Wednesday, December 26, 2012

MOÇAMBIQUE 2002 (IV)



ÍNDICE

9- Adelino e Tabita nas Chocas-Mar 50

CAPITULO ONZE

SITUAÇÃO DO MOSSURIL


Como hoje, dia 6 de Agosto, não saímos das Chocas-Mar, resolvi organizar algumas notas que tinha já comigo sobre o Mossuril. Não queiram encontrar aqui um estudo exaustivo e perfeito, mas, tão-somente, uma visão, um tanto pessoal, porquanto o reali­zei, mais com o coração e com as pequenas entrevistas que foi fazendo ao longo dos dias que por aqui passei, do que com uma investigação documental. Assim sendo jul­guei ser melhor descrevê-lo, atendo-me a estes pontos:

1- Área e População

Numa extensão territorial de 3.424 km2 com uma população de 162.415 habitantes, o distrito tem uma densidade populacional de 47 habitantes por m2. A capital terá cerca de 37.000, enquanto os deslocados atingirão os 0,6%, ou seja, cerca de 1000 indiví­duos[1]. Este distrito situa-se numa das seis zonas do país que foram classificadas como férteis segundo MSF/CIS. As colheitas são feitas geralmente no mês de Julho e o pior período que pode trazer fome é por volta de Dezembro. Quando as reservas acabam, as pessoas recorrem ao empréstimo junto de familiares e amigos e procuram trabalho sazonal. Os principais mercados abastecedores são Nampula, Nacala, Ilha e Monapo.

2- Meios de subsistência

A actividade principal é a agricultura, feita de maneira artesanal, chamada a agricultura doméstica. Esta actividade, porém, utiliza, sensivelmente 5% do território do distrito, ou seja, cerca de 17.256 hectares, o que representa quase nada, em comparação com os 3.424 km2 que compõem o distrito.
É sabido que para uma boa agricultura muito contribui a água. E por causa desta e da posse das terras há, de vez em quando, rixas entre os camponeses. A terra é paga quer aos familiares, quer aos amigos, vizinhos, governo ou partidos não identificados.
As espécies agrícolas mais comuns são o milho, arroz, cassava, sorgo, feijão e man­dioca. Segundo dados fornecidos pela FAO e WEP em 1996 havia 9.835 hectares de cassava, 1.380 de feijão, igual número de sorgo, 1.242 de arroz e 1207 de milho. Exis­tem algumas variedades de vegetais. Mas o grande problema com que se debate a população é a falta de sementes, fertilizantes e pesticidas. No que diz respeito a carne, os animais mais utilizados são a galinha, o pato, o pombo, a cabra, a ovelha, considera­dos domésticos e também a gazela, o kudu, a impala, a girafa, o porco-bravo que são, sem dúvida, animais selvagens. Também as árvores servem de alimento, como: a man­gueira, o cajueiro, a papaieira, a goiabeira, a laranjeira, a bananeira, etc.

3- Recursos energéticos

Para cozinhar utiliza-se ordinariamente a lenha e o carvão, embora haja quem utilize também a electricidade. A água é considerada, aqui, mais que em qualquer outro lado, um elemento de energia pessoal. Sem ela morre-se. Por isso se procura em todo o lado e se vai buscar a distâncias incríveis. O acesso às fontes é crítico. Existem 12 furos sim­ples e 43 poços no distrito, mas nenhum ou pouquíssimos têm bomba. Segundo as enti­dades governamentais do distrito não há participação local na manutenção desses mananciais de água. Deixam acumular a sujidade, terra ou folhas, mas nunca se dão ao trabalho de fazer a devida limpeza. Exemplo disto encontramo-lo em Saua-Saua, onde várias fontes e tanques de propriedade particular, foram e são ainda utilizadas pelos habitantes das aldeias vizinhas, mas deixaram entulhar tudo de lixo e pedras, e nunca mexeram uma palha ou pedra para as limpar. Foi preciso, a dona vir de férias e mandar fazer a devida limpeza, a seus próprios custos.

4- Bancos ou correios

Não há nenhum Banco, nem caixa Multibanco. O mesmo se diga de postos de Correio. Para ter acesso aos serviços destes bens, terão os habitantes de deslocar-se, ou à Ilha, a Nacala ou a Nampula

5- Transportes e Comunicações

O distrito é servido por serviço rodoviário e marítimo. Há estradas que ligam as povoa­ções, mas muito poucas em bom estado. A maior parte delas são picadas que se tornam quase intransitáveis, no tempo de chuvas. Só jipes conseguem passar e, mesmo estes, por vezes vêem-se em apuros para conseguir passar, principalmente em locais onde as pontes ficam danificadas e nos locais de lama. As melhores estradas são aquelas que ligam Nampula, Nacala, Ilha e Mossuril; Mossuril, Chocas, Matibane, Motomonho, Quixaxe e Mogincual. O transporte mais comum é o “Chapa 100” que anda quase sem­pre super lutado.

6- Saúde

O Mossuril possui apenas o nível primário relativo aos serviços de saúde, isto é: possui centros e postos de saúde. Os centros são três: o primeiro, na capital e tem vinte e três camas, o segundo, em Nuacha, com nove camas e o terceiro em Lunga com 10 camas. Este último não tem posto fixo de vacinação.
Os postos de saúde são quatro, e situam-se em Matibane (9 camas), Cabaceira Grande (sem nenhuma cama), Nomigo (1 cama), Chocas-Mar, com posto de vacinação, mas sem camas. Não existe médico permanente em nenhum Centro ou Posto. Existem, sim, assistentes ou auxiliares com conhecimentos básicos e/ou elementares.

7- Educação:

a)- Antes

Em 1995/97 o Distrito do Mossuril não tinha escola secundária, isto é do oitavo ano para cima. E hoje também ainda não tem. O nível mais elevado que possui é o 7º grau ou 7ª classe, ou seja a Escola Primária 2 (EP2) que tem a sua sede na Capital, Mossuril. Embora não houvesse camas nos dormitórios, havia oito latrinas. A escola que tinha sido reabilitada pela German Agro Action (GAA), tinha 4 salas, mas sem mesas. Tinha, ao todo, 135 rapazes e 28 raparigas, tutelados por seis professores.
Passando agora ao nível inferior Escola Primária 1 (EP1), segundo os dados recolhidos, havia, em 1982, 43 escolas em todo o distrito, mas só 31 estavam em funcionamento, enquanto as outras doze continuavam fechadas devido aos estragos causados pela guerra e por falta de alunos e de professores. Até 1995 nenhuma dessas tinha sido reabilitada. Assim, as escolas que estavam em funcionamento tinham, ao todo, 100 salas de aula e 5.596 alunos matriculados, sendo ensinados por 11 professores.
Ambos os níveis de escolaridade recebiam livros de texto, manuais do professor, livro de exercícios e giz, fornecidos pelo Fundo Escolar, em 1995, havendo, a partir deste ano em todo o distrito, 117 professores que eram responsáveis por 5.759 alunos, numa pro­porção de 49 alunos por cada professor.
Relativamente à classificação profissional dos professores, existe a informação sobre 122 professores, o que quer dizer que alguns professores possuem outras qualificações que não sejam a de professor.
Em 1995, segundo os dados recolhidos, 59 Professores tinham o 6º grau e mais um ano de estágio; 28 Professores tinham o 6º grau e mais 3 anos de estágio; 3 possuíam o 9º grau (um com dois anos de estágio e dois com três anos de estágio); 32 não tinham está­gio nenhum.
Segundo informação da administração do distrito não há participação da comunidade no sector da educação e não há meios para incentivar a população a essa participação
Os principais problemas neste sector são a escassez de Professores preparados, Mate­riais escolares, Alojamento para professores. Pois, na altura, havia apenas uma casa do pessoal e sete estavam em construção.

b) Actualmente

No dia 7 de Agosto de 2002 tivemos acesso a informação, acerca de duas Escolas do distrito:
-         Da Escola das Chocas-Mar (EP1) onde nos foram fornecidos os dados seguintes:
É uma escola nova, acabada de construir com o financiamento da Embaixada dos Esta­dos Unidos; começou a ser construída a 25 de Outubro de 2001; tem 6 professores e 413 alunos, sendo 231 rapazes e 182 meninas.
A escola tem três salas equipadas com carteiras à antiga portuguesa, um gabinete do director, actualmente chamado, Muedine Abdalah; uma pequena sala de professores e sanitários;
Fomos recebidos pela professora Ana Soares, que é nova nesta escola. Depois de nos ter dado algumas informações, chegou o director pedagógico, Prof. Abílio Betão que adi­cionou outras, tais como: A primeira classe tem 110 alunos, divididos em duas turmas; a 2ª classe tem apenas uma turma de 81 alunos; a 3ª tem 83 alunos numa única turma e a 5ª tem 82 alunos divididos em duas turmas;
As turmas são constituídas segundo os critérios de idade e do equilíbrio proveniente da distribuição dos sexos;
A razão pela qual existem três classes (2ª, 3ª e 4ª) com uma única turma, é simples: não há professores suficientes;
Não há cantina. Os alunos comem em casa, uma vez que as aulas são apenas de 3 horas diárias e por turnos: 1º das 6.30h às 10.10h; 2º das 10.20h às 13.45h; 3º das 14.20 às 17.00h;
Da 1ª à 4ª classe os alunos não têm exames, passam de ano, normalmente. No 5º ano, os alunos têm de se sujeitar a um exame nacional cujas provas vêm de Maputo;
Os professores são, alguns deles, formados no IMAP (Instituto do Magistério Primá­rio), que se encontra em Nampula e prepara professores para ensinarem desde a 1ª à 7ª classes. Este Instituto aceita candidatos que tenham o 10º ano e dá o diploma ao cabo de um ano aos alunos diurnos, ou ao cabo de dois anos, no caso de cursos nocturnos; e, enquanto não arranjam casa própria, pelo menos nas Chocas-Mar, ficam hospedados na antiga residência do professor primário que é propriedade do Ministério da Educação;
Os pais pagam as matrículas (que custam 10.000Mts), os materiais escolares, como cader­nos, lápis borracha, etc., enquanto os livros de texto são fornecidos pela Direcção Regional de Educação;
Questionado sobre as doenças mais frequentes, o director disse que eram as febres, dores de cabeça e diarreias. Nestes casos, são mandados ao Posto de Saúde que se encontra a poucos metros mais abaixo ou Centro Médico do Mossuril, quando o caso é mais grave;
Também lhe perguntámos se, pelo menos às vezes, lhes indicavam o Curandeiro, sendo a resposta redondamente negativa: “Nada. Não senhor”;
O início das aulas é anunciado com um toque estridente, produzido por uma jante de automóvel suspensa numa árvore que é percutida por um varão de ferro e a bola que rodava no terreiro era de trapos, parecida àquelas que eu chutei na minha aldeia beirã, nos anos 50;
Também, como no meu tempo de criança, a Bandeira Nacional de Moçambique é, todos os dias, hasteada na escola.
            Acerca da Escola da Capital – Mossuril (EP2).
Segundo dados recolhidos através de um aluno, esta escola possui: Dois dormitórios separados para meninos e meninas com camas, em beliches: de ferro e com esponja as das meninas; de madeira e com esteira, as dos meninos; Carteiras, à portuguesa, sen­tando-se dois alunos em cada uma.
Além de internos, a escola tem alunos também externos; os alunos pagam tudo: matrí­culas, livros e materiais escolares. Tem, neste ano, de 2002, 78 rapazes e 15 raparigas.

8- Recursos naturais e amores que vão crescendo

Ainda no dia 7 de Agosto, houve oportunidade para descobrirmos outras facetas do dis­trito do Mossuril. Logo pela manhã, por volta das seis da manhã, os fotógrafos e a Isa­bel saíram, sem destino certo. Deste grupo, uns teriam por objectivo descobrir belas pai­sagens, sem que a isso fossem obrigados por ninguém (pois os trilhos pisados por outros já não têm os mesmo encantos!), outros, porém, teriam em mente voos mais altos, ou conversas e amores, de todo secretos. Que a uns e a outros chovam bênçãos lá do alto e ardente empíreo, para que se diversifique a sua felicidade que, certamente, bem a mere­cem!
Nós, os restantes ficámos por casa. Uns puseram o sono em dia, outros lançaram mão do que lhes estava mais a peito. Eu, como já é costume, sentei-me, frente ao computa­dor, e lancei para o seu mini extensível cérebro, notas mal alinhavadas, como estas que se seguem sobre as Cabaceiras, Pequena e Grande.
A pouca distância das Chocas-Mar encontra-se a Cabaceira Pequena, que, nem sempre se pode visitar, completamente, sobretudo o seu extenso mangal, devido às águas que o inundam. Existem zonas, porém, principalmente as que ficam junto à costa que se podem visitar, facilmente.
Ultimamente tem-se notado uma certa azáfama da parte das autoridades, no tocante à venda ou concessão de terrenos que são procurados por estrangeiros para os transformar em estâncias turísticas, ou já que mais não seja para os reservar para o que der e vier. É o que parece estar por detrás de uma grande extensão ao longo da costa, a cerca de dois quilómetros das Chocas.
Com espanto nosso, verificámos, numa segunda visita à Cabaceira Pequena, que, ao longo da zona costeira e prolongando-se por bons quilómetros, a partir da Carrusca, existem 9 “Varandas”, isto é cabanas, feitas em colmo, para repouso, possuindo uma mesa, ao centro, e um pequeno terreiro próprio para a montagem de uma ou duas tendas. Viemos a saber, por meio do guia de um pequeno grupo, com o qual nos cruzámos, que se destinavam ao aluguer de quem quer que esteja interessado. Quanto ao modo do aproveitamento duma zona que se supunha pública, disse-nos o guia que é o fruto de um convénio entre um particular holandês, a Comunidade e a auto­ridade política do Lugar. Não será este holandês o mesmo que tem espoliado os antigos palácios portugueses?
Mais além, a cerca de 2 horas de agradável passeio, fica a Cabaceira Grande. Situada a Norte da Ilha de Moçambique, é uma localidade agradável, vivendo nela gente curiosa, como por exemplo, o P. Cirilo, um missionário italiano dos tempos de antanho, que por aqui ficou, tornando-se um autêntico filho da terra, pois que, com eles, comunga de todos os seus hábitos sociais e, até certo ponto, religiosos. É um bom falador, tornando-se, por vezes maçador. Mas a sua solidão, no que respeita a gente branca, faz com que se apegue a esta quando por ali aparece e lhe concede três dedos de conversa. Serve também de cicerone às suas visitas.
Do passado português, existem ali, como pudemos comprová-lo pessoalmente, muitos vestígios. Ali se pode admirar a grandeza de um grande terreno de cultivo, de uma Mis­são Católica com a sua Igreja, Escola e Creche, assim como a beleza do Palácio de Verão do Governador da Ilha de Moçambique, construído em 1765 e do Colégios das meninas órfãs, dizem uns, ou meninas nascidas de uniões furtivas de militares com nati­vas da zona, segundo outros. Vimos os poços que, segundo a tradição, abasteceram os marinheiros portugueses quando aportaram à Ilha e durante os primeiros tempos que ali viveram.
Perante aquele complexo grandioso, embora em ruínas, sobretudo o palácio, surgiu-nos a ideia de procurarmos meios de os reabilitar para os adaptar a uma escola, ideia que não é nossa apenas. Encontrámos, mais tarde, outras pessoas que comungavam destas mesmas. Será que este sonho virá algum dia a tornar-se realidade?

CAPÍTULO DOZE

ESCASSEZ DE MATERIAIS E DE MEIOS DE TRANSPORTE

1- Procura de Material

Tínhamos determinado ir, hoje, dia 9 de Agosto, a Saua-Saua, para apreciarmos o que já tinha sido feito, combinarmos o trabalho a ser desenvolvido a seguir, diligenciarmos a compra dos materiais necessários para o canalizador que, vivendo na Ilha, o contratára­mos para fazer a canalização da Casa Grande.
Por isso, levantámo-nos às 5.30h e saímos por volta das 6.00h, chegando à plantação cerca das 6.30 horas. Ao chegarmos dirigiram-se a nós, imediatamente, o João e o cana­lizador. Este mostrou-nos o trabalho já realizado, ou seja, a descoberta de todos os canos velhos e que precisavam de ser substituídos; a rede de esgotos ali antes existente: uma fossa exclusiva para a cozinha e duas, separadas, para a casa de banho (uma só para a sanita e outra para as águas do bidé e do lavatório). Afinal estava um trabalho de engenharia apurado. E, depois de nos ter indicado o que era preciso comprar, partimos em direcção a Naguema para ali deixar o João e Dinho que deveriam ir a Nampula para carregarem o material que tinha sido comprado no dia 31 de Julho pelo Adelino e Tabita e não trazido por não caber no carro. Ele só poderia ser transportado pelo autocarro público até Naguema e, daqui para Saua-Saua, por meio do “Chapa 100”.
Continuámos viagem até ao Lumbo, para ali deixarmos a esposa do Raimundo, de modo a assistir a sua avó que se encontravam doente. De regresso a Saua-Saua e passando, de novo, em Naguema, vimos que o João e o Dinho ainda ali estavam à espera de trans­porte para Nampula. Pegámos neles e levámo-los ao Monapo, porque, ali, era mais fácil apanhar transportes, autocarro ou chapa que fazem carreira de Nacala a Nampula. Dei­xando-os, regressámos à Plantação.

2- Génese de um Museu

Aqui chegados pusemo-nos ao serviço: verificámos que os trabalhadores contratados, tinham já feito a limpeza ao tanque que servia as pocilgas e estavam a limpar o que ser­via a máquina de descasque de arroz; limparam também as ervas que estavam dentro e fora dos tanques, dando-lhes outro aspecto mais apresentável; inspeccionámos os tra­balhos realizados pelos pedreiros e carpinteiros e estudámos a melhor maneira de dar nova utilização à antiga cozinha da Casa Grande, uma vez que a cozinha exterior pare­cia ser suficiente para as encomendas. Achámos por bem transformá-la em pequeno escritório de apoio, conservando a chaminé e o lavabo, depois de limpos. Quanto ao telhado que está todo negro, achámos que deveria ser substituído e o fogão, que é de ferro e grande, fomos de opinião que deveria fazer parte do futuro museu a ser criado para ser recheado com todas as peças antigas que por ali ainda andam espalhadas, como, por exemplo, o cofre, as máquinas de descasque de arroz, e do algodão, um tractor e outras coisas que desejamos não se extraviem.

3- Primeiras visitas

Tivemos a agradável surpresa de encontrar três casais estrangeiros que, ao ver-nos che­gar, se aproximaram de nós para nos saudar, pedir desculpas por terem invadido a pro­priedade e para nos perguntarem qual a intenção dos trabalhos agora começados. Foi também agradável saber que, pelo menos um deles, trabalhava e já tinha reabilitado uma casa na Ilha. Quando lhe perguntámos se, nessa localidade, se encontrava de tudo, deu-nos a seguinte resposta: “Há de tudo se houver dinheiro”. Pareceu-nos serem italianos e pertencerem à Cooperação Italiana.

4- Falta de materiais

Junto dos operários, especialmente dos carpinteiros, tivemos o pedido de ferramentas, lá para o ano que vem. Ferramentas, dizem eles, que aqui não existem, como quinadeiras, berbequins, serras eléctricas, etc. De facto, é uma dor de alma ver como estes trabalha­dores são pobres em tudo. O material que trouxeram para o trabalho foi um vidro para raspar, uma plaina para aplainar e um martelo para o que desse e viesse. E fazem mara­vilhas. Que faria se tivessem ao seu dispor ferramentas modernas, dessas que qualquer operário deste ofício tem aí, em Portugal! O pedreiro também me pediu se lhe dava os restos de chumbo das torneiras e tubos das casas de banho, pedido a que eu anui de bom grado, dando conhecimento do facto à Tabita e ao Adelino.

5- Nova análise da Água de Saua-Saua

Quisemos fazer, de novo, a análise à água da Fonte Grande. Tirando a água do cano velho, analisámo-la, logo ali, com o hipocloreto de potássio (?) e pelo comprimido teste e ficámos, verdadeiramente, bem surpreendidos quando nos deu logo a cor rosa na gar­rafa. Temos boa água também nesta fonte que é a de maior caudal e parece ser inesgo­tável.
Após o almoço cujo prato principal foi esparguete de frango e ananás, por sobremesa, permanecemos, por algum tempo, em amena leitura, à sombra da segunda mangueira, após o que regressámos às Chocas-Mar, onde chegámos, por volta das 16.30horas. Encontrámos em casa, só o Luís, agarrado ao seu computador e ordenando as suas foto­grafias do dia anterior. Nessa altura não vi os outros colegas. E, como vim logo para os meus aposentos, sentei-me em frente do computador para escrever estas notas, o que fiz até às 17 horas, não dando conta se estavam em casa a descansar ou se tinham saído.

6- Uma oficina à maneira

Eram as 7 horas e cinco minutos da manhã do dia 9 de Agosto. Pegámos em nós e fomos ao Mossuril, para arranjar o carro. Pelo caminho demos boleia ao Arlindo e levámo-lo mesmo até à sua Escola. Aqui tivemos a oportunidade de apreciar o largo Administrativo, constituído pela Administração, Escola (Ep2) – Direcção Distrital de Educação e a Sede da Acção Agrária Alemã (AAA ou, em Inglês GAA) que funciona com o apoio da Comunidade Europeia e, ainda, por um outro grande edifício que estava sendo reabilitado. Mais ao longe, do lado esquerdo de quem entra no largo, vê-se o Pontão São João. Todo este complexo é embelezado pela grande Baía do Mossuril.
Visto este complexo urbanístico de certo valor, seguimos em direcção à oficina para nos repararem o carro. Pasmem os mecânicos europeus que se queixam de falta de condi­ções de trabalho, quando se avaria o ar condicionado ou quando uma janela se estraga e espera por concerto! Pasmem os seus ajudantes que se encostam às paredes, quando lhes falta um macaco hidráulico ou eléctrico para levantar os automóveis e mudar o óleo ou para consertar as suspensões! Venham até aqui e verão como e em que condições se tra­balha!
A oficina é ao ar livre. Esperam encontrar um edifício grande e bem arranjado, com tectos e bem seccionados? Nada disso. Por muros tinha os arbustos do campo, por tecto, tinha a sombra de um soberbo cajueiro cujo tronco dava poiso também a várias peças velhas de automóveis e tractores que um dia rasgaram por picadas e terrenos de cultivo! Mais ao lado, havia um “telheiro” ou “colmelheiro” porque era feito de canas entrelaça­das que eram sobrepostas de colmo seco e bem liso, debaixo do qual estava a bancada com os dois tornos. E a ferramenta? Essa encontrava-se dentro da palhota do mecânico e só, de lá saía, quando este a pedia. Terminados os seus préstimos, ela voltava para o seu lugar.
O conjunto do material não vai muito além dum amontoado desirmanado de chaves de bocas, um martelo e uma ou duas chaves de fendas. Macacos? Só nas árvores do mato ou no carro que vai a compor. Maços de apoio? Para tal efeito servem os pedaços de madeira de camionetas que ali estacionam para serem arranjados, e/ou jantes de carros velhos, já desfeitos, ou tampos de motores gastos pelo tempo e corroídos pela ferrugem! Óleo lubrificador ou sprays corrosivos da ferrugem? Em sua vez, vai-se tirar um pouco de óleo dos travões do próprio carro para por nas porcas que se negam a desandar, devido à ferrugem e à calcinação, causadas pelo tempo, uso, temperaturas e poeira que se levanta em quase todas as estradas, penetrando por tudo o que seja frestas, buracos e janelas de plástico, improvisadas para manter o carro que no servia minimamente apre­sentável!
Ao chegarmos, o primeiro letreiro que vimos a indicar a oficina, foi a matrícula MMB-66-22 de um grande e velho tractor ao qual já faltavam algumas peças. Ao vê-lo pensei que fosse móvel da casa e sinal a marcar e indicar a garagem. Qual o quê! Era de um português das salinas que o trouxera para ali por causa de verter óleo, mas que nunca mais o tinha vindo buscar. Os rapazes estavam até preocupados porque temiam que alguém viesse durante a noite e o roubasse, ou lhe tirasse peças.

7- O conserto do Carro

O carro, uma carrinha toyota, levou:
-         Afinação do travão de mão,
-         Lubrificação do acelerador,
-         Arranjo das molas da suspensão de trás, lados esquerdo e direito,
-         Arranjo da mola de suspensão da roda direita da frente que já roçava no guarda-lamas,
-         Alinhamento da roda de trás, do lado esquerdo que gastava o pneu.
-         Soldagem e reforço do Tubo de Escape,
-     Manivela de tirar e colocar, no sítio apropriado, o pneu de reserva. Só esta manivela custou,                    50.000MTS.
O total de despesas do carro que tínhamos alugado foi de 350.000Mts, assim descrimi­nadas: 250.000MTS de mão-de-obra e de algum material; 50.000MTS da manivela; 50.000MTS de gorjeta
Os trabalhos do conserto terminaram às 10.20h, após o que regressámos às Chocas-Mar. A Tabita e o Adelino, saíram de novo, depois de terem comido uma sanduíche cada um, indo encontrar-se com o João e o Dinho que, supostamente, trariam os materiais pedidos para a canalização da casa de banho. Saíram sem esperarem pela Isabel que também desejava ir para levantar dinheiro, como tinha sido combinado, segundo me disse ela toda aborrecida, quando soube da sua partida.
O Gil ainda fez algumas fotografias a pescadores, nas Chocas, mas teve de as pagar ou com dinheiro ou com “postal rápido de pessoa ”, assim chamavam os pescadores às fotografias da máquina polaróide.

8- Saídas inesperadas e consertos a fio

Por volta da 15.30 horas regressaram às Chocas, sem terem ido a Nacala. O Dinho e o João só tinham saído de Nampula às 9.00 horas, chegando às 13. 30 horas ao des­tino onde os esperavam o Adelino e a Tabita. Ficaram em Nampula os tubos finos galvani­zados da água que não puderam vir. O Dinho falou com o motorista do “Chapa 100” que lhe garantiu que os traria na manhã do dia seguinte. Seria necessá­rio, portanto, que o nosso condutor os fosse busca a Naguema. Como o carregar, levar e descarregar em Saua-Saua levou bastante tempo, não lhes deu para ir a Nacala, regressando, por isso, às Chocas-Mar, à hora supra mencionada.
Pouco tempo depois o carro teve de ir, de novo, ao mecânico, para afinar os travões, pois ele guinava, cada vez que se fazia uma travagem a fundo. Com o Dinho, con­dutor, saiu a Isabel que aproveitou a boleia para fazer compras, às apalpadelas de mistura com afagos e olhares plenos de perspicácia!

9- Algumas ervas medicinais

Enquanto uns ajudantes do mecânico foram soldar o Tubo de escape a outro lado, outros dos que tinham ficado connosco foram-nos falando do poder curativo e comestível de algumas ervas e plantas que havia, por ali, e que iriam enriquecer a tese de mestrado que a Tabita andava preparando, como já dissemos, em Comunica­ção em Saúde. Eis aquelas que, também eu pude apurar:
Café (bom para a tensão arterial): é uma planta que não tem nada a ver com o verda­deiro café; é uma pequena planta de flor amarela e composta de 5 pétalas. As sementes são parecidas à linhaça ou a uma lentilha pequenina e é criada dentro de uma pequena vagem estreita. As sementes são cozidas. A água da cozedura bebe-se para levantar a tensão arterial.
Coqueiro (contra as dores de dentes): a sua raiz, sendo mastigada, tira as dores de den­tes.
Mucacana (contra a febre): é uma espécie de era. Fervem-se as folhas e bebe-se a sua água. A semente encontra-se dentro de um balão que, quando maduro, é amarelo. As sementes estão envolvidas numa película vermelha, sem a qual têm a aparência e o tamanho de uma pevide ainda não madura de uma pequena melancia. A folha tem tam­bém o recorte do da melancia, mas é menor.
Nachico (contra os torcicolos): É uma erva, espécie de corroios. Arranca-se ou corta-se e coloca-se à volta do pescoço. Três dias depois a dor passa.
Namicajuni (contra as hérnias): Esmagam-se as folhas num copo; escoa-se a água que se bebe. Cura, principalmente, as dores das hérnias do umbigo das crianças
Nhengueiro (Contra os inchaços): é uma árvore de grande porte, folhas pequenas e arredondadas, de flor pequena, tendo o formato das bocas de lobo; as sementes são tri­lobulares e encontram-se, dentro de vagens longas, e bastante avolumadas. As suas folhas servem para alimentação: ao serem cozidas, deitam uma água colorida que se deita fora. As folhas, depois de cozidas, podem preparar-se com outros alimentos. As suas raízes servem de bálsamo para feridas e inchaços. Para ser obter este bálsamo, esfregam-se e o sabugo que sai delas amassa-se e coloca-se em cima da ferida ou do inchaço.
Nunculaco (contra as cataratas) é uma erva que deita hastes compridas e cheias de sementes que se escondem dentro de invólucros, dando a sensação de um formigueiro agarrado a uma palha. As sementes são pequeníssimas. Tirando-as dos seus invólucros e colocando-as nos olhos que tenham cataratas, estas desaparecem, depois de uns dias. As folhas que são aromáticas, parece que podem ser usadas no macarrão para lhe dar o gosto.
Reperepe (contra a asma): é uma planta pequena, de flor amarela, semelhante à das giestas amarelas e de semente que cresce dentro de uma pequena vagem. As folhas são fervidas e o seu vapor deve ser aspirado para curar a asma.
Tapadia (contra os inchaços): corta-se um pedaço do tronco; raspa-se; o pó que sai é amassado com água morna que se coloca no inchaço ou ferida; é um bálsamo muito bom.
Uncurajava (contra a asma): é um arbusto de folhas largas terminadas em bico; dá uma flor em forma de taça de champanhe, bastante cumprida e virada para cima. A flor, depois de seca, esmaga-se e enrola-se num papel; fuma-se como se fosse um cigarro. As sementes encontram-se dentro de uma espécie de balão, defendido por bicos e, quando verdes, têm o cheiro de pimentão verde.
Unflor, também chamada “Beijo di “Mulata” (contra a diarreia): Coze-se a raiz durante 45 minutos. A água fica colorida de verde e é amarga. Uma hora depois de ingerida deverá fazer efeito, parando a diarreia.
Uracaca (Contra a Asma e sinusite): serve para curar a asma e também a sinusite, por meio de aspiração do vapor.
Para além de reparadores de carros, irreparáveis à primeira vista, estes rapazes moçam­bicanos possuíam também o dom de Hipócrates.
Ao chegar a casa, a Tabita pediu ao Luís para fotografar essas plantas medicinais, ao que ele reagiu mal, devido aos maus humores com que tinha acordado, possivelmente. Perante a estupefacção dos presentes, e movido pela contrição de um procedimento, tal­vez inadvertido, lá acedeu, momentos depois, ao pedido que lhe fora dirigido, fazendo umas belas imagens que ficarão para memória, na tese da Tabita!

10- Noite de descontentamento e notoriedade de um romance

À noite, entre as 17.00 horas e a hora de jantar foi tempo de sala de estudo para os meninos Tabita e Adelino, enquanto eu ia pondo estas notas em dia. Do outro lado, os colegas fotógrafos iam passando o tempo, muito insatisfeitos e desapontados (devido aos contratempos do carro e dos materiais para Saua-Saua que lhes ia atra­sando o ser­viço de profissionais da imagem). Também uma certa má vontade notada no condutor, e o contínuo apego da Isabel a este, desejando acompanhá-lo sempre que os fotógrafos queriam sair para fotografar, concorreu para aumentar esse des­contentamento. Começou a ser notório o romance entre os dois!
Na falta de melhor, os fotógrafos divertiam-se a jogar às cartas no computador e a con­versar, sabe Deus como e de que assuntos! Talvez do carro, do seu estado e do seu uso para os trabalhos de Saua-Saua e de companhias e seu modo de actuar que nunca aceita­ram de bom grado.

11- Primeiro copo de água de Saua-Saua

Ao jantar teremos frango assado na brasa, com piripiri, ou sem ele para quem lhe custa o seu ardor. Já está a crescer água na boca! A propósito de água: Hoje, há pouco mais de meia hora, bebemos a primeira água de Saua-Saua, depois de vermos o resultado cor-de-rosa num frasco que enchemos da garrafa que tinha sido recolhida na Fonte Grande, vinte quatro horas antes. As cobaias foram por ordem de veterania, o José, o Adelino e a Tabita. Se a experiência der para o torto preparem-se as tabu­letas do cemitério, nesta mesma ordem! Mas os três foram unânimes em reconhecer a leveza e o agradável sabor dessa mesma, confirmando, assim, o seu aspecto fino e límpido e a esperança de um dia puder vir a ser engarrafada e comercializada.

CAPÍTULO TREZE

UM DIA DE MOVIMENTO E APUROS

É já o dia 10 de Agosto, o futuro de Saua-Saua exige uma conveniente preparação, por­quanto ali falta tudo. Existe o terreno a ser posto a produzir e as habitações, fábricas e armazéns a serem reabilitados. E o tempo urge.
Enquanto os fotógrafos e a Isabel ficaram a dormir, a Tabita, o Adelino e eu levantámo-nos às 4.30 horas da manhã e saímos às 5.20 em direcção à Ilha para irmos buscar os electricistas, Srs. Lino e Mário[2]. Chegados à Ilha, às 6.45 horas, não os encontrámos, ali, mas tinham deixado recado de que poderíamos encontrá-los em Naguema.
De regresso, fizemos algumas compras (manteiga, batatas vinagre, guardanapos e dois sacos de plástico), num total de 220 meticais e mais não comprámos porque o mercado estava mesmo fraco, talvez por ser ainda muito cedo. Ao sairmos da ponte encontrámos o Sr. Lino que nos esperava, ali mesmo, e não em Naguema.
Feitas as apresentações, disse-nos para esperarmos algum tempo, enquanto ia chamar o seu colega, Sr. Mário, que vivia, ou se encontrava no Lumbo[3]. O tempo ia passando e eles não apareciam. É bem certo: aqui não há horas para nada. Marca-se o encontro, a uma hora, e não se chega, nem se parte no momento indigitado. Protelar o tempo parece ser próprio de quem deseja viver mais tempo do que aquele que lhe está afixado pela Providência. É que, acontecem sempre imprevistos, numa terra onde as insuficiências são grandes e as pessoas vivem ao sabor das conveniências próprias e do tempo que aquece e amolece contra a própria vontade. Logo que chegaram, convidámo-los a entra­ram no calhambeque memorável e lá fomos nós para o Mossuril, onde chegámos por volta das 8.00 horas.

2- Contada a distância, estabelece-se o número de postes

Chegados ao poste139 (que fica perto do Centro de Saúde), do qual sairia a linha para Saua-Saua, os dois electricistas, o Adelino e eu descemos do carro, enquanto a Tabita e o Dinho seguiram, nele, pela picada, até Saua-Saua. Tínhamos de medir a distância desde esse poste até à entrada da Plantação de Saua-Saua, quer, pela picada, quer, a direito através dos campos e em linha recta.
Pela picada, o “conta-quilómetros”, marcou 2 km até à entrada da plantação e 1 km desta à Casa Grande, enquanto, através dos campos e em linha recta, a distância que medimos, a olho, deu cerca de 1,5 km ou, no máximo, 2 km. Ao todo, e contando já com imprevistos, seriam necessários dez postes e três pórticos até à entrada da Planta­ção, onde, segundo os técnicos, ficaria melhor o Posto de transformação (PT), porque assim servir-nos-ia a nós e à população vizinha, se, mais tarde, esta o desejar e puder utilizar.

3- Custos, por alto

É usual cada poste custar um milhão de meticais e 350.000 para pô-lo de pé. O cabo de alta tensão é de 45.000 meticais o metro. Vamos optar por um transformador aéreo de 250 ou 315 KVA.
Segundo ele será preferível que compremos, nós próprios, o transformador, caso contrá­rio haverá um atraso considerável na realização da obra. Possivelmente serão necessá­rios 1.5 km a 2 km de cabo de alta tensão e 1 km de cabo de baixa tensão para a linha interna, acrescidos dos metros necessários para as baixadas para cada edifício. Os elec­tricistas prometeram ter o projecto feito, lá para 5ª – feira próxima.

4- Os contínuos problemas do carro enervam os fotógrafos

O Dinho regressou à Ilha para levar os electricistas e trazer para Saua-Saua os tubos da água. No caminho rebentou-lhe um pneu. Como não tinha chave para desenroscar os parafusos, viu-se grego, embora em África. Teve de esperar que alguém passasse e o desenrascasse. Chegou a casa, apenas, às 17.00h.
Como no dia seguinte os fotógrafos, a Isabel e eu teríamos de partir para o Gurué, o carro teria de ser arranjado, nesse mesmo dia. Por isso, a Tabita, o Adelino e a Isabel saíram com ele, dirigindo-se ao mecânico, para ver se este resolvia o problema da chave. Saíram por volta das 17.20h. Eu fiquei a arranjar a maleta para a viagem à terra do chá. Afinal o calhambeque tem-nos feito a vida negra! Talvez isso tenha sido para não destoar com a Terra em que nos encontrávamos!
Os fotógrafos, então, já não se calam:
-         “Há já dez dias que não fotografamos. Dez dias perdidos”, dizia o Gil.
-         Pois é.... É uma chatice”, continuava o Fernando.
Entretanto, o Luís abana a cabeça, sem dizer palavra, dando, no entanto, sinais de estar deveras desagradado e com pena de ter vindo a Moçambique, nestas condições tão des­favoráveis para o seu trabalho que nada tinha a ver com as suas digressões pelo Baza­ruto e outras do mesmo jaez! Mas, o que é que se há-de fazer? Ninguém esperava por aquilo que está a acontecer. Esperemos que, daqui em diante, as coisas melhorem.
Hoje trocámos dinheiro nas Chocas-Mar. O “cambista”, passe o termo, que nos deu muito jeito, foi o Sr. Falcão, um português que, tendo vindo para Moçambique como soldado, nos anos 70, por aqui se deixou ficar, possuindo, agora, um estabelecimento que serve de café e de mercearia, uma bela casa, uma manada de vacas, um pequeno negócio de recolha e congelação de peixe (que depois distribui por “casas certas”, em Nacala, Nampula e outras localidades) e um bar, feito de um contentor, que espera inaugurar em breve. Trabalhou com o Hélder numa empresa de congelação de peixe que deu para o torto, porque os sócios não souberam ou não quiseram aguentar, juntos, o barco.
Pareceu-nos simpático e prometeu falar com um seu conhecido para nos alugar um jipe de tracção às 4 rodas, no próximo ano. Ele, no entanto prontificou-se, sempre que fosse preciso, a fazer-nos fretes (pagos, é claro) e para onde quer que fosse. O primeiro frete que ficou, mais ou menos, combinado seria para Nacala, a fim de levar a Tabita e o Adelino, carregar umas grades de cervejas vazias, substituindo-as por outras cheias e comprar alguns sacos de cimento. O custo desse frete seria o de um milhão de meticais, ou “mil contos”, no seu português da terra, acrescentando, com ar de satisfação:
- “É este o preço porque eu não quero ter fregueses só para uma só vez”.

5- O Arlindo e o sonho da sua bicicleta

À tardinha, enquanto esperávamos pelo Dinho, em casa, apareceu um senhor com uma bicicleta, novinha, em folha. Chamaram o Gil, o Luís e a Isabel que a examinaram e ofereceram ao Arlindo, filho do Raimundo. Esta prenda facilitar-lhe-ia a sua ida às aulas, no Mossuril. Os 20 km que tem de fazer diariamente parecerão mais curtos, uma vez que irão ser feitos com maior rapidez e num transporte que tem a particularidade de ser accionado pelo próprio utilizador.
A cara do miúdo quando lhe entregaram a bicicleta era, toda ela, uma surpresa. De olhos meigos, a sua face iluminou-se com um raio de admiração e incredulidade à mistura, ficando mudo, por instantes, por não saber se havia de sorrir ou de chorar. Ao lado, o pai, todo embevecido, sorria e não parava de olhar, ora para a bicicleta, ora para os ben­feitores, ora para o filho que não movia o corpo, mas apenas os olhos humedecidos pela emoção! Depois de algumas palavras encorajadoras, o miúdo pegou na bicicleta e deu as suas primeiras voltas. Parecia um rico senhor, em dia de triunfo, sendo admirado e invejado pelos amigos e vizinhos!

6- Pai e filho em apuros na estrada

À noitinha, chega o Dinho completamento desgostoso. Tinha-lhe rebentado outro pneu e o sobresselente não tinha ar. Finalmente conseguiu desenrascar-se com a ajuda de um outro motorista que por ele passou. Mas, caso inaudito, o carro não tinha chaves, nem para desaparafusar as rodas, nem para abrir o depósito da gasolina. (As nossas desco­bertas acerca do carro vão aumentando a nossa admiração e apreensão!) Pouco depois, para cúmulo da desgraça, ele soube que o seu próprio pai se encontrava, numa situação, igualmente embaraçosa, pois o seu próprio carro teria de ser rebocado para a Ilha. Pediu, portanto, ajuda ao filho, o que fez, mas só depois de ter vindo pedir autorização aos patrões.
Decidimos, então o seguinte: ele iria rebocar o carro do pai para a Ilha. Aí pernoitaria, para, logo pela manhã, tentar arranjar mais um pneu em bom estado, a chave para os pneus e (mais outra!) a chave do depósito da gasolina. Este carro é o máximo! Deveria regressar, por volta das 10 horas, de maneira a poder levar-nos à Muchelia, às 13.30h, onde os fotógrafos poderiam realizar algumas imagens e eu tirar alguns apontamentos.

7- Nem tudo foi mau

Já de volta a casa, o jantar esteve muito bom. Foi caranguejo recheado com arroz de tomate e cenoura. Como sobremesa, tivemos um belo creme de papaia, mas o Luís, que não gosta de tal iguaria, serviu-se de metade de uma toranja, vinda de Saua-Saua. E quando dissemos ao Raimundo que o prato estava muito bom, mas que tinha dado muito trabalho, ele respondeu que teve muito gosto e que tinha dado por bem empregue todo o tempo que gastou na sua preparação.

CAPÍTULO CATORZE

IDA À MUCHELIA

1- Novos conhecimentos e nova Escola

Hoje, Domingo, dia 11 de Agosto, levantámo-nos todos mais tarde. O Adelino, dis­traído ou por maldade deixou-me fechado! Quando quis sair, tive de saltar pela janela. Após o pequeno-almoço, os três fotógrafos foram ver a escola que tinha sido construída por um indiano com o qual fizeram amizade há dois dias, e pelo qual foram convidados para tomarem chá em casa dele, ontem à noite, e irem fotografar a chegada de carteiras para essa mesma escola.
O Dinho, conforme o prometido, embora um pouco atrasado, chega ao portão das Cho­cas-Mar às 11.15 horas, agora mesmo, enquanto estou a escrever. Dar-lhe-á tempo mais do que o suficiente para almoçar e nos levar à Mucehlia.

2- Um veleiro à nossa saída

Antes de partirmos, aparece-nos um rapaz com um peixe enorme. Era, nada mais, nada menos, do que um Veleiro. Um desses peixes que são dos mais difíceis de pescar e dão luta ao pescador. No concurso de pesca, diz o Luís, este é o mais pontuado, porque é preciso muita paciência para o apanhar. Depois de picar o anzol, é preciso dar-lhe linha até cansá-lo.
O Luís, já há muito que andava com ânsia de fazer gosto ao dedinho de artista da ima­gem, para fotografar um bichinho destes. Tinha mesmo prometido, a um moço, que lhe daria 200 contos se lhe trouxesse um peixe desses e se o deixasse fotografar com ele, em tronco nu. Consta que já não era a primeira vez que aqui aparecia com um exemplar parecido, mas, cada vez que chegava, nem o Luís, nem outro fotógrafo se encontravam em casa. Desta vez calhou, mas por pouco, pois estávamos preparados para sair.
Quando vimos o bicharoco, foi reboliço geral. Ninguém queria acreditar no que estava a ver. Sabem quanto pesava? Exactamente 30 kg. E sabem quais eram as suas medidas? Então tomem lá, que é para verem. Se não quiserem acreditar, não acreditem, mas quem o mediu fui eu mesmo. Pois de envergadura media 2,20 metros e de grossura, na parte junto à cabeça, tinha o diâmetro de 0,70 m. Digam-me lá se não era um peixe a valer! “E esta hein!”, diria o saudoso observador e jornalista Fernando Pessa, se tivesse a oportu­nidade de o ver como nós a tivemos!
Quem ficou a ganhar foram as fotógrafas que deram ali um show a todas a gente, quer da nossa, quer da vila de Chocas-Mar. Muita, ali, se juntou e se admirou, tanto daquela beleza de peixe, como dessoutras maravilhosas poses do rapaz que o segurava de várias formas e feitios. E, de facto, todo aquele ritual, numa passerelle natural feita de areia, pedra, coral e mar, merecia ser visto! E, ainda por cima, de graça e tendo como fotógra­fos, profissionais já consagrados no mundo da arte da imagem! Quem não aproveitaria?

3- Entre a beleza do gado bovino

Terminado o “show”, partimos para a Muchelia, às 14.00 horas, para ali chegarmos às 15.20 horas. Ao chegarmos ficámos um pouco decepcionados com o ar de abandono que apresentava o complexo residencial e industrial. O que nos deixou com mais pena, ainda, foi a fábrica de sisal que, está desactivada e a maquinaria a apodrecer, de tanta ferrugem e inacção.
A contrabalançar com esta desolação estavam as várias manadas de gado bovino, qual delas a mais formosa pela gordura que apresentavam. Aqui, mais uma vez, segundo os chineses (e não só!) a “Gordura é formosura”.
Num pasto mais viçoso e perto da maternidade, estão as “mamãs” com os seus “bebés”; lá, mais ao longe, várias manadas a pastar, para onde foram levadas, a partir das 4,30 da manhã. Em breve, por volta das 16 e 16.30 horas, regressarão, aos estábulos, pachor­rentas de fartas e satisfeitas.
E assim acontece. Daí a poucos minutos começam a chegar, manada por manada; e, cada uma destas, tocadas por dois pastores. Mansas, belas, anafadas e de olhos meigos, parece quererem, posar para a fotografia. Algumas delas até param e se viram para a máquina fotográfica, como que a dizer: “Tira, agora, se não desconchavo-me toda!” Os fotógrafos não têm mãos a medir nem máquinas que cheguem. O Gil, se quiser tirar uma fotografia.... (“Daquelas que saem logo!” como dizem, por cá, os miúdos), a cada uma das vacas que pára e olha meigamente para ele não ganha para a cerveja, nem muito menos para os comprimidos, e tem de se aviar a tempo e horas pois a validade dos que tem só vai até 2004!
Passamos, agora à Casa Grande, ou seja, à residência. Para mal dos nossos pecados está fechada. Temos pouca sorte, neste capítulo. Procuramos, mas não encontramos, nem o gerente, nem o Veterinário. Ninguém que nos possa fornecer informações credíveis.
Ainda assim, tomo nota de alguns dados que deixo aqui, sob reserva. A Plantação consta de um campo imenso de sisal, terras de cultivo e pasto que nunca mais acabam. Parece que, actualmente, ali pastam 3.000 cabeças, divididas em manadas de 200 cabe­ças cada, sendo, cada uma das manadas, guardada por dois pastores. No total, traba­lham, aqui, 200 trabalhadores.

4- O lindo“Beijo di Mulata”

Notando, por ali, alguns pés de buganvília quase a perderem-se, por ninguém cuidar delas, e por estarem perto do “Beijo di Multa”, também esta a perder-se em terra inculta e esquecida sinto pena e podo-as, tirando, de cada uma delas, uma pequena noça para transplantar em Saua-Saua. Aqui, junto a mim, talvez um dia, mais tarde, elas poderão perpetuar a minha memória, unindo-a à daqueles que, na Muchelia, iniciaram o seu ciclo de vida.

5- Origem da palavra “Muchelia”

Por volta das 16.30 horas, deixamos esta bela plantação que bem merece melhor trata­mento. No caminho, o Raimundo pergunta-nos se sabemos a razão do nome “Muche­lia”. É claro, ninguém sabe.
-         É capaz, então, de nos dizer donde vem tal palavra? Pergunto eu.
-         «Claro. Então eu vou contar. No princípio, sabe? No início, tempo de João, o patrão, quando ele vinha visitar trabalhadores e queria ser agradável, procu­rava perguntar em Macua como estavam eles. Ora, em língua Macua a per­gunta “Como está?” diz-se “Mu-cheli-lia” que é uma pergunta. A resposta é “Co-cheli-lia”. Então patrão como não sabia bem, diz “Muchelia”. E assim ficou nome dele. Então, as pessoas que trabalhavam na plantação de João quando queriam dizer aos amigos e vizinhos onde trabalhavam diziam: “Tra­balho no Muchelia”. Assim a plantação começou a chamar-se “Muchelia” e, até agora, assim ficou».

6- O sol do anoitecer

Pela estrada, perto de Naguema, o sol beija a terra, sofregamente, antes de se recolher aos seus aposentos. E as nuvens que o acariciam, com doçura, dão a impressão de que­rer retê-lo, mas sem sucesso, pois, minutos não são passados, e elas já não possuem dele senão a saudade! O Sol, aqui, é de abraços rápidos e fugidios, tanto quando nasce, como quando desvanece. A noite, por sua vez, avança também tão rápida, como a manhã. E, nem uma, nem outra se podem gabar de o apertar prender por muito tempo. É bem ver­dade: galã que tenha dois aposentos, e mais que uma amante, não tem tempo p’ra descan­sar!

CPÍTULO QUINZE

DAS CHOCAS- MAR (MOSSURIL) A MALEMA:

UM DIA A NÃO ESQUECER


1- Surpreendidos entre Naguema e Namialo

A saída estava marcada para as 5.30 horas, do dia 12 de Agosto, mas, como o sol des­pontava a essa hora, o Gil fez questão de o fotografar. Nós assistimos, então, a um evento maravilhoso que, um dia mais tarde, gostaria de rever e descrever.
Às 5.45h saímos, ficando em casa, isto é nas Chocas-Mar, o Adelino e a Tabita, como já vem sendo habitual. É que o carro não comporta tanta gente que, ainda para mais se faz acompanhar por um montão de bagagem necessária ao trabalho que viemos fazer. Con­nosco seguia até ao Namialo o Cláudio Pedro, irmão do Abdalah, dizendo que ia buscar dinheiro porque já não tinham o suficiente para comprar comida. Fiquei admirado pelo facto e dei-lhe algum dinheiro e uma sanduíche que comeu imediatamente.
Quando nos encontrávamos já no alcatrão, entre Naguema[4] e o Monapo[5], o carro começa a soluçar e aos solavancos.
-         O que poderá ser? Perguntamos nós.
-         Querem ver que vamos ficar em terra, responde o Gil.
-         Deve ser a falta de gasolina ou o carburador sujo, devido à gasolina estar já na reserva, digo eu.
-         Mas o ponteiro ainda não chegou à reserva, comenta o Gil, que é o “Pen­dura”.
-         Dinho, será falta de gasolina?
-         É possível.
E eis que, palavras não eram ditas e o carro para mesmo na estrada, no meio do mato.
-         Dinho tem triângulo?
-         Que pergunta, num carro sem nada do que é necessário, comenta alguém.
-         E, no Monapo, há, mesmo, gasolina?
-         Há-de haver, responde o Dinho, “mas às vezes falta, até por um mês inteiro”, ­continua ele.
Olha que não olha, mexe que não mexe, e o Dinho constata que deveria ser falta de gaso­lina. A nossa sorte éi passar por aqui e agora mesmo um Chapa 100 que é o do Sr. Adam, já nosso conhecido pelos fretes que nos tem feito para Saua-Saua. Este prontifica-se a trazer-nos gasolina, para o que  a Isabel lhe dá uma nota de 100.000 Meti­cais
-         Este carro é o máximo! Umas vezes é o sistema eléctrico, outras, o cano de escape, outras é o pneu, eu sei lá mais o quê, comenta o Gil.
E olhando para o motor, o Gil continua:
-         O motor até está com boa aparência. A cablagem também.
-         À parte dalguns pormenores, acrescenta o Fernando.
-         Pois é isso que faz a diferença, continua, ainda, o Gil.
-         E a matricula, observa outro, olhem como é que ela está afixada: com uma sim­ples fita adesiva! Assim é mais fácil mudá-la para outro carro!
-         Sabe-se lá se este carro não é roubado e nós a fazer turismo com ele. Daqui a pouco ainda a polícia nos revista e ficamos todos presos, diz o Gil.
Entretanto, eu ia escrevendo algumas palavras directrizes. Vendo-me nestes preparos o Gil pergunta:
-         Estás a escrever as memórias?
-         Podem servir de indicação.
-         Olha, então podem ter o seguinte título “Memórias dum grupo de tansos por terras d’África”.
Daí a pouco, passa um grupo de camponeses que se admiram de nos ver a penates
-         “Coitados”, dirão eles, “estes brancos devem ser uns tesos. Num carro destes e a estas horas! Devem ser alguns “drogaditos” ou tontos, que vêm correr mundo em busca de melhor sorte”!
-         De facto, em parte, até tinham razão. E, quem soubesse ler, ficaria a pensar que era mesmo certo, pois na porta de trás estava escrito: “EL MARGI­NAL”.
-         Olhem, lá vem mais um “chapa”! Que inveja tenho eu dos carros que pas­sam, diz o Gil com o seu chapéu na cabeça. Chapéu que era branco, mas que o não será durante muito tempo, pois, já está a tornar-se castanho, tanta é a poeira que entra pelos buracos, sem fim, do dito calhambeque!
-         Aí vem o meu pai, diz o Dinho, ao avistar uma carrinha bege.
-         Agora é a tua vez, diz o pai, ao parar e cumprimentar o filho (Dias antes fora o Dinho que tivera de desempanar)
Feitas as apresentações, o Senhor dá uma vista de olhos ao motor e diz que, na verdade, é falta de gasolina. Esta chega dentro de momentos, ao mesmo tempo em que são devolvidos 30.000 meticais como troco dos 100.000, adiantados pela Isabel. O pai do Dinho desenrasca-nos, mexendo aqui e ali e metendo gasolina no carburador para ferrar o motor.
Às 8.30 horas recomeçamos a nossa viagem, até ao Monapo onde abastecemos, metendo 60 litros de combustível, num valor de 686.000Mts que são pagos pelo Gil.

2- Do Monapo a Nampula, via Namialo: a magia dos buracos

Já a caminho, os buracos são tantos, que, quando a estrada se apresenta com melhor aspecto, o Fernando diz: “Aqui há falta de buraco”. Pela estrada fora encontram-se car­ros em estado semelhante: uns sem gasolina, outros com pneus furados, outros, ainda, sem um ou mais pneus.
Tal é a desgraça que por aqui vamos vendo que o Fernando comenta, a determinado momento:
-         E ainda dizíamos mal de Marrocos, o ano passado!
-         É para veres, retorqui eu. Bem te dizia que Marrocos comparado com Moçam­bique era um paraíso, no que diz respeito a estradas, gasolina e carros empanados.
-         Olhem-me para aquele Chapa. Vai a arrastar com o peso de tanta gente que se amontoa como fardos de palha e se agarram uns aos outros com unhas e dentes para não caírem dele abaixo!
Eu, que vou atrás, até volto a ser fumador, com o fumo dos fumadores que vão nos ban­cos da frente. Tal situação poderá inverter-se se os lugares fossem invertidos. Mas o certo é que ninguém se, além de mim, se lembra ou quer lembrar-se disso e eu não me atrevo a propor mudança alguma.
Perto do Namialo vemos alguns algodoais, mas já sem algodão. Às 9,15h chegamos a essa povoação, onde paramos para deixar o Cláudio e irmos ao café. Ao regressarmos ao carro para seguirmos caminho, verificamos que este está, outra vez, em dificuldades e o Dinho em apuros. Não há energia, segundo ele. Olha que não olha, o Luís vê que a corrente está cortada por um botão que tinha sido accionado inadvertidamente. Regulari­zada a anomalia, retomamos o caminho, em direcção a Nampula.
À medida que nos aproximamos desta cidade vamos avistando morros colossais bem desatacados da planície. Ao princípio parecem mesmo cogumelos a surgir da terra, após as primeiras chuvas de Inverno! Mas, vistos, melhor e de mais perto são morros de for­mas, deveras insólitas, como já o tínhamos notado quando sobrevoámos essa zona. São os célebres “inselbergs”.
Perto já da cidade, são tantos e tão profundos os buracos na estrada que é preciso sair dela e metermo-nos pelas bermas ou campos contíguos. Topógrafos, vemos nós que ­estão medindo, mas para quando será a reparação, isso é que está e continuará a estar no segredo dos deuses! E depois de ter visto uma casa curiosa com este letreiro engra­çado:”Assim começa a vida”, olho para dentro de mim e aplico-o a tudo o que nos tem acontecido. Os ponteiros do meu relógio estão sobre as 11.00 horas e damos entrada na cidade de Nampula. Mais uns 8 minutos e chegmos a casa do Sr. Roberto Duduli[6], o dono do carro.

3- Curto intervalo em Nampula

Como ele não se encontra em casa por ter ido ao aeroporto, esperamos. Ao chegar, la­menta-se porque estamos a gastar muita gasolina. Ao dizermos que o carro está muito velho, ele responde que estava, supostamente em condições para umas pequenas voltas nas Chocas, Nampula, e por ali, mas não para ir a Gurué. Dizia que o contrato não pre­via tal situação!
Depois de alguma discussão propõe ir ele connosco e deixar o Dinho em Nampula. Nós recusamos e pegamos de nós e vamos procurar chaves para o pneu e outro material que julgámos necessário, como um bidão para transportar gasolina (que custa 50.000 Meti­cais, pagos pelo Gil), não fôssemos nós ficar, outra vez, em terra.
Dirigimo-nos, de seguida, à Casa Grande de JFS, chegando à 12.35h. Aqui  espera-nos, ansiosamente, o gerente Ebraim. Apresenta-nos o guia, Calisto Eduardo e diz-nos que fizéssemos a volta ao contrário, do que tínhamos programado, ou seja: Malema, Mutuali e Gurué. Poderíamos ficar a dormir em Mutuali, se lá chegássemos a boas horas ou em Malema, no caso contrário.
Saindo dali, vomos almoçar ao Hotel Tropical, onde nos é servido um prego no prato e uma cerveja, ficando a conta, nossa e dos acompanhantes, depois de arredondada com a gorjeta, em 800.000 meticais Perguntando pelos preços duma diária, é-nos dito que um casal poderá dormir por 80 US dólares.

4- De Nampula a Malema

À saída, metemos gasolina enchemos os dois bidões (435.000MTS e metemo-nos a cami­nho, parando na zona de Canroa (= “não vou”). Uma picada formidável. Há mato e capim por todo o lado. Bom para fotografar. O capim, nesta zona ultrapassa os dois metros de altura e era muito espesso.
-         Isto é que é a África de que nos falavam, dizi o Gil. São, agora, catorze horas e quinze.
-         Com um Ibondeiro e tudo, coisa que já não víamos, há muito tempo, diz o Fer­nando.
-         E alguma árvore de sumaúma, à mistura, acrescento eu.
-         O carro até anda melhor, parece que está a regenerar, comenta alguém.
-         Que belas imagens irão ficar, diz o Gil
Mais à frente vê-se um grupo grande de pessoas sentadas na linha do comboio que liga Nacala, Nampula, Interlago e Kuamba. Estamos em Mintinga
-         Que estão a fazer?
-         Estão esperando pelo comboio que é puxado ainda a lenha, responde o Calisto.
-         Olhem, como está a estação! Toda destruída. Os vagões a apodrecer, e a casa do chefe da estação, sem concerto.
-         Foi a guerra, continua o Calisto.
-         Guerra maldita, que não deixou nada para ninguém, penso eu!
Seguimos para Caramajoa 1. O panorama é espectacular! A toda a nossa volta erguem-se majestosamente uns montes de porte incrível! Um chamado Bussu albergando uma caverna, à esquerda, outro à nossa retaguarda, de nome Chalaua (assim denominado, em honra de um antigo e célebre régulo da região)! Nas margens da picada baloiçam, em gestos melancólicos, bambus da china e descortinam-se, mais ao longe, campos sal­picados de árvores frutíferas: mangueiras e cajueiros.
Perguntamos ao nosso guia se há leões, por ali. A sua resposta é rápida e concisa:
-         Nada.
-         E cobras?
-         Pode vir a existir
-         São venenosas?
-         Algumas, sim.
Em Necubure, distrito de NAMINA, passa o comboio, a apitar e a largar fumo, for­mando um rasto de nuvens escuras, atrás de si. Junto da estação, amontoam-se troncos grossíssimos de Chanfuda, madeira muito leve e que, por isso mesmo, serve para fabri­car embalagens.
Daí a pouco, damos entrada no distrito de RIBAUÉ[7]. São as 16.37 horas e o sol pre­para-se para fazer as suas despedidas. O Fernando faz, aqui, algumas fotografias. Seguindo viagem, chegamos a Chica, nome dado, tanto à povoação, como ao Monte que existe perto. Neste vêem-se algumas cascatas de água ou de calcário, que, neste caso parecem ser vestígios de cascatas autênticas noutras estações ou noutras eras.
Mais à frente, vê-se, lá ao longe, do lado esquerdo de quem anda, um monte arredon­dado, sendo todo ele constituído por areia, segundo dados fornecidos pelo Calisto Eduardo. Andando, sob o céu afogueado, reflexo do galopar do astro rei a correr para o lado de lá dos montes, chegamos a Caiaia, às 17.20h. Aqui e a esta hora o Luís recolhe as últimas imagens deste quadro fabuloso, pintado pelo artista Sol na tela imensa que se forma pela conjunção da Terra e do Firmamento!
Passamos, agora, pelo Posto Administrativo de NAM ICONHA e, às 18.00h damos entrada na Vila de Ribaué, onde existem armazéns de Tabaco de JFS. Aqui descansa­mos durante alguns minutos e, depois de tomar alguns refrescos num café que se encontra à saída (perto das instalações de uma ONG, onde se pode pernoitar, segundo nos disse o rapaz do café), saímos para Malema que se encontra a 65 km, e que é ser­vida por uma picada infernal!

5- Em Malema: o fantasma de um mosquiteiro

Ao chegarmos não vemos ninguém à nossa espera. Deveria receber-nos, Da. Joana Antó­nio Correia, mas esta, só aparece depois de um empregada a ir chamar. Esta chega, cumprimenta-nos amavelmente e pede-nos desculpas por não estar prevenida.
-         Mas, não faz mal, iremos jantar ali em cima, diz ela, com um sorriso nos lábios,
E, metendo-se no nosso carro, conduzi-nos até ao complexo turístico, Lodge Mapua­nha e Filhos onde iremos jantar e pernoitar[8]. Uma vez ali chegados, leva-nos às Informa­ções e pede para nos distribuírem por bungalows e nos servirem jantar e pequeno-almoço, ficando as despesas por conta da Empresa JFS.
Depois de instalados, cada um recolhe-se na sua própria intimidade e, só, depois passará palavra aos restantes.
Eu, no banho senti-me mal. Ia desmaiando, mas lá me aguentei, indo jantar, sem nenhum apetite. Nessa noite encontravam-se, ali hospedados, muitos estudantes univer­sitários que, ali, se tinham juntado para um encontro de juventude. À noite, e por ela dentro, dançaram e divertiram-se, à grande, em nada diferente ao que acontece com a nossa juventude portuguesa, em dias ou noites de discoteca.
Após o jantar saí mais cedo, depois de pedir licença aos outros elementos do grupo, e fui deitar-me. Antes dos restantes se deitarem, o Luís teve a gentileza de bater à porta do meu quarto, dizendo-me que o acordasse, a qualquer hora da noite, se me sentisse mal, pelo que eu agradeci, reconhecido.
A noite passei-a bastante bem e sem problemas. Problemas teve ele, afinal, e o Fer­nando, devido ao Mosquiteiro e à falta de energia. Tanto um, como o outro, pelos vis­tos, nunca tinham dormido debaixo de uma rede daquelas.
Bonita figura! A determinada altura, sentem-se como peixe capturado, ou como tigre enjaulado. O Luís, de livro na mão, e a ler o que pôde encontrar para enganar o sono, julga-se um mísero mortal a sofrer de claustrofobia e amaldiçoa aquele pequena, mas ameaçadora boneca circular e bojuda de saiotes brancos a querer tapar-lhe a sua que­brada inocência!
Ainda, assim, pensativo, apagam-se as luzes! É, então o fim da macacada. Aterrorizado, não sabe o que fazer. Metido entre uma rede, e sem luz para ver o que poderá acontecer-lhe, sente tantos e tais calafrios que fica imóvel, por alguns instantes! Daí a pouco, e movido pelo medo, ou respeito pelo desconhecido, acende o isqueiro, e com este a vela que se encontra já preparada na mesa-de-cabeceira. Fica, então, a saber, que a luz pode ir-se embora, de vez em quando. A vela é sinal disso. Se a luz não voltar, pensa ele, não vou dormir sozinho. Terei que ir para o quarto de outro colega. Ainda com estas lucu­brações, ouve ruídos que vêm do quarto do lado. É o Fernando que se debate também com a figura sinistra do mosquiteiro.
-         He pá! És tu, Fernando?
-         Sim, não consigo adormecer.
-         Eu também, não. Com esta coisa aqui por cima de mim, nem sei o que pareço. Vou-me levantar e sair daqui.
-         Mas, olha, que não há luz.
-         Porquê?
-         Desligaram o gerador. A festa acabou.
-         Que gerador?
-         O que dá luz a todo o complexo, pois não há outra espécie de electricidade!
-         Ah, sim? Então o melhor é procurar dormir, mesmo assim.
E lá passaram a noite, quer entre sons estridentes, vindos de perto e de longe, quer debaixo de sombras nocturnas inventadas pela imaginação ou motivadas por alguma barata voadora ou por algum mosquito que espreitava apanhar a sua vítima fora da rede protectora!
De regresso às Chocas-Mar o Adelino descreveu em poucas palavras o que se passou, ali, e,  em Saua-Saua, na nossa ausência:
“12-08-04:Adelino e Tabita. Alvorada às 5.30h. Fomos a Saua-Saua no Chapa 100 ver o andamento das obras e saber das necessidades dos vários mestres (pedreiro, carpin­teiro e canalizador). Foi-nos pedido para comprar: fita métrica de 5m; lixa, pregos parafusos, ferro para se fazer a tampa da fossa e 50 m de rede mosquiteira (para as janelas, precise-se). Ao fim do dia tivemos um encontro com o Sr. Falcão (o português do café), no sentido de nos levar a Nacala para levantar dinheiro e transportar mate­riais que iríamos adquirir”.

CAPÍTULO DEZASSEIS

DE MALEMA A MUTUALI: O TABACO E O ALGODÃO

1- Ainda em Malema[9]

No dia 13 de Agosto, acordei às 5.30 da manhã. Esperei pela Isabel que se encontrava  no quarto ao lado e, como esta me disse que esperava pelo Dinho que dormiu com o Calisto noutro Bungalow, ao lado, fiquei com ela à espera também. Caindo na conta, porém, de que melhor seria deixá-la sozinha, porque ser-lhe-ia mais agradável esta última situação e comodemorassem, aproveitei e fui andando para o restaurante, sen­tando-me à espera do Fernando que, pensava eu, andava a fotografar. Mal sabia eu, nessa altura, que ele e o Luís tinham passado as passas do Algarve, o que me foi con­tado, logo que ele chegou, sendo a partir da sua descrição, depois corroborada pela do Luís, que fiz a descrição do capítulo anterior.
Como tinha sido combinado, na noite anterior, o Fernando deveria ir fotografar a plan­tação e a fábrica de Tabaco, e eu faria a cobertura jornalística. Assim, logo pela manhã, dirigimo-nos ao dito local, indo connosco também a Isabel que, já tinha dado sinais, à saciedade, de gostar muito da pessoa do condutor, ao ponto de lhe jorrar água da boca, cada vez que nele pensava ou sempre que o podia ver e desfrutar. Sem ofensa, mas as coisas são como são e, contra a maré, é difícil remar, mesmo que nos esforcemos por isso! Além disso, nada tenho contra um romance de amor, sobretudo quando ele é bem vivido e sem incomodar ninguém! Ao chegarmos, ali nos esperava, já, a Da. Joana A. Correia.

2- Processo de fabricação do tabaco

Apresentadas as saudações matinais, conduziu-nos, primeiro à fábrica e depois à planta­ção. Na fábrica explicou-nos que toda a industrialização do tabaco funcionava por meio de dois sistemas: o sistema empresarial e o sistema Familiar. Enquanto no primeiro, todos os mecanismos dependem e são accionados pela própria empresa, no segundo, os mecanismos repartem-se pela Empresa e pelas famílias camponesas. Isto é: os campo­neses põem o terreno e o trabalho, ficando a cargo da Empresa a oferta dos “insumos”, ou seja, de tudo o resto: ensinamento e acompanhamento técnicos constantes, forneci­mento dos materiais e adubos necessários para que haja uma boa campanha.
Depois, mostrou-nos as várias fases pelas quais passa a elaboração do tabaco que vai desde a preparação da terra em canteiros, passando à dos viveiros e ao plantio ou trans­plante para terras mais duras e secas. Desta passa ao crescimento e amadurecimento das folhas e, a partir daqui, ao corte ou desfolhada, indo directamente para a secagem.
A planta, começando a contar da folha mais velha até à mais nova, produz quatro clas­ses de folhas que levam a nomenclatura X, C, M L, no sentido de importância e valor. A planta é muito complexa e bonita, mudando de cor – do verde ao amarelo –, à medida que vai crescendo e tornando-se adulta. O corte da folha processa-se lenta e sucessiva­mente, seguindo o tempo da sua maturação.
A secagem é diferente para cada uma das qualidades de tabaco, ali produzidas. O Tabaco Burley, já muito em voga na região e na Empresa JFS, é levado e pendurado ou colocado em redes numa casa ampla, ou telheiro que são bem arejados. Ali, à sombra, mas em contacto com o ar fresco e constante, vai perdendo a humidade e secando len­tamente. Depois é atado em pequenos manhuços, ou manocas, segundo a qualidade das folhas, chegando-se a constituir as seguintes classes: X1; C1; X2; X3; X1S; X6S; X7S. Esta é a última qualidade. Esta última operação deve ser feita pela manhã, quando as folhas estão ainda brandas. A partir das 10 horas, começam a tornar-se ásperas e partem com facilidade.
Às folhas que se transformam em refugo, e que já não servem para a constituição de manocas, tira-se a nervura e aproveitam-se os restos que são triturados, servindo para o consumo. Por último o tabaco entra numa espécie de prensa, onde se encontra uma forma, para ser calcado e tomar a forma adaptada ao saco e ao espaço que irá ocupar no contentor de transporte. Feito isto, é ensacado e etiquetado, ficando, assim, preparado para ser enviado para os compradores que o transformarão em provisões de consumo.

3- A caminho de Mutuali

Após a explicação fornecida pala Da. Joana e seus colaboradores, sobre o modo de cul­tivar o tabaco, desde a preparação da terra até à colheita, regressámos ao Complexo Mapuanha e Filhos, a fim de pegarmos nos outros elementos do grupo e partirmos para Mutuali.
Ao chegarmos, por volta das 9.30h, ainda eles não estavam preparados, nem para tomar o pequeno-almoço, quanto mais para partir! Fomos, então atestar o depósito de gasolina, à Estação de Serviço, mas esta não tinha gasolina. Voltámos à JFS para nos fornecerem o combustível necessário, após o que regressámos, por volta das 10.00h, encontrando ainda os nossos amigos sem estarem completamente preparados para partir. Já passava das marcas! Gente que não se preocupa em estar pronta a horas dá poucas garantias de ser bom companheiro de viagem!
Partimos, pois, cerca das 11.00h. Pelo caminho presenciámos uma cena arrepiante. No rio Malema ( nascido no Monte Namuli e cujas águas eram amarelas devido à poluição), vimos um miúdo que se debruçava sobre elas para matar a sua sede, ignorando que, tal­vez estivesse a abreviar a sua própria vida. Apesar da poluição, mais que evidente, ele próprio a contaminara, lavando o seu corpo nela e lançando sobre ela um nojento escarro! E ainda se admiram que haja cólera! O que falta parece ser, antes de mais, uma boa educação para a saúde e higiene pública e privada.

4- Na região de Nacata

Em Nacata 2, encontrámos um magote de populares, debaixo de uma árvore, com um monte de sacos de algodão. Esperavam a passagem de camiões e de compradores. Mal viram os fotógrafos, movimentaram-se de maneira desordenada para serem fotografa­dos.
Mais, à frente, em Nacata1 (Namarrocola), encontrámos um pelotão de militares, ou equipa de desminagem – The Hallow Trust. Programa de Desminagem, sob a orienta­ção de Alemães e Italianos. A prestação dos seus serviços dividia-se em dois períodos de seis semanas no mato e uma na cidade, correspondendo o salário dum militar nativo a seis milhões de meticais, num país onde o salário médio é de um milhão.

5- Chegada a Mutuali

A chegada a Mutuali deu-se por volta das 13.40 horas. Sacudimos o pó das maletas e da roupa, que não só das sandálias, tal era a camada que nos cobria, por fora e nos atu­lhava por dentro das narinas, ouvidos e... sei lá mais o quê! Após esta operação de lim­peza e saneamento foram-nos distribuídos quartos.
Entretanto chegou o Sr. Administrador de Malema, autoridade máxima da localidade administrativa e o seu séquito. Como, também ele devia pernoitar ali, os quartos foram, de novo, distribuídos, por mandado do Sr. Director da Empresa, Eng. Virgílio Fran­cisco, que acabara de chegar à residência. Assim, o Gil e o Luís o Fernando e eu ficá­mos em dois quartos com duas camas cada, enquanto à Isabel coube o quarto de visitas, quarto de uma só cama com casa de banho privativo. Uma princesa a viver rodeada por tantos príncipes e vassalos! Um quarto, todo ele propício ao desfrute de sonhos cor-de-rosa e a suspiros de enamorados, há longa data, separados.

6- Visita a uma Machamba de algodão: sua cultura e problemas

Depois de uma longa conversa e explicações sobre África e seus encantos, e sobre a organização da Empresa, fornecidas pelo Eng. Virgílio Francisco, fomos ver a colheita do algodão a uma machamba. Tratava-se de um algodoal familiar. Neste, toda a família ajuda. Conduziu-nos o Sr. Pedro, na carrinha do próprio Director da Empresa e o téc­nico Carlos explicou-nos o processo da cultura do algodão.
A planta não tem mais, de envergadura, do que 40 a 50 centímetros. A haste não tem picos, mas sim uma penugem, um pouco áspera. A folha é trilobular. A flor começa por ser amarelada, passando a cor-de-rosa. Forma-se uma cápsula que cresce, amadurece e abre com o calor, dividindo-se em quatro partes como se fosse uma estrela de quatro pontas. Há outras, porém, que se dividem em apenas três. Isto foi-nos mostrado pelo próprio técnico.
O algodão normal começa a abrir, a partir da 1ª quinzena de Maio, no ano de boa cam­panha. O sequeiro começa a abrir na 2ª quinzena de Maio. Segundo o técnico Carlos, para se ter uma boa campanha, é bom semear cedo.
O grande problema que se coloca, actualmente, ao sector algodoeiro é constituído pelas pragas dos insectos que podem ser classificados como Sugadores porquanto sugam a seiva: Gafanhotos, ou Mastigadores, enquanto comem as folhas, isto é, algumas espé­cies de gafanhotos e as Lagartas.
Para as combater há dois processos. O primeiro é através de Insecticidas (SAMPEC – Endolec).
Da fase do botão e da floração, até à formação da cápsula, usam-se os Fosforóides. As lagartas mais comuns são:
-         Lagarta americana que consome por dia uma cápsula, furando-a toda. Como esta lagarta tem a duração de vida de 21 dias, ela destrói, em vida, 21 cápsu­las;
-         Lagarta vermelha/rosada que entra dentro da cápsula, comendo-a toda. Não sai de lá sem comê-la, por completo. Só então vai para outra. Não é tão prejudi­cial como a primeira;
-         Lagarta manchadora que é de cor vermelha da folha. Mancha a fibra do algo­dão. Quando adulta, ganha asas e voa de um lado para outro. Por metamor­fose transforma-se em lagarta e continua o ciclo.
Com este tratamento não há verdadeiramente algodão biológico.
Para se ter o algodão biológico combatem-se as pragas por meio da utilização dos pre­dadores que são: os louva-a-deus que comem os anfídios; a vespa que come os sugado­res ejacides; a aranha, a joaninha, etc. É claro, estes levam o nome de predadores e a praga chama-se benéfica, pois eles encarregam-se de liquidar os vermes maus. Quando há predadores, não convém, evidentemente, utilizar os insecticidas porque senão mor­rem eles também.
Os produtores de algodão organizam-se em Associações que, por sua vez, formam os Fóruns. Estes são ajudados pelos técnicos da empresa os quais percorrem os algodoais para ensinar o processo mais correcto da plantação, dando-lhes a bitola da maneira como a plantação deve ser feita e haja melhor colheita e produção. Quando há pragas, aconselham os camponeses a usar a cura mais adequava.
O grande problema com que se debatem os camponeses é a falta de subsídios. Enquanto, noutros países, como a América, Espanha, Turquia, etc. o algodão é subsi­diado. Aqui não há subsídios para ninguém. Os camponeses não podem fazer face às despesas que vão surgindo. Se o Estado não subsidiar e não deixar que as empresas sub­sidiem, corre-se o risco de mandar para o desemprego e para a fome cerca de 355.000 famílias, o que equivale a 1.420.000 pessoas. As zonas algodoeiras mais intensas de Moçambique são o Centro e Norte do País, isto é, as províncias de Zambézia, Nampula e Cabo Delgado.

7- Industrialização do Algodão:

Depois de colhido, é ensacado e posto à abeira das picadas/estradas, devendo estar escolhido segundo as categorias 1,2,3,4,5,6, formando, assim, os seis tipos de algodão. Mas os camponeses não fazem essa selecção. Assim, esta terá de ser feita na fábrica. Muitas vezes metem pedras ou molham o algodão para pesar mais. Para verificar se todos os sacos estavam viciados faz-se, de vez em quando, uma experiência. Deitam ao chão um saco se este não saltar é sinal de que algo ali está de estranho. Mandam-no abrir e verificam...
Existem várias fases na industrialização do algodão, consoante verificámos na Fábrica do grupo JFS:
1º A Selecção ou Escolha e introdução no Tubo de sucção. O algodão que está amon­toado num armazém é sugado e levado para a fábrica de descaroçamento.
Descaroçamento. O algodão, aqui, passa por uma máquina munida de serras que separam o algodão do caroço. Normalmente o caroço representa 65% do peso, enquanto a fibra de algodão é apenas de 35%.
Esta fábrica (velha) vai ser substituída por outra nova, no próximo ano. O edifício para esta está a ser construído em frente à velha, ficando esta para armazém. O caroço serve para rações de vacas, cabras, etc. e para óleo doméstico.
Enfardamento: Ao sair da máquina de descaroçamento, o algodão separa-se do caroço, seguindo este para um lugar e aquele para o outro. O algodão vai para a enfar­dadeira, formando fardos que variam entre os 172 kg, 185kg. De cada fardo tiram-se duas amostras, uma para ficar na sala de classificação, e a outra para ser enviada ao Ins­tituto do Algodão. Se aqui se perder, existe a amostra que ficou na Fábrica. Cada Fardo tem a sua história: lugar de procedência, ou Empresa, tipo, qualidade, número, peso bruto, peso líquido, etc. Por exemplo, num dos fardos que estava à nossa frente estava escrito:
Nº----; PB = 172kg; PL = 169kg; SAN/JFS/MIL; REMO-40.
            Esta fábrica tem a inscrição SAN (Sociedade Algodoeira do Niassa) que era constituída por cotas. Nos anos 50 foi adquirida, na sua totalidade, pela Empresa JFS, pertencendo-lhe, ainda hoje. A Maquina de enfardamento tinha a marca MURRY PIRATININGA-MÁQUINA DE ENFARDAMENTO, FABRICAÇÃO NO BRASIL – S. PAULO.
Pesagem da semente. Depois, a semente vai a pesar. Cada saco deverá conter 30kg.
Secção das Turbinas de sucção do algodão. Segundo informação todas as fábricas de algodão são de concepção americana.

8- Tempo para histórias

Depois da visita à fábrica, que nos foi mostrada pelo chefe, Eng. João Rodrigues, fomos jantar, à Residência da Empresa, sendo acompanhados pelo seu Director que nos con­tou, durante o aperitivo e o jantar, histórias de encantar sobre a África: os seus encantos; o desejo do voltar dos portugueses antigos; as magias de África; os curandeiros, a cobra que está na nascente das águas da montanha; etc..
O Administrador ajudou, acrescentando partes da história como: a senhora que não tinha filhos e foi pedir junto do túmulo dos régulos antigos para que intercedessem por ela e lhe concedessem um filho, prometendo trazer a criança ao lugar para o mostrar e agradecer o seu nascimento: o nascimento do filho; o regresso ao lugar para apresentar o filho; os macacos que lhe tiravam a criança dos baraços e a levavam para o cimo das árvores. A mulher que chorava; as pessoas que lhe diziam para não chorar, senão os macacos deixariam cair a criança; Ela que se calou e daí a pouco, os macacos começa­ram a brincar com a criança, entregando-a à sua mãe. Vão lá agora a dizer a razão de tudo isto. Claro! Para os Africanos isto foi obra dos espíritos dos Régulos antigos.
Entre outras coisas que foram contadas durante a conversa, veio à baila a questão das estradas e da luz.
- “No que se refere às estradas, é ponto assente”, diz ele, “de que, se o 25 de Abril se tivesse dado dez anos mais tarde, essas teriam sido todas alcatroadas, pois as pontes já tinham sido feitas. Trata-se, é claro, das estradas que ligam as cidades distritais. Mas, possivelmente elas teriam sido destruídas durante a guerra civil, como aconteceu com a maior parte de casas de habitação, fábricas, estações de caminho de ferro, etc. Actual­mente, o Banco Mundial vai injectando dinheiro para que se arranjem as estradas de terra batida, mas estragam-se com facilidade e a manutenção é quase nula. E, durante o tempo das chuvas e o tempo após estas, elas ficam num estado lastimoso”.
- “Relativamente à luz, que falta em quase todas as povoações, acrescentou, o País parece que sofreu um imenso apagão. Diz-se que, em 2004, a energia, vinda de Cahora Bassa, será distribuída por uma grande parte do país”
Questionado sobre os meios de transporte utilizados para deslocar, tanto o algodão, como o tabaco, o Director da Empresa fez-nos saber que o meio mais prático é o camião, visto ser mais rápido e, por conseguinte, o mais barato. Um dos problemas que se sente, a este nível, é a precariedade dos meios de comunicação, relativos não só ao transporte de mercadorias, como à comunicação verbal dos recursos humanos. Os tele­fones são raros e as antenas para telemóveis têm pouco alcance, não cobrindo senão uma parte ínfima do território.
No que diz respeito à produção dos diversos produtos, aqui existentes, viemos a saber que, em certos sectores tem baixado, por exemplo nos sectores algodoeiro, sisaleiro e cajueiro, sem falar no da copra. E, de facto, por onde quer que passemos, vemos, infe­lizmente, fábricas de proporções bastante grandes, completamente destruídas, à espera que alguém as reabilite e as ponha a funcionar. Haja vontade política, que braços para trabalhar existem muitos, mas ainda cruzados, esperando, embora, por quem os queira contratar.
Neste mesmo dia 13 de Agosto, a Tabita e o Adelino que tinham ficado nas Chocas-Mar tiveram a alvorada às seis da manhã e aguardaram pelo Sr. Falcão que, tendo ido na véspera a Nampula, por ali ficar retido, esquecendo-se do compromisso de os ir levar à Plantação. Em vez disto, fizeram uma sessão intensa de estudo de Inglês, com uma meia hora de intervalo de praia, pelo meio. O Adelino, ou aprende línguas (inglês e Macua) e ultrapassa o medo das ondas, ou fica a dever muito à sua consciência, colocando a Tabita, sua professora, em maus lençóis!

CAPÍTULO DEZASSETE

DE MUTUALI AO GURUÉ

1- O Nascer do Sol no Mutiali

Estamos no dia 14 de Agosto de 2002. É quarta-feira. Esperançado, levanto-me às 5 horas e preparo-me para acompanhar o Fernando que, já de pé, e de máquina na mão, anda de um lado para o outro, ansioso por fotografar o nascer do Sol.

 São, agora, as 5 horas e meia. Dirijo-me, pois, ao miradouro da casa nº Um. É, aqui, que o Fernando espreita, impacientemente. A posição é privilegiada! Lá longe, no hori­zonte, descortinam-se as belas montanhas que, aqui e acolá, emergem com um pico mais elevado, esbatendo a monotonia da serrania. A neblina e uma nuvem ou outra, emprestam ao quadro um ambiente de mistério e de sonho!
Ainda escuro, as sombras são quase inexistentes, tal é o vermelhão, no horizonte for­mado pelos raios solares que estão para despontar. Um pouco mais e, à minha frente, avista-se o espraiar da planície, meio às escuras e entrecortada com algumas queimadas que, esfumando, deixam a impressão de estarmos perante pequenas velas a fumegar numa imensa sala de visitas, em tempo de verão seco, sem iluminação artificial! Mas eis que quase inesperadamente o sol começa a subir atrás da montanha, qual alpinista, ofe­gante e desejoso de chegar ao topo! A cada momento que passa, o clarão aumenta e os montes recortam o céu, delineando formas diversas e enigmáticas!
Dentro de momentos surge, no cimo do monte, uma circunferência radiada de cores vivas e ofuscantes. Mais parece um ovni que chega, inesperadamente, de um outro pla­neta e que, agora, quer pousar sobre o monte central da cordilheira! Momentos, depois, esse aparelho gigante começa a esconder-se detrás de algumas nuvens, ao longo das quais sobressai o espectro dos seus raios quentes e luminosos. Agora a frescura dos primeiros momentos da aurora transforma-se e passamos a sentir que o calor aumenta gradualmente. Começa o dia que promete ser quente!
E, pouco a pouco, os restantes colegas mais amantes do descanso vão deixando os seus leitos mornos para se embrenharem nos afazeres de mais um dia de descobertas.

2- A Cobra da Fonte

Ao pequeno-almoço, e falando-se dos mistérios da África, o director da empresa JFS, que já se encontra em Moçambique, há mais de trinta anos, recorda um episódio que se passou com ele próprio.
- “Acontece que no Mutuali a água que se consome vem dumas fontes que jorram da montanha. Segundo consta e se diz entre os populares, nessa fonte existe uma cobra que não faz mal a ninguém.
Um dia faltou água nas torneiras da empresa. Mandei que os canos fossem limpos com uma mangueira de pressão, pois dizia eu, devem estar entupidos de lodo que vem à mistura com a água, principalmente depois de umas boas chuvadas. Os empregados fizeram a limpeza, mas a água não chegava às torneiras. Os empregados diziam-lhe:
- Patrão, mande fazer cerimónia em honra da cobra. Se não faz a água não vem.
- Qual o quê. Lavem outra vez os tubos. Vamos ver.
- Nada Senhor. Água não tem. Deixa nós fazer cerimónia.
- Bom, ide lá e fazei como quiserdes.
- E lá foram os homens à fonte. E, por mais incrível que pareça, a água começou a cor­rer nas torneiras da empresa. Acreditem se quiserem e se não quiserem fiquem incré­dulos, como eu o era antes. O certo é que, assim se passou, para meu grande espanto”.
E, caro leitor, da minha parte, nada mais há, senão transmitir-vos a história como ela me foi contada. A vós pertence acreditar ou dar-lhe o devido desconto.

3- O Rapaz enamorado

O mesmo senhor contou-nos este episódio que disse ter sido verídico também.
- “Um rapaz da empresa andava apaixonado por uma rapariga lá da aldeia. Sempre que ela se dirigia a casa, ele esperava-a e seguia-a até à sua porta, mas ela não lhe dava troco e, ainda por cima, desdenhava dele.
Um dia, já desesperado, vai ter com o feiticeiro. Depois de lhe ter contado o sucedido, o feiticeiro disse-lhe o que devia fazer para conquistar a moça.
-         Você segue rapariga até sua porta. Vê bem onde ela põe os pés.
-         Sim, Stá bem
-         Depois dela ter entrado, você arrebanha a terra onde ela pôs os pés e traz den­tro de caixa a mim. E deixa comigo. Ela vai andar atrás de você
-         Sim. Valeu.
O Rapaz seguiu, à risca, as instruções do feiticeiro. Mas tudo continuou como dantes. A rapariga continuava a não lhe ligar. O rapaz vai, de novo, ao feiticeiro que lhe manda trazer um pedaço da roupa da rapariga, coisa que se afigurava mais difícil. Tudo fez, mas os resultados continuavam sempre os mesmos.
O rapaz, vendo que, cada vez que consultava o feiticeiro era uma porrada de massa que desembolsava, decidiu, seguir outro estratagema. Encheu-se de coragem e foi falar com a moça, dizendo-lhe que estava interessado nela. E a estratégia resultou.
Passados dias, o feiticeiro encontra-o e diz-lhe:
-         Então os meus feitiços deram resultado, ou não?
-         E o palerma do rapaz, ficou de tal maneira encavacado que não soube dizer nada.
-         Mas a rapariga está ou não interessada em você?
-         Está. Mas já não sei porque razão”.
O contador terminou por esclarecer que o tal rapaz era filho de gente com posses e de bom-nome, o que dá à história outra luz!

4- O Monte Namuli[10]

Há histórias que correm, entre o povo, sobre o monte Namuli. Umas rezam que foi ali que nasceram os primeiros homens Macuas, sendo o rio, um dos principais elementos que serviram para a distinção entre homens brancos e homens negros. É que, diz-se, enquanto os negros, não quiseram dar-se ao trabalho de se levantar da sombra em que jaziam para atravessar o rio, em busca de melhor sorte, os brancos levantaram-se afron­taram o calor e as correntes do rio, atravessando este e diversificando a sua busca de bem-estar por todos os recantos. Assim se explica que os brancos sejam mais prósperos e ricos, enquanto que os seus irmãos negros têm de contentaram com a sombra da sua árvore que, para uns, é da bananeira, para outros, a do cajueiro ou da mangueira.
Outras asseveram que, nesse monte, existem vestígios de seres humanos muito antigos. Questionado sobre o tipo de vestígios, um nosso interlocutor, o Sr. Calisto, prontificou-se a dizer-nos o que constava, entre os seus compatriotas:
-         Que vestígios são esses?
-         Trilhos de bicicletas.
-         Trilhos de bicicletas?
-         Sim, patrão. E de carros.
-         Que carros?
-         De crianças, mas também de adultos e passos de pessoas.
Mas, como é que esses vestígios aí apareceram é que não sabe explicar.

5- O tanque russo nº 715 e o Fantasma do poder

À saída de Mutuali, pela manhã, passámos pela estação de Caminhos-de-ferro. Os edifí­cios estão arruinados, assim como o comboio ou vagões que por ali apodrecem, à espera de quem os remova. Mesmo em frente à estação jaz, igualmente, em ruínas, um tanque de guerra, de tipo soviético, com o número 715.
-         Não pode tirar retrato, patrão, disseram algumas pessoas, ao Luís que estava a preparar-se para fotografar o tanque.
-         Porquê?
-         Nada. Não pode.
-         Posso, sim. Ainda ontem jantei com Sr. Administrador de Malema.
-         Ai patrão! Tira a nós também!

6- Demandando o Gurué[11]

Voltando atrás e tomando a via do Gurué, passámos em frente à Escola Secundária, cortando à esquerda. Seguimos até à estátua de Nossa Senhora de Fátima, perto da qual se encontra o Posto Administrativo. Ali se fizeram algumas fotografias, seguindo via­gem. Eram, então 10.58 horas.
Pelo caminho, ou picada, tivemos oportunidade de ver campos semeados de feijão ebuiri, mapira, girassol, bambu, abóbora, além de árvores frutíferas comuns.
Às 12.00 horas estávamos no Posto Administrativo de Lioma (nome de um Régulo), do distrito do Gurué, Província da Zambézia. E às 12,12h o Luís fez umas fotos a uma chou­pana com montes, por fundo. Ao longo do caminho vi também plantações de ou cassava, outro nome dado à mandioca, que é um “género de planta euforbácea, que compreende arbustos da América, cuja raiz fornece uma fécula nutritiva de que se faz a tapioca[12]. Na Vila do Gurué vimos também Inhame com as suas folhas largas e em forma de coração.
Às 12.35 h chegámos à bifurcação Milange que dá para a fronteira com o Malawi (diz-se que esta fronteira é uma das principais para o tráfico de estupefacientes) e o Gurué, por onde seguimos. Encontrámos, em algumas machambas, feijão manteiga.
Às 13.30 começámos a sentir uma certa mudança e quase brusca. De abafado e quente passámos a uma temperatura mais amena e fresca. Descendo um pouco mais, e chegá­mos ao Rio Nivagué, em cujas margens havia uma espécie esquisita de árvore de tronco liso e galhos salientes e largos e sem folhas. Disseram-nos camponeses que essas árvo­res, se chamavam Caboucos. Numa delas havia um grande ninho de vespas que mais parecia um grande mamão. Mais afastada estava uma mancha de eucaliptos, o que nos fez lembrar um canto da Europa. Este sítio quase paradisíaco foi palco de uma bela ses­são de fotografia que durou até às 13.50, hora em que recomeçámos o caminho. Para chegarmos à Organização CHÁ NAMRÓI, às 14.00h e ao Grupo GULAMO, às14.10h. Os campos de chá eram belíssimos.

7- A planta do chá

Ao entrarmos neste reino do chá, não resisto. Mando parar o carro e desço para analisar a planta que tanta fama adquiriu, em todo o mundo.
As plantas são rasteiras – cerca de 50 centímetros de altura; copa arredondada. Separa­das umas das outras por uns 80 cm ou um metro, apenas. As copas tocam-se; a folha é parecida à do loureiro, embora menos alongada. Quando podadas têm o aspecto das nos­sas sebes, aparadas. A flor é branca, de 5 pétalas, normalmente. A coroa tem filamen­tos finos e de cor amarela. O seu cheiro é agradável.
A visão que se tem da estrada é espectacular. É uma encosta dum lado e do outro, toda verdinha com as filas dos arbustos do chá. Em volta pode admirar-se também a cordi­lheira dos montes que nos acompanha quase sempre, ao longo da excursão.

8- Já no Gurué

Às 14.45 horas chegámos a Karela Microfinanças, já dentro da Vila do Gurué. Que­ríamos comer. Mas a patroa não estava e não havia almoço para ninguém. Seguimos um pouco mais adiante, até à Rotunda principal, à volta da qual se encontram o café Dioní­sio, o Cinema, a MASF Companheira do Progresso Agrícola Agroquímica do Gurué, Micoa – Direcção Distrital, Coordenação da Acção Ambiental do Gurué; Bar Restau­rante, ao lado.
Fomos então almoçar. Tivemos bifes com batata frita e ovo a cavalo. A despesa total, incluindo o motorista e o guia, foi de 800.000 MTS o que veio a dar a cada um de nós 173.000 MTS.
Ao sair, subimos a rua, deixando para trás a Rotunda. Encontrámos a Praça da Indepen­dência com um jardim e a bandeira Moçambicana, feita em cimento. Seguindo, tínha­mos o jardim, ao lado direito, e, à esquerda, as Bombas de gasolina. Mais à frente uma Igreja e outro jardim sobranceiro, servindo de miradouro. Olhando em frente, ­gozávamos duma vista esplêndida. Arvoredo frutífero pela encosta, abaixo, e, lá ao longe, os montes sempre a limitar a visão e a aconchegar a região. Voltando às bombas de gasolina e olhando para o lado direito, pudemos admirar o monte Malissan e por detrás desse, a cerca de 60km, o Monte Namuli, berço dos Macuas, segundo a tradição popular a que já nos referimos anteriormente.
Deixando a vila do Gurué e seguindo em direcção às plantações de JFS. Apanhámos o pôr-do-sol, às 17.10h. Parecia uma bola de fogo. Foi outra sessão, para o Luís e Gil. Este dizia que parecia uma bela romã.
Chegámos à residência de JFS por volta das 20.00 horas. Tendo sacudido o pó, tanto da roupa como das malas e sacos e falado com o gerente, Eng. Frederico, fomos tomar banho, após o qual nos foi servido o jantar: fricassé de galinha com puré de batata e salada. Por bebida tivemos água, Coca-Cola e vinho. Terminado este, eu vim para o quarto a escrever estas linhas que terminei às 23.18 horas.

9- Adelino e Tabita nas Chocas-Mar

Enquanto nós percorríamos o Norte, em busca das terras do chá, o Adelino e a Tabita continuavam a tomar conta de Saua-Saua e, segundo dados recolhidos, depois do nosso regresso, também eles se desunharam, como puderam. Eis como eles passaram este dia:
“ 14-08-2002. Alvorada às 6 horas da matina.
O Sr. Adamo chegou às 6:45 da manhã, tendo sido contactado, ontem, pelo Raimundo, para hoje fazer o frete de ir a Nacala connosco. O condutor fez a viagem quase toda a uma velocidade de 60/70 quilómetros por hora, fazendo uma condução segura e pou­pando o carro. Mal chegámos a Nacala, fomos, de imediato, ao BIM levantar dinheiro, mas o Multibanco estava fora de serviço, de modo que aplicámos outra estratégia – levantar dinheiro, ao Balcão, com o cartão VISA.
Soubemos das condições para abertura de conta para estrangeiros e espanto dos espantos, disseram-nos que era necessário, apenas, um milhão de meticais. Aproveitá­mos logo para abrir uma conta. No entanto pensámos que o Zé Matias devia também fazer parte desta, pelo que, noutra altura, teríamos de actualizar a situação. Foi neces­sário um fiador, pelo que recorremos ao Sr. Ciríaco, gerente da JFS de Nacala.
Fizemos muitas compras na JFS (cimento e mercearia) apesar de ser um pouco mais caro do que em outros lados (ex., um saco de cimento mais 5 mil; cerveja média mais 500). Outras compras foram feitas nas organizações MH, onde trabalha um branco do Porto, tendo-nos feito um desconto de 10% e ficando combinado que, em futuras com­pras, para a recuperação de Saua-Saua, nos faria os mesmos 10% de desconto
Deixou-se o material na plantação, onde afinamos alguns pormenores – o Canalizador ganha 60 mil meticais por dia e o ajudante é nosso. Encontramos o Régulo em Saua-Saua, dando-lhe boleia, no regresso e um “saguate “de 50 mil.
Almoçamos às 16:15 h e fizemos um resto de tarde de estudo.
De realçar que fizemos uma boa relação com o condutor, o Sr. Adamo, que a certa altura, estava constipado e com dores de cabeça e garganta, dizendo-nos que ainda não tinha comido nada, o mesmo acontecendo no dia anterior. Demos-lhe um sumo e um comprimido, no momento, levando uma reserva para os outros dias. No fim da viagem, no acto de pagar, disse-nos que era para levar 900 mil meticais, mas ia fazer 800 com todo o gosto. A sua esposa que viajou connosco na caixa aberta, disse que nos iria ofe­recer um “achar”, que é um produto picante para o caril (constituído por: limão, ou manga e outros condimentos”.




[1] Segundo dados recolhidos, em 1995, pela United Nations High Commissioner for Refugees e pela United Nations Development Programme; Cf. District development Profiles (UNHCR E UNDP, Mossuril District – Nampula Province, Maputo December, 1997, pp.3-4
[2]  O seu Telefone e o seu  Fax são os mesmos da empresa EDM, isto é: 610137
[3] Também conhecido, às vezes por Lombo, foi um Posto administrativo da circunscrição do Mossuril. Tinha uma delegação aduaneira, estação de telégrafo., posto e radiotelegrafia., escola primária e sede da direcção, oficinas e demais serviços dos caminhos-de-ferro de Moçambique. Fica na pequena enseada situada ao fundo e ao Sul da baía do Mossuril. Conserva-se ainda o aeródromo, mas os hangares afins estão em muito mau estado.
[4] Pequena povoação do distrito de Moçambique, onde, em 1897, se travou um combate entre os nativos Namarrais e a coluna militar comandada por Mouzinho de Albuquerque, já governador de Moçambique.
[5] Antigo Posto administrativo da Circunscrição do Mossuril, distrito de Nampula: Tinha estação de telég. post. E de caminhos-de-ferro. Hoje possui uma estação de combustíveis que serve a região.
[6] Cujo telefone é o 082,454925
[7] Ribaué, como circunscrição ou distrito, tem, como rios principais, o Ligonha, o Lalaua eo Lúrio que limita a circunscrição com os territórios do Niassa. Possui montes importantes, tais como: os Montes Ribaué, Namacula e Naculué. Todo este maravilhoso conjunto, faz da região uma das melhores de Moçambique quanto ao clima, encontrando-se a Vila do mesmo nome a uma altitude de 540 metros..
[8] Situa-se na Avenida Principal, tendo por telefone e Fax o nº (06) 216395 l: e como Mail: Mapuanha @ ZIP AIL. COM. BR. Este complexo é uma possibilidade ou alternativa para comer e pernoitar.
[9] Antiga circunscrição do distrito de Nampula, com sede em Entre-Rios. Foi criada em 1922, na sicessão dos extintos comandos militares. Veio a ser extinta em 14/02/1934 e restaurada em 12/12/1942. Possui uma área de 5.350km2. É limitada a S. Pelo rio Ligonha, que a separa da circ. Do Alto Molocué, a SO da região de Lujela, pelo paralelo 15º na extensão que corre do seu encontro do rio Ligonha até ao rio Lúrio; a O.,NO.e N., pelo rio Lúrio que a separa dos territórios que foram administrados pela companhia do Niassa e a Este, da circ. De Ribaué, por uma linha quebrada que correr entre os rios Lúrio e Ligonha e que no seu percurso encontra o rio Lalaua (Cf. Grande Enc. Port e Brasil). Nessa altura Malema compreendia o Posto de Mutuali. O mesmo nome Malema é dado ao rio de Moçambique que é afluente da margem direita do Lúrio que nasce próximo dos picos do monte Namuli.
[10] Este monte é o mais alto do Gurué. Encontra-se situado entre as Províncias do Niassa e da Zambézia, estando mais inclinado para o território do Niassa. Trata-se de uma grande montanha, cuja altitude máxima é de 2.700 m. Termina numa série de picos. Conhecidos por picos Namuli. É de origem vulcânica e, ficando na linha de vulcões que se estende do mar Vermelho ao Cabo, constituem o grupo orográfico mais notável da região montanhosa entre o delta do Zambeze e o Rovuma. É neste grupo montanhoso que nascem o rio Licunho e vários afluentes do rio Lúrio, como o rio Malema. Estes montes são considerados os mais belos de toda a África, pela sua vegetação luxuriante. O seu pico mais levado é o Namuli, existindo outros, como o Malesani, Meruli, Meresi, etc.


[11] Município moçambicano da província da Zambézia, com sede em Vila Junqueiro, que dista cerca de 400km da cidade portuária de Quelimane, a capital da província. Ocupa uma superfície de 5.742 km2, com a população de 85.000 h. A sua altitude média ultrapassa os 1.200 m. Na sua área há montes com mais de 2.000 metros de altitude, chegando o pico do Namuli a atingir 2.419m. trata-se de uma região muito fértil, com excepcionais aptidões para a cultura do chá.
[12] Cf. Dicionário enciclopédico Koogan Larousse – Selecções, vol. 2, Lisboa 1979, p.534.

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