dentro das narinas, ouvidos e... sei lá mais o quê! Após esta operação de limpeza
e saneamento foram-nos distribuídos quartos.
Entretanto chegou o Sr.
Administrador de Malema, autoridade máxima da localidade administrativa e o seu
séquito. Como, também ele devia pernoitar ali, os quartos foram, de novo,
distribuídos, por mandado do Sr. Director da Empresa, Eng. Virgílio Francisco,
que acabara de chegar à residência. Assim, o Gil e o Luís o Fernando e eu ficámos
em dois quartos com duas camas cada, enquanto à Isabel coube o quarto de
visitas, quarto de uma só cama com casa de banho privativo. Uma princesa a
viver rodeada por tantos príncipes e vassalos! Um quarto, todo ele propício ao
desfrute de sonhos cor-de-rosa e a suspiros de enamorados, há longa data,
separados.
6- Visita a uma Machamba de algodão: sua cultura e problemas
Depois de uma longa conversa e
explicações sobre África e seus encantos, e sobre a organização da Empresa,
fornecidas pelo Eng. Virgílio Francisco, fomos ver a colheita do algodão a uma
machamba. Tratava-se de um algodoal familiar. Neste, toda a família ajuda.
Conduziu-nos o Sr. Pedro, na carrinha do próprio Director da Empresa e o técnico
Carlos explicou-nos o processo da cultura do algodão.
A planta não tem mais, de
envergadura, do que 40 a 50 centímetros. A haste não tem picos, mas sim uma
penugem, um pouco áspera. A folha é trilobular. A flor começa por ser
amarelada, passando a cor-de-rosa. Forma-se uma cápsula que cresce, amadurece e
abre com o calor, dividindo-se em quatro partes como se fosse uma estrela de
quatro pontas. Há outras, porém, que se dividem em apenas três. Isto foi-nos
mostrado pelo próprio técnico.
O algodão normal começa a abrir,
a partir da 1ª quinzena de Maio, no ano de boa campanha. O sequeiro começa a
abrir na 2ª quinzena de Maio. Segundo o técnico Carlos, para se ter uma boa
campanha, é bom semear cedo.
O grande problema que se coloca,
actualmente, ao sector algodoeiro é constituído pelas pragas dos insectos que
podem ser classificados como Sugadores porquanto sugam a seiva: Gafanhotos, ou
Mastigadores, enquanto comem as folhas, isto é, algumas espécies de gafanhotos
e as Lagartas.
Para as combater há dois
processos. O primeiro é através de Insecticidas (SAMPEC – Endolec).
Da fase do botão e da floração,
até à formação da cápsula, usam-se os Fosforóides. As lagartas mais comuns são:
-
Lagarta
americana que consome por dia uma cápsula, furando-a toda. Como esta lagarta
tem a duração de vida de 21 dias, ela destrói, em vida, 21 cápsulas;
-
Lagarta
vermelha/rosada que entra dentro da cápsula, comendo-a toda. Não sai de lá sem
comê-la, por completo. Só então vai para outra. Não é tão prejudicial como a
primeira;
-
Lagarta
manchadora que é de cor vermelha da folha. Mancha a fibra do algodão. Quando
adulta, ganha asas e voa de um lado para outro. Por metamorfose transforma-se
em lagarta e continua o ciclo.
Com este tratamento não há
verdadeiramente algodão biológico.
Para se ter o algodão biológico
combatem-se as pragas por meio da utilização dos predadores que são: os
louva-a-deus que comem os anfídios; a vespa que come os sugadores ejacides; a
aranha, a joaninha, etc. É claro, estes levam o nome de predadores e a praga
chama-se benéfica, pois eles encarregam-se de liquidar os vermes maus. Quando
há predadores, não convém, evidentemente, utilizar os insecticidas porque senão
morrem eles também.
Os produtores de algodão
organizam-se em Associações que, por sua vez, formam os Fóruns. Estes são
ajudados pelos técnicos da empresa os quais percorrem os algodoais para ensinar
o processo mais correcto da plantação, dando-lhes a bitola da maneira como a
plantação deve ser feita e haja melhor colheita e produção. Quando há pragas,
aconselham os camponeses a usar a cura mais adequava.
O grande problema com que se
debatem os camponeses é a falta de subsídios. Enquanto, noutros países, como a
América, Espanha, Turquia, etc. o algodão é subsidiado. Aqui não há subsídios
para ninguém. Os camponeses não podem fazer face às despesas que vão surgindo.
Se o Estado não subsidiar e não deixar que as empresas subsidiem, corre-se o
risco de mandar para o desemprego e para a fome cerca de 355.000 famílias, o
que equivale a 1.420.000 pessoas. As zonas algodoeiras mais intensas de
Moçambique são o Centro e Norte do País, isto é, as províncias de Zambézia,
Nampula e Cabo Delgado.
7- Industrialização do Algodão:
Depois de colhido, é ensacado e
posto à abeira das picadas/estradas, devendo estar escolhido segundo as
categorias 1,2,3,4,5,6, formando, assim, os seis tipos de algodão. Mas os
camponeses não fazem essa selecção. Assim, esta terá de ser feita na fábrica.
Muitas vezes metem pedras ou molham o algodão para pesar mais. Para verificar
se todos os sacos estavam viciados faz-se, de vez em quando, uma experiência.
Deitam ao chão um saco se este não saltar é sinal de que algo ali está de
estranho. Mandam-no abrir e verificam...
Existem várias fases na
industrialização do algodão, consoante verificámos na Fábrica do grupo JFS:
1º A Selecção ou Escolha
e introdução no Tubo de sucção. O algodão que está amontoado num armazém é
sugado e levado para a fábrica de descaroçamento.
2º Descaroçamento. O
algodão, aqui, passa por uma máquina munida de serras que separam o algodão do
caroço. Normalmente o caroço representa 65% do peso, enquanto a fibra de
algodão é apenas de 35%.
Esta fábrica (velha) vai ser
substituída por outra nova, no próximo ano. O edifício para esta está a ser
construído em frente à velha, ficando esta para armazém. O caroço serve para
rações de vacas, cabras, etc. e para óleo doméstico.
3º Enfardamento: Ao sair
da máquina de descaroçamento, o algodão separa-se do caroço, seguindo este para
um lugar e aquele para o outro. O algodão vai para a enfardadeira, formando
fardos que variam entre os 172 kg, 185kg. De cada fardo tiram-se duas amostras,
uma para ficar na sala de classificação, e a outra para ser enviada ao Instituto
do Algodão. Se aqui se perder, existe a amostra que ficou na Fábrica. Cada
Fardo tem a sua história: lugar de procedência, ou Empresa, tipo, qualidade,
número, peso bruto, peso líquido, etc. Por exemplo, num dos fardos que estava à
nossa frente estava escrito:
Nº----; PB = 172kg; PL =
169kg; SAN/JFS/MIL; REMO-40.
Esta fábrica tem a inscrição SAN
(Sociedade Algodoeira do Niassa) que era constituída por cotas. Nos anos 50 foi
adquirida, na sua totalidade, pela Empresa JFS, pertencendo-lhe, ainda hoje. A
Maquina de enfardamento tinha a marca MURRY
PIRATININGA-MÁQUINA DE ENFARDAMENTO, FABRICAÇÃO NO BRASIL – S. PAULO.
4º Pesagem da semente.
Depois, a semente vai a pesar. Cada saco deverá conter 30kg.
5º Secção das Turbinas de
sucção do algodão. Segundo informação todas as fábricas de algodão são de
concepção americana.
8- Tempo para histórias
Depois da visita à fábrica, que
nos foi mostrada pelo chefe, Eng. João Rodrigues, fomos jantar, à Residência da
Empresa, sendo acompanhados pelo seu Director que nos contou, durante o
aperitivo e o jantar, histórias de encantar sobre a África: os seus encantos; o
desejo do voltar dos portugueses antigos; as magias de África; os curandeiros,
a cobra que está na nascente das águas da montanha; etc..
O Administrador ajudou,
acrescentando partes da história como: a senhora que não tinha filhos e foi
pedir junto do túmulo dos régulos antigos para que intercedessem por ela e lhe
concedessem um filho, prometendo trazer a criança ao lugar para o mostrar e
agradecer o seu nascimento: o nascimento do filho; o regresso ao lugar para
apresentar o filho; os macacos que lhe tiravam a criança dos baraços e a
levavam para o cimo das árvores. A mulher que chorava; as pessoas que lhe
diziam para não chorar, senão os macacos deixariam cair a criança; Ela que se
calou e daí a pouco, os macacos começaram a brincar com a criança,
entregando-a à sua mãe. Vão lá agora a dizer a razão de tudo isto. Claro! Para
os Africanos isto foi obra dos espíritos dos Régulos antigos.
Entre outras coisas que foram
contadas durante a conversa, veio à baila a questão das estradas e da luz.
- “No que se refere às estradas, é ponto assente”, diz ele, “de que, se
o 25 de Abril se tivesse dado dez anos mais tarde, essas teriam sido todas
alcatroadas, pois as pontes já tinham sido feitas. Trata-se, é claro, das
estradas que ligam as cidades distritais. Mas, possivelmente elas teriam sido
destruídas durante a guerra civil, como aconteceu com a maior parte de casas de
habitação, fábricas, estações de caminho de ferro, etc. Actualmente, o Banco
Mundial vai injectando dinheiro para que se arranjem as estradas de terra
batida, mas estragam-se com facilidade e a manutenção é quase nula. E, durante
o tempo das chuvas e o tempo após estas, elas ficam num estado lastimoso”.
- “Relativamente à luz, que falta em quase todas as povoações, acrescentou,
o País parece que sofreu um imenso apagão. Diz-se que, em 2004, a energia,
vinda de Cahora Bassa, será distribuída por uma grande parte do país”
Questionado sobre os meios de
transporte utilizados para deslocar, tanto o algodão, como o tabaco, o Director
da Empresa fez-nos saber que o meio mais prático é o camião, visto ser mais
rápido e, por conseguinte, o mais barato. Um dos problemas que se sente, a este
nível, é a precariedade dos meios de comunicação, relativos não só ao
transporte de mercadorias, como à comunicação verbal dos recursos humanos. Os
telefones são raros e as antenas para telemóveis têm pouco alcance, não
cobrindo senão uma parte ínfima do território.
No que diz respeito à produção
dos diversos produtos, aqui existentes, viemos a saber que, em certos sectores
tem baixado, por exemplo nos sectores algodoeiro, sisaleiro e cajueiro, sem
falar no da copra. E, de facto, por onde quer que passemos, vemos, infelizmente,
fábricas de proporções bastante grandes, completamente destruídas, à espera que
alguém as reabilite e as ponha a funcionar. Haja vontade política, que braços
para trabalhar existem muitos, mas ainda cruzados, esperando, embora, por quem
os queira contratar.
Neste mesmo dia 13 de Agosto, a Tabita e o Adelino que
tinham ficado nas Chocas-Mar tiveram a alvorada às seis da manhã e aguardaram
pelo Sr. Falcão que, tendo ido na véspera a Nampula, por ali ficar retido,
esquecendo-se do compromisso de os ir levar à Plantação. Em vez disto, fizeram
uma sessão intensa de estudo de Inglês, com uma meia hora de intervalo de
praia, pelo meio. O Adelino, ou aprende línguas (inglês e Macua) e ultrapassa o
medo das ondas, ou fica a dever muito à sua consciência, colocando a Tabita, sua
professora, em maus lençóis!
CAPÍTULO DEZASSETE
DE MUTUALI AO GURUÉ
1- O Nascer do Sol no Mutiali
Estamos no dia 14 de Agosto de 2002. É quarta-feira.
Esperançado, levanto-me às 5 horas e preparo-me para acompanhar o Fernando que,
já de pé, e de máquina na mão, anda de um lado para o outro, ansioso por
fotografar o nascer do Sol.
São, agora, as 5 horas e meia. Dirijo-me,
pois, ao miradouro da casa nº Um. É, aqui, que o Fernando espreita,
impacientemente. A posição é privilegiada! Lá longe, no horizonte,
descortinam-se as belas montanhas que, aqui e acolá, emergem com um pico mais
elevado, esbatendo a monotonia da serrania. A neblina e uma nuvem ou outra,
emprestam ao quadro um ambiente de mistério e de sonho!
Ainda escuro, as sombras são
quase inexistentes, tal é o vermelhão, no horizonte formado pelos raios
solares que estão para despontar. Um pouco mais e, à minha frente, avista-se o
espraiar da planície, meio às escuras e entrecortada com algumas queimadas que,
esfumando, deixam a impressão de estarmos perante pequenas velas a fumegar numa
imensa sala de visitas, em tempo de verão seco, sem iluminação artificial! Mas
eis que quase inesperadamente o sol começa a subir atrás da montanha, qual
alpinista, ofegante e desejoso de chegar ao topo! A cada momento que passa, o
clarão aumenta e os montes recortam o céu, delineando formas diversas e
enigmáticas!
Dentro de momentos surge, no
cimo do monte, uma circunferência radiada de cores vivas e ofuscantes. Mais
parece um ovni que chega, inesperadamente, de um outro planeta e que, agora,
quer pousar sobre o monte central da cordilheira! Momentos, depois, esse
aparelho gigante começa a esconder-se detrás de algumas nuvens, ao longo das
quais sobressai o espectro dos seus raios quentes e luminosos. Agora a frescura
dos primeiros momentos da aurora transforma-se e passamos a sentir que o calor
aumenta gradualmente. Começa o dia que promete ser quente!
E, pouco a pouco, os restantes
colegas mais amantes do descanso vão deixando os seus leitos mornos para se
embrenharem nos afazeres de mais um dia de descobertas.
2- A Cobra da Fonte
Ao pequeno-almoço, e falando-se
dos mistérios da África, o director da empresa JFS, que já se encontra em
Moçambique, há mais de trinta anos, recorda um episódio que se passou com ele
próprio.
- “Acontece que no Mutuali
a água que se consome vem dumas fontes que jorram da montanha. Segundo consta e
se diz entre os populares, nessa fonte existe uma cobra que não faz mal a
ninguém.
Um dia faltou água nas torneiras da empresa. Mandei que os canos fossem
limpos com uma mangueira de pressão, pois dizia eu, devem estar entupidos de
lodo que vem à mistura com a água, principalmente depois de umas boas chuvadas.
Os empregados fizeram a limpeza, mas a água não chegava às torneiras. Os
empregados diziam-lhe:
- Patrão, mande fazer cerimónia em
honra da cobra. Se não faz a água não vem.
- Qual o quê. Lavem outra vez os
tubos. Vamos ver.
- Nada Senhor. Água não tem. Deixa
nós fazer cerimónia.
- Bom, ide lá e fazei como quiserdes.
- E lá foram os homens à fonte. E, por mais incrível que pareça, a água
começou a correr nas torneiras da empresa. Acreditem se quiserem e se não
quiserem fiquem incrédulos, como eu o era antes. O certo é que, assim se
passou, para meu grande espanto”.
E, caro leitor, da minha parte, nada mais há, senão
transmitir-vos a história como ela me foi contada. A vós pertence acreditar ou
dar-lhe o devido desconto.
3- O Rapaz enamorado
O mesmo senhor contou-nos este
episódio que disse ter sido verídico também.
- “Um rapaz da empresa andava apaixonado por uma rapariga lá da aldeia.
Sempre que ela se dirigia a casa, ele esperava-a e seguia-a até à sua porta,
mas ela não lhe dava troco e, ainda por cima, desdenhava dele.
Um dia, já desesperado, vai ter com o feiticeiro. Depois de lhe ter
contado o sucedido, o feiticeiro disse-lhe o que devia fazer para conquistar a
moça.
-
Você
segue rapariga até sua porta. Vê bem onde ela põe os pés.
-
Sim,
Stá bem
-
Depois
dela ter entrado, você arrebanha a terra onde ela pôs os pés e traz dentro de
caixa a mim. E deixa comigo. Ela vai andar atrás de você
-
Sim.
Valeu.
O Rapaz seguiu, à risca, as instruções do feiticeiro. Mas tudo
continuou como dantes. A rapariga continuava a não lhe ligar. O rapaz vai, de
novo, ao feiticeiro que lhe manda trazer um pedaço da roupa da rapariga, coisa
que se afigurava mais difícil. Tudo fez, mas os resultados continuavam sempre
os mesmos.
O rapaz, vendo que, cada vez que consultava o feiticeiro era uma
porrada de massa que desembolsava, decidiu, seguir outro estratagema. Encheu-se
de coragem e foi falar com a moça, dizendo-lhe que estava interessado nela. E a
estratégia resultou.
Passados dias, o feiticeiro encontra-o e diz-lhe:
-
Então
os meus feitiços deram resultado, ou não?
-
E o
palerma do rapaz, ficou de tal maneira encavacado que não soube dizer nada.
-
Mas
a rapariga está ou não interessada em você?
-
Está.
Mas já não sei porque razão”.
O contador terminou por
esclarecer que o tal rapaz era filho de gente com posses e de bom-nome, o que
dá à história outra luz!
4- O Monte Namuli[10]
Há histórias que correm, entre o
povo, sobre o monte Namuli. Umas rezam que foi ali que nasceram os
primeiros homens Macuas, sendo o rio, um dos principais elementos que serviram
para a distinção entre homens brancos e homens negros. É que, diz-se, enquanto
os negros, não quiseram dar-se ao trabalho de se levantar da sombra em que
jaziam para atravessar o rio, em busca de melhor sorte, os brancos
levantaram-se afrontaram o calor e as correntes do rio, atravessando este e
diversificando a sua busca de bem-estar por todos os recantos. Assim se explica
que os brancos sejam mais prósperos e ricos, enquanto que os seus irmãos negros
têm de contentaram com a sombra da sua árvore que, para uns, é da bananeira,
para outros, a do cajueiro ou da mangueira.
Outras asseveram que, nesse
monte, existem vestígios de seres humanos muito antigos. Questionado sobre o
tipo de vestígios, um nosso interlocutor, o Sr. Calisto, prontificou-se a
dizer-nos o que constava, entre os seus compatriotas:
-
Que
vestígios são esses?
-
Trilhos
de bicicletas.
-
Trilhos
de bicicletas?
-
Sim,
patrão. E de carros.
-
Que
carros?
-
De
crianças, mas também de adultos e passos de pessoas.
Mas, como é que esses vestígios
aí apareceram é que não sabe explicar.
5- O tanque russo nº 715 e o Fantasma do poder
À saída de Mutuali, pela manhã,
passámos pela estação de Caminhos-de-ferro. Os edifícios estão arruinados,
assim como o comboio ou vagões que por ali apodrecem, à espera de quem os
remova. Mesmo em frente à estação jaz, igualmente, em ruínas, um tanque de
guerra, de tipo soviético, com o número 715.
-
Não
pode tirar retrato, patrão, disseram algumas pessoas, ao Luís que estava a
preparar-se para fotografar o tanque.
-
Porquê?
-
Nada.
Não pode.
-
Posso,
sim. Ainda ontem jantei com Sr. Administrador de Malema.
-
Ai
patrão! Tira a nós também!
6- Demandando o Gurué[11]
Voltando atrás e tomando a via
do Gurué,
passámos em frente à Escola Secundária, cortando à esquerda. Seguimos até à
estátua de Nossa Senhora de Fátima, perto da qual se encontra o Posto Administrativo.
Ali se fizeram algumas fotografias, seguindo viagem. Eram, então 10.58 horas.
Pelo caminho, ou picada, tivemos
oportunidade de ver campos semeados de feijão ebuiri, mapira, girassol,
bambu, abóbora, além de árvores frutíferas comuns.
Às 12.00 horas estávamos no
Posto Administrativo de Lioma (nome de um Régulo), do
distrito do Gurué, Província da Zambézia. E às 12,12h o Luís fez umas fotos a
uma choupana com montes, por fundo. Ao longo do caminho vi também plantações
de ou cassava, outro nome dado à mandioca, que é um “género de planta euforbácea, que compreende arbustos da América, cuja
raiz fornece uma fécula nutritiva de que se faz a tapioca”[12]. Na
Vila do Gurué vimos também Inhame com as suas folhas largas e em forma de
coração.
Às 12.35 h chegámos à bifurcação
Milange
que dá para a fronteira com o Malawi (diz-se que esta fronteira é
uma das principais para o tráfico de estupefacientes) e o Gurué, por onde
seguimos. Encontrámos, em algumas machambas, feijão manteiga.
Às 13.30 começámos a sentir uma
certa mudança e quase brusca. De abafado e quente passámos a uma temperatura
mais amena e fresca. Descendo um pouco mais, e chegámos ao Rio Nivagué,
em cujas margens havia uma espécie esquisita de árvore de tronco liso e galhos
salientes e largos e sem folhas. Disseram-nos camponeses que essas árvores, se
chamavam Caboucos. Numa delas havia um grande ninho de vespas que mais
parecia um grande mamão. Mais afastada estava uma mancha de eucaliptos, o que
nos fez lembrar um canto da Europa. Este sítio quase paradisíaco foi palco de
uma bela sessão de fotografia que durou até às 13.50, hora em que recomeçámos
o caminho. Para chegarmos à Organização CHÁ NAMRÓI, às 14.00h e ao Grupo
GULAMO, às14.10h. Os campos de chá eram belíssimos.
7- A planta do chá
Ao entrarmos neste reino do chá,
não resisto. Mando parar o carro e desço para analisar a planta que tanta fama
adquiriu, em todo o mundo.
As plantas são rasteiras – cerca
de 50 centímetros de altura; copa arredondada. Separadas umas das outras por
uns 80 cm ou um metro, apenas. As copas tocam-se; a folha é parecida à do
loureiro, embora menos alongada. Quando podadas têm o aspecto das nossas
sebes, aparadas. A flor é branca, de 5 pétalas, normalmente. A coroa tem
filamentos finos e de cor amarela. O seu cheiro é agradável.
A visão que se tem da estrada é
espectacular. É uma encosta dum lado e do outro, toda verdinha com as filas dos
arbustos do chá. Em volta pode admirar-se também a cordilheira dos montes que
nos acompanha quase sempre, ao longo da excursão.
8- Já no Gurué
Às 14.45 horas chegámos a Karela
Microfinanças, já dentro da Vila do Gurué. Queríamos comer. Mas a
patroa não estava e não havia almoço para ninguém. Seguimos um pouco mais
adiante, até à Rotunda principal, à volta da qual se encontram o café Dionísio,
o Cinema, a MASF Companheira do Progresso Agrícola Agroquímica do Gurué, Micoa
– Direcção Distrital, Coordenação da Acção Ambiental do Gurué; Bar Restaurante,
ao lado.
Fomos então almoçar. Tivemos
bifes com batata frita e ovo a cavalo. A despesa total, incluindo o motorista e
o guia, foi de 800.000 MTS o que veio a dar a cada um de nós 173.000 MTS.
Ao sair, subimos a rua, deixando
para trás a Rotunda. Encontrámos a Praça da Independência com um jardim e a
bandeira Moçambicana, feita em cimento. Seguindo, tínhamos o jardim, ao lado
direito, e, à esquerda, as Bombas de gasolina. Mais à frente uma Igreja e outro
jardim sobranceiro, servindo de miradouro. Olhando em frente, gozávamos duma
vista esplêndida. Arvoredo frutífero pela encosta, abaixo, e, lá ao longe, os
montes sempre a limitar a visão e a aconchegar a região. Voltando às bombas de
gasolina e olhando para o lado direito, pudemos admirar o monte Malissan
e por detrás desse, a cerca de 60km, o Monte Namuli, berço dos Macuas,
segundo a tradição popular a que já nos referimos anteriormente.
Deixando a vila do Gurué e
seguindo em direcção às plantações de JFS. Apanhámos o pôr-do-sol, às 17.10h.
Parecia uma bola de fogo. Foi outra sessão, para o Luís e Gil. Este dizia que
parecia uma bela romã.
Chegámos à residência de JFS por
volta das 20.00 horas. Tendo sacudido o pó, tanto da roupa como das malas e
sacos e falado com o gerente, Eng. Frederico, fomos tomar banho, após o qual
nos foi servido o jantar: fricassé de galinha com puré de batata e salada. Por
bebida tivemos água, Coca-Cola e vinho. Terminado este, eu vim para o quarto a
escrever estas linhas que terminei às 23.18 horas.
9- Adelino e Tabita nas Chocas-Mar
Enquanto nós percorríamos o
Norte, em busca das terras do chá, o Adelino e a Tabita continuavam a tomar
conta de Saua-Saua e, segundo dados recolhidos, depois do nosso regresso,
também eles se desunharam, como puderam. Eis como eles passaram este dia:
“ 14-08-2002. Alvorada às 6 horas da matina.
O Sr. Adamo chegou às 6:45 da manhã, tendo sido contactado, ontem, pelo
Raimundo, para hoje fazer o frete de ir a Nacala connosco. O condutor fez a
viagem quase toda a uma velocidade de 60/70 quilómetros por hora, fazendo uma
condução segura e poupando o carro. Mal chegámos a Nacala, fomos, de imediato,
ao BIM levantar dinheiro, mas o Multibanco estava fora de serviço, de modo que
aplicámos outra estratégia – levantar dinheiro, ao Balcão, com o cartão VISA.
Soubemos das condições para abertura de conta para estrangeiros e
espanto dos espantos, disseram-nos que era necessário, apenas, um milhão de
meticais. Aproveitámos logo para abrir uma conta. No entanto pensámos que o Zé
Matias devia também fazer parte desta, pelo que, noutra altura, teríamos de
actualizar a situação. Foi necessário um fiador, pelo que recorremos ao Sr.
Ciríaco, gerente da JFS de Nacala.
Fizemos muitas compras na JFS (cimento e mercearia) apesar de ser um
pouco mais caro do que em outros lados (ex., um saco de cimento mais 5 mil;
cerveja média mais 500). Outras compras foram feitas nas organizações MH, onde
trabalha um branco do Porto, tendo-nos feito um desconto de 10% e ficando
combinado que, em futuras compras, para a recuperação de Saua-Saua, nos faria
os mesmos 10% de desconto
Deixou-se o material na plantação, onde afinamos alguns pormenores – o
Canalizador ganha 60 mil meticais por dia e o ajudante é nosso. Encontramos o
Régulo em Saua-Saua, dando-lhe boleia, no regresso e um “saguate “de 50 mil.
Almoçamos às 16:15 h e fizemos um resto de tarde de estudo.
De realçar que fizemos uma boa relação com o condutor, o Sr. Adamo, que
a certa altura, estava constipado e com dores de cabeça e garganta, dizendo-nos
que ainda não tinha comido nada, o mesmo acontecendo no dia anterior. Demos-lhe
um sumo e um comprimido, no momento, levando uma reserva para os outros dias.
No fim da viagem, no acto de pagar, disse-nos que era para levar 900 mil
meticais, mas ia fazer 800 com todo o gosto. A sua esposa que viajou connosco
na caixa aberta, disse que nos iria oferecer um “achar”, que é um produto
picante para o caril (constituído por: limão, ou manga e outros condimentos”.
[1] Segundo dados recolhidos, em 1995, pela United Nations High
Commissioner for Refugees e pela United Nations Development
Programme; Cf. District development Profiles (UNHCR E UNDP, Mossuril
District – Nampula Province, Maputo December, 1997, pp.3-4
[3] Também conhecido, às vezes por Lombo, foi um Posto
administrativo da circunscrição do Mossuril. Tinha uma delegação aduaneira,
estação de telégrafo., posto e radiotelegrafia., escola primária e sede da
direcção, oficinas e demais serviços dos caminhos-de-ferro de Moçambique. Fica
na pequena enseada situada ao fundo e ao Sul da baía do Mossuril. Conserva-se
ainda o aeródromo, mas os hangares afins estão em muito mau estado.
[4] Pequena povoação do distrito de Moçambique, onde, em
1897, se travou um combate entre os nativos Namarrais e a coluna militar
comandada por Mouzinho de Albuquerque, já governador de Moçambique.
[5] Antigo Posto administrativo da Circunscrição do
Mossuril, distrito de Nampula: Tinha estação de telég. post. E de
caminhos-de-ferro. Hoje possui uma estação de combustíveis que serve a região.
[6] Cujo telefone é o 082,454925
[7] Ribaué, como circunscrição ou distrito, tem, como rios
principais, o Ligonha, o Lalaua eo Lúrio que limita a circunscrição com os
territórios do Niassa. Possui montes importantes, tais como: os Montes Ribaué,
Namacula e Naculué. Todo este maravilhoso conjunto, faz da região uma das
melhores de Moçambique quanto ao clima, encontrando-se a Vila do mesmo nome a
uma altitude de 540 metros..
[8] Situa-se na Avenida Principal, tendo por telefone e
Fax o nº (06) 216395 l: e como Mail: Mapuanha @ ZIP AIL. COM. BR. Este complexo
é uma possibilidade ou alternativa para comer e pernoitar.
[9] Antiga circunscrição do distrito de Nampula, com sede
em Entre-Rios. Foi criada em 1922, na sicessão dos extintos comandos militares.
Veio a ser extinta em 14/02/1934 e restaurada em 12/12/1942. Possui uma área de
5.350km2. É limitada a S. Pelo rio Ligonha, que a separa da circ. Do Alto
Molocué, a SO da região de Lujela, pelo paralelo 15º na extensão que corre do
seu encontro do rio Ligonha até ao rio Lúrio; a O.,NO.e N., pelo rio Lúrio que
a separa dos territórios que foram administrados pela companhia do Niassa e a
Este, da circ. De Ribaué, por uma linha quebrada que correr entre os rios Lúrio
e Ligonha e que no seu percurso encontra o rio Lalaua (Cf. Grande Enc. Port e
Brasil). Nessa altura Malema compreendia o Posto de Mutuali. O mesmo nome
Malema é dado ao rio de Moçambique que é afluente da margem direita do Lúrio
que nasce próximo dos picos do monte Namuli.
[10] Este monte é o mais alto do Gurué. Encontra-se situado
entre as Províncias do Niassa e da Zambézia, estando mais inclinado para o
território do Niassa. Trata-se de uma grande montanha, cuja altitude máxima é
de 2.700 m. Termina numa série de picos. Conhecidos por picos Namuli. É de
origem vulcânica e, ficando na linha de vulcões que se estende do mar Vermelho
ao Cabo, constituem o grupo orográfico mais notável da região montanhosa entre
o delta do Zambeze e o Rovuma. É neste grupo montanhoso que nascem o rio
Licunho e vários afluentes do rio Lúrio, como o rio Malema. Estes montes são
considerados os mais belos de toda a África, pela sua vegetação luxuriante. O
seu pico mais levado é o Namuli, existindo outros, como o Malesani, Meruli,
Meresi, etc.
[11] Município moçambicano da província da Zambézia, com
sede em Vila Junqueiro, que dista cerca de 400km da cidade portuária de
Quelimane, a capital da província. Ocupa uma superfície de 5.742 km2, com a
população de 85.000 h. A sua altitude média ultrapassa os 1.200 m. Na sua área
há montes com mais de 2.000 metros de altitude, chegando o pico do Namuli a
atingir 2.419m. trata-se de uma região muito fértil, com excepcionais aptidões
para a cultura do chá.
[12] Cf. Dicionário enciclopédico Koogan Larousse –
Selecções, vol. 2, Lisboa 1979, p.534.
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